quarta-feira, julho 23, 2008

JUVENTUDE: “RITOS DE PASSAGENS” CONTEMPORÊNEOS – O caso "eu controlo, paro de beber quando quiser"

Comentário Moisés Basílio: Minha experiência com o beber começou na juventude, quando militava no movimento sindical/operário metalúrgico, na região da Mooca, em Sampa. Beber virou um passaporte para transitar no mundo do operariado. No entorno das portas de fábricas, as barracas e os bares, era a fonte que nos entorpeciam de manhã, ao meio dia, à tarde e à noite.
Nesse tempo, bebia, mas não bebia muito. Meu "ultimo copo" era determinado pelo meu fazer político de militante.
Nesse tempo, não bebia em casa, pois minha mãe era precavida e tinha receio dos filhos se tornarem alcoólatras, tanto que não permitia guardar bebida em casa. Não que não se bebessem em casa, mas era aquela cervejinha do domingo e bastou. Nada de guardar uma garrafa de destilado para apreciar no cotidiano. No meu grupo de jovens, da Pastoral da Juventude, da Igreja Católica, beber não era bem visto. A regra era não beber.
E assim se fez minha passagem pela juventude, onde o álcool oscilou entre "o divino e o diabólico". Já adulto, confesso que bebi muito, pois a militância social e política nos anos 80 e 90 teve grande em Dionísio um dos seus grande deuses. Um reunião sempre terminava no bar. O problema sempre foi determinar o "ultimo copo". Convivi com pessoas que passaram por diferentes tipos de experiências com a bebida nesse tempo, experiências de vida e também experiências de morte. Sempre optei beber para exaltar as experiências de vida, como diz um amigo, beber a bebida e não ser bebido por ela. Axé!


Fonte: Internet - Portal Cronópios - www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=3406 20/7/2008 14:18:00

Álcool: divino/diabólico? -
Por Daniel Lins


Dentre os comentários sobre a obra de Deleuze, o tema que trata de sua relação com o álcool é raramente abordado. Talvez seja o caráter “não-filosófico” desta questão que levou o álcool em Deleuze a ser considerado como um simples detalhe biográfico. No entanto, tal questão ocupou tanto em sua vida quanto em sua reflexão um lugar não desprezível. Deve-se observar que não existe uma experiência unitária do álcool, mas experiências do álcool.

Diante da comoção social provocada pela implantação da Lei Seca no Brasil, emerge a parte mal-dita tornando o não dito em memória passiva, marcada pelo luto e loucura provocados pelos incidentes, pelo não retorno da juventude sacrificada. Lágrimas, orfandade, trauma social. Mas, o álcool dito diabólico não perde seu carisma, sua alma, sua cartografia criadora, sua origem mitológica, religiosa, divina?

Dioniso é o deus do vinho e da festa. O álcool participa ativamente das celebrações sociais e religiosas greco-romanas, africanas. Noé, diz a Bíblia, fez uso da bebida a ponto de se embriagar, "tendo à mostra as suas vergonhas".

O álcool é o amor e a perda do amor, o dinheiro e a perda do dinheiro, a vida e a perda da vida. Palavra líquida, o álcool é o rio das próprias ilusões. Nada, porém, mais forte para manter o homem vivo que a crença na estética líquida: ninguém sobrevive ao real sem uma dose de poesia. Há no álcool, afora o discurso moral, um erotismo errante, uma força da fragilidade, um corpo que se acorda e... dorme.

Gilles Deleuze:

- Bebi muito. Parei, bebi muito... Seria preciso perguntar a outras pessoas que beberam, perguntar aos alcoólatras. Zomba-se muito dos drogados, ou dos alcoólatras, porque eles sempre dizem: "Eu controlo, paro de beber quando quiser". Zombam deles, porque não se entende o que querem dizer. Quando se bebe, se quer chegar ao último copo. Beber é, literalmente, fazer tudo para chegar ao último copo. É isso que interessa.

Em outros termos, um alcoólatra é alguém que está sempre parando de beber, ou seja, está sempre no último copo. O que isto quer dizer? O primeiro copo repete o último, é o último que conta.

Insisto: o que quer dizer o último copo?

- Não é o primeiro, o segundo, o terceiro que o interessa, é muito mais, um alcoólatra é malandro, esperto. O último copo quer dizer o seguinte: ele avalia o que pode agüentar, sem desabar... Ele não suporta beber mais naquele dia. É o último que lhe permitirá recomeçar no dia seguinte, porque, se ele for até o último que excede seu poder, se ele vai além do último em seu poder para chegar ao último que excede seu poder, ele desmorona, e está acabado, vai para o hospital, ou tem de mudar hábito, de agenciamento.

- Quando ele diz: o último copo, não é o último, é o penúltimo, ele procura o penúltimo. Não o último, pois o último o poria fora de seu arranjo, e o penúltimo é o último antes do recomeço no dia seguinte. O alcoólatra é aquele que diz e não pára de dizer: vamos... é o que se ouve nos bares, é tão divertida a companhia de alcoólatras, a gente não se cansa de escutá-los, nos bares quem diz: é o último, e o último varia para cada um. E o último é o penúltimo. Não, ele não diz: amanhã eu paro; diz: paro hoje para recomeçar amanhã.

Como parar de beber?

- Tudo bem beber, se drogar, pode-se fazer tudo o que se quer, desde que isso não o impeça de trabalhar, criar, se for um excitante é normal oferecer algo de seu corpo em sacrifício.

Álcool e juventude:

- Que bebam, se droguem, o que quiserem, não somos policiais, nem pais, não sou eu quem deve impedi-los ou ... mas fazer tudo para que não virem trapos. No momento em que há risco, eu não suporto. Suporto bem alguém que se droga, mas alguém que se droga de tal modo que, não sei, de modo selvagem, de modo que digo para mim: pronto, ele vai se ferrar, não suporto. Não suporto um jovem que se ferra, não é suportável.

Um velho que se ferra, que se suicida, ele teve sua vida, mas um jovem que se ferra por besteira, por imprudência, porque bebeu demais... É verdade que o papel das pessoas é de tentar salvar os garotos, o quanto se pode. E salvá-los não significa fazer com que sigam o caminho certo, mas impedi-los de virar trapo (Gilles Deleuze: O Abecedário).


Daniel Lins é Sociólogo, filósofo e psicanalista, com doutorado em Sociologia - Université de Paris VII - Université Denis Diderot (1990) e pós-doutor pela Université de Paris VIII (2003). Atualmente é porfessor adjunto IV do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará, Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará; Coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas da Subjetividade (LEPS/UFC) articulista da Empresa Jornalística O Povo S. A., Coordenador do GT Filosofia Contemporânea da Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Filosofia (ANPOF), Coordenador do Simpósio Internacional de Filosofia – Nietzsche / Deleuze que se realiza anualmente e m Fortaleza-CE. É autor, entre outros, de Antonin Artaud: o Artesão do Corpo sem Órgãos [Relume Dumara 2001] Juízo e Verdade em Deleuze [Anablume 2001], Expressão: Espinosa em Deleuze – Deleuze em Espinosa [forense universitária 2007] E-mail: dlins2007@yahoo.com.br

segunda-feira, julho 14, 2008

JUVENTUDE: “RITOS DE PASSAGENS” CONTEMPORÊNEOS – O CASO RODOLFO

Comentários Moisés Basílio: Nas sociedades tradicionais os ritos de passagens faziam parte da vida coletiva da comunidade e eram de fundamental importância para a passagem do mundo da criança para o mundo do adulto. A nossa sociedade burguesa contemporânea aboliu os ritos de passagem coletivos e deixou para cada individuo a responsabilidade de fazer essa passagem. Entre nós, esse tempo de passagem recebeu os nomes de adolescência e juventude. A duração dele não é fixa e tende atualmente a aumentar. Sabemos que ele começa no pós-puberdade, mas não sabemos quando esse tempo termina.

Eu, que tenho filhos vivendo essa experiência da juventude, venho colecionando casos exemplares sobre o tema. O caso do Rodolfo, longe de considerações morais, é um caso interessante desse percurso juvenil. Pretendo periodicamente publicar e comentar, nesse espaço, outros casos exemplares. Axé.

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo, 13;07/2007, Caderno Metropolis.

Revolução às avessas de Rodolfo, o ex-doidão

Meu sonho tinha virado pesadelo, diz ex-cantor dos Raimundos

Bruno Paes Manso

Já se disse, com uma certa dose de razão, que três sons estão por trás da felicidade dos homens: o tilintar das moedas, o gemido das mulheres e o alarido das palmas. Felizes seriam aqueles que descobrissem como ouvi-los com uma certa regularidade.

Em 2001, aos 29 anos, o vocalista e guitarrista Rodolfo Abrantes, líder dos Raimundos, já poderia, com tranqüilidade, ser considerado felizardo. Vivia em São Paulo, cheio de grana. Nas noites da cidade, era bajulado pelos fãs e chegava a perder peso e ficar com a pele acinzentada, tamanha a quantidade de baladas que freqüentava, regadas a maconha e ácido sempre de boa qualidade.

Sem falar nas groupies, meninas bonitas e recém-saídas da adolescência. Rodolfo só ia para casa desacompanhado se quisesse. "O palco exerce um certo fascínio sobre os outros. As pessoas gostavam do cara que viam lá em cima. E eu sempre fui de mergulhar de cabeça em tudo", conta.

Se mulheres e dinheiro já não bastassem, Rodolfo também tinha reconhecimento. Com 2,5 milhões de discos vendidos, já havia produzido um clássico da geração dos 1990, justamente o disco de estréia, Raimundos, que fazia uma releitura do som pesado e melódico da banda americana Ramones, com referências do forró.

Ele havia alcançado tudo o que sonhara desde os 13 anos, quando freqüentava o bar do Gilbertinho, em Brasília, cidade onde nasceu, para ver de perto os integrantes de bandas como Legião Urbana, Plebe Rude e Capital Inicial, que já haviam despontado no Brasil. "Nunca fui um moleque de soltar pipas. Tudo o que sempre quis na vida foi tocar guitarra e ter uma banda de rock", lembra.

Justamente no auge da fama e do dinheiro, uma coisa estranha aconteceu. Rodolfo conta ter percebido que, na verdade, havia chegado ao fundo do poço. O mau humor era permanente. A relação com a namorada, sintonizada na mesma vibe drogas-baladas, era destrutiva. "As pessoas confundem estar feliz com ser feliz. Drogas, sexo e balada dão a ilusão de momentos da felicidade, que duram pouco. Ser feliz é outra coisa", filosofa.

Numa espécie de revolução às avessas, Rodolfo preparava seu espírito para voltar a ter ordem na vida. "Eu havia virado escravo daquele personagem. Meu sonho tinha virado um pesadelo. Eu não agüentava mais aquela vida frenética e sem rumo. Foi quando Jesus Cristo entrou na minha vida."

A conversão veio acompanhada de uma situação que ele chama de mística. Estava magro, com ínguas pelo corpo. Mesmo sem diagnóstico médico, suspeitava estar com câncer. A mulher, convertida, chamou algumas senhoras para orarem por ele. "Não posso dizer qual era a doença. Só sei que estava mal e fiquei bem", diz.

Na última quinta-feira, sete anos depois da conversão, Rodolfo era mais um entre as 2 mil pessoas na Igreja Bola de Neve, na zona oeste. Discreto, de calça e jaqueta jeans, assistindo ao show de uma banda gospel chamada Livres para Adorar, com um vocalista coreano, no 15º Congresso de Batalha Espiritual. "A banda é sensacional", comentou, na manhã seguinte, em um boteco da Alameda Santos, enquanto comia um prato de laranja, mamão, banana, morango e fatias de peru.

Morando em Balneário Camboriú, em Santa Catarina, lançou dois CDs evangélicos em carreira-solo: Santidade ao Senhor (2006) e Enquanto É Dia (2007), vendendo cerca de 20 mil cópias. Não é mais um rock star. Assumiu de vez o papel de missionário. Dedica-se integralmente a dar seus testemunhos por igrejas do Brasil e do mundo. As músicas são tocadas em louvores antes dos cultos. Esteve em Belém e Santarém, antes de vir a São Paulo. Nas próximas semanas, vai pregar nos Estados Unidos e no Japão.

Mesmo defendendo o amor eterno à mulher e à vida comedida, ele nega o rótulo de careta. As tatuagens, boa parte feita durante a vida louca, permanecem. Da fase nova, fez uma menorá (candelabro judaico) no pescoço. Os buracos na orelha, de 20 e 16 milímetros, feitos com alargadores, foram fechados com cirurgia plástica. Rodolfo não sente falta da fama. "Acredito no sucesso. Um padeiro ou um pedreiro podem ter sucesso se fazem seu trabalho bem feito. É o que eu busco. Não sinto falta do reconhecimento dos homens", fala. Digão, Canisso e Fred, ex-companheiros de Raimundos, mesmo depois das brigas da separação, deixaram Rodolfo emocionado ao comparecerem ao enterro do pai dele, no ano passado. "Ainda vamos dar muita risada do que rolou", diz.