quinta-feira, maio 25, 2006

Concessão da USP?

Fonte: Resposta de Moisés Basílio Leal para o editorial do Estadão de 25/5/2006.
O sentimento de contrariedade expressa no editorial do Estadão (A concessão da USP, 26/5, A3) a respeito da proposta do “Inclusp”, aprovada por ampla maioria do Conselho Universitário é eivada de equívocos. Um deles é desconsiderar que uma universidade pública deve ter uma função social a cumprir. Ampliar os canais de acesso à universidade pública não pode ser visto como concessão, mas como direito, pois USP não pode continuar a ser uma “ilha da fantasia” da aristocracia paulista.
Também é falso o argumento de que a “qualidade” e a “excelência”, do ensino, pesquisa e extensão da USP se opõem à democratização do acesso. O desafio atual da USP e das outras instituições públicas de ensino superior é o de não cair no dilema, que num momento histórico anterior, o nível de ensino básico brasileiro entrou, ao não conseguir articular a democratização do acesso à qualidade de ensino, gerando uma crise que parece não ter solução em curto prazo. E é sempre bom lembrar, que uma das variantes causadora dessa situação foi a falta de senso cidadão das classes médias, que preferiram abandonar a escola pública de ensino básico e apostar no que eu chamo de “apartheid” educacional: Uma escola pública para os sem rendas e outra escola privada para os com rendas.
A proposta do “Inclusp” ainda é insuficiente para ajudar a romper esse “apartheid”, mas aponta na direção correta que é a de potencializar oportunidades para os jovens vindos da escola pública, valorizar a escola pública de educação básica e ampliar e democratizar os canais de acessos ao ensino público superior, por mérito e não por concessão ou esmola, como sugere em várias passagens o editorial. Injusto e antidemocrático, é o atual sistema de vestibulares, baseado numa meritocracia conteudísta e aristocrática, que ignora em suas avaliações as reais capacidades e habilidades dos vestibulandos, e que na verdade propicia a existência de um sistema invisível de cotas às avessas.

A concessão da USP

Fonte: Editorial do Estadão - 25/05/2006 - A3
Pressionada por movimentos sociais e pelo governo federal, por resistir à adoção de cotas para alunos pobres e negros, a Universidade de São Paulo (USP) acaba de fazer uma concessão aos defensores de políticas de ação afirmativa no ensino superior, mudando os critérios de aprovação de seu vestibular. Chamada de "Inclusp", a proposta de se promover "inclusão com mérito acadêmico" foi aprovada pelo Conselho Universitário por 79 votos contra 2 e 6 abstenções e será posta em prática já no próximo processo seletivo.

O vestibular da USP é o mais concorrido do País, tendo as provas de 2005 sido disputadas por 170 mil candidatos. Para o próximo exame, a instituição oferecerá 6.600 vagas no período diurno e 3.602 no período noturno. O novo critério concede pontos adicionais aos vestibulandos egressos da rede pública de ensino básico. Segundo a proposta aprovada pelo Conselho Universitário, o bônus será de 3% da nota e valerá nas duas primeiras fases do vestibular. Isso significa que se um candidato favorecido por essa medida acertar 50 questões, em vez de 50 pontos ele ficará com 51,5.

O projeto também prevê a criação, em 2007, de um sistema de avaliação seriada, por meio do qual as notas obtidas pelos alunos da rede pública durante o ensino médio serão levadas em conta pela Fuvest. Além disso, o projeto mantém as cinco horas de duração da prova da primeira fase, mas reduz as questões de 100 para 90 e determina que 10 delas sejam de caráter interdisciplinar. Segundo os autores desta inovação, o atual vestibular "privilegia o acúmulo quantitativo da informação e não o potencial intelectual e criativo dos candidatos". A idéia é que os vestibulandos demonstrem capacidade de relacionar conhecimentos e de analisar diferentes contextos.

A redução das questões foi bem recebida pelos diretores de escolas e cursinhos, uma vez que dá mais tempo para que os estudantes possam respondê-las. As perguntas de caráter interdisciplinar também não constituem novidade, pois já são exigidas no Enem. O ponto polêmico está na concessão do bônus de 3%. Segundo a reitora Suely Vilela, esse porcentual foi calculado para elevar de 20% para 30% o número de ingressantes da USP oriundos da rede escolar pública. "A USP articulou o mérito acadêmico com inclusão social. Por isso, decidimos não implementar uma política de cotas", diz ela.

A iniciativa vai criar situações de injustiça, pois prejudicará alunos que trabalham de dia para poder estudar em bons colégios particulares à noite. "Acho uma injustiça. Vamos incluir uns e excluir outros. Há alunos pobres em escolas privadas também", afirma a professora Cláudia Peixoto, que representa o Instituto de Matemática e Estatística no Conselho de Graduação e votou contra o projeto. "A USP está fazendo a parte dela, mas o governo deveria melhorar o ensino público, para o aluno não precisar dessa esmola", é a opinião de Eduardo Figueiredo, do Objetivo.

A concessão feita pela USP em nome da "inclusão social", como alternativa ao sistema de cotas, pode ter conseqüências prejudiciais para a qualidade do ensino. A expansão das vagas no período noturno prevista pelo "Inclusp" pode inflar excessivamente as salas de aula, inviabilizando qualquer projeto pedagógico. E a presença de alunos com formação desigual pode dificultar o trabalho dos professores. Além disso, como expandir a educação tecnológica, a pesquisa de ponta e uma pós-graduação internacionalmente respeitada com a divisão, na graduação, entre alunos que fazem cursos diurnos, os mais exigentes, e os que fazem os cursos noturnos, que tendem a ser menos exigentes?

Na realidade, inclusão social não se faz "por cima", ou seja, pela facilitação do acesso à educação superior, mas pela melhora da qualidade do ensino fundamental. Este nível de ensino é decisivo seja para permitir oportunidades profissionais e distribuir renda, seja para assegurar a emancipação intelectual das novas gerações. Ao se opor ao sistema de cotas, a USP agiu corretamente. Contudo, ao fazer uma concessão ao politicamente correto, está criando para si problemas difíceis de administrar.