sábado, fevereiro 24, 2007

EXIGÊNCIAS DA NOVA POBREZA

Há quatro anos, em 2003, foi realizada aqui no distrito do Sapopemba, zona leste de São Paulo, uma série de audiências públicas convocadas pelos Movimentos Sociais locais para cobrar dos poderes públicos, principalmente do Governo Municipal, investimentos para enfrentar as demandas sociais do distrito.
A primeira dificuldade foi conseguir dados regionalizados, pois os orçamentos são centralizados e divididos por secretarias que não se intercomunicam. Por exemplo: Uma demanda prioritária dos Movimentos Sociais era em relação aos investimentos ao quesito Infância e Juventude. Ora, os orçamentos em todos níveis de governo apresentam diversos programas para atender essa demanda, mas sem nenhuma relação entre eles, porque estão espalhados pelas diversas secretarias de educação, assistência social, esporte, saúde, etc., e nos diferentes níveis de governo. Não raro é existir disputas entre os diferentes órgãos governamentais em cima da mesma demanda com o objetivo de aumentar as suas áreas de influências, prestígio, poder com o aumento de suas rubricas orçamentárias.
Outro dado importante, durante esse processo, e que não coincidiu com a avaliação dos Movimentos Sociais, foi descobrir que a região contava com a maior receita absoluta entre todos os distritos da capital.
Daí resultavam duas questões: 1)As demandas represadas era de tal monta que mesmo com grandes investimentos, as respostas seriam demoradas; 2) A eficiência e a eficácia na aplicação dos recursos públicos deveriam ser revistas. Infelizmente esse processo não seguiu adiante naquele momento e as questões não foram respondidas.
Outro ponto importante que o artigo destaca é quanto ao peso do funcionalismo público na implementação das políticas públicas e sociais. O artigo constata a redução que vem sofrendo o funcionalismo público direto nos últimos anos em relação ao crescimento populacional. Há aqui, ao meu ver, duas novas tendências que estão se impondo, que o artigo não quantifica e nem qualifica. De um lado os serviços públicos e sociais estão sendo terceirizados para empresas privadas, e de outro lado estão sendo assumidos por organizações do terceiro setor, as ditas ONGs.
Este artigo do Márcio Pochmann nos dá elementos para pensarmos os atuais limites matriciais que estamos vivendo em relação a implementação das políticas públicas e sociais no Brasil. Moisés Basílio.


Opinião - Exigências da nova pobreza
Valor Econômico - 22/02/2007
Márcio Pochmann

A superação da visão de pobreza natural prevalecente no século XIX deu lugar à estruturação do Estado em novas bases para tratar do pauperismo emergente do capitalismo urbano-industrial. Até então, a concepção de pobreza natural não levava a demandas de políticas públicas, a não ser às de repressão policial para manter a ordem burguesa. Isso porque a pobreza era definida como inevitável e de estrita responsabilidade da própria população pauperizada, que "teimava" em se reproduzir num ritmo maior que o da produção de alimentos, conforme explicava, desde 1789, Thomas Malthus no famoso Ensaio Sobre a População.

As primeiras experiências de políticas públicas voltadas ao enfrentamento da nova pobreza resultaram na departamentalização do Estado, como no caso da Inglaterra, que por intermédio das Leis dos Pobres aprovadas pelo Parlamento inglês e postas em práticas pelas paróquias e magistrados locais (casas de trabalho), definiam os carentes não mais como vítimas, mas portadores de direitos de proteção e apoio social. Mesmo assim, a concessão por parte do
Estado do indispensável para não morrer de fome não era acompanhado do direito de cidadania (mobilidade territorial e voto).

Com o pioneiro estudo de Rowntree, em 1901, os segmentos populacionais pobres que se reproduziam na cidade de York, em meio à abundância da industrialização inglesa, passaram a ser definidos cientificamente a partir da medida de insuficiência de renda para reprodução humana. A partir daí, as interferências do Estado se tornaram cada vez mais departamentalizadas e especializadas para o enfrentamento da condição de privação social
reproduzida pelo avanço material do capitalismo industrial. Em síntese, o Estado passou a se estruturar na forma especializada de departamentos educação, saúde, habitação, trabalho, transporte, entre outros) para lidar parcialmente com as incapacidades individuais da população pauperizada, o que gerou o padrão de políticas sociais do século 20.

No Brasil, a estruturação do Estado não foi diferente. A partir da Revolução de 1930 que a ossatura do Estado avançou decisivamente na forma departamentalizada de ações especializadas para tratar da manifestação diferenciada das carências individualizadas (pobre faminto, pobre
analfabeto, pobre sem teto, pobre desassistido, pobre doente, entre outras modalidades). Apesar dos avanços verificados desde então, o país segue, neste início do século 21, sem superar a velha condição de pobreza, com a significativa presença de famintos, analfabetos, sem teto etc. Para agravar, verifica-se a manifestação de uma nova pobreza, não mais parcial e individualizada pela condição de baixa renda, fome, reduzida educação etc, mas sistêmica no quadro geral de vulnerabilidades que se totalizam sobre o indivíduo.

Justamente por conta disso, as políticas públicas tradicionais, estruturadas por departamentos especializados, estão condenadas ao enfrentamento fracassado da nova pobreza, comprometendo recursos relativamente ascendentes e oferecendo resultados decrescentes por unidade de dispêndio. Não se justificam mais como avanço isolado no interior dos complexos da política social, seja no âmbito da habitação popular, da qualificação profissional, da assistência, da educação, da saúde, entre outras. É preciso reconhecer que a nova pobreza é totalizante, exigindo, portanto, matricialidade nas políticas públicas e articulação inteligente do conjunto das ações no plano territorial. Em síntese, cabe uma nova ossatura do Estado. Não mais os sistemas únicos de especialização do Estado departamentalizado que se estruturam por caixinhas (saúde, assistência, trabalho, habitação, entre outros) e operam como se a pobreza pudesse ser fatiada. É por isso que o sucesso de uma política pública tende a se restringir apenas e tão somente a uma parte dos pobres, como no caso da redução da desigualdade no Brasil vista tão somente pela repartição do rendimento do trabalho) que ocorre simultaneamente ao aumento do desemprego, da diminuição do salário real e da piora da educação durante os últimos dez anos.

Nos dias de hoje, o avanço social requer um novo padrão de políticas públicas. Mas para isso, urge superar três constrangimentos no Brasil: 1) o anacronismo do processo orçamentário, que ainda funciona com rubricas inibidoras da gestão compartilhada de recursos e ações; 2) a concepção ultrapassada de gestores e corporações quanto à nova pobreza e 3) o conservadorismo das elites em relação à necessária estruturação matricial do Estado. Sobre isso, aliás, destaca-se a fraqueza do Estado para lidar com a nova questão social frente à redução relativa do quadro de funcionários públicos. Se até a década de 1980 o emprego público era crescente e compatível com o aumento da população (de 1,2% para 5,1% dos habitantes entre 1940 e 1980), a partir de 1990 ele vem decaindo, para se situar num dos mais baixos parâmetro do mundo.

A nova pobreza requer um outro padrão de política pública no Brasil. Mas este se encontra bloqueado por constrangimentos vinculados à concepção ultrapassada do papel do Estado em relação à questão social. Até quando?

Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro
de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade de Campinas.

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