segunda-feira, janeiro 14, 2008

ADEUS TABACO!

Comentário Moisés Basílio: Sou um fã da série "The Twilight Zone", A Zona do Crepúsculo, ou em tradução da TV brasileira: "Além da Imaginação". Esse episódio é um dos que mais gosto e hoje eu o coloco a disposição dos meus amigos. Esse episódio me ajudou a parar de fumar. Eu digo que há duas atitudes que devemos tomar quando queremos atingir um objetivo: 1.ª Definir o OBJETIVO (Não vou fumar); 2.ª Definir uma metodologia para atingir o OBJETIVO (Não colocar cigarro na boca). Hoje, quando público essa página, estou há 13 dias sem fumar. Vitória! Axé!

Além da Imaginação parte 1

http://br.youtube.com/watch?v=fB0Hw6cPFsQ

Além da Imaginação parte 2

http://br.youtube.com/watch?v=ovZzj2n1fkA&feature=related

Além da Imaginação parte 3

http://br.youtube.com/watch?v=mOj9eB76GDQ&feature=related

quinta-feira, janeiro 10, 2008

MEU POEMA DE ANO NOVO

COMENTÁRIO DE MOISÉS BASÍLIO: Final e início de ano é sempre aquele clima de troca de mensagens. A que mais me tocou foi a do meu amigo Zé Maurício, um belo poema do Carlos Drummond de Andrade. Axé!

RECEITA DE ANO NOVO (Carlos Drummond de Andrade)
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)


Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

quinta-feira, janeiro 03, 2008

FÉ E POLÍTICA II

Comentários Moisés Basílio: A polêmica continua. Bom artigo do Luis Alberto analisando e refletindo sobre as relações entre fé e política a partir do último episódio envolvendo o bispo Cappio.

Fonte: site Agência Carta Maior - www.agenciacartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3799

“Dai a César o que é de César...”

Vivemos numa sociedade pluralista onde a religião não deveria trazer soluções, mas exigências e questionamentos. Num país que já viveu vários messianismos, há sempre a tentação de criar mais um.

(Desenvolvendo idéias de texto anterior, Fé e política)

Num antigo texto escrito em 1965, Os cristãos e as instituições sociais, publicado no primeiro número da Revista ecumênica Paz e Terra, eu já discutia os limites e as articulações da Fé e da política. Punha lado a lado dois textos desafiadores. Um de Cícero: “Nunca nossos antepassados foram mais sábios nem mais bem inspirados do que quando decidiram que as mesmas pessoas presidiriam a religião e governariam a república”. Rousseau, no Contrato Social, voltou ao tema lamentando o desvio do cristianismo a esse respeito: “Jesus quis estabelecer na terra um reino espiritual. Com isso, separando o sistema teológico do sistema político, fez com que o estado deixasse de ser uno e provocou divisões internas que nunca cessaram de agitar os povos cristãos. Originou-se, nesse duplo poder, um perpétuo conflito de jurisdições, que tornou impossível uma boa política nos estados cristãos. Nunca se chegou a saber com certeza a quem obedecer, se ao senhor ou ao sacerdote” (IV-18).

Porém, em direção contrária, Jesus distinguira entre Deus e César e os primeiros Padres da Igreja sabiam bem disso, como o jesuíta Hugo Rahner mostrou com farta documentação. Mas a conversão do imperador Constantino voltou a trazer a confusão e o conflito entre os dois poderes, de César ou dos patriarcas, do ocidente ou aqueles do oriente. Veio a tentação teocrática, e os tempos do cesaro-papismo. Dante Aliguieri, fino teólogo, diria na Divina Comédia: “Roma, que tornou o mundo melhor, tinha o hábito de possuir dois sóis para iluminar o caminho, um da terra e outro de Deus. Um apagou o outro; a espada reuniu-se ao báculo. Os dois juntos irão necessariamente mal; se estão unidos um não teme mais o outro” (Purgatório, XVI, 106-112). Foi o drama da reconquista ibérica e da conquista do novo mundo, a cruz abençoando a espada empapada de sangue. Tariq Ali o mostrou terrivelmente no notável romance Sombras da Romãzeira (Record 2007). Meu filho Fernando Ribeiro fez o contra-ponto entre a avidez dos espanhóis no Peru e a mescla de intolerância e de pluralismo na Espanha e no Brasil de hoje, em sua aventura pessoal, tendo a bebida sagrada dos incas, o ayauasca, como fio condutor em ambos os casos (Os incas. As plantas de poder e um tribunal espanhol, Mauad, 2005).

Vivemos na América Latina, por muito tempo, o padroado, a união da Igreja e do Estado. Graças à modernidade, esse equívoco foi sendo superado, com a resistência de bom número de católicos, habituados a serem de uma religião oficial. Até hoje, na Argentina, os presidentes, para alegria de muitos, juram “sobre los santos evangelios”, inclusive Menen, nada cristão e agora Cristina. Quantos acham bom ter um crucifixo nos tribunais e, em alguns países, nas escolas públicas. E querem impor para toda a sociedade suas opções religiosas sobre o matrimônio, a sexualidade, a reprodução e o uso das células-tronco, inclusive num momento em que esses temas estão sendo revistos dentro das Igrejas Cristãs, aí incluída a Igreja Católica. No Brasil, o positivismo republicano obrigou os católicos a aceitar a separação com o estado. Deus escreve direito por linhas travessas...

No Equador houve um presidente, Garcia Moreno, que tentou voltar à teocracia, propondo que só os batizados fossem cidadãos e votassem. Um liberal o assassinou e abriu-se em Roma um processo de canonização, que não foi adiante. Na América Latina, os católicos eram conservadores e os liberais, anti-clericais. Divisão profunda no México, onde os católicos foram derrotados com o imperador marionete, o austríaco e loiro Maximiliano, pelo mestiço e anti-religioso Benito Juarez. A revolução mexicana, especialmente com Plutarco Elias Calles, combateria os católicos e destes saíram os “cristeros”, que lutavam aos gritos de “Viva Cristo Rei”. Pio XI, naqueles anos, instituíra a festa de Cristo Rei, para opor-se aos totalitarismos alemão e italiano, que tudo reduziam ao estado, mas criou uma bandeira política do outro lado, usada por Franco em sua terrível e anti-evangélica “cruzada” espanhola. Os carlistas, ali, matavam também aos gritos de “Viva Cristo Rei”, inclusive contra o presidente católico Aguirre, do país vasco e tantos padres e leigos católicos anti-franquistas assassinados naquela região. George Bernanos (Les grands cimetières sous la lune) e François Mauriac, se insurgiram contra isso e Jacques Maritain escreveu seu Humanismo Integral, tentando superar a velha cristandade. Porém o fez parcialmente, já que falaria de “Nova Cristandade”, bandeira dos democrata-cristãos dos anos seguintes.

O Chile foi um caso interessante. A juventude conservadora, com Bernardo Leighton e Frei Montalva, rompeu com o partido oligárquico e criou a Falange, depois PDC, mas mantendo, em novas bases não reacionárias, as velhas posturas de uma política cristã. E mesmo mais tarde, outras rupturas, a Esquerda Cristã e os Cristãos para o Socialismo, continuaram a unir sem distinguir, fé cristã e opção política. O caso curioso e oposto foi o do teórico do PDC, Jaime Castillo Velasco, que se considerava agnóstico em religião, mas cristão em ideologia. Num debate com outro pedecista de posições semelhantes, declarei: “Porque sou cristão pela Fé, não posso ser cristão por ideologia, o que seria empequenecer a Fé e confundir a opção política”. Mas ali, em 1964, o jesuíta belga Roger Wekemans, eminência parda de Frei Montalva, então candidato a presidente, chegou a escrever um artigo sobre a revolução na América Latina, na revista Mensaje, em que deduzia da fé uma doutrina, desta uma ética e da última uma política, para chegar a um programa. Caricaturando um pouco, é como se dissesse: há uma linha reta de Cristo a votar Frei para presidente. Poucas vezes a simplificação fé-política foi mais explícita. Seu compromisso político concreto levou Vekemans a fugir temeroso do Chile, em 1970, no dia seguinte da vitória de Salvador Allende (é verdade que havia em jogo elementos menos teóricos, tais como dinheiros de origem duvidosa).

No Brasil, felizmente, não tivemos um partido católico, como queria Jackson de Figueiredo em 1922, ao que se opôs o poderoso cardeal Leme. O pequeno PDC que existiu uns anos depois, não chegou a ter a importância daqueles do Chile ou da Venezuela. Mas conste que a posição de D. Leme era de ficar num diálogo entre dois poderes, ao velho estilo. O primeiro Getúlio, astuto, que teve um filho significativamente chamado Lutero, manteve esse contato de dois poderes, o Estado Novo e a forte Igreja Católica. Com isso nunca quis criar problemas com a Igreja e cedeu muitas coisas a ela, inclusive não instituindo o divórcio permanente (houve sim, um divórcio por umas horas, para favorecer o filho Lutero e um compadre estancieiro gaúcho).

Os tempos da ditadura militar introduziram um elemento histórico que modificou o panorama. Aliás, as reflexões teóricas sempre têm de levar em conta conjunturas especiais e abrir-se a situações particulares, que podem trazer modificações temporárias. Nesse momento, os partidos se reduziram a caricaturas, os sindicatos perderam uma autonomia que tinham ganho pouco antes, os movimentos sociais foram desarticulados. No espaço social ficou a Igreja, como “a voz dos sem voz”. FHC, falando aos jovens do MDB de Porto Alegre, naqueles tempos, teve uma boutade com algum fundo de razão: “No Brasil só há um verdadeiro partido político, a Igreja Católica”. E ela valentemente denunciou os atentados contra os direitos humanos, a repressão e a tortura. D. Cândido Padim mostrou a dimensão anti-evangélica da doutrina da segurança nacional do general Golbery. Aí estava no seu papel de consciência ética de uma sociedade espezinhada e amordaçada, o que foi um momento de testemunho e de profecia, como o fizeram cristãos antes, na resistência popular durante a segunda guerra mundial. Só que outra parte da Igreja dialogava com desembaraço com os militares. Mas quando veio a redemocratização, voltaram os partidos, os sindicatos e os movimentos. Alguns cristãos chegaram a ter nostalgia do tempo em que estavam sós na oposição. Uns analistas apressados, com as velhas categorias da relação fé-política, vaticinaram o declínio da Igreja nessa nova fase. A partir das pastorais sociais, como uma de suas correntes fundantes, entre outras, nasceu o Partido dos Trabalhadores, mas que nunca e nem de longe se considerou um partido cristão. De setores da Comissão da Pastoral da Terra (CPT) no sul, e de uma paróquia de Ronda Alta, germinaram sementes do futuro e o mais importante movimento social do país, o Movimento Rural dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que cresceu laico e não confessional (na sua “mística”, entretanto, guarda curiosamente sinais de religião secular). Lembro que alguns, na CPT, bem no princípio, em casos que acompanhei de perto, não acolheram bem esse desdobramento, vendo-o não como uma complementaridade secular, mas como um rival potencial. Felizmente não tivemos sindicatos cristãos, como na França ou na Itália. O processo de secularização, depois da ditadura, se deu quase naturalmente, de maneira pouco conflitante. E a Igreja, desapareceu? Ao contrário. Não refluiu para o espiritual, o que seria uma maneira falsa de colocar o problema (espiritual versus temporal), mas de seu lugar social, seguiu dando luzes para opções sociais e políticas dos cristãos, que tiveram de usar outras mediações nas suas opções temporais concretas. Voltarei a isso mais adiante.

É pelo menos incrível ver posições diferentes em países da América Latina. No Chile, durante a terrível ditadura, parte significativa do episcopado criou a Vicaria da Solidariedade e a Igreja foi um espaço de refúgio e de denúncia. Na Argentina, a situação, ao contrário, foi grave e escandalosa. Ali, o núncio, mais tarde importante cardeal da cúria romana, era companheiro de esportes do almirante Massera, da Junta Militar; capelães militares acompanhavam as torturas (um foi julgado recentemente). Porém um bispo, Angelelli, foi assassinado, duas freiras francesas também e alguns poucos bispos permaneceram valentes e ousados. Uma mesma Igreja Católica em tantas posições diferentes.

O surgimento da Teologia da Libertação
É hora, aqui, de introduzir algumas reflexões. Nos anos sessenta, surgiu na América Latina, a Teologia da Libertação, que não era uma opção política, como disseram alguns analistas apressados ou mal informados. Na concepção de um de seus fundadores, Gustavo Gutiérrez e também de Ronaldo Muñoz, de Jon Sobrino ou de Leonardo Boff, que veio logo no início, ela era antes de tudo uma nova maneira de fazer teologia, articulando – não confundindo - Fé e vida, “uma palavra coerente com uma prática” (Gutiérrez). Isso foi também visto claramente por outro teólogo dessa corrente, com idéias originais, Juan Luís Segundo, vindo de um Uruguai secularizado. Não era uma ideologia política, mas uma reflexão sobre a Fé iluminando vivências, numa Igreja que nascia do povo pela ação do Espírito, como proclamado nos primeiros inter-eclesiais das CEBs brasileiras. A relação entre palavra e prática exigia mediações sócio-analíticas. Isso estava claro no livro Teologia da Libertação de Gutiérrez e nas reflexões seguintes de Clodovis Boff.

Em texto anterior, indiquei como o pensamento personalista-comunitário de Emmanuel Mounier teve uma influência decisiva em minha geração, indo além da filosofia de Jacques Maritain. Nos anos sessenta, sua influência nos levou, na Juventude Universitária Católica (JUC), movimento oficial da Igreja, a criar, para fazer política, um movimento não confessional, laico e pluralista, a Ação Popula (AP), socialista democrático, alguns de nós mantendo pessoalmente o espaço eclesial, indispensável para um bom discernimento evangélico. Gustavo Gutiérrez viu na JUC de 1960, as sementes da posterior Teologia da Libertação do final daquela década. Esse processo não foi fácil, com velhos hábitos de opções não-binárias: vários companheiros abandonaram a Fé e ficaram somente com a política, que chegou a adquirir um caráter semi-religioso, especialmente na fase maoísta da AP. E os cristãos foram sendo obrigados a deixar o movimento ou a renegar publicamente sua Fé.

Na Europa, nos anos trinta, a Igreja vivera tentações ao lado dos setores conservadores, mas a luta clandestina contra nazismo e fascismos na década seguinte, levara muitos cristãos a opções heróicas e à morte. Porém, ao mesmo tempo, seguia o compromisso de parte da hierarquia com as direitas. Pio XI tinha chamado Mussolini de “uomo della provvidenza”. Sem falar na implacável cruzada na Espanha (o atual papa, num ato que não pode deixar de ter conotações políticas e reabrir feridas, acaba de beatificar dezenas de cristãos mortos do lado franquista).

O general de Gaulle, chegando ao poder na libertação da França, pediu a Roma a destituição de boa parte do episcopado, simpatizante do governo títere do marechal Pétain em Vichy. Só a habilidade do núncio Angelo Roncalli (futuro João XXIII), reduziu o afastamento a dois ou três. Porém no pós-45 europeu, um anti-comunismo temeroso trouxe de volta a tentação dos partidos cristãos. Mesmo os cristãos chamados progressistas tiveram a mesma matriz dos posteriores cristãos para o socialismo na América Latina: o cristianismo como ideologia. Foi quando, entre 1945 e 1950, ano de sua morte, veio o alerta de Mounier: ele não era socialista porque cristão, mas um cristão que, à luz do Evangelho, com a mediação dos instrumentos próprios das ciências sociais e políticas e das exigências da técnica, tomava uma opção socialista. Inclusive aceitando que outros cristãos, a partir de análises nesses planos autônomos, tomassem outras posições, mesmo de direita, desde que, para essa decisão, não quisessem apropriar-se indevidamente da Fé.

A modernidade, como indicado atrás, trouxe a diferenças dos espaços, o religioso, o social, o cultural, o político e o técnico. Tenho dito em escritos que o povo nem sempre faz essas distinções e vive unidas, no dia-a-dia, a religião e suas lutas sociais; reza nos sindicatos e prepara ações políticas nas pastorais. Mas compete aos agentes de pastoral tomar cuidado e introduzir uma reflexão séria, em nome da Fé e da especificidade e autonomia dos vários planos da realidade. Eles se entrelaçam, se articulam, mas não se confundem, como nos tempos pré-modernos. O pluralismo e o campo aberto da liberdade e da democracia obrigam a tomar cuidados e a não mascarar com a Fé decisões que vêm de outros planos. Vale notar que, no Brasil, não há relação exclusiva entre pastorais sociais e CEBs com o PT. Pesquisas de Pedro Ribeiro de Oliveira, durante os inter-eclesiais das CEBs, mostraram os membros destas afiliados a vários partidos. Claro que uma maioria estava ligada ao PT, por afinidades naturais e inelutáveis, mas até o PFL esteve presente (e agora poderíamos introduzir o PSOL e o PSTU).

Alguém que leu um texto anterior que escrevi, concluiu em comentário em Carta Maior, que minha posição era igual à dos governos militares: cristão nas sacristias. Nada disso. Cristãos nas lutas sociais e no combate à pobreza e à exclusão, não como donos da verdade ou com receitas prontas tiradas de uma doutrina cristã. Para julgar tecnicamente um projeto de uma hidrelétrica ou a transposição de um rio, um engenheiro da Coppe ou de algum centro de pesquisa, têm melhores instrumentos de análise do que um militante de pastoral ou um bispo. Estes têm de defender os direitos dos oprimidos, lembrar falhas éticas e sociais dos projetos, denunciando visões tecnocráticas, mas não deveriam tomar decisões inflexíveis e absolutas sobre temas muito complexos. Nem usar seu poder religioso ou sua visibilidade simbólica para impor decisões que precisam ser discutidas seriamente pela sociedade nos seus elementos seculares, éticos, políticos e técnicos.

Faz alguns anos, houve um forte debate sobre o tema de Fé e política: de vários autores, Cristãos: como fazer política (coleção Fazer, Vozes, 1987). Diante de uma proposta para que os cristãos fizessem coletivamente uma opção política, vários nos posicionamos contra. Na ocasião escrevi: “Se o processo de secularização fez descobrir a consistência própria dos processos históricos e com isso ajudou a afastar a tentação de ver o religioso como a base ideológica do político, agora, num tempo de profunda crise de civilização, a potencialidade transformadora do sagrado indica os limites dessa mesma secularização do mundo moderno e a imprescindibilidade do mistério e, no caso dos cristãos, da Fé em Jesus Cristo. Visto de outro ângulo, um processo de depuração e de autonomia do histórico, em lugar de esvaziar o sagrado, pelo contrário, o reforça em sua posição radical”. Lugar iluminador e questionador, de onde temos a obrigação de tomar partido, mas sem tirar da algibeira receitas cristãs.

Olhando o panorama internacional hoje, vemos que o problema da secularização e da abertura à modernidade (acompanhado ao mesmo tempo de uma crítica severa às duas), é bem menos conflitante no Brasil. Ataturk tentou modernizar à força a Turquia no começo do século XX, teve certo êxito nas classes média e alta das cidades, mas do campo vem hoje a reação islamista ( ver o notável romance Neve, do prêmio Nobel de 2006, Orhan Pamuk, publicado nesse mesmo ano). O xá do Irã também quis ocidentalizar à força, na submissão aos Estados Unidos, e vieram os ayatolás, para refazer um poder islâmico fundamentalista. Benazir Butto – corrupta ou não – tentou secularizar o Paquistão e foi assassinada. Nas fronteiras desse país com o Afeganistão, na velha rota da seda, os talibãs intolerantes e outros grupos fanáticos, estão dinamitando as maravilhosas estátuas de Buda esculpidas na rocha, num crime contra uma crença e contra a cultura universal. Guerras de religiões – entre xiitas e sunitas do mesmo Islã, com um passado de tolerância – ou religiões nas mãos de terroristas – Al Qaeda, sionistas ortodoxos, Bush/Cheney.

A globalização introduz contaminações sub-reptícias, o que nos obriga, inclusive no Brasil, a não resvalar na direção da moda fundamentalismo/integrismo, mesmo mitigado. Um analista instigante, Edward W. Said, pode servir-nos de guia: fiel a seu povo palestino e, até sua morte, totalmente imerso no mundo secular e moderno de Nova York (Ver Reflexões sobre o exílio, Companhia das Letras, 2003, Orientalismo – O Oriente como invenção do Ocidente e Cultura e imperialismo, mesma editora). Os místicos souberam superar os fundamentalismos asfixiantes. Assim o mussulmano andaluz do século XII, Ibn ‘Arabi, falava do “homem universal, que leva em si a semente de todos os seres e é capaz de abraçar toda a verdade”. João XXIII, núncio na Turquia, aberto ao Islã, irmão do povo hebreu, sonhando com a unidade dos cristãos, queria dialogar com “todas as pessoas de boa vontade”, independentemente de crenças e convocou um concílio para um aggiornamento, encontro ainda que tardio com o mundo moderno, no lado oposto dos integrismos. Mas nosso profeta Hélder Câmara, amigo do bom Papa João, disse uma vez, melancolicamente: “Constantino continua a viver dentro de nós”.

O sacerdote e teólogo italiano, Ernesto Balducci, escreveu um livro desafiante, L’uomo planetario (Camunia, Brescia, 1985). Ali diz no final: “Esta é minha profissão de fé, debaixo da forma da esperança. Quem ainda se declara ateu, ou marxista, ou laico e necessita de um cristão para completar a série de representantes no palco da cultura (ou na galeria das opções políticas, L.A.), não me procure. Sou apenas um homem”.

Uma vez dito isso, o cristão, que deveria ver no Evangelho uma instância iluminadora e a opção irrenunciável pelo pobre e pela justiça - nem todos assim o vêem - teria de passar a fazer julgamentos e opções políticas a partir da ética, de análises das ciências sociais e econômicas e de estudos técnicos. Para não alongar este texto, com o risco de simplificações, mas querendo desafiar para um debate franco e democrático, introduzo uns poucos pontos que levam alguns de nós, como cidadãos, a se posicionar, ao lado de outros com diferentes crenças ou sem elas. Vivemos numa sociedade pluralista onde a religião não deveria trazer soluções, mas exigências e questionamentos.

No meu caso, com Betinho e outros, ao voltar ao Brasil ao final dos anos setenta, optamos por não entrar em partidos políticos, porém trabalhar com movimentos sociais e, no caso dos cristãos, com pastorais e CEBs. Betinho, em artigo irretocável de agosto de 1994, exatamente três anos antes de sua morte, chamou tal posição de opção pela sociedade. Entro mais em detalhes no livro A utopia surgindo no meio de nós (Mauad, 2003). Sentíamos que não tínhamos diante de nós um processo revolucionário voluntarista descendo do poder político, mas uma longa e penosa construção da democracia e da justiça social, ao nível profundo de mutações sociais. Mas passei a ver claro também, que as políticas públicas de um governo, sempre convivendo com os limites de um possível aquém de um desejável, poderiam ser fundamentais para a construção da nação e de uma nova sociedade. O paradoxal, como tenho insistido várias vezes, foi que, alguns independentes sem partido, tivemos mais paciência e confiança no governo Lula, do que os que queriam logo transformações radicais a curto prazo. Vários petistas se desiludiram, esperando soluções drásticas vindas de cima. Com o que não conseguiram ver os ganhos crescentes e progressivos que o povo sente na pele, melhorias e transformações que se fazem diante de nossos olhos – sempre sujeitas, claro está, a críticas severas e a revisões (assim, a falta de uma real reforma agrária é um escândalo). Os resultados de políticas econômicas complexas e contraditórias (é só ver os indicadores positivos ao final de 2007) e de políticas sociais que incidem no quotidiano dos pobres aí estão, para quem deixa cair viseiras ou preconceitos abstratos e ideológicos. Esperamos que não haja retrocessos pela frente, num terceiro período governamental, onde Lula provavelmente será o grande eleitor. Mas não podemos assinar um cheque em branco. Pelo momento, vou apostando em Dilma Roussef, Patrus Ananias ou Tarso Genro.

Essa é uma opção que não fluiu diretamente da Fé, mas presumo, salvo engano, de uma presença atenta na sociedade. Pelo contrário, aqueles que ficam numa Fé sem mediações, tendem a opor-se a políticas concretas, em nome de exigências absolutizadas, sem raízes no real. Os fundamentalistas das diversas crenças, conservadores ou progressistas, ancorados somente nessas crenças, correm o risco de ter uma moral que vai se transformando em inflexível moralismo. No mundo católico, o fundamentalismo leva o nome de integrismo.

O mais grave é quando, no embate das paixões, se fala aqui e ali, que vivemos numa ditadura e se combate apaixonadamente o presidente, num clima neo-lacerdista. Para os que têm memória curta, isso foi feito violentamente pelo então chamado “corvo do Lavradio”, contra o último Vargas (50-54) e contra Juscelino (55-59), responsáveis como Lula, de diferentes maneiras e com limitações, pela construção de nossa nação. Também se acena com a alternativa de uma “democracia real”, virtual e futura, vaga e sem rosto. Para os que vivemos o período das verdadeiras ditaduras militares em nosso país, no Chile, no Bolívia ou na Argentina, essa conclusão sobre uma ditadura atual é intolerável e anti-histórica. Muito mais grave se feita em nome de um ato religioso que se petrifica numa recusa sem arestas. Num país que já viveu vários messianismos, há sempre a tentação de criar mais um, pelos sertões –como em Canudos- ou nas margens de algum rio... Então, uma crítica ética, técnica ou política, sempre necessárias, pode escorregar num perigoso plano inclinado de afirmações peremptórias e transformar-se, inconsciente e quase imperceptivelmente, numa bandeira política oculta no estandarte de uma fé confusamente político-religiosa, que pouco falta para virar uma cruzada.

Luis Alberto Gómez de Sousa, sociólogo e ex-funcionário das Nações Unidas, é diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Cândido Mendes.

FÉ E POLÍTICA I

Comentário Moisés Basílio: O jejum do Bispo D. Cappio abriu várias polêmicas no cenário nacional. Entre os cristãos, essa ação do bispo de Barras é um bom motivo para se retomar e por que não, renovar, a velha discussão entre Fé e Política. No polêmico artigo, Luís Alberto Gomes de Sousa, um sociólogo que sempre acompanhou as coisas da Igreja Católica bem de perto, faz um bela reflexão sobre esse momento que estamos vivendo.

Fonte: Agência Carta Maior - 22/12/07 - www.agenciacartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3796

DEBATE ABERTO

Fé e política

É hora de um debate sério sobre categorias teológicas e políticas. Tenho a impressão que há muita política escondida atrás de uma declarada fé.

(Pensando em meus mestres H. C. Lima Vaz e Ernani Maria Fiori)

Emmanuel Mounier, mestre do personalismo comunitário, que marcou minha geração de JUC e de AP, Betinho e outros, em Feu la chretienté, 1950, pouco antes de morrer, tantos anos atrás, dizia que não se pode ser monarquista ou socialista porque cristão. Ele era um cristão que, com os instrumentos de análise social, fez uma opção socialista, não um socialista cristão, o que seria instrumentalizar a Fé e reduzi-la a uma ideologia e, além disso, não saber usar as categorias próprias das ciências sociais.

Fundamentalismo, em jargão cristão, é integrismo, um salto direto e no vazio entre a Fé e a opção política ou técnica. Respeitemos as distinções de níveis, grande aquisição da modernidade, diante das velhas ou novas cristandades. Podemos ver renascer entre nós os ayatolás, com as melhores das intenções. Creio que Dante dizia que estas forram o chão dos infernos (ou do purgatório?).

Optemos ou rejeitemos valentemente projetos políticos e técnicos, sem nos esconder nos pretextos da profecia, que é um gesto muito menos comum do que se pensa e seria uma arrogância querer aplicá-lo à ligeira. Muito menos o martírio. Já falei disso em texto anterior. Jung Mo Sung nos está ajudando a pensar.

Respeito muito Cappio e tenho enorme carinho por ele. Mas não deveria utilizar sua condição de bispo para uma posição destas. Faça-o como cidadão e ribeirinho apaixonado. E o côro de emocionalidades e lágrimas que se levantou, deveria pensar um pouco mais nas distinções da teologia e da política. Não abastardemos profecia e martírio. Ato político é ato político e não pode se esconder atrás de uma batina ou dos gestos dos novos “bien pensants”. Que falta faz Mounier!

Um dos apoiadores disse ontem que agora o governo resolveu dialogar! Que loucura, desde o começo Gilberto e outros, incansavelmente, estão tentando. Claro, com rigidezes e simplificações de um ministro do próprio governo. Mas seu trabalho paciente topou com a inflexibilidade de Cappio e de seus assessores. Agora, o médico e o irmão dizem que acabou e greve e os assessores dizem que não. Porque não se substituem a ele? É fácil empurrar o outro para a morte. Aliás, nos jejuns, em princípio, ninguém morre. Gandhi sempre parou um pouco antes, mas manteve sua aura.

E ao terminar este texto soube que Cappio interrompeu o jejum. Lula fez o que teria de ser feito. Como presidente apenas disse que o projeto segue. Gilberto Carvalho, grande amigo, como cristão, e com uma paciência invejável, tratou de mediar. O presidente não deve entrar nisso.

Uma profecia que se reduziria aos ribeirinhos, que não são os donos do rio e ao próprio rio, esqueceria todos os outros pobres nordestinos. Houve muitos debates técnicos e sempre um projeto pode ser melhorado, mas um governo não pode suspender tudo pelo gesto extremado de alguém, seja bispo ou não. A Justiça, por maioria, não viu argumentos técnicos sérios para parar o projeto. E o texto de Bernardo Kucinski, aí em Carta Maior, desmontou brilhantemente. um a um, os argumentos contrários ao projeto. Do ponto de vista teológico, Jung Mo Sung, em outras publicações mais de Igreja, também desocultou fundamentalismos ocultos.

É hora de um debate sério sobre categorias teológicas e políticas. Tenho a impressão que há muita política escondida atrás de uma declarada fé. Faz alguns anos, eu dizia que nos debates entre fé e política, tínhamos freqüentemente uma política com maiúsculas, instrumentalizadora e uma Fé com minúsculas. Em nome desta última, desconfio de certos movimentos que tendem para um certo integrismo, que não é propriedade da direita.

Terminando com Mounier, seu último e aceso debate foi com os católicos progressistas de seu tempo, um dos quais, que depois esteve em tantas posições, se chamava Garaudy. Há que ler seus textos publicados postumamente com o título: “As certezas difícieis” (Oeuvres, vol. 4, Seuil, Paris, 1963, pp.11-284). Ali ele dizia: “Quando um monge começa a se agitar, a Igreja se pergunta com angústia se ele será um Lutero ou um São Francisco de Assis. Mas se essa efervescência de fronteiras é eliminada, nos separamos talvez de Lutero e nos privamos de São Francisco” (139).

Num texto antigo, retomado neste livro: “... esta exigência (sair da tentação de uma ideologia e reflexos de esquerda ou de direita) nos dá um parentesco com os homens livres, especialmente este verdadeiro povo, talvez minoritário, aquele que não aceitou o sonho burguês e que dará sua alma à civilização que ele mantém por uma liberdade de coração, ainda que desajeitado em se exprimir. Será ele que salvará as forças da esquerda: o mais humilde serviço que nós poderíamos fazer, não seria renunciar à lucidez, mas unir nossa clarividência à sua generosidade, desembarassando-o e nos desembarassando das ideologias mortais” (pg.75). E o título de outro artigo é significativo: “Para um certo sangue frio espiritual” (107). Ali está aquela declaração que coloquei na introdução de uma das partes de meu último livro: “O cristão não abandona o pobre, o socialista não abandona o proletário, ou eles abjuram seu nome” (fevereiro de 1950, dias antes de sua morte). Vejam que ele não mistura cristão e socialista, sendo ele próprio as duas coisas.

Luis Alberto Gómez de Sousa, sociólogo e ex-funcionário das Nações Unidas, é diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Cândido Mendes.