domingo, janeiro 29, 2012

S. PAULO E SEUS 458 ANOS: POBREZAS E VIOLÊNCIAS

Comentários de Moisés Basílio: 

          Entre tudo que ouvi, li e vi, a crônica do Antonio Prata na Folha de S. Paulo foi a que mais me tocou.

         Moro e trabalho na parte horrorosa da cidade, pelo critério da paisagem urbana. Para manter em dia minha forma física, nos últimos meses tenho praticado o exercício da caminhada. Tenho caminhado por várias paisagens da cidade, mas com mais constância pelas paisagens da região do Sapopemba. Nessas caminhadas tenho diversificado as rotas, mas em todas elas me encontro com cenas de um cotidiano imerso na pobrezas e na violências.

        Pobrezas e violências assim mesmo no plural, pois elas são inúmeras pela cidade a fora. Mas, aqui na periferia elas assumem toda sua dramaticidade. Moradias precárias; Na Educação a falta de creches, falta escolas de educação infantil, escolas de ensino fundamental e médio sem identidade e com dificuldades em dialogar com as crianças, adolescentes e jovens; Transporte público lotados e de baixa qualidade; Aumento da criminalidade, em sua modalidade do "crime organizado" - tráfico de drogas lícitas e ilícitas, furto e roubo de autos, etc.

       Mesmo diante desse quadro social horrível a cidade se faz linda pois é o espaço social que abriga as pessoas que amo e a minha história, como tão bem sintetiza a bela crônica do Prata. 

        Só não concordo com o Prata em sua dúvida sobre S. Paulo ser o túmulo do samba. O samba paulistano tem história riquíssima e espalhada por toda cidade.          



Querida e horrorosa cidade

Por Antonio Prata - Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, 25/01/2012, caderno Cotidiano.

Uma Virada Cultural por ano não pode competir com um motoboy morto por dia em São Paulo.

Às vezes acontece de criticarem um amigo e eu não poder discordar: é verdade, ele tem mesmo tais e tais defeitos. Nada do que disserem, contudo, mudará meus sentimentos ou a nossa relação. Afinal, laços de amizade não são criados a partir de uma planilha do Excel, onde analisamos os prós e os contras da pessoa para, então, decidir nos aproximar; nascem de acasos e necessidades mais difusas que, geralmente, já se perderam no passado. O sujeito pode ter mais falhas que a defesa do Íbis, mas há dez anos vocês jogam pôquer semanalmente, já passaram alguns Réveillons juntos e quando aquela "stronza" te deu um pé na bunda, na madrugada de uma remota terça-feira, ele apareceu no seu apartamento meia hora mais tarde, com uma garrafa de Seleta numa mão e um disco do Tom Waits na outra.
Tais ruminações me acompanham desde domingo, quando participei de um programa de rádio sobre o aniversário de SP e me dei conta de que viver aqui é como amar o amigo calhorda. Claro, a cidade tem muitas qualidades, que tentei enumerar no bate-papo, mas quanto mais falava em "programação cultural", "vida noturna" e "restaurantes", mais hipócrita me sentia: é impossível negar que nossos defeitos superam, em muito, nossas virtudes.
Uma Virada Cultural por ano não pode competir com um motoboy morto por dia nem todos os impressionistas reunidos no Masp serviriam de tapume para nossa feiura. Aqui, a falência do urbanismo está tanto na pobreza -os mares de lajes batidas- quanto na riqueza -os espigões com colunas jônicas -homenagem ao glorioso império-românico-ultramarino que, como todos sabem, precedeu a chegada dos tupis-guaranis?
São Paulo é violenta, arisca, injusta. O único momento em que vislumbramos uma sociedade igualitária é na hora do rush: todo mundo parado, respirando o mesmo monóxido de carbono. A cidade não existe como um espaço comum: é a distância que nos separa, uma ausência ou, então, um obstáculo. No entanto, gostamos dela. Por quê?
Só entendi o óbvio ululante quando minha colega Barbara Gancia, que também participava do programa de rádio, tomou o microfone e, fugindo do meu clichê de "vida noturna & programação cultural", foi direto ao ponto: "São Paulo é onde estão as pessoas que eu amo: minha família, meus amigos, meus colegas de trabalho". Simples assim.
Falemos o que for sobre esta metrópole banguela, mas é aqui que nascemos ou para cá nos mudamos, aqui nos apaixonamos, levamos pés na bunda e somos consolados. É o contrário daquela piada em que Deus termina de fazer o Brasil, irretocável em suas belezas naturais e diz: "Agora espera só pra ver o povinho que eu vou botar lá". Não somos o paraíso mal frequentado, mas um inferno cheio de pessoas queridas.
Caetano talvez tenha acertado ao nos chamar de "túmulo do samba", mas foi ainda mais feliz no final do mesmo verso, ao apontar o "possível novo quilombo de Zumbi". Falta muito, claro, para fazer desse quilombo uma cidade, mas somos jovens, temos só 458 anos (quase nada comparado à Roma, Istambul, Bombaim) e muita gente boa, disposta a trabalhar. Há que ser otimista -afinal, pior do que tá, não fica.
Feliz aniversário, minha querida e horrorosa cidade.
Blog "Crônicas e Outras Milongas"
antonioprata.folha.blog.uol.com.br

domingo, janeiro 15, 2012

ENSINO PRIVADO: MOVIMENTAÇÃO ECONÔMICA EM 2012

Comentários Moisés Basílio:
Os números estão aí para serem interpretados. Como a própria reportagem afirma esses números não são precisos, portanto vamos a análise com cuidados.


Os números nos mostram que o crescimento dos investimentos no setor da educação formal (ensino) privado da economia brasileira continua, principalmente em fusões e aquisições. Na prática isso significa que as instituições de ensino particulares estão migrando de proprietários tradicionais para proprietários corporativos, inflados com capitais externos.  


Esses novos donos são muito agressivos na conquista desses novos mercados. A ênfase é oferecer o ensino que o mercado emergente brasileiro diz necessitar, ou seja, formar a força de trabalho para a inserção do país no mercado global. E também aproveitar o aumento da demanda por ensino superior, com o aumento da escolaridade da população brasileira e com o aumento do financiamento público (prouni, fies etc), que põe na roda mais dinheiro. 


Portanto, um modelo de instituição de ensino com um forte vínculo com o mercado, pois busca seu financiamento no mercado e tem como objetivo formar para o mercado. Como sabemos que o mercado flutua de acordo com as oscilações de seus lucros, esse modelo está fadado a sofrer com essas movimentações. O tempo dirá. 

   
FUSÕES BATEM RECORDE NO SETOR DE EDUCAÇÃO
Ensino chega a R$ 2,4 bilhões em aquisições
Por Beth Koike | De São Paulo - Valor Econômico - 09/01/2012
O movimento de fusões e aquisições no setor de ensino privado bateu recorde no ano passado. Só as operações - cerca de 20 - realizadas por quatro empresas de capital aberto movimentaram R$ 2,4 bilhões. No total, ocorreram 27 transações, mas não há dados precisos sobre as que envolveram instituições menores e de capital fechado. Nunca houve um valor tão alto no país, pelo menos desde 2007, quando os grandes grupos de ensino começaram a abrir seu capital e passaram a tornar públicas suas contas. Em 2012, o setor deve continuar registrando negócios, porque existe ainda espaço para consolidação no ensino fundamental e médio, afirma Luís Motta, sócio da KPMG.
O mercado brasileiro de ensino encerrou o ano movimentando cerca de R$ 2,4 bilhões em aquisições. Este é o montante investido somente por Anhanguera, Abril Educação, Estácio e Kroton, segundo levantamento feito pelo Valor. Trata-se do maior volume já negociado em compras de empresas no setor de ensino no país pelo menos desde 2007, quando os grupos de educação começaram a abrir o capital. De lá para cá, o valor investido em fusões e aquisições praticamente quadruplicou de tamanho.
Levando-se em consideração o número total de fusões e aquisições em ensino (incluindo-se empresas de capital fechado), foram feitas 27 transações em 2011, segundo a consultoria KPMG. Desse total, cerca de 20 envolveram empresa de capital aberto. Não é possível informar o valor total dos negócios, pois há operações cujos termos não foram divulgados.
O setor deverá continuar registrando fusões e aquisições em 2012. "Há espaço para consolidação nos ensinos fundamental e médio e também em sistemas de ensino", diz Luís Motta, sócio da KPMG. O recorde anual deu-se em 2008, com 53 negócios. Várias empresas abriram o capital em bolsa e foram às compras. "Mas foram negócios com volumes financeiros menores. Não havia transações tão relevantes como, por exemplo, a da Kroton", diz Motta.
Em 2011, o valor recorde de transações foi puxado pela mineira Kroton que comprou por R$ 1,3 bilhão a Unopar (Universidade do Norte do Paraná), que tem como chamariz o status de líder do segmento de ensino a distância. Essa operação, comandada pelo presidente da Kroton, Rodrigo Galindo, foi a maior já fechada na história do setor de educação no país. Tamanha aposta por parte da Kroton, cujo principal acionista é o fundo americano Advent, é o potencial do mercado de ensino a distância que pode dobrar de tamanho em cinco anos.
Outra transação de destaque foi a da Anhanguera, que pagou R$ 510 milhões pela Uniban - uma das últimas grandes faculdades de São Paulo que ainda não haviam sido vendidas. Com a aquisição, a faculdade controlada pelo fundo de private equity Pátria fincou pé no mercado paulistano, considerado o mais rentável do país.
A Anhanguera é o maior grupo de ensino do país, com 292 mil alunos. Mas a Kroton encostou na líder ao levar a Unopar e hoje ocupa a segunda posição, com 264 mil estudantes. O mercado nacional de educação superior tem 5,3 milhões de alunos, sendo que 75% estão matriculados em faculdades particulares.
A forte movimentação no setor de educação também foi motivada, a partir de 2010, pela retomada dos investimentos da britânica Pearson e da brasileira Abril Educação. Ambas estavam atuando de forma tímida no país e desembolsaram quantias importantes para adquirir dois sistemas de ensino (apostilas). Em julho de 2010, a Abril Educação adquiriu o Anglo por R$ 717 milhões. Dez dias depois, a Pearson anunciou a compra dos sistemas de ensino da SEB (COC, Dom Bosco e Pueri Domus) por R$ 888 milhões. Com o Anglo, a Abril Educação foi à bolsa, levantou R$ 317 milhões e fechou mais quatro aquisições em 2011, que somaram R$ 279 milhões.
Em dezembro, a Pearson anunciou a compra, por meio de sua editora Penguin, de 45% da Companhia das Letras. Com a compra de uma das editoras brasileiras mais renomadas, a Pearson poderá integrar os negócios de educação e literatura. Uma das ideias é ampliar o acervo da biblioteca virtual da Pearson com obras da Companhia das Letras.
Matrícula em cursos técnicos sobe para 18% do total no ensino médio
A procura pela educação profissional cresceu mais de 50% no Brasil nos últimos cinco anos. Entre 2005 e 2010, a fatia das matrículas em cursos técnicos sobre o total verificado no ensino médio regular passou de 8,2% para 13,6%, atingindo 1,140 milhão de alunos no ano passado. Em 2011, o peso das matrículas pode ter ficado entre 15% e 18%, informou ao Valor Eliezer Pacheco, titular da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (Setec-MEC). A confirmação virá com a conclusão da apuração do Censo Escolar da Educação Básica de 2011.
Segundo Pacheco, o desempenho foi acelerado pela expansão da rede federal de escolas técnicas - mais de 200 institutos foram abertos entre 2003 e 2011 -, pelo aumento da oferta pela rede particular, responsável por quase 550 mil matrículas, e, mais recentemente, com as primeiras matrículas do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), criado em outubro de 2011. "Nossa avaliação inicial do programa mostra que o Pronatec matriculou 66,5 mil alunos em 2011 e temos uma média diária de 1.460 pré-matrículas registradas em dezembro", informa Pacheco.
Em 2011, o valor recorde de transações foi puxado pela mineira Kroton que comprou por R$ 1,3 bilhão a Unopar (Universidade do Norte do Paraná), que tem como chamariz o status de líder do segmento de ensino a distância. Essa operação, comandada pelo presidente da Kroton, Rodrigo Galindo, foi a maior já fechada na história do setor de educação no país. Tamanha aposta por parte da Kroton, cujo principal acionista é o fundo americano Advent, é o potencial do mercado de ensino a distância que pode dobrar de tamanho em cinco anos.
Outra transação de destaque foi a da Anhanguera, que pagou R$ 510 milhões pela Uniban - uma das últimas grandes faculdades de São Paulo que ainda não haviam sido vendidas. Com a aquisição, a faculdade controlada pelo fundo de private equity Pátria fincou pé no mercado paulistano, considerado o mais rentável do país.
A Anhanguera é o maior grupo de ensino do país, com 292 mil alunos. Mas a Kroton encostou na líder ao levar a Unopar e hoje ocupa a segunda posição, com 264 mil estudantes. O mercado nacional de educação superior tem 5,3 milhões de alunos, sendo que 75% estão matriculados em faculdades particulares.
A forte movimentação no setor de educação também foi motivada, a partir de 2010, pela retomada dos investimentos da britânica Pearson e da brasileira Abril Educação. Ambas estavam atuando de forma tímida no país e desembolsaram quantias importantes para adquirir dois sistemas de ensino (apostilas). Em julho de 2010, a Abril Educação adquiriu o Anglo por R$ 717 milhões. Dez dias depois, a Pearson anunciou a compra dos sistemas de ensino da SEB (COC, Dom Bosco e Pueri Domus) por R$ 888 milhões. Com o Anglo, a Abril Educação foi à bolsa, levantou R$ 317 milhões e fechou mais quatro aquisições em 2011, que somaram R$ 279 milhões.
Em dezembro, a Pearson anunciou a compra, por meio de sua editora Penguin, de 45% da Companhia das Letras. Com a compra de uma das editoras brasileiras mais renomadas, a Pearson poderá integrar os negócios de educação e literatura. Uma das ideias é ampliar o acervo da biblioteca virtual da Pearson com obras da Companhia das Letras.
Matrícula em cursos técnicos sobe para 18% do total no ensino médio
A procura pela educação profissional cresceu mais de 50% no Brasil nos últimos cinco anos. Entre 2005 e 2010, a fatia das matrículas em cursos técnicos sobre o total verificado no ensino médio regular passou de 8,2% para 13,6%, atingindo 1,140 milhão de alunos no ano passado. Em 2011, o peso das matrículas pode ter ficado entre 15% e 18%, informou ao Valor Eliezer Pacheco, titular da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (Setec-MEC). A confirmação virá com a conclusão da apuração do Censo Escolar da Educação Básica de 2011.

Segundo Pacheco, o desempenho foi acelerado pela expansão da rede federal de escolas técnicas - mais de 200 institutos foram abertos entre 2003 e 2011 -, pelo aumento da oferta pela rede particular, responsável por quase 550 mil matrículas, e, mais recentemente, com as primeiras matrículas do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), criado em outubro de 2011. "Nossa avaliação inicial do programa mostra que o Pronatec matriculou 66,5 mil alunos em 2011 e temos uma média diária de 1.460 pré-matrículas registradas em dezembro", informa Pacheco.

quarta-feira, janeiro 11, 2012

TUDO É RACISMO OU NADA É RACISMO?

COMENTÁRIOS MOISÉS BASÍLIO:
Mais um caso de racismo na cidade de S. Paulo que se torna público e abre um leque de posicionamentos e reflexões. E isso é bom, pois outra infinidade de acontecimentos racistas passa em branco cotidianamente.

Parafraseando Belchior,  a minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos a sensação é que ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais...

E por que essa sensação? Porque algo semelhante aconteceu comigo em meados dos anos 80. Num sábado à noite depois de um dia de trabalho duro, eu mais um amigo negro, o Fábio, e um casal de amigos brancos, Luiza e Aldo,  fomos jantar no restaurante O Bacalhau do Porto ( http://www.obacalhaudoporto.com.br/ ) que ainda funciona até hoje na rua Vergueiro, no bairro Ipiranga, em S. Paulo, próximo à Via Anchieta.

Logo na entrada algo esquisito ocorreu. O casal Luiza e Aldo entrou primeiro e quando eu e o Fábio íamos entrar o porteiro abruptamente foi fechando a porta. O casal que já havia entrado protestou ao ver o gesto do porteiro, que só retrocedeu pois foi informado de que acompanhávamos o casal. Um mal estar se instalou imediatamente, mas relevamos e fomos para a mesa.

Fizemos os pedidos e quando já estávamos apreciando a entrada um garçom se dirigiu a mim e em voz baixa disse que havia um amigo me chamando no lado de fora do restaurante. Estranhei o recado, pois decidimos ir àquele restaurante de supetão e não informei a ninguém que estaria ali.

Mas, de forma educada respondi ao meu interlocutor que se fosse meu amigo que entrasse e se dirigisse à mesa. Foi nesse instante, com cara constrangida, disse que na verdade quem estava do lado de fora era a polícia militar, que queria falar comigo e com meu amigo negro.

Duas cabeças, duas sentenças. Eu na hora, se a memória não falha, minha reação foi pedir para o garçom mandar os policiais entrarem, pois se quisessem fazer uma abordagem, que se fizesse com todos os clientes que estavam presentes no restaurante. A reação do amigo Fábio foi de completa indignação. Levantou-se da mesa e em brados, invocou a lei Afonso Arinos (de 1951) e a recente lei Caó (de 1985), denunciou o ato racista, se recusou a continuar a refeição naquele local e saiu do restaurante.

Sem alternativa de ação, também saímos junto com o Fábio. Do lado de fora dois soldados da PM nos aguardava, um inclusive era negro. Tomamos a iniciativa do diálogo com os policiais. Nos identificamos e prontamente solicitamos dos policiais o motivo da abordagem. Diante da nossa postura, linguajar, profissão, grau de escolaridade, etc.  os policiais logo perceberam o equívoco.

Os policiais nos informaram que foram chamados por dois motivos: Nossa aparência e que estávamos fazendo piadas agressivas.

Anotamos o nome dos policiais e fomos direto ao distrito policial lavrar um boletim de ocorrência. O delegado relutou um pouco em fazer o B.O., mas acabou aceitando. Denunciamos o caso para a Comissão do Negro da OAB-SP e entramos em contato com o advogado Idibal Pivetta para acompanhar o caso.

O grupo Folha, acionado pela OAB-SP fez a cobertura do caso, entrevistando o dono do restaurante e a nós, eu e o Fábio. Saiu uma reportagem, com nossas fotos, no jornal Notícias Populares e uma nota de menor destaque na Folha de S. Paulo. Várias entidades do Movimento Negro organizado tomaram posição diante do ocorrido e divulgaram o caso.

O delegado alegando que depois de ouvir o proprietário do estabelecimento e nos ouvir, avaliara que tudo não passara de um mal-entendido e que não havia indícios de crime e que por isso não levaria o B.O. adiante.

Em conversação com nosso advogado Idibal Pivetta, avaliámos que dada à má vontade do delegado em instrumentalizar o processo e às dificuldades da legislação brasileira em tipificar o crime de racismo, a via legal do processo teria pouca possibilidade de êxito. Avaliámos também que as nossas vitórias foram: Ter denunciado o caso; A repercussão do caso na mídia; O envolvimento e o posicionamento do Movimento Negro; O constrangimento que fizemos o dono do estabelecimento passar ao ter que ir depor numa delegacia sobre crime de racismo e ter que se justificar, perante órgãos de imprensa e seus clientes sobre sua atitude; O exemplo para que novos casos de racismo fossem denunciados; E também o exemplo para intimidar novos atos racistas.

O caso da "Nonno Paolo", abaixo analisado pelo artigo da Sueli Carneiro, hoje em 2012, século XXI, guarda grandes semelhanças com que vivi lá pelos idos dos anos 80, século XX. E guardaria semelhanças estruturais com outros casos racistas do Brasil dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX.

O racismo e os racistas se moveram nos diferentes contextos conjunturais da história do Brasil. O racismo chegou aqui com Cabral, justificado pela leitura bíblica enviesada, que justificava a escravidão pela alegoria da maldição de Cam. Depois o racialismo que foi a teoria pseudocientífica que justificou ações racistas nos séculos XIX e XX. Ainda no século XX, a ideologia da democracia racial encobriu as sutilezas de nosso racismo. Agora, nesse início do século XXI, com o esgotamento dos mecanismos que sustentaram a ideologia da democracia racial, novas formas de racismos se instalam, e a principal é a ideologia de que o racismo não existe mais no Brasil.

Nego! Olho aberto, coração vibrante e muita reflexão, estudo e ação para enfrentarmos as novas paradas racistas. Axé!



Fonte: Portal Geledés, 7 de janeiro de 2012, http://www.geledes.org.br/em-debate/sueli-carneiro/12495-sueli-carneiro-nonno-paolo-um-caso-emblematico
Autora: Sueli Carneiro

Nonno Paolo – um caso emblemático


Há coisas essenciais sobre o racismo no episódio ocorrido no restaurante Nonno Paolo com um menino negro.
Eu não estava lá, mas pela reação de indignação da mãe da criança e seus amigos é lícito supor que a criança em questão, seja amada e bem cuidada, portanto, não estava suja e maltrapilha como costumam estar as crianças de rua que encontramos cotidianamente na cidade de São Paulo.
Então, a "confusão" de quem a tomou, em princípio, por mais uma criança pedinte se deveu ao único traço com o qual a define a mentalidade racista: a sua negritude. Presumivelmente, o menino negro era o único "ponto escuro" entre os clientes do restaurante e para esse "ponto escuro" há lugares socialmente predeterminados dos quais restaurantes de áreas consideradas "nobres" da cidade de São Paulo estão excluídos.
Para o racista a negritude chega sempre na frente dos signos de prestígio social. Por isso Januário Alves de Santana foi brutalmente espancado por não ser admissível para os seguranças do supermercado Carrefour que ele fosse proprietário de um Ecosport dentro do qual se encontrava no estacionamento a espera de sua mulher que realizava compras. Por isso a cantora Thalma de Freitas foi arbitrariamente revistada e levada em camburão para uma delegacia por ser considerada suspeita enquanto, como ela disse na ocasião, "porque a loura que estava sendo revistada antes de mim não veio para cá?". Por isso Seu Jorge além de múltiplas humilhações, sofridas na Itália foi impedido, em dia de frio europeu, de entrar em uma loja com o carrinho no qual estava a sua filha, "confundido" como um monte de lixo. São apenas alguns exemplos de uma lista interminável de situações em que são endereçadas para pessoas negras mensagens que tem um duplo sentido: reiterar o lugar social subalterno da negritude bem como desencorajar os negros a ousarem sair dos lugares que desde a abolição lhes foi destinado: as sarjetas do país.
O episódio indica portanto, que uma criança, em sendo negra e, por consequência "natural" , pobre e pedinte, pode, "legitimamente", ser atirada à rua, sem cerimônia. É, devolvê-la ao seu devido lugar. Indica, ademais, que essa criança não desperta o sentimento de proteção (que devemos a qualquer criança) em relação aos perigos das ruas, pois ela é, para eles, uma das representações do que torna as ruas um perigo!
Essa criança, por ser negra, também não é abrigada pela compaixão, pois, há quem vê nelas a "semente do mal", como o fez certa vez, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, defendendo a descriminalização do aborto para mulheres faveladas, pois seus úteros seriam "fábricas de marginais."
Há os que defendem a atitude do funcionário que expulsou a criança do restaurante sob o argumento de a que região em que ele está localizado costuma ser assediada por crianças pedintes que aborrecem a clientela dos estabelecimentos comerciais. Na ausência do poder público para dar destino digno a essas crianças, cada um age de acordo com sua consciência, via de regra, expulsando-as. Outros dizem que a culpa pelo ocorrido é dos pais que deixaram a criança sozinha na mesa. O subtexto desse discurso é revelador e "pedagógico": pais de crianças negras deveriam saber que elas podem ser expulsas de restaurantes enquanto eles se servem porque elas são consideradas pedintes, ou menor infrator! O erro não estaria no rótulo ou estigma e sim nos desavisados que não compreendem esse código social perverso!
Os que assim pensam pertencem à mesma tribo de indignados que consideram que espaços até então privativos de classes sociais mais abastadas começam a serem tomados de "assalto" por uma gente "diferenciada", fazendo aeroportos parecerem rodoviárias ou praças de alimentação. Aqueles que não se sentem incomodados com a desigualdade e a injustiça social. Aqueles que reclamam que agora "tudo é racismo" porque, para eles, o politicamente correto é dizer que nada é racismo.
Esses são, enfim, aqueles que condenam o Estatuto da Criança e do Adolescente, que advogam pela redução da maioridade penal, que revogariam, se pudessem, o inciso constitucional que define o racismo como crime inafiançável e imprescritível ou a lei Caó que tipifica e estabelece as penalidades por atos de discriminação; conquistas da cidadania brasileira engendradas por aqueles que recusam as falácias de igualdade de direitos e oportunidades em nosso país.
O aumento da inclusão social ocorrida nos últimos anos está produzindo deslocamentos numa ordem social naturalizada na qual cada um "sabia o seu lugar" , o fundamento de nossa "democracia racial'. O desconforto que esse deslocamento provoca faz com que os atos de racismo estejam se tornando cada vez mais frequentes e virulentos.
Atenção gente negra! Eles mudaram! O mito da democracia racial está revelando, sem pejo, a sua verdadeira face. Então, é hora de se conceber e empreender novas estratégias de luta!

domingo, janeiro 08, 2012

RACISMO AQUI E NA EUROPA: CASOS E REFLEXÕES NESSE INÍCIO DE 2012

Comentários Moisés Basílio: Seguem dois textos, um analisa casos recentes de preconceito racial contra crianças em São Paulo, e o outro é uma narrativa de um caso real de racismo na Europa.

No primeiro caso um sociólogo paulista da USP faz uma análise de uma criança de origem etíope, filho adotivo de espanhóis. No outro caso, uma escritora espanhola narra uma história que se passou entre uma alemã e um negro da África subsaariana.

Ainda na semana que passou houve as polêmicas notícias sobre racismo no futebol inglês. O uruguaio Luís Suarés, jogador do Liverpool, foi punido pela entidade máxima do futebol inglês com suspensão de 8 jogos e multado em cerca de 115 mil reais, por ofensas racistas, durante um jogo, contra o francês (de origem africana) Patrice Evra ( http://vai.la/2Fbv ). Em sua defesa saiu o amigo e também jogador uruguaio (de origem africana), que atua no futebol suíço, Pablo Caballero, que disse que a palavra "negro" no Uruguai e no Brasil tem um sentido carinho e acredita que o amigo sofreu injustamente a acusação de racista ( http://vai.la/2Fby ).

Num mundo onde as interações culturais, possibilitadas pela avanços tecnológicos e fluxos imigratórios intensos, acontecem tendo como matrizes os padrões hierárquicos de dominação em detrimentos das matrizes culturais baseadas no diálogo os conflitos e as violências dão o tom.

A análise sociológica de Martins nos alerta para a complexidade da questão no Brasil, onde o componente racial "cor" nunca se moveu sozinho, como fonte de preconceito, mas sempre em combinação com as dinâmicas de dominação históricas de nossa formação social e cultural.  Levar isso em consideração nos ajuda a desenvolver ações mais eficazes para superar os elementos de fundo do racismo em nosso país. Axé!


TEXTO 1 :
Fonte: Jornal O Estdo de S. Paulo, 2012 - http://vai.la/2Fbc 
Autor: José de Souza Martins é sociólogo, professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP, autor entre outros, livros, de: "Uma Arqueologia da Memória Social - Autobiografia de um Moleque de Fábrica", Ateliê Editorial, 2011.

Preconceito em camadas

Casos recentes de hostilidade racial contra crianças sugerem que, quando a cor perde força para estigmatizar, outros atributos asseguram a continuidade da discriminação

Dois casos recentes de preconceito racial contra crianças, em São Paulo, iluminam a complexa gravidade do problema e expõem aspectos pouco compreendidos do preconceito no Brasil. Um menino etíope, de 6 anos de idade, que não fala português, teria sido expulso por um dos garçons de um restaurante na Vila Mariana enquanto seus pais adotivos, brancos, espanhóis em turismo, se serviam do bufê. Ao voltarem à mesa e não o encontrarem, foram achá-lo na rua, chorando. Em outubro, num supermercado de Pinheiros, um menino de 10 anos, filho de pai negro e mãe branca, que é dentista, foi maltratado por um segurança, sob acusação de que estava incomodando os clientes.
Diferentemente do que ocorre no preconceito racial estrito, nesses dois casos haveria uma superposição de preconceitos, comum no Brasil, concentrados numa única pessoa ou em grupo social determinado. Na pizzaria, o garçom justificou-se dizendo que julgava ser aquele um menino de rua. No supermercado, o segurança entendeu que o menino perturbava os clientes. Nos dois casos, manifestou-se em primeiro lugar a prontidão preconceituosa e repressiva contra crianças pobres, que não eram. Supostamente sozinhos (num caso, os pais estavam por perto e, no outro, a mãe estava), sua presença em lugares onde se vai para comprar e consumir e não para perambular era anomalia que impunha o banimento.
O preconceito racial agregou-se a esse motivo de referência porque, nessa mentalidade, as figuras diferenciadas da criança e do negro não são apropriadas para ter presença num cenário cuja mediação constitutiva é o dinheiro. A mentalidade residual e arcaica que presidiu as duas manifestações é a mesma que presidiu a formação histórica deste país: dinheiro é instrumento de poucos, de pessoas emancipadas, o que se negou durante séculos ao escravo, porque era ele coisa e não pessoa, interdição que se estendeu por muito tempo a mulheres e se estende ainda hoje a crianças. Não obstante o cotidiano apelo a que crianças se tornem consumidoras e compradoras, sem contar milhões de crianças que trabalham.
Historicamente, na sociedade contemporânea, mais do que os direitos, no plano jurídico alcançados através das lutas sociais e reivindicativas, é o dinheiro que emancipa. O que esconde um terceiro fator da discriminação: a desigualdade de origem é apenas parcialmente indicada pela cor. É indicada, também, por outros atributos que não têm cor, derivações modernas da histórica e estamental diferenciação entre gente de qualidade e gente sem qualidade. Não é casual que boa parte da nossa vida cotidiana seja constituída por práticas para maquiar esses indícios, mesmo a raça, na adoção da toalete que encobre ou modifica traços estigmatizantes, do gesto ao cabelo. É como as vítimas mais experientes procuram se defender.
Estamos em face de uma significativa mudança qualitativa no preconceito racial brasileiro. Nos anos 50, Oracy Nogueira, professor na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, publicou um estudo que se tornaria um clássico da sociologia das relações raciais no Brasil - Preconceito Racial de Marca e Preconceito Racial de Origem. Nele, Nogueira distingue o preconceito justificado pelo nascimento, como nos Estados Unidos, do preconceito justificado pela cor, caso do Brasil. O preconceito racial não é sempre o mesmo em todas as partes. Reduzido ao estigma da cor, o preconceito é aqui relativamente volátil. A cor pode ser diluída na mestiçagem, o que não ocorre nos Estados Unidos, pois lá é a origem racial e não apenas a cor que conta. Por isso, lá o preconceito leva à exclusão; aqui leva à preterição.
No entanto, nos casos ocorridos recentemente e em outros casos envolvendo preconceito racial contra crianças, a superposição de preconceitos de várias referências sociais parece indicar a cor como atributo subsidiário de um preconceito social que tem muito de preconceito de origem. Esses casos sugerem que, à medida que aumentam o mascaramento e a resistência à discriminação racial e a cor deixa de ser eficaz para estigmatizar, discriminar e preterir, outros atributos são ressaltados nas vítimas, para assegurar que a discriminação continue sendo eficaz.
Combater o preconceito no Brasil como mero preconceito racial, através de ações corporativas dos vários grupos sujeitos a preconceito, mistifica-o e dificulta a sua superação. Ele é aqui preconceito múltiplo e combinado, o que nos remete às nossas origens estamentais, da desigualdade fundada no nascimento, raiz estrutural das nossas desigualdades sociais, independente da raça. Ele é ao mesmo tempo de riqueza, de gênero, etário, de orientação sexual, religioso (a perseguição aos praticantes do candomblé, no passado). A cor é mero indício desse complexo de preconceitos. Mero resquício de um passado peculiar de desigualdades sociais. O étnico nunca foi decisivo no nosso preconceito. Foi o pretexto. Sublinhá-lo encobre sua perversa complexidade.


TEXTO 2:
Fonte: Jornal El País, Espanha, 2005 - http://t.co/d4VGVYAx
autora: Rosa Montero, jornalísta e escritora espanhola, com vários livros publicados no Brasil.

El negro


Estamos en el comedor estudiantil de una universidad alemana. Una alumna rubia e inequívocamente germana adquiere su bandeja con el menú en el mostrador del autoservicio y luego se sienta en una mesa. Entonces advierte que ha olvidado los cubiertos y vuelve a levantarse para cogerlos. Al regresar, descubre con estupor que un chico negro, probablemente subsahariano por su aspecto, se ha sentado en su lugar y está comiendo de su bandeja. De entrada, la muchacha se siente desconcertada y agredida; pero enseguida corrige su pensamiento y supone que el africano no está acostumbrado al sentido de la propiedad privada y de la intimidad del europeo, o incluso que quizá no disponga de dinero suficiente para pagarse la comida, aun siendo ésta barata para el elevado estándar de vida de nuestros ricos países. De modo que la chica decide sentarse frente al tipo y sonreírle amistosamente. A lo cual el africano contesta con otra blanca sonrisa. A continuación, la alemana comienza a comer de la bandeja intentando aparentar la mayor normalidad y compartiéndola con exquisita generosidad y cortesía con el chico negro. Y así, él se toma la ensalada, ella apura la sopa, ambos pinchan paritariamente del mismo plato de estofado hasta acabarlo y uno da cuenta del yogur y la otra de la pieza de fruta. Todo ello trufado de múltiples sonrisas educadas, tímidas por parte del muchacho, suavemente alentadoras y comprensivas por parte de ella. Acabado el almuerzo, la alemana se levanta en busca de un café. Y entonces descubre, en la mesa vecina detrás de ella, su propio abrigo colocado sobre el respaldo de una silla y una bandeja de comida intacta.

Dedico esta historia deliciosa, que además es auténtica, a todos aquellos españoles que, en el fondo, recelan de los inmigrantes y les consideran individuos inferiores. A todas esas personas que, aun bienintencionadas, les observan con condescendencia y paternalismo. Será mejor que nos libremos de los prejuicios o corremos el riesgo de hacer el mismo ridículo que la pobre alemana, que creía ser el colmo de la civilización mientras el africano, él sí inmensamente educado, la dejaba comer de su bandeja y tal vez pensaba: "Pero qué chiflados están los europeos".

TEXTO 3:
Fonte: Jornal da USP Livre - http://usplivre.org.br/2012/01/09/pm-me-escolheu-porque-eu-era-o-unico-negro-diz-estudante-agredido-na-usp/ 
Autor: Alceu Luís Castilho

“PM me escolheu porque eu era o único negro”, diz estudante agredido na USP

O estudante de Ciências da Natureza, Nicolas Menezes Barreto, agredido por policiais na  USP. (foto: Facebook)
entrevista conduzida por Alceu Luís Castilho do blog OUTRO BRASIL.
Órfão de pai desde os 15 anos, Nicolas Menezes Barreto sabe bem o que é trabalhar. Ele é músico e professor da rede municipal de ensino, na zona leste – em condição provisória, pois ainda não é formado. Ele prestou Música, mas entrou na segunda opção no vestibular da Fuvest. Cursa Ciências da Natureza na EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades), na USP-Leste.
Nicolas foi agredido por um sargento da PM, nesta segunda-feira, durante a desocupação da antiga sede do DCE Livre, o DCE ocupado – a alguns metros da sede da reitoria da USP. “Eu era o único negro lá, com dread”, disse ele ao blogOutro Brasil, por telefone, no fim da tarde.
A palavra dread remete ao estilo de cabelo rastafari. “Sem dúvida foi racismo. Ele foi falar comigo porque pensou que eu não era um estudante, e sim um traficante, algo assim. Tanto que se surpreendeu quando viu que eu era estudante”.
Ele conta que um guarda universitário ajudou o PM a segurá-lo, durante a agressão – naquele momento as imagens aparecem um pouco mais distantes no vídeo. Sobre o sargento que o agrediu, ele afirma: “O cara estava virado no capeta, não sei o que acontece. Tem de pagar as contas também, né. Mas não aceito.”
Nicolas diz que é conhecido dos guardas universitários. Até por ter sido um dos 73 estudantes presos durante a desocupação da reitoria, no início de novembro.

- Agora estou aqui, na endorfina, na adrenalina, tentando me livrar desse susto. Tive algumas escoriações, arranhões, cortes na mão. Mas fiquei com medo de ir à delegacia sozinho. Como tem o vídeo vou fazer depois o exame de corpo de delito. Estou esperando o advogado para ir fazer o boletim de ocorrência.
O estudante conta que não falou nada demais na hora em que o policial avança em sua direção. “Quando eu falo no vídeo, com o punho da mão fechado, estava dizendo que nós estávamos cuidando do espaço e que não precisávamos da reforma da reitoria. Ele não entendeu isso e veio pra cima de mim”.
O sargento pediu o documento e Nicolas disse que sua palavra bastava. “Aí ele me puxou da bancada”, confirmando o que se vê e ouve no vídeo veiculado pela internet. “Tentei me defender para não tomar um tapa na cara – ou um tiro na barriga, pois ele me apontou a arma”.
Nicolas fala com orgulho de seu projeto como músico, a banda BRs. O símbolo da banda tem um quadradinho antes do “s”. Ele conta que sua mãe insiste, diante das dificuldades, para ele priorizar o trabalho – pois a família depende de sua renda. Mesmo assim ele tenta conciliar tudo. “Minha mãe sabe da minha luta”.
O estudante atendeu a reportagem agitado, mesmo depois de uma noite sem sono – os estudantes ficaram em vigília nas últimas noites, por conta da ameaça de nova desocupação do espaço.
Antes de desligar o telefone, ainda falou do momento “sinistro” que vivem os alunos da USP durante a gestão de João Grandino Rodas. E se declarou preocupado com a cobertura da mídia. Já sabe que alguns veículos o definiram como “suposto” estudante. “Às vezes o repórter está bem intencionado, mas não sabemos como vai ser a edição”.
LEIA MAIS:
Vídeos mostram PM agredindo estudantes na Cidade Universitária

quinta-feira, janeiro 05, 2012

ESCOLA-DE REDES E O APRISIONAMENTO DO CONHECIMENTO

Comentários Moisés Basílio: 
Estou conectado com a Escola-de-Redes desde seus primórdios, e tenho aprendido muito com essa experiência. Dou guarida nesse espaço para o apelo que o Augusto de Franco faz no artigo abaixo.
Mais que um apelo, o artigo nos traz a velha questão dos direitos autorais versus o direito ao conhecimento. Lá no Egito Antigo, com seus escribas, ou na Idade Média entre as autoridade eclesiais letradas, a restrição ao acesso do conhecimento sempre imperou. Hoje, de diversas maneiras se tenta manter essa tradição autoritária.


O acervo da E=R, com 833 textos para download da BIBLI.E=R está ameaçado. Esses livros e artigos foram reunidos pacientemente durante 3 anos, por vários conectados e conectadas à Escola-de-Redes e hoje talvez seja a maior biblioteca virtual de publicações científicas sobre redes sociais e temas correlatos. Eles foram pendurados no site http://4shared.com porque a o aplicativo do Ning, em 2009, era muito lento e não funcionava corretamente.
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Vejam a mensagem que recebi ontem da Equipe de Suporte do 4shared support@4shared.com e a minha resposta. De qualquer modo, estamos com um sério problema. Pois, pelo que percebi, basta uma pessoa qualquer - um desses tarados por copyright que fazem do aprisionamento do conhecimento o seu meio de vida e fonte de lucro - para o 4Shared interpretar como "abuse" e bloquear a conta. Ou seja, não temos a menor garantia.
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MENSAGEM DO 4SHARED (00h08 DE 05/01/12)
Olá
Recebemos uma reclamação de que você está violando os Termos de Uso da 4shared. Foram detectados em sua conta arquivos explícitos ou ilícitos. Esses arquivos foram marcados como abusivos e movidos para a pasta 'Abuso' em sua conta, e o acesso a esses arquivos foi desativado.
Ao utilizar o serviço 4shared, é proibido fazer o seguinte: 1. publicar, distribuir ou de qualquer outra forma disponibilizar ou transmitir, nenhum dado, mensagem, texo, arquivo, ou qualquer outro material que infrinja qualquer direito autoral de terceiros e/ou qualquer lei, norma ou regulamentação, nacional ou internacional, incluindo, mas não limitada à: 
a. direitos autorais, marca registrada, patentes, outros direitos de propriedade; 
b. direito a privacidade ou publicidade; 
c. todas as obrigações de confidencialidade. 
2. Publicar, distribuir ou disponibilizar de outra forma qualquer um software ou outros arquivos que contenham vírus ou outros componente danoso. 
3. Publicar, distribuir ou disponibilizar de outra forma qualquer material pornográfico ou ilegal.
4. Publicar ou transmitir qualquer conteúdo ilegal, doloso, ameaçador, abusivo, de assédio, difamatório, ou ofensivo, difamatório, ou de conteúdo étnico derrogatório ou racial, ou qualquer conteúdo que expresse ódio contra qualquer pessoa ou grupos de pessoas devido à raça, credo, religião, cor, origem ou orientação sexual.
Atenção!
Este é o ultimo email de notificação relacionado à sua atividade ilícita no 4shared.com.
Quaisquer outras atitudes de violação de sua parte determinarão o bloqueio definitivo de sua conta.
Facilite a sua presença no 4shared e faça jus a ela – não viole os Termos de Uso do 4shared!
Saudações cordiais, 
Equipe de Suporte do 4shared 
support@4shared.com
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MINHA RESPOSTA (07h08 DE 05/01/12)
Para Equipe de Suporte do 4shared:
Pelo que vi a alegada violação se deveu à publicação dos seguintes textos:
Wikinomics de Tapscott_Williams postado em 2009-09-30
Maturana Entrevista para Humanitates em 2010-05-22 Achei estes textos na Web, já estavam publicados. Não digitalizei.
Tenho centenas de textos no 4Shared na mesma condição. Eles são materiais didáticos, sem fins lucrativos, usados pela Escola-de-Redes (http://escoladeredes.ning.com).
A Escola-de-Redes é uma rede social de pesquisa, que utiliza uma plataforma Ning. Nada do que é feito lá tem fins comerciais.
Se amanhã surgir uma pessoa fazendo uma reclamação qualquer e vocês interpretarem como violação dos Termos de Uso, então todo o acervo da Escola-de-Redes se perderá?
Vocês estão entendendo, que em pleno século 21 não se pode tratar mais assim a questão da propriedade intelectual e do copyright? 
Como uma pessoa pode saber se um texto encontrado na Web é lícito ou ilícito?
Sei que vocês estão pensando em se resguardar de processos, mas, neste caso, o aconselhável seria mudar de negócio. É óbvio que numa site desse tipo (4Shared) aparecerão muitos textos que não foram autorizados pelos que detêm os direitos patrimoniais sobre antigas edições em papel. E o Creative Commons, como é que fica?
Pensem nisso.
E não escrevam mensagens como a que enviaram abaixo [aqui acima], pois elas são ofensivas a pessoas que não violaram lei alguma e estão trabalhando pro bono para o progresso da ciência.
Por outro lado, vocês também não podem avaliar corretamente quais são as consequências desse ato de bloqueio, se a ameça for concretizada. Vocês não sabem como a repercussão disso se propagará pela rede. Na balança custo-benefício talvez saia mais caro para vocês fazer isso.
Analisar caso a caso as situações - e não ter uma regra geral, sempre burra - é a melhor política.
No caso concreto, os textos de Tapscott-Williams estão espalhados pela Internet. E a entrevista de Maturana para Humanitates não é um produto tipicamente comercial. Creio que Maturana, que conheço, nada recebeu por essa entrevista e também creio que ele concordaria com minha avaliação.
Atenciosamente,
Augusto de Franco
Criador da Escola-de-Redes
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Bem... pelo visto isso não terá um bom desfecho, pelos motivos que já apontei acima. Então temos que pensar rapidamente o que vamos fazer. Tenho backup dos arquivos. Eles estão espalhados em três máquinas diferentes. Fazer o upload de todos eles em outro lugar (qual?) ou usar o próprio Ning e depois relinkar tudo é um trabalho imenso, que gastará meses se apenas uma pessoa ficar dedicada a isso. O que vocês sugerem?
Talvez a melhor saída, tendo um lugar alternativo ou usando o próprio Ning é dividirmos entre nós o trabalho. Enquanto o 4Shared não for bloqueado, podemos fazer o download dos textos, pendurá-los nesse(s) lugar(es) e republicar - usando as mesmas normas adotadas pela BIBLI.E=R, que são muito simples - no grupo BIBLIOTECA E=R.
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Mas se fizermos isso de modo distribuído, o trabalho será rápido. E nem importa muito as inevitáveis repetições.