sábado, outubro 15, 2016

PAULINHO DA VIOLA AFINADÍSSIMO: SAMBA EM CONCERTO

Por Moisés Basílio

          O samba que nasceu nos terreiros, nos momentos de festa e lazer do povo preto em terras brasileiras, oficialmente completa 100 anos em 2016, em lembrança da primeira gravação do gênero em disco, com o famoso samba maxixe Pelo Telefone de autoria oficial de Donga e Mauro de Almeida. Digo autoria oficial por que há uma celeuma imensa em torno de quem seriam os verdadeiros autores. Mas, como o próprio Donga sentenciou, autoria de samba é igual a  caça de passarinho, quem pega primeiro é o dono.

           Dos terreiros para o disco, do disco para o rádio, para o teatro de revista, para o cinema, para os desfiles de rua das escolas de samba e salões de bailes, para a televisão e também para concerto em teatro devidamente preparado para esse fim. E o Paulinho da Viola é músico virtuoso para o concerto de samba, nesta sexta-feira, dia 07/10/2016, no teatro Net em São Paulo.

          Os músicos foram posicionados em um semi-círculo com a seguinte escalação da esquerda para a direita: Adriano Souza (teclado); Mario Sergio (flauta), Dino (violão 7 cordas), Beatriz Rabello (voz), Celsinho (percussão), Hércules (ritmo), Ricardo Costa (bateria e João Rabello (violão). Ao centro do semi-círculo, Paulinho da Viola (voz, cavaquinho e violão).

          No comando do rigorosíssimo Paulinho da Viola o concerto teve o seguinte roteiro musical:

1. O samba Dama de Espadas abriu a apresentação somente com a voz e o violão de Paulinho:


Ela vem com as cartas marcadas e diz:
Você é um espada no amor
Mas o seu jogo é pesado
E eu não desejo ser mais um fiel perdedor
Quem traçava o baralho era ela
Ficando com a sorte e me dando azar
Quase sempre n fim da parada
Eu não tinha mais nada
D meu pra jogar

No amor não se brinca com fogo
Parei com esse jogo sem forra e perdão
Hoje faço meu lance e não corro
Mas quero saber
Quais as chances do meu coração
Procurando mudar meu destino
Fugi do cassino onde quase quebrei
E dispensei essa dama
Que finge que ama
Chamando de rei


2. Um samba, que eu não soube identificar, com a voz e o violão de Paulinho;

3. O clássico Sinal Fechado executado já com o grupo musical no acompanhamento;


Olá, como vai?
Eu vou indo e você, tudo bem?
Tudo bem, eu vou indo, correndo
Pegar meu lugar no futuro, e você?
Tudo bem, eu vou indo em busca
De um sono tranqüilo, quem sabe?
Quanto tempo...
Pois é, quanto tempo...
(pausa)
Me perdoe a pressa
É a alma dos nossos negócios...
Oh, não tem de que
Eu também só ando a cem
Quando é que você telefona?
Precisamos nos ver por aí
Pra semana, prometo,
Talvez nos vejamos, quem sabe?
Quanto tempo...
Pois é, quanto tempo...

Tanta coisa que eu tinha a dizer
Mas eu sumi na poeira das ruas
Eu também tenho algo a dizer
Mas me foge a lembrança
Por favor, telefone, eu preciso beber
Alguma coisa rapidamente
Pra semana...
O sinal...
Eu procuro você...
Vai abrir! Vai abrir!
Prometo, não esqueço
Por favor, não esqueça
Não esqueço, não esqueço
Adeus...


4. Um samba novo, que segundo Paulinho tem uma levada meio de bossa nova;

5. Começa um samba, que alguém da fileira de trás identifica como sendo do Gudin. O som não está bom e o rigoroso Paulinho pede para parar e acertar. Entra a Beatriz Rebello, sua filha, para acompanhá-lo.

6. Paulinho canta um samba de sua autoria que não estava no roteiro: "Ruas que sonhei".

O sol que bate na calçada nesta tarde
Não trouxe o dia que anseia meu olhar
E leva embora o consolo dos olhares
Das morenas
Bem no tempo de sorrir e namorar
Toda beleza que havia nesta rua
Há pouco tempo deu um vento e carregou
E muita gente se vestindo de alegria
Vai fingindo todo dia
Que a tristeza já passou

Amor, repare o tempo
Enquanto eu faço um samba triste pra cantar
Te mostro a vida pra mudar o teu sorriso
Te dou meu samba com vontade de chorar
Amor, felicidade
É o segredo que outro dia te contei
O sol que morre nos cabelos das morenas
Um dia nasce sobre as ruas que sonhei

7. Paulinho dá uma pausa e fala sobre a importância de ter os instrumentos afinados na execução da música e afirma: "Melhor perder um tempo afinando, do que tocar desafinado". Em seguida ele apresenta o samba Dança da Solidão:

Solidão é lava
Que cobre tudo
Amargura em minha boca
Sorri seus dentes de chumbo
Solidão palavra
Cavada no coração
Resignado e mudo
No compasso da desilusão

Desilusão, desilusão
Danço eu dança você
Na dança da solidão

Camélia ficou viúva
Joana se apaixonou
Maria tentou a morte
Por causa do seu amor
Meu pai sempre me dizia
Meu filho tome cuidado
Quando eu penso no futuro
Não esqueço meu passado

Desilusão, desilusão
Danço eu dança você
Na dança da solidão

Quando chega a madrugada
Meu pensamento vagueia
Corro os dedos na viola
Contemplando a lua cheia
Apesar de tudo existe
Uma fonte de água pura
Quem beber daquela água
Não terá mais amargura

8. Segue o concerto com Vela no Breu, samba de Paulinho e Sergio Natureza.

Ama e lança chamas
Assovia quando bebe
Canta quando espanta
Mal olhado, azar e febre

Sonha colorido
Adivinha em preto e branco
Anda bem vestido
De cartola e de tamanco

Dorme com cachorro
Com um gato e um cavaquinho
Dizem lá no morro
Que fala com passarinho

Depois de pequenino
Chora rindo
Olha pra nada
Diz que o céu é lindo
Na boca da madrugada

Sabe medicina
Aprendeu com sua avó
Analfabetina
Que domina como só

Plantas e outros ramos
Da flora medicinal
Com 108 anos
Nunca entrou num hospital

Joga capoeira
Nunca brigou com ninguém
Xepa lá na feira
Divide com quem não tem

Faz tudo o que sente
Nada do que tem é seu
Vive do presente
Acende a vela no breu


9. Paulinho dá a ordem aos músicos: Agora é só batucada e ataca com o samba Quando Bate uma Saudade.


Vem
Quando bate uma saudade
Triste
Carregado de emoção
Ou aflito quando um beijo já não arde
No reverso inevitável da paixão
Quase sempre um coração amargurado
Pelo desprezo de alguém
É tocando pelas cordas de uma viola
É assim que um samba vem

Quando o poeta se encontra
Sozinho num canto qualquer do seu mundo
Vibram acordes, surgem imagens
Soam palavras, formam-se frases
Mágoas
Tudo passa com o tempo
Lágrimas
São as pedras preciosas da ilusão
Quando surge a luz da criação no pensamento
Ele trata com ternura o sofrimento
E afasta a solidão


10. O belo samba Coração Leviano e tocada inicialmente com voz, cavaquinho e timba. Depois, num crescente, entram todos os instrumentos

Trama em segredo teus planos
Parte sem dizer adeus
Nem lembra dos meus desenganos
Fere quem tudo perdeu
Ah! Coração leviano
Não sabe o que fez do meu

Este pobre navegante
Meu coração amante
Enfrentou a tempestade
No mar da paixão e da loucura
Fruto da minha aventura
Em busca da felicidade

Ah! Coração teu engano
Foi esperar por um bem
De um coração leviano
Que nunca será de ninguém


11. Chorinho: Coração Imprudente de Paulinho e Capinan.

O que pode fazer

Um coração machucado
Senão cair no chorinho
Bater devagarinho pra não ser notado
E depois de ter chorado
Retirar de mansinho
De todo amor o espinho
Profundamente deixado

O que pode fazer
Um coração imprudente
Se não fugir um pouquinho
De seu bater descuidado
E depois de cair no chorinho
Sofrer de novo o espinho
Deixar doer novamente


12. Paulinho faz uma digressão sobre a importância do choro na sua formação musical e se considera como um músico de choro. Acompanhava seu pai, que era músico do conjunto do Jacob do Bandolin, quando era adolescente. Em 1969, ano de falecimento do Jacob, compôs  um belo choro, "Inesquecível", que é interpretado por seu filho João Rabello ao violão.

13. Outro choro instrumental executado por Paulinho no cavaquinho.

14. Paulinho apresenta um samba em primeira audição e diz que a ideia deste samba é toda da compositora Maria Bastos e que só deu alguns retoques finais. Sua filha Beatriz Rabello interpreta. 

15. Paulinho homenageia Candeia cantando Filosofia do Samba:

Mora na filosofia
Morou, Maria!
Morou, Maria?
Morou, Maria!

Pra cantar samba
Não preciso de razão
Pois a razão
Está sempre com os dois lados

Amor é tema tão falado
Mas ninguém seguiu
Nem cumpriu a grande lei
Cada qual ama a si próprio
Liberdade e Igualdade
Aonde estão não sei

Mora na filosofia
Morou, Maria!
Morou, Maria?
Morou, Maria!

Pra cantar samba
Veja o tema na lembrança
Cego é quem vê só aonde a vista alcança
Mandei meu dicionário às favas
Mudo é quem só se comunica com palavras
Se o dia nasce, renasce o samba
Se o dia morre, revive o samba

16. Paulinho canta Amor Ingrato de Jorge Mexeu;

Oh! que amor ingrato eu arranjei
Me abandonou, a razão não sei
Embora eu não tenha sorte
Meu coração é forte
E por isso eu não chorei
Até me conformei
Ela foi ingrata
Desprezou-me sem pensar
Não usou a consciência
Sua intenção era me abandonar
Mas se existe revertério na vida da gente
Espero um dia, paciente.


17. Paulinho conta a história de um samba que havia composto e deixado guardado numa fita cassete e que por brincadeira mostrou para a Marisa Montes e ela entregou  também de brincadeira para o Arnaldo Antunes fazer a letra no samba, que não é sua praia. Quando menos esperavam os brincalhões o samba já estava pronto para espanto de todos. O samba chama-se Talismã:

Eu não preciso de um talismã
Nem penso em meu amanhã
Vou remando com a maré
Eu não preciso de patuá
Nem peço ao meu orixá
Não vou na igreja, não sei rezar
Mas tenho fé
Pois agora quem eu quis
Também me quer

Por muito tempo
Eu batalhei o seu amor
Porém, você me desarmava
E só me dava o seu desdém

Quando me olhava parecia nem me ver
Eu era ninguém
Mas hoje em dia eu posso dizer
"Meu amuleto é meu bem"


18. O clássico Timoneiro, parceria de Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho  é apresentada: 

Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
É ele quem me navega
Como nem fosse levar
É ele quem me navega
Como nem fosse levar

E quanto mais remo mais rezo
Pra nunca mais se acabar
Essa viagem que faz
O mar em torno do mar
Meu velho um dia falou
Com seu jeito de avisar:
- Olha, o mar não tem cabelos
Que a gente possa agarrar

Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
É ele quem me navega
Como nem fosse levar
É ele quem me navega
Como nem fosse levar

Timoneiro nunca fui
Que eu não sou de velejar
O leme da minha vida
Deus é quem faz governar
E quando alguém me pergunta
Como se faz pra nadar
Explico que eu não navego
Quem me navega é o mar

Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
É ele quem me navega
Como nem fosse levar
É ele quem me navega
Como nem fosse levar

A rede do meu destino
Parece a de um pescador
Quando retorna vazia
Vem carregada de dor
Vivo num redemoinho
Deus bem sabe o que ele faz
A onda que me carrega
Ela mesma é quem me traz


19. Paulinho apresenta os músicos que o acompanha e finaliza seu concerto com outra composição clássica de seu repertório, Onde a Dor Não Tem Razão, dele e Elton Medeiros:

Canto
Pra dizer que no meu coração
Já não mais se agitam as ondas de uma paixão
Ele não é mais abrigo de amores perdidos
É um lago mais tranqüilo
Onde a dor não tem razão
Nele a semente de um novo amor nasceu
Livre de todo rancor, em flor se abriu
Venho reabrir as janelas da vida
E cantar como jamais cantei
Esta felicidade ainda

Quem esperou, como eu, por um novo carinho
E viveu tão sozinho
Tem que agradecer
Quando consegue do peito tirar um espinho
É que a velha esperança
Já não pode morrer


20. A plateia se levanta, aplaude e pede bis. E é atendida prontamente por Paulinho e seus músicos. Faz então um citação ao grande Moreira da Silva e ao tipo de malandro que ele ostentou durante boa parte de sua carreira e canta um samba onde o malandro desta vez se dá mal no jogo, mas se salva ao final com uma tirada hilariante ("Falei em Deus, mas sem má intenção"). O samba é o Jogando com o Capeta, autoria de Moreira da Silva e Ribeiro Cunha:

Jogando baralho, no terreiro grande
No meio de homens fortes - eu estava jogando com a sorte
Um desconhecido chegou, bem vestido
E me pediu o corte - eu disse-lhe "jogo até com a morte.
Mas se acaso ganhar, não vá sorrir e nem zombar,
Que hoje é meu companheiro - não vá levar o meu dinheiro
Não sou brigador, mas se perder e não pagar,
Eu vou bater no senhor" - ele me disse ‘és um terror'

Fiz um macete de valete e dama - o vargo perde e não reclama
E diz ‘que lama'
Puxou de uma bolada e me desacatou, - depois a sorte me deixou.
Ele tomou do lesco, e desfolhou
Fiquei sozinho, sem um companheiro - porque perderam o seu dinheiro
Depois ele sorrindo me disse: ‘desista porque eu sou trigueiro.
Eu sou o Chico Tintureiro, o Zé Carneiro'.
Fiz umas paradas mais eu tinha um peso - eu já estava quase pronto,
Acabei teso. puxei minha solinge e fiz o "pelo-sinal"

Ele me disse: ‘isto é que é mal'
"Deus me defenda do senhor", falei em Deus mas sem má intenção.
Mas para mim foi muito bom, porque deu um estouro e sumiu,
Era o capeta, mete cabelão - mas que cheirinho de alcatrão.


21. Mais uma canja do Paulinho e seus músicos: Argumento.

Tá legal
Eu aceito o argumento
Mas não me altere o samba tanto assim
Olha que a rapaziada está sentindo a falta
De um cavaco, de um pandeiro
Ou de um tamborim

Sem preconceito
Ou mania de passado
Sem querer ficar do lado
De quem não quer navegar
Faça como um velho marinheiro
Que durante o nevoeiro
Leva o barco devagar


22. O fecho de ouro do concerto: Foi um Rio que Passou em Minha Vida. Iniciou o samba de uma forma estranha aos ouvidos. Parou e explicou que foi assim que a melodia nasceu. Voltou e tocou a melodia como conhecemos. Grand finale, bravo!

Se um dia
Meu coração for consultado
Para saber se andou errado
Será difícil negar
Meu coração tem mania de amor
Amor não é fácil de achar
A marca dos meus desenganos ficou, ficou
Só um amor pode apagar

Porém
Há um caso diferente
Que marcou um breve tempo
Meu coração para sempre
Era dia de carnaval
Eu carregava uma tristeza
Não pensava em novo amor
Quando alguém que não me lembro anunciou
Portela, Portela
O samba trazendo alvorada
Meu coração conquistou

Ah, minha Portela
Quando vi você passar
Senti meu coração apressado
Todo o meu corpo tomado
Minha alegria a voltar
Não posso definir aquele azul
Não era do céu
Nem era do mar
Foi um rio que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar

Fontes de pesquisa:

- Internet, sítio do Paulinho da Vila, letras das músicas, http://www.paulinhodaviola.com.br/