segunda-feira, dezembro 22, 2008

Maurício Tragtenberg: Militância e Pedagogia Libertária

Comentário Moisés Basílio: Muito me alegra o lançamento de mais um livro do meu amigo, de tantas batalhas, Antonio Ozaí. E ainda mais me alegra o fato do livro tratar do grande Maurício Tragtenberg.
Aproveito a divulgação desse livro para relatar que no mês de novembro último, tive a oportunidade de participar de um evento em memória aos 10 anos de falecimento de Mauricio Tragtenberg e de Jaime Cubeiros. A homenagem ocorreu no dia 6 de novembro de 2008, no auditório da Faculdade de Educação da USP-FEUSP, e contou a presença de familiares de ambos os homenageados, professores da FEUSP, convidados e alunos.

Particularmente o evento me emocionou, pois tive a oportunidade de manter relações como o Professor Mauricio Tragtenberg, durante um tempo da minha juventude, quando atuava na Oposição Metalúrgica de São Paulo e trabalhava no Centro de Documentação e Pesquisas Vergueiro – CPV, além de ter lido seus escritos e acompanhado várias de suas palestras e debates no inicio de minha formação política e intelectual. A principal lição que aprendi com Maurício Tragtenberg foi fugir dos dogmatismos e das verdades absolutas, num tempo em que o mais comum era se aferrar aos grandes esquemas explicativos do mundo. A partir das suas indicações bibliográficas, tive acesso as diferentes vertentes do pensamento socialista e libertário, sem os vieses e os preconceitos tão típicos da esquerda da época.

O evento contou com vários depoimentos:

- Bia Tragtenberg (esposa do Mauricio): Contou do amor do Mauricio pela literatura. Leu um texto inédito de Tragtenberg sobre a literatura como antídoto contra a divisão do trabalho.

- José Carlos Morel (Zeca) – do Centro de Cultura Social: Ressaltou a importância da pedagogia libertária como prática de homens como Cubeiros e Tragtenberg, como sendo antítese dos projetos pedagógicos da burguesia e da igreja que se baseiam na dominação. Teceu também comentários sobre o autodidatismo de Tragtenberg.

- Flávia Schilling – Professora da FEUSP: Uma fala cheia de saudades e emoções. Narrou como foi o seu encontro com o Tragtenberg orientador da sua dissertação de mestrado, um arquivo vivo, um homem erudito.

- Lúcia Bruno – Professora da FEUSP: Começo destacando a atualidade da critica que Tragtenberg fez à Universidade. Outro aspecto importante em Tragtenberg era a sua visão indissociabilidade da exploração econômica e dominação política. Não dá para separar e isso é fundamental para se entender a obra de Tragtenberg. Também é importante a crítica às teorias de administração, mostrando que ela não são neutras. Bem como, às críticas à escola, aos partidos políticos e aos sindicatos.

- Evaldo Vieira – Organizados das reedições das obras de Tragtenberg: Lembrou do tempo em que trabalhou junto com o Maurício pelo interior de São Paulo. Destaca a importância do livro “Administração, poder e ideologia” para se entender o trabalho e a educação.

- Carmen Sylvia – Professora FEUSP – Relatou a trajetória do seu relacionamento intelectual e militante com o Tragtenberg. Destacou a importância de Tragtenberg utilizar o marxismo com referencial teórico.

Mais uma coisa: Ainda não li o livro, mas pela trajetória do Ozaí, recomendo. Axé!


Maurício Tragtenberg: Militância e Pedagogia Libertária

Antonio Ozaí da Silva

Ijuí: Editora Unijuí, 2008 (344p.)

Site: http://www.editoraunijui.com.br
Email: editorapedidos@unijui.edu.br

Este é um livro sobre um intelectual inovador a quem o Brasil ainda deve, mas que o pensamento crítico vem reconhecendo paulatinamente. Um autor que pensou e

contribuiu para a educação de modo não-formal, incomum e essencialmente crítico, confiando no papel formador da negação dialética do instituído. Sem se reter aos espaços que tradicionalmente se convencionou delimitar por “acadêmicos”, como Gorki ele considerava as vivências e lutas de sua trajetória como “as minhas universidades”.

Não é gratuito, portanto, que Antonio Ozaí da Silva inicie esta obra sobre Maurício Tragtenberg esquadrinhando os contextos de sua vida e os influxos de seu engajamento militante. O tema da educação libertária não pode ser apreendido nem encerrado nos marcos investigativos do formalismo pedagógico institucional. Isto é, filosoficamente compreendida, a obra de Ozaí lida com um método de abordagem que sabe reconhecer, respeita e não elide o que lhe demanda a natureza do seu objeto de análise.

O livro esclarece, com propriedade, que Tragtenberg, ele mesmo de formação parcialmente autodidata, articula o seu princípio político-pedagógico libertário a partir da defesa da auto-organização dos trabalhadores. Crítico da cisão teoria–prática e da hierarquia intelectual manifestas no homo academicus, ele via na autogestão dos operários o modo social destes recobrarem integralmente o saber e a condição intelectual deles apartados pela classe dominante, que os marginaliza no processo do fazer, negando-lhes o do conhecer.

Com uma obra marcada pelo decantamento crítico das raízes e da natureza histórico-social da dominação burocrática, Tragtenberg levou para a análise da educação os seus princípios teóricos mais gerais. Introduzindo e impondo respeito à pedagogia libertária na universidade brasileira, atacou a ritualística adestradora da educação burocrático-formal, fazendo da defesa da autogestão educacional, da autonomia do indivíduo e da solidariedade anticoncorrencial as balizas de sua pedagogia integral e igualitária, centrada nos interesses dos educandos.

Por fim, este estudo sobre a práxis militante e educativa de Tragtenberg carrega, ainda, um interesse peculiar: na sua leitura do mestre Tragtenberg – título que ele recusaria –, essas páginas vão calando uma a uma, e revelam, de quebra, parte dos fundamentos inspiradores de onde brota o perfil engajado antielitista do próprio cientista social e educador Antonio Ozaí da Silva, manifesto em seu notável empenho, como escritor e editor, pela qualificação crítica e plural da cultura. Enquanto continuidade dessa práxis educativa igualmente informal, essas páginas compõem uma exposição que honra a justa crítica de Tragtenberg ao vetusto e socialmente inútil elitismo acadêmico.

Paulo Denisar Fraga

Professor de Filosofia, Metodologia da Ciência e Pesquisa da Universidade Federal de Alfenas, MG

Sinopse (resumo) O leitor tem em suas mãos um livro que representa um exercício de pedagogia crítica porque rememora para as gerações atuais e futuras o pensamento e a prática do pensador social, educador e ativista político Maurício Tragtenberg, reconhecido por sua atuação libertária nos processos educativos e políticos, tanto no sistema escolar formal, quanto nas redes de movimentos sociais, e sempre empenhado em trazer para o espaço burocrático administrado da universidade a concepção do conhecimento como projeto de emancipação; bem como em realizar uma intervenção política libertária que leve para o restante da experiência social os conhecimentos construídos na universidade.

Ao discutir os vários momentos da trajetória pessoal, política e pedagógica de Maurício Tragtenberg, este livro torna explícita a intenção do autor em realizar uma possível continuidade para a pedagogia do exemplo proposta e praticada por Tragtenberg e experienciada diretamente por Antonio Ozaí da Silva, em uma demonstração de que nos processos investigativos e educativos não há sujeitos nem objetos, pois o outrora professor Tragtenberg, com sua ação pedagógica se transforma em tema de um estudo de um ex-orientando, atualmente professor, pesquisador e ativista empenhado em uma política cultural radical, e que através deste trabalho nos propicia uma espécie de sublimação da dor que sentimos com a perda daquele que consideramos "o mestre": Maurício Tragtenberg.

Walter Praxedes
Doutor em Educação pela USP e docente da Universidade Estadual de Maringá

Sobre o autor

Antonio Ozaí da Silva é graduado em Ciências Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André e mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob a orientação de Maurício Tragtenberg. É doutor em Educação pela Universidade de São Paulo sob a orientação de Nelson Piletti e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá, PR. É editor dos periódicos Revista Espaço Acadêmico, Urutágua e Acta Scientiarum: Human and Social Sciences, sendo autor de inúmeros artigos e do livro História das tendências no Brasil (SP: Proposta, 1987), que teve grande repercussão no estudo da formação das organizações, grupos e partidos da esquerda brasileira.


domingo, dezembro 07, 2008

A COR DA ESCOLA Livro resgata as primeiras imagens de professores e alunos negros

Comentário Moisés Basílio: Minha avó - Maria Candida de Jesus - que nasceu em 1902, num povoado chamado Lagoa Formosa, região noroeste de Minas Gerais, que hoje é um município, mas que na época pertencia administrativamente à cidade de Patos de Minas, preta retinta, como ela mesma se autodeclarava, sabia ler, escrever e contar. Quem lhe ensinou foi seu pai e meu bisavô materno, Pedro Mariano Leal, que segundo me relatou minha avó era o professor da comunidade local. Até a minha geração, minha família em seu ramo materno, que é totalmente formada por negros, sempre prezou o letramento de seus membros, em que pese a dificuldade de acesso ao sistema escolar formal.

A notícia abaixo traz uma informação interessante para se investigar. Mesmo com a sistema de escravidão, muitos negros acabaram tendo acesso à cultura letrada, pois a prática racista não era intensa como a que aflorou entre os anos de 1910 e 1930, com aquilo que chamamos de ideologia do embranquecimento da população brasileira e que de certa forma, mesmo com a chamada democracia racial, se propagou até os dias atuais, afastando o povo negro dos bancos do sistema escolar oficial. Há um outro estudo, de uma pesquisadora mineira, que preciso procurar, que investiga o letramento entre a população negra nos séculos XVII, XVIII e XIX em vários regiões de Minas Gerais. Assim que achar essa informação publico aqui no blog. Axé!


Fonte: Jornal O Globo internet - Publicada em 05/12/2008 às 16h40m
Marta Reis

Alunos e professores da 3ª série da Escola Rodrigues Alves, Rio de Janeiro, 1914
RIO - Foi estudando para sua tese de doutorado em Educação, concluída na UFRJ, que a pedagoga Maria Lúcia Rodrigues teve a sorte de esbarrar com fotos do fim do século XIX e início do XX, que comprovavam - ao contrário do que pensavam alguns estudiosos - que a inclusão de professores negros nas escolas aconteceu bem antes de 1960. Lúcia não consegue precisar exatamente quando isso de fato ocorreu, mas assegura que tenha sido antes mesmo do fim da escravidão. As imagens guardadas pela pesquisadora ao longo de dez anos foram transformadas no livro "A cor da Escola - Imagens da Primeira República" (Ed.UFMT / Estrelinhas), lançado na última semana.
" Entre 1910 e 1930 ocorreu um processo de branqueamento das posições de prestígio e das salas de aula. "

O exemplar é recheado de 54 fotos raras e inúmeros textos que contam a história dos primeiros professores e alunos negros nas escolas da Primeira República (1889 a 1930), nos estados do Rio de Janeiro e Mato Grosso. De acordo com Lúcia, naquela época os negros ocupavam cargos de destaque nas escolas públicas - eram diretores, por exemplo - e representavam boa parte do quadro de docentes. Da mesma forma, alunos brancos e negros dividiam a mesma sala de aula, em semelhante proporção.
Veja a fotogaleria com fotos do livro
- Escrevi diversos artigos sobre o assunto e as pessoas diziam que eu era louca, que os negros só começaram a estudar para ser professor na década de 1960. Então, me senti desafiada a provar aquilo. Demorou dez anos, desde o dia que achei a primeira foto, mas aí está o resultado - comemora Lúcia, que é pesquisadora associada do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira, da UFF, e professora da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).
Reforma educacional afasta os negros das escolas
Professora da Escola José Pedro Varela, em sala de aula, Rio (1923) Segundo a pesquisadora, mesmo antes do fim da escravidão, o Brasil tinha milhares de negros livres que se preocupavam com a educação de seus filhos ou se destacavam no magistério. No entanto, como comprovam as imagens do livro, eles foram desaparecendo aos poucos, até se tornarem uma pequena minoria nas escolas públicas da época.
- Entre 1910 e 1930 ocorreu um processo de branqueamento das posições de prestígio e das salas de aula. Muitos intelectuais achavam que a solução para o desenvolvimento do Brasil era a imigração da população européia. Então, foram criadas regras para afastar os negros.
As normas fizeram parte de uma reforma educacional brasileira do início do século passado, que no Rio aconteceu em 1927. Pelas regras implementadas, professores com mais de quatro obturações dentárias, sem algum dos dentes, ou não nascidos na cidade do Rio de Janeiro não eram aceitos nas escolas. Além disso, foi criado um programa de estímulo à aposentadoria, conta Lúcia.
- Com os alunos, o processo foi parecido. Eles precisavam preencher um formulário escolar que mais parecia uma ficha médica, que acabava por discriminar os mais pobres, em sua maioria negros.
Cotas contribuem para a formação de uma elite negra, dia Lúcia
Maria Lúcia Rodrigues / Marta Reis O resultado dessa política, a professora acredita, é sentido ainda hoje no reduzido número de negros no magistério - apenas 4,3%, segundo dados do último Censo - e nas universidades. Para resolver o problema, ela se diz a favor da reserva de vagas para estudantes negros, adotada por algumas instituições, entre elas a Uerj.
- Pesquisas já comprovaram que os cotistas não diminuíram a qualidade do ensino dessas universidades. Pelo contrário, eles são os mais esforçados. As políticas afirmativas são essenciais para que criemos uma elite negra no país. Se elas não são a solução definitiva, são pelo menos a temporária - defende.