sábado, março 10, 2007

"Foi o desânimo de ser professor"

Comentário de Moisés Basílio: Recebi do amigo João Kleber o artigo abaixo sobre uma das doenças profissionais dos que exercem o ofício do magistério. Já tive a experiência de acompanhar de perto esse tipo de problema com alguns amigos. Não é fácil de diagnosticar e enfrentar o problema. Problemas desse tipo são recorrentes na carreira do magistério. Reza uma lenda aqui do Sapopemba, que uma professora primária aposentada, andava diariamente entre o largo do Jardim Grimaldi e o centro do Sapopemba, ensimesmada balbuciando: "Corta o T e ponha pingo no I".

Fonte: REVISTA EDUCAÇÃO - EDIÇÃO 119 - http://revistaeducacao.uol.com.br/revista.asp

CAPA - SOB PRESSÃO
Quase 50% dos professores brasileiros apresentam sintomas de estresse ou depressão. Os mais jovens são os que têm mais dificuldade para lidar com os problemas da profissão; muitos optam por abandonar o ofício.

Fabiano Curi

Reflexo da educação brasileira: para recuperar a saúde psíquica, Celsa teve de abandonar a sala de aula
No documentário "Pro Dia Nascer Feliz", de João Jardim, uma professora de literatura conta que sofria de depressão em razão dos problemas enfrentados na escola. Celsa Pastorelli, 28 anos de idade, dez de profissão, é a docente em questão. Leciona há oito anos em uma escola estadual de Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo. Seu problema não é com a escola onde trabalha, que tem qualidade acima do padrão do ensino público brasileiro, mas com a crueldade da educação no Brasil. O que mais afetou sua saúde foi perceber que seu trabalho é cada vez mais desvalorizado e que não consegue tirar gente talentosa da pobreza em razão da falta de oportunidades. Afastada das funções de docente, Celsa conta, a seguir, sua experiência.

O que aconteceu com você?

O médico disse que meu problema era profissional. Foi uma depressão, e eu já estou em tratamento há cerca de quatro anos. Agora estou "readaptada": trabalho na secretaria e junto à coordenação da escola. Vou ficar fora da sala de aula por dois anos.

Por que ficou deprimida?

Foi frustração procurar sempre melhorar a aula e não ver interesse do aluno nem ter condições de trabalho. O professor, para ter uma vida mais digna, tem de trabalhar em várias escolas, dar aulas o dia inteiro e esquecer a vida pessoal. É aquela coisa de ver a sociedade do jeito que está, as condições de trabalho, tentar fazer algo, mas o resultado é demorado. Isso tudo se juntou num tipo de estresse.

Houve algum motivo específico?

Foi o desânimo de ser professor, de não ter apoio e de ser mal remunerado. Foi mais pelo problema social da educação, não que meus alunos fossem a causa. Trabalho em uma escola em que os índices de violência são bem baixos. Não temos alunos drogados, o que é comum nas outras escolas. Foi por ver alunos com talento sem oportunidades.

Houve problemas com indisciplina?

Sim, mas isso é comum até nas particulares. Acaba deixando a gente frustrada, pois você prepara a sua aula, com vontade de ensinar, e o aluno está desinteressado.

As coisas pioraram nesses dez anos de profissão?

Sim. A escola tem uma avaliação que é a progressão continuada em que é praticamente impossível reter o aluno. Então, passar o aluno que não sabe vai deixando o professor cada vez mais desestimulado. Não que a retenção seja uma punição, mas ele tem de saber que não estudar terá uma conseqüência. Ele só percebe isso depois que sai da escola. Temos vários alunos que, depois que terminam o terceiro ano do ensino médio, pedem para assistir às aulas.

Quando você identificou que algo estava errado?

Ficava freqüentemente doente, não comia, não dormia direito, tinha pesadelos, alguns espasmos e não ficava em lugar nenhum. Se estava em casa, não queria estar em casa, se estava na escola, não queria ficar na escola. Aí comecei a passar muito no médico, fiz vários exames e nunca dava nada. Depois de um tempo, ele me encaminhou para a psiquiatria.

Que tipo de transtorno foi diagnosticado?

No atestado vinha baixa tolerância à frustração, dificuldade de concentração e labirintite, pois não conseguia ficar em lugares com muito barulho. Lugares com muita gente falando ao mesmo tempo me davam um zumbido no ouvido e eu perdia o equilíbrio, às vezes desmaiava. Desenvolvi também a Síndrome do Pânico. Ver um monte de adolescentes era como ver um monte de assassinos juntos. O coração disparava e tinha falta de ar. Uma situação bem difícil de administrar.

Há muitos colegas na mesma situação?

Sim. Depois que você começa a terapia e fala dos problemas, as pessoas vêm conversar, dá para perceber que sentem exatamente aquilo que você estava sentindo. Arriscaria dizer que 50% dos problemas de saúde dos professores vêm do estresse e da depressão.

Você acha que as direções das escolas não estão preparadas para lidar com esse tipo de problema?

Acho que ninguém está preparado. Os pais também não estão preparados para serem pais. Os professores não estão preparados para lidar com esse tipo de aluno. O diretor, mesmo que tente fazer alguma coisa diferente, acaba esbarrando na lei.

Pretende voltar para a sala de aula?

Gostaria de trabalhar com projetos, mas acho que a sala de aula não dá mais para mim. Pelo menos enquanto não mudar essa situação que a gente tem na escola.

domingo, março 04, 2007

A ECONOMIA DA MUDANÇA CLIMÁTICA

















Comentário por Moisés Basílio - 04/03/2007: A temática sobre as mudanças climáticas em nosso Planeta já anda de boca em boca pelas ruas e pelos bares. Nem sempre temos fontes confiáveis para tomar parte nesse debate. No mês passado postei neste blog um crônica do Nei Lopes sobre como o tema já está presente na vida das pessoas. O relatório Stern, comentado abaixo do Prof. Dowbor, é um importante material para entendermos melhor o que está em jogo. Boa leitura!

Fonte: Site do Prof.
Ladislau Dowbor - acessado em 4/3/2007 - http://dowbor.org/resenhas_det.asp?itemId=71c00577-8bcb-4c4a-a0f1-3fa12299a728

The Economics of Climate Change (A economia da mudança climática, Resumo Executivo) - 27 p. http://www.hm-treasury.gov.uk/media/8AC/F7/Executive_Summary.pdf
Nicholas Stern / Governo da Grã-Bretanha London Outubro de 2006

Comentário por Ladislau Dowbor - 15/02/2007

O Titanic, evidentemente, não tinha como afundar. As probabilidades eram ridículas. Por outro lado, acelerar o navio daria belas notícias nos jornais, levantaria entusiasmos e financiamentos, permitindo mais investimentos e assim por diante. Enfim, o progresso. A realidade é que o navio afundou, e junto com êle uma certa prepotência dos que arriscam tudo para sair na primeira página. Mas as culpas nunca estão de um lado só, e entre os que ignoram riscos e os tímidos que não avançam por excessiva prudência, há bastante espaço para o bom senso.

O poder não costuma estar nas mãos dos que têm bom senso.. É interessante questionar por que razão prevaleceu a decisão irresponsável no caso do Titanic, ou a irresponsabilidade sistêmica no caso do naufrágio da gigantesca e tecnicamente tão bem dotada Enron ou, em escala bem mais ampla, porque prevalece o imobilismo decisório no caso do aquecimento global, onde assistimos impotentes à evolução do planeta para zonas de alto risco, com consequências potencialmente catastróficas.

No meio dos minimamente informados, há poucas dúvidas quanto à realidade do aquecimento global. Mas como as tecnicalidades climáticas são obscuras, e empresas como a Exxon-Mobil e outras gastam rios de dinheiro para ridicularizar o risco e caluniar cientistas, ficamos na dúvida. Este ponto não é secundário. O New Scientist apresenta vários relatórios das instituições científicas norte-americanas sobre as iniciativas do governo Bush para deturpar dados ou travar as informações sobre mudanças climáticas. A guerra de números contraditórios é real, e não ajuda a compreensão.

O governo britânico tomou uma medida mais sensata. Encarregou Nicholas Stern, que foi economista-chefe do Banco Mundial, e portanto é pouco propenso a extremismos ecológicos, de fazer as contas. As contas do Relatório Stern referem-se aos dados climáticos mais confiáveis, que ele utiliza para avaliar o impacto propriamente econômico: o que aconteceria, em termos de custos, ao se verificarem as projeções climáticas já razoavelmente seguras, calculando-se os impactos mais prováveis, sem desconhecer o grau inevitável de incerteza. Trata-se da primeira avaliação abrangente da “conta climática”.

O resultado é apresentado num relatório extremamente ponderado, e que pode ser lido gratuitamente na internet, por meio do excelente resumo executivo de 27 páginas (endereço abaixo)..O Relatório está tendo um grande impacto mundial, pois veio justamente preencher esta grande necessidade, por parte de pessoas de bom-senso e não especializadas, de entender os pontos centrais da questão. Somos bombardeados por inúmeros dados sobre as projeções climáticas, e fragmentos de possíveis catástrofes, mas o impacto econômico de conjunto não tinha sido avaliado.

A essência das conclusões, é que os custos de não fazer nada, de se continuar o que chama de business as usual (BAU), são incomparavelmente mais elevados do que de se tomar providências. A análise dos dados, segundo Stern, “leva a uma conclusão simples: os benefícios de uma ação forte e precoce ultrapassam consideravelmente os custos. As nossas ações nas próximas décadas poderiam criar riscos de ampla desarticulação da atividade econômica e social, mais tarde neste século e no próximo, numa escala semelhante à que está associada com as grandes guerras e a depressão econômica da primeira metade do século 20. E será dificil ou impossível reverter estas mudanças”.

Não nos cabe aqui resumir os dados e argumentos aparesentados de maneira extremamente transparente no Relatório Stern. Mas vale a pena realçar que se trata da sorte do planeta, e que o “business as usual” gera neste caso riscos inaceitáveis. Os mecanismos de mercado são simplesmente insuficientes, pois em termos de mercado, sai mais barato gastar o petróleo que já está pronto no subsolo. A visão sistêmica e de longo prazo se impõe, e isto implica mecanismos de decisão e de gestão que vão além do interesse microeconômico imediato. Neste ponto, Stern é direto nas suas afirmações: “A mudança climática apresenta um desafio único à ciência econômica: trata-se da maior e mais abrangente falência do mercado já vista”. (“Climate change presents a unique challenge for economics: it is the greatest and widest-ranging market failure ever seen”).

sexta-feira, março 02, 2007

ESCOLA PUBLICA: AS EXPERIÊNCIAS DE LÁ E DAQUI

Recebi hoje, da Regina Miyeko, da Apeoesp Tatuapé, essa indicação de leitura. Coincidência, pois hoje depois das aulas, no horário coletivo dos Professores/Educadores, o assunto esbarrou na temática dos dois artigos. Estamos iniciando mais um ano letivos e os problemas são enormes. Para quem está na lida cotidiana da educação escolar a questão é conseguir articular o particular, da sala de aula, com as questões estruturais, coletivamente. Há um enorme fosso entre o que se faz, ou o que só pode fazer, no dia-a-dia de trabalho escolar, com o grande debate nacional sobre o fracasso da educação escolar. Moisés Basílio.


ARTIGO 1 - POLÊMICA

Fonte: São Paulo, domingo, 04 de fevereiro de 2007 - Folha de São Paulo - Cotidiano


GILBERTO DIMENSTEIN

Pro dia nascer feliz


A grande sacada de Nova York é traduzir estatisticamente a mensagem de que nada é pior que não reverenciar talentos


A CIDADE de Nova York está transformando um enorme problema numa grande solução. Sem conseguir preencher as vagas nas escolas mais violentas e de pior desempenho, a prefeitura cometeu um gesto desesperado: um concurso em que os candidatos a professor não precisariam ter qualquer experiência em sala de aula nem diploma de pedagogia. O salário inicial é de R$ 7,5 mil mensais.
Uma vez selecionado, o candidato passaria por uma preparação de três semanas e, enquanto estivesse dando aula, receberia gratuitamente uma especialização para habilitá-lo, se ele quisesse, a ser professor definitivo. O resultado do concurso foi inesperado.

O programa atraiu talentos das mais variadas áreas, como marketing, finanças, mídia e artes, muitos dos quais interessados em uma nova experiência profissional ou querendo fazer a diferença em sua comunidade. Entusiasmou especialmente ex-executivos, já aposentados, alguns dos quais de empresas multinacionais. É, enfim, um material humano que dificilmente poderia ser mais bem qualificado e motivado.
Esse é apenas um detalhe da reinvenção das escolas públicas de Nova York, embaladas por um inusitado desafio: o prefeito Michael Bloomberg pediu aos eleitores que avaliassem sua administração a partir da nota dos alunos. Se a nota for baixa, ele é que deve ser o reprovado.

Entre várias derrotas, críticas e erros, o prefeito está vencendo -e produzindo boas dicas para o Brasil.

Os recursos daquela cidade só apareceriam para os brasileiros em sonho. Nova York gasta por ano R$ 35 bilhões para cuidar de 1,1 milhão de estudantes. Compare: a rede municipal paulistana tem o mesmo número de matrículas, mas um orçamento oito vezes menor.

Apesar dessas invejáveis cifras, sem contar com mais alguns bilhões de apoio em programas de fundações empresariais e entidades comunitárias, a cidade não estava contente: além do alto nível de evasão, 51% dos alunos exibiam um desempenho de escrita, leitura e matemática abaixo da média nacional.
Por isso, o desafio do prefeito tornou-se um suspense tão interessante. Para ele, era um "tudo ou nada", não poderia mudar, no meio do caminho, de prioridade.

Apostou que encontraria mais soluções na sua rica vivência de gestão empresarial do que nos escritos acadêmicos.

Com a ajuda de empresas, começaram a ser construídas pequenas escolas, na convicção de que, em unidades menores, alunos se sentiriam mais acolhidos, reconhecidos e estimulados. Não seriam invisíveis.
Resolveu-se mexer na gestão. Os diretores ganharam autonomia, mas, em contrapartida, passaram a correr o risco de demissão se não atingissem as metas. Estavam à sua disposição mais verbas para inovação curricular, formação de professores e atividades extracurriculares. Resultado: nessas escolas, 78% dos alunos estão acima da média nacional, com impacto em toda a rede.

O leitor deve estar, neste momento, pensando que os brasileiros nada têm a tirar de lições de uma cidade que pode gastar tanto -aliás, na semana passada, o prefeito de Nova York destinou mais R$ 5 bilhões às escolas em 2007, sem contar ajuda extra do governo estadual de mais R$ 7 bilhões para os próximos anos.
A primeira lição é a mais óbvia: nem sempre excesso de dinheiro significa ganhos de qualidade.

A menos óbvia: uma direção motivada, orientada por metas claras compartilhadas com professores, pais e alunos é onde tudo começa.

Devido às baixas condições de trabalho, o que vemos, no Brasil, especialmente na periferia das grandes cidades, é uma alta rotatividade de diretores e de professores, além de um excesso de faltas; há diretores que não ficam mais do que um ano à frente de uma escola. Não se premia quem se esforça nem se pune quem demonstra baixo desempenho e, para completar, o envolvimento dos pais é pequeno e o currículo, desinteressante. Até mesmo falar em premiar as escolas de melhor performance é apontado pelos sindicatos como atentado "neoliberal". Aqueles que ultrapassam esses obstáculos (e tenho conhecido vários casos) são, sem nenhum exagero, heróis.

O que Nova York nos mostra , em números, é que, nesses termos, a chance de gerarmos talentos em nossas escolas será sempre uma exceção -assim como os heróis.

PS - Para quem quiser ver o que estou falando, recomendo o filme "Pro Dia Nascer Feliz", que acaba de entrar em cartaz. É o mais profundo documentário já produzido sobre jovens brasileiros e o aprendizado. Ali vemos como nosso pior desperdício é o desperdício de talentos. A grande sacada de Nova York é traduzir estatisticamente a mensagem de que nada pode ser mais grave do que deixar de reverenciar os talentos -e que sempre, em qualquer situação e em qualquer idade, eles podem ser revelados.






ARTIGO 2 - RESPOSTA

Fonte: Site da revista Caros Amigos em 1/3/2007 - http://carosamigos.terra.com.br

Sobre Nova York, professores e escolas públicas

O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
E na TV se você vir um deputado em pânico mal
dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer,
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino de primeiro grau
Caetano Veloso

por Walter Takemoto

O jornal “Folha de S. Paulo” do dia 04 de fevereiro último publicou coluna escrita pelo jornalista Gilberto Dimenstein, em que trata dos problemas das escolas públicas brasileiras tomando como referência experiências em desenvolvimento na América do Norte, mais precisamente em Nova York. Considero importante sua preocupação com as escolas públicas brasileiras, mas não posso deixar de manifestar minha discordância com algumas idéias defendidas pelo jornalista.

Apresenta ele experiências nova-yorkinas que certamente deve ter estudado e que diz serem de sucesso, as quais, confesso, não conheço e a leitura da coluna não permite conhecer em detalhes. Dentre essas experiências de qualidade e sucesso, o jornalista destaca a que abre as escolas para qualquer profissional, formado ou não, que queira assumir o lugar de um professor - profissional do magistério, portanto - pelo salário inicial equivalente a R$ 7.500,00 mensais. Contratado, o novo profissional passa por uma “preparação” de três semanas (!!!). Após assumir uma sala de aula, caso queira, poderá fazer gratuitamente um curso de especialização destinado a titulá-lo para que possa ser professor definitivamente.

Entusiasmado com a proposta, o jornalista exalta o fato de profissionais liberais e executivos, de grandes empresas, alguns já aposentados, assumirem as salas de aulas no lugar dos professores e, a partir daí, os resultados serem melhores. Gilberto Dimenstein, segundo suas próprias palavras, considera que esses profissionais liberais e executivos representam “um material humano que dificilmente poderia ser mais bem qualificado e motivado”. Ou seja, para o jornalista esses que se prontificaram a ocupar o lugar de um professor são mais bem qualificados que os professores para ensinar aos alunos!

O convite feito na matéria é para examinarmos essas propostas com o propósito de aprender com as medidas implementadas pelo prefeito de Nova York. Para minimizar a comparação entre a cidade dos EUA e as do Brasil, diz o jornalista que o orçamento de Nova York é de 35 bilhões, sem contar recursos de outras fontes, como fundações privadas e o governo estadual. Diz ainda que, por lá, a prefeitura está construindo pequenas escolas, por avaliar que podem acolher melhor os alunos, que passam a se sentir reconhecidos e estimulados. Nessas escolas, segundo a matéria, a equipe escolar conta com recursos para formação continuada, atividades extracurriculares, inovações pedagógicas, entre outras. O diretor tem mais autonomia, mas pode ser demitido caso não alcance as metas estabelecidas pela prefeitura. Escreve o jornalista que o prefeito da cidade apostou que encontraria mais soluções na sua rica vivência de gestão empresarial do que nos escritos acadêmicos.

Sem dúvida alguma as experiências de sucesso e o conhecimento produzido a partir delas devem ser estudados e, sendo possível, adotados onde fizerem sentido para responder a desafios semelhantes aos que lhes deram origem. Entretanto, como bem sabemos, as escolas, as realidades, os problemas, as soluções e as condições contextuais merecem uma análise profunda do que se apresenta como propostas e não a defesa simplória do que seria bom sob quaisquer circunstâncias.

Concordo com algumas posições defendidas pelo jornalista em relação aos problemas graves existentes na educação brasileira, como o elevado número de faltas, o corporativismo sindical, a ausência de avaliação de desempenho pautada em indicadores que de fato avaliem o sistema de ensino e o profissional, entre outros.

No entanto, não faz o menor sentido que as iniciativas para a suposta solução desses problemas estejam assentadas no inaceitável equivoco de desqualificar os profissionais da educação, responsabilizando-os, única e exclusivamente, pelo fracasso escolar, um problema de grave dimensão social de múltiplas causas.

De tempos em tempos assistimos ao surgimento de propostas milagrosas para elevar a qualidade das escolas públicas e das aprendizagens dos alunos. Da compra de “pacotes educacionais”, produção de livros didáticos e manuais para os professores “ao gosto do cliente”, até os programas televisivos que dispensam a presença de professores, são inúmeras as soluções que empresas, editoras e outras instituições oferecem aos prefeitos e secretários de educação, para resolver os problemas da educação. Por trás dessas propostas, de forma mascarada, o que se propõe é minimizar a importância do professor no processo de ensino e de aprendizagem.

Ao se comprar “pacotes educacionais” ou livros didáticos pré-formatados, para a cidade ou região, com o respectivo caderno do professor e atividades pré-estabelecidas (o que não difere muito dos pacotes), o que se está comprando na verdade é um receituário a ser aplicado pelo docente, que deve seguir à risca o que alguém produziu em algum lugar. A partir da experiência de Nova York, Gilberto Dimenstein nada mais fez do que escancarar o que outros propõem de forma envergonhada: se não podemos tirar o professor da escola, vamos reduzir a sua importância em sala de aula!

As críticas que podemos fazer aos educadores, que cabem ao conjunto do funcionalismo público, não podem, em hipótese alguma, se transformar na sua condenação como culpados pela crise da escola pública.

Se nesse processo existem culpados e vitimas, podemos dizer que, muito mais do que culpados, os professores são principalmente vitimas de:

- uma ação deliberada das elites que sucateiam os serviços sociais que são destinados aos setores populares da sociedade, ao mesmo tempo em que privatizam o Estado naquilo que lhes interessam e engordam os seus patrimônios;

- relações paternalistas e assistencialistas que marcam a nossa cultura político-partidária, à direita ou à esquerda, que desorganizam e não educam os setores populares para que tenham uma ação afirmativa de direitos e de controle social sobre o Estado e os serviços públicos;

- uma formação inicial de professores incompatível com a complexidade e as necessidades das escolas públicas e de seus alunos, que colocam jovens supostamente habilitados ao exercício da profissão diante de uma enorme responsabilidade com a formação e a vida escolar de centenas de crianças e adolescentes, mas na realidade despreparados para ensina a todos com qualidade – um tipo de formação que, muitas vezes, se ocupa em preparar futuros professores para o exercício do discurso pedagógico de vanguarda e não para uma atuação profissional competente;

- uma cultura escolar e profissional que tem como representação simbólica de aluno uma criança branca, de classe média, do meio urbano e católica, tratando, portanto, como “estranhos” a grande maioria dos alunos que freqüentam as nossas escolas e que não correspondem a essa representação, desvalorizando, assim, os conhecimentos sociais e culturais que trazem de suas vivências;

- gestores despreparados e, para piorar, às vezes sem nenhum compromisso com a qualidade da educação, incapazes de avaliar com seriedade as políticas e programas em desenvolvimento ou as que são necessárias para construir um processo que possa coesionar os educadores e a comunidade em torno de ações para alcançar os resultados que interessam à população;

- inexistência de políticas de valorização dos profissionais da educação, em contradição com as exigências e responsabilidades depositadas sobre eles, que recebem um dos mais baixos salários pagos entre os países da América do Sul (quanto mais comparados aos de Nova York!). Segundo o INEP/MEC (2003), o salário médio de um professor do ensino fundamental é de R$ 462,00 e um professor do ensino médio recebe quase a metade do que ganha um policial civil e um quarto do que ganha um delegado de polícia. As diferenças salariais regionais são brutais: um professor da educação infantil do sudeste ganha em média R$ 522 e no nordeste o salário é de apenas R$ 232,00. Diante dessa situação, grande parte dos professores acaba por assumir dupla ou tripla jornada de trabalho, o que significa ausência de tempo para um envolvimento efetivo com o trabalho pedagógico, essencial para a qualidade do ensino, como planejar o ensino a partir das necessidades de aprendizagem dos alunos, trabalhar coletivamente com os seus pares, discutir o projeto pedagógico da escola, entre outros;
- condições institucionais desfavoráveis para professores e alunos, uma vez que se constata que 45% das escolas não possui bibliotecas, 80% não possui laboratórios, além do número excessivo de alunos em salas de aula, em alguns casos superando 40 por turma.

Podemos acrescentar muitos outros problemas que acabam por interferir na qualidade da escola pública, pois, como bem lembra o Prof. César Coll, em nenhum outro período histórico os grupos sociais depositaram tantas expectativas e responsabilidades em um só tipo de prática educativa e exigiram tanto da educação escolar como hoje. Se isso ocorre, não vemos, pelo menos no Brasil, a sociedade oferecer aos educadores as condições e os recursos necessários para que possam cumprir adequadamente com a sua função social.

Além do que, por abrigar em seu interior e no seu cotidiano contradições sociais presentes na sociedade, as escolas - e os professores – são chamados a dar respostas para os dilemas e problemas sociais que fazem parte da vida de seus alunos, como o desemprego, a gravidez precoce, o consumo de drogas, a violência, enfim, tudo o que marca o processo de exclusão social de grande parte das crianças, adolescentes e jovens que freqüentam as salas de aula. E os governantes do nosso país, portanto também a sociedade, estão permitindo que cada vez mais se cobre dos educadores e das escolas que se responsabilizem isoladamente por problemas que são estruturais do nosso país. E sobre essa questão é preciso lembrar o que diz a professora Magda Soares: “a democratização da educação não depende só nem sobretudo dela, educação, porque é impossível a democratização da educação numa sociedade como a nossa, dividida em classes de forma tão gritante, tão revoltante, com diferenças tão grandes de condições sociais e econômicas. Enquanto as desigualdades e as discriminações não se resolverem, a educação pouco pode fazer. O problema fundamental são as condições sociais do país”.

Se nossos professores “não são os sujeitos brilhantes de Nova York”, apesar de tudo o que a elite fez, em mais de cinco séculos, para inviabilizar a escola pública de qualidade para os mais pobres e excluídos, ainda assim, quem quiser vai descobrir em quase todo o país professores e professoras que teimam em acreditar e fazer acontecer uma escola que garante uma aprendizagem de qualidade a todos os alunos e alunas. São homens e mulheres que demonstram, cotidianamente em suas salas de aula, que a tão sonhada escola pública de qualidade é possível, principalmente quando se oferecerem aos educadores os recursos, o tempo e as condições institucionais que favorecem o protagonismo na construção dessa escola de qualidade para todos, o que significa dizer que também os educadores devem estar à frente da discussão sobre a política educacional necessária para o país, mesmo que assim não queiram os gestores ou os sindicalistas - aqueles que acreditam que conquistar uns 10% ou 15% a mais de reajuste salarial ao ano significa oferecer aos professores a valorização profissional que merecem.

Não conheço suficientemente os professores americanos, suas expectativas, seus desejos, frustrações profissionais, compromissos e lutas...mas, do que pude conhecer dos professores brasileiros, posso assegurar que por aqui as soluções são bem outras, diferentes daquelas que o jornalista apresenta em seu artigo. Ousaria afirmar que me parece que por lá também!

Walter Takemoto é educador.