segunda-feira, julho 23, 2007

A RELEVÂNCIA DA POLÍTICA E DA DEMOCRACIA

Comentário Moisés Basílio: Hoje a prática política anda em baixa, por isto é preciso defendê-la. É o que faz o artigo do Antonio Cícero. E é bom, que gente não identificada com essa esfera da vida social, como o poeta e compositor popular, assuma tal conduta, pois podem conseguir melhor audiência, que os políticos profissionais. Embora a política, nas sociedades modernas, seja identificada como ação realizada no âmbito do Estado, ela não é exclusividade dos agentes que atuam nesse âmbito. Os projetos políticos, por mais inconsistentes que sejam, são frutos de processos sociais complexos. E cada projeto político tem sua construção histórica concreta e também sua avaliação histórica. Na atual conjuntura política, na minha opinião, vivemos um momento, nesse segundo mandato do governo Lula, um desencontro entre os projetos políticos, monopolizados no âmbito do Estado, pelos agentes políticos institucionalizados nos atuais partidos políticos, e o restante da sociedade em suas diferentes esferas. Tanto situação, como oposição não conseguem fundamentar, com consistência, um ou mais projetos políticos para a nação. Se analisarmos os últimos 40 anos da vida política nacional podemos ver o embate caloroso de diferentes projetos para o Brasil. Os projetos da ditadura x os projetos democráticos nas décadas de 60, 70 e inicio de 80. Os projetos de democratização elitizado x uma democratização popular, a partir da campanha das direta já. Os projetos de integração do Brasil no mundo globalizado a partir da primeira eleição presidencial até hoje, que colocou a oposição entre o econômico x o social. Se nos governos FHC, ficou claro a opção por uma projeto político privilegiando o econômico, nos governos Lula há uma confusão de prioridades. A opção feita pelo governo FHC, que degradou a situação social e não consegui dar respostas econômicas consistentes, deu condições históricas para a eleição de dois governos Lula. E agora, os impasses do governo Lula gera um vazio, pois não há opção consistente. Essa situação gera um descontentamento, que desemboca numa conduta de descrédito com a política, pois socialmente fomos educados a acreditar que os problemas políticos são de responsabilidades exclusivas dos agentes políticos. E é aqui que começa o desafio de toda a nação, sair desse patamar onde os partidos políticos institucionais e os políticos profissionais conduzem com exclusividade a elaboração dos projetos políticos, e trazer toda a nação para o debate, e nisso uma sociedade aberta e laica será de grande valia para cumprir essa missão. Sairemos desse impasse, com muitos sofrimentos, mas também com um grau maior de politização social. Mas, isso leva um tempo histórico, não será da noite para o dia. Axé!

Fonte: Texto publicado na Ilustrada da Folha de São Paulo em 14/07/2007.
A relevância da política -Por Antonio Cicero

Para lutar contra as desigualdades sociais, devemos defender a sociedade aberta e laica.

Lembro-me de que, quando eu era estudante universitário, no final da década de 60, parecia evidente a todo o mundo (ou pelo menos a todo o mundo de esquerda) que nos Estados Unidos não havia nenhuma diferença substancial entre o Partido Democrata e o Partido Republicano. Essa era a tese dos marxistas, mas ela havia encontrado apoio também, desde a década de 50, em autores independentes, como Wright Mills. E era o que Herbert Marcuse e, de maneira geral, os filósofos e ideólogos da contracultura pensavam.


Nessa época, a Guerra do Vietnã, que havia tomado corpo com um democrata (Kennedy), engrossado com outro (Johnson), e que continuava sua "escalada" com um republicano (Nixon), parecia confirmar que a cara de um partido era o focinho do outro.


De lá para cá, também entre grande parte dos intelectuais americanos tornou-se senso comum a opinião -expressa, por exemplo, por Chomsky e por vários representantes locais do pós-estruturalismo- de que nos EUA as eleições não são muito relevantes. As enormes taxas de absenteísmo eleitoral que lá se verificam levam a supor que talvez até uma parte considerável dos eleitores americanos -entre os quais muitos jovens e muitos pretos- também pensem assim.


A verdade, porém, é que ultimamente não tem mais sido possível acreditar nessa tese. Tendo em vista o verdadeiro ataque perpetrado pela administração republicana de George Bush à razão, ao Estado de Direito e à democracia nos Estados Unidos, seria inteiramente absurdo pensar que não haja uma diferença extremamente relevante entre ele e, por exemplo, o seu predecessor democrata, Bill Clinton.


Para prová-lo, bastaria citar o fato de que, brandindo o pretexto do terrorismo, Bush conseguiu fazer aprovar pelo Congresso, então majoritariamente republicano, o Military Commissions Act, uma lei que, em certas circunstâncias, torna admissível a tortura e põe fora de ação o instituto do habeas corpus: retrocesso jurídico simplesmente inconcebível há poucos anos e que constitui uma afronta inominável aos direitos humanos.


Por ocasião da sua aprovação, o jornal "The New York Times" (em 28/9/2006), com toda razão, declarou em editorial que, no futuro, os americanos se lembrarão de que, "em 2006, o Congresso passou uma lei tirânica que será considerada como um dos pontos baixos da democracia americana". E poderíamos lembrar que, ainda antes da aprovação dessa lei, o governo Bush já se permitira seqüestrar, encarcerar e submeter pessoas que jamais sequer haviam sido formalmente acusadas de qualquer crime específico a torturas e tratamentos indignos.


E que dizer do fato de que ele subverte o princípio de controles e equilíbrios ("checks and balances") que garante a independência dos poderes, ao pressionar, ameaçando de demissão, juízes que não se conformem com os seus desígnios? Ou da sua tentativa de solapar a autonomia da ciência, ao incentivar, contra a teoria científica da evolução, a divulgação e o ensino da teoria pseudo-científica do "intelligent design"? Ou da parcialidade do seu governo às iniciativas religiosas em todos os campos, minando o caráter laico do Estado?


Eu poderia continuar, falando, por exemplo, da sua política econômica, que acaba por redistribuir a renda a favor dos mais ricos; ou da sua destruição sistemática do sistema de saúde pública. O principal, porém, é outra coisa: é que devemos compreender que a tese da irrelevância da política não somente contribuiu para pôr Bush no poder como é a tese que mais convém a ele e a seus aliados, pois o que eles atacam é precisamente a política; e a que menos convém àqueles que defendem a liberdade nos Estados Unidos ou em qualquer outro país.


Fala-se às vezes da "democracia direta", como um antídoto à "irrelevância da política". Mas a "democracia direta" pode ser, na verdade, uma ditadura plebiscitária, como a de Chávez. Não devemos nos esquecer de que as ditaduras de Mussolini, de Hitler, de Stálin e de Pol Pot eram apoiadas pela maioria, logo, nesse sentido, "democráticas". A razão nem sempre está com a maioria: pode estar até com um homem só.

Por isso, mesmo para lutar contra as desigualdades sociais, devemos defender a sociedade aberta e laica, o Estado de Direito, a livre expressão, a maximização da liberdade individual, a coexistência de uma multiplicidade de culturas e formas de vida, a autonomia da ciência, a autonomia da arte etc. E defender isso é defender a relevância da política.

Antonio Cicero nasceu no Rio de Janeiro, em 1945. Formou-se em filosofia na Universidade de Londres. Poeta, tornou-se conhecido em finais dos anos 70 como o letrista das canções de sua irmã, Marina Lima. Publicou os livros de ensaios, O mundo desde o fim. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995; Finalidades sem fim. Ensaios sobre poesia e arte. São Paulo: Companhia das Letras, 2005 e os de poesia, Guardar. Rio de Janeiro: Record, 1996. (Prêmio Nestlê de Literatura Brasileira); A cidade e os livros. Rio de Janeiro, Record, 2002. Blog: http://antoniocicero.blogspot.com Site: http://uol.com.br/antoniocicero/
E-mail: acicero@uol.com.br



Democracia - fonte: Jornal Folha de São Paulo - Opinião - 16/07/2007
"Muito oportuna a defesa da relevância da política feita por Antonio Cicero (Ilustrada, 14/7). O autor comete, porém, imperdoável equívoco ao qualificar de democracia direta regimes nos quais o povo serve de massa de manobra de ditadores. Soberania popular efetiva e respeito integral aos direitos humanos são componentes indissociáveis da democracia. A própria soberania do povo, como se lê no art. 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, é um direito humano. Por isso mesmo, é inadmissível qualificar de democrático o nosso regime, em que o Congresso Nacional, sem consulta popular, dispõe do monopólio da legislação e até do poder de reforma constitucional, exercendo ambos freqüentemente em causa própria."
FÁBIO KONDER COMPARATO , presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia, do Conselho Federal da OAB (São Paulo, SP)

sexta-feira, julho 20, 2007

Cúpula Europa-África

Comentário Moisés Basílio: Vamos acompanhar essa reunião de perto. Axé!

Fonte: Agência Carta Maior - em 19/07/2007 - www.agenciacartamaior.com.br
As grandes manobras

Nos próximos meses, em antecipação da Cúpula Europa-África, a África vai estar na mira de muitos interesses. A minha suspeita é que nenhum deles seja o interesse das populações africanas injustamente empobrecidas.

A nova fase da globalização chama-se regionalização. Na Ásia, na África e na América Latina aprofundam-se os laços de cooperação entre os países com vista a melhor responder aos “desafios globais”. Todos estes movimentos ocorrem sob olhar atento das grandes potências.

Nos próximos meses, em antecipação da Cúpula Europa-África, a África vai estar na mira de muitos interesses. A minha suspeita é que nenhum deles seja o interesse das populações africanas injustamente empobrecidas. Temo que, mais uma vez, os desígnios globais se combinem com políticos e políticas locais no sentido de privarem os povos africanos do direito a um desenvolvimento justo e democraticamente sustentável.

No caso da África, a Europa tem uma dívida histórica, decorrente do colonialismo, a qual, para ser paga, obrigaria a uma política africana muito diferente da dos EUA. Para estes, os objetivos estratégicos na África são os seguintes: luta contra o terrorismo, controlo do acesso aos recursos naturais, contenção da expansão chinesa.

Muitos países do continente (por exemplo, Angola) apoiam ativamente os EUA na luta contra o terrorismo. A crescente importância do golfo da Guiné (Nigéria, Angola, São Tomé e Príncipe) para assegurar o acesso ao petróleo está bem patente na recente criação do Comando de África pelo Pentágono.

A contenção da China é mais problemática não só pela força abissal que ela representa – em 2005, a China consumiu 26% do aço e metade do cimento produzido em todo o mundo – como pelo fato de se dispor a investir em todos os países que as potências ocidentais rejeitam, do Sudão à Somália.

Se a Europa não tiver outros objetivos, em nada poderá contribuir para os problemas que se avizinham. Estes têm a ver com o agravamento da injustiça social e com a recusa das populações a sujeitarem-se ao papel de vítimas.

A condenação política de Robert Mugabe não pode deixar de ter em conta que a Inglaterra não cumpriu o compromisso assumido no tratado da independência de co-financiar a reforma agrária do Zimbabué, consciente como estavam as partes de que 1 a 2% da população (branca) ocupava 90% da terra agrícola e 4000 agricultores (brancos) consumiam 90% da água disponível para o regadio.

O fato de a situação na África do Sul e na Namíbia não ser muito diferente faz temer pela estabilidade na África Austral. As relações tensas entre Angola e a África do Sul – com boatos de tentativas cruzadas de assassinatos políticos que não serão totalmente destituídos de fundamento – não são bom prenúncio.

Angola destina-se a ser um grande ator na região. Para isso, é fundamental que se não repita em Angola o que está acontecendo na Nigéria, onde a produção petrolífera baixou para metade devido à violência política no delta do Níger provocada pela injustiça na distribuição da renda petrolífera.

Preocupa que em Angola não se vislumbre o mínimo gesto de redistribuição social (tipo bolsa-família do Brasil) quando é certo que uma migalha (digamos, o equivalente a um dia dos rendimentos do petróleo) permitiria à população dos musseques de Luanda comer uma refeição digna por dia durante um ano.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

quarta-feira, julho 18, 2007

Sapopemba na grande mídia

Comentário Moisés Basílio: Duas reflexões sobre essa matéria publicada no jornal. Primeiro, não é sempre que notícias da periferia sapopembense (Jardim Elba) surge na grande mídia. O motivo central da pauta do jornal não foi o de discutir a situação da mulher na periferia, mas sim o estudo do pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, tanto que na edição impressa do jornal a matéria com o pesquisador é capa do caderno. Sapopemba serviu de um exemplo, ou seja, uma matéria de segundo plano, ou talvez segundo os editores do jornal, uma confirmação ou uma negação da tese do pesquisador. Pelo teor da matéria, um desrespeito aos dois lados, tanto para as mulheres, quanto para o pesquisador. Outra reflexão é sobre as mulheres do Sapopemba e a educação escolar. Na matéria que se refere as 5 mulheres fica impressão que o problema são os homens, que não assumem seus papéis e deixam as famílias ao abandono. As mulheres, "coitadinhas", não dão conta do recado e então acontece a desagregação familiar e os filhos se perdem no mundão. Interpretando as matérias poderia se chegar a conclusão que a solução para o pesquisador é a liberalização do aborto, e para as mulheres a matéria não deixa claro, visto que elas se posicionam contra o aborto. O que essas mulheres pensam sobre o problema? Nada na matéria nos aponta respostas. E o que isso tem com a educação escolar? Esse é o quadro que o professor da escola pública encontra com chega para dar aula em Sapopemba. Encontra muitas criança com esses pais e mães, ou sem esses pais e com essas mães. Quem são essas crianças? Como trabalhar a educação escolar com elas? Tudo se embaralha, pois esse é um fato social novo e não existem respostas prontas. E é aí que a coisa aperta. O que fazer? Em relação ao jornal eu sugeriria que fizesse outros links, e associasse o problema da 5 mulheres do Sapopemba com a educação escolar. Axé!


Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 16/07/2007 - Caderno Metropole

Cinco mulheres, 25 crianças e lares ainda abertos a novos filhos

Nenhuma delas contou com ajuda do marido na criação

Bruno Paes Manso, São Paulo

O dia mal amanhece e já se nota o movimento de mulheres no Jardim Elba, um dos bairros mais violentos da zona leste da capital paulista. No quintal das casas, elas colocam roupas no varal. Depois, levam crianças para creches e escolas ou seguem para pontos de ônibus. Fora do horário comercial, lotam as reuniões das pastorais da Igreja Católica e os cultos evangélicos. “Somos a força na periferia”, observa Graça Fernandes, de 52 anos, líder comunitária de Sapopemba.

Sem apoio dos homens - alguns dependentes químicos e outros presos, mas muitos envolvidos com o crime -, que acabam morrendo cedo, criam os filhos sozinhas. O Estado participou de uma discussão com cinco delas. Juntas, têm 25 filhos e nenhuma contou com a ajuda do marido na criação. Apenas uma tem carteira assinada e trabalha em um programa de liberdade assistida. As demais vivem de bicos como faxina e costura.

Natalia Pereira Pimenta, de 57 anos, teve sete filhos. Veio de Januário, Minas, com três crianças, e teve outras quatro em São Paulo. O marido morreu logo depois. Para sustentar a garotada, trabalhou em casa de família e deixava os filhos com a mãe. Depois que a avó morreu, a filha mais velha assumiu os cuidados de todos. Natália tem ainda a filha adotiva, de 14 anos - de uma amiga que deu à luz na prisão. Abrigou também outras crianças que não tinham onde morar. Hoje, cuida de sete netos.

Natália teve dois filhos presos e outros dois assassinados no ano-novo de 2001. “O mais novo estava na vida errada. Mas acertaram também meu outro filho, que não tinha nada a ver e estava com ele.” Teve de convencer outro a não tentar vingança.

As surras domésticas, aplicadas por companheiros que bebem, são constantes nas narrações. Sonia Eli de Souza, de 35 anos, tem seis filhos. As três mais velhas - a maior de 14 anos - foram vítimas do primeiro marido da mãe, que as espancava. Os outros três filhos “levaram” do segundo companheiro. Mesmo assim, Sonia acredita que conseguirá levar todos a trilhar o “caminho certo”. “Temos um exemplo sofrido em casa, que mostra que as drogas não levam a nada.” Ela cuida de um sobrinho, de 18 anos, que há cinco anos tenta abandonar o crack. O pai era traficante e matou a mãe, irmã de Sonia. “Para ele, a palavra do traficante é mais importante.”

O compromisso com todas as crianças, aliás, faz parte da rotina dessas mulheres. Joseli da Silva Leite, de 29 anos, teve quatro. A primeira, aos 16 anos. Cada uma com um pai diferente. A mãe a ajudou até morrer, quatro anos atrás. Ela acha que os homens não sabem o que é amor de filho. Ela aprendeu com o tempo. “Hoje eu vivo para meus filhos, a única família que tenho.”

Apesar dos problemas, todas dizem que não fariam aborto e nunca se arrependeriam de ter as crianças. O problema maior, elas avaliam, é arrumar o homem certo. Damares Gomes da Silva, de 39 anos, sete filhos, apanhou tanto do companheiro que diz ter ficado com trauma de homem. “Hoje, quando me olham em um bar, fico com raiva.” De todas, Ana Paula dos Santos Oliveira, de 39 anos, que tem só um filho, é a mais bem humorada ao falar do assunto. “O problema é que a gente só arruma homem que não presta.”

Estudo liga gravidez indesejada a crimes violentos em cidades de SP

Queda de 10% no número de crianças que vivem com mães solteiras reduziria em 5,1% os homicídios

Fernando Dantas, RIO

A gravidez indesejada é uma causa muito mais importante dos crimes violentos no Estado de São Paulo do que a desigualdade ou outros indicadores econômicos. Esta é a conclusão de um trabalho do economista Gabriel Hartung, em etapa final de elaboração. O estudo foi realizado com base na análise estatística de dados demográficos e econômicos de 643 dos 645 municípios de São Paulo.

O levantamento partiu do famoso estudo do economista americano Steven Levitt - autor do best-seller Freakonomics - que demonstrou a ligação entre legalização do aborto nos Estados Unidos e a queda da criminalidade duas décadas depois. Como no Brasil o aborto é ilegal e não há estatísticas confiáveis sobre o assunto, a opção de Hartung foi a de examinar os indicadores de mães adolescentes e solteiras. A relação entre gravidez indesejada e o fato de a mãe ser solteira ou adolescente já foi exaustivamente comprovada.

Mas os resultados do trabalho mostram que uma queda no número de crianças vivendo com mães solteiras diminuiria a taxa de homicídios três vezes mais do que reduções idênticas na desigualdade - e quatro vezes mais do que uma aceleração equivalente do crescimento econômico. Assim, uma queda de 10% no número de filhos criados por mães solteiras provocaria uma redução de 5,1% na taxa de homicídios. Já uma diminuição de 10% na desigualdade reduziria a taxa de homicídios em apenas 1,7%. E uma aceleração de 10% no ritmo de crescimento econômico teria um efeito de 1,2% sobre os homicídios.

Segundo o pesquisador, o trabalho aponta o controle de natalidade como instrumento fundamental para o combate à criminalidade no Brasil. Pessoalmente, ele também defende a descriminalização do aborto. “O meu estudo é uma evidência de que a gravidez indesejada aumenta o crime”, diz Hartung, que faz doutorado na Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio.

Ele explica que o canal entre a gravidez indesejada e o crime violento é a criação dos filhos em um ambiente familiar deteriorado, que tipicamente consiste num lar chefiado por uma mulher sem marido ou companheiro, que muitas vez deu à luz na adolescência. Dessa forma, essas crianças têm probabilidade maior de se tornarem criminosas quando chegarem à adolescência ou à juventude.

E o problema tende a piorar. A proporção de mães com menos de 17 anos saltou 45%no Brasil, entre 1991 e 2000, e os domicílios chefiados por mulher aumentaram 38%nesse período. O pesquisador observa que “reduzir o número de mães solteiras, por meio de uma política pública, é provavelmente muito mais fácil do que conseguir diminuição equivalente da desigualdade”. De 1997 a 2005, o Brasil obteve melhora da distribuição de renda substancial, que chegou a ser saudada como “espetacular” por alguns economistas, como Ricardo Paes de Barros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Essa queda da desigualdade foi de 5,4%.

Segundo o estudo de Hartung, uma melhora da distribuição desta magnitude em São Paulo tem um efeito na taxa de homicídios de 0,9%. A experiência histórica brasileira e internacional indica, por outro lado, que reduções de desigualdade daquela intensidade normalmente só ocorrem ao longo de vários anos. Em outras palavras, uma política de combate à criminalidade que focasse exclusivamente na redução da desigualdade levaria décadas para obter redução perceptível nos crimes violentos, como homicídios e estupros.

O economista considera que Diadema, um dos municípios mais violentos de São Paulo, teria em 2000 uma taxa de homicídios 14,3% menor do que a registrada, se na década anterior o porcentual de crianças vivendo com mães solteiras fosse de 16,3%, como em Barretos, no interior paulista. O índice efetivamente registrado em Diadema em 1991 foi de 22,9%. A redução da taxa significaria 70 assassinatos a menos por ano em Diadema.

O objetivo básico desse estudo era buscar as causas da diferença entre as taxas de homicídios registradas nos municípios paulistas. Para tanto, Hartung fez uma análise estatística de vários indicadores de cada cidade entre os anos de 1999 e 2001, como renda, crescimento econômico, tamanho do município, escolaridade média e desigualdade.

domingo, julho 15, 2007

Pesquisa sobre Reforma do Ensino

Comentário Moisés Basílio: No sentido de contribuir com os caminhos da nossa escola pública, deixo aqui mais essa indicação para leitura e reflexão. O trabalho do Instituto Fernand Braudel é de fôlego e traz informações importantes para pensarmos propostas para transformação da nossa escola pública. É interessante notar que o tema da escola pública tem tido um grande destaque junto a opinião pública, via principalmente aos grandes meios de comunicação, também se destaca como um dos temas centrais nos últimos embates eleitorais e também das ações dos governos nos diferentes níveis e nas pautas dos diferentes segmentos sociais organizados em igrejas, partidos, movimentos populares, sindicatos e associações de trabalhadores e patrões, setores da intelectualidade etc. Mas, se por um lado há uma convergência em destacar o tema, por outro lado é possível constatar uma grande divergência nas concepções sobre como tratar o tema e agir sobre ele. E o sentimento que fica, principalmente para quem vive o cotidiano da escola pública por dentro, é cada vez mais a situação se deteriora. Mas também, não ignorando essa percepção sentida de piora constante, é preciso se ter em conta que problemas complexos, demandam respostas igualmente complexas, e que esses processos não se resolvem da noite para o dia, necessitam de um tempo histórico de lutas para se expressarem. Axé!

Fonte: Instituto Fernand Braudel (clique aqui para conhecer o instituto)

Reforma do ensino em São Paulo e no Brasil (clique aqui para ler a íntegra do programa)

O Instituto Fernand Braudel está desenvolvendo um programa de pesquisas, debates e mobilização pública em prol da melhoria do ensino público em São Paulo e no Brasil. A partir de análises de experiências nacionais e internacionais bem-sucedidas, trabalharemos em consulta com gestores públicos, professores, políticos, empresários, pais e alunos para auxiliar no desenvolvimento de propostas de políticas e programas capazes de melhorar o ensino e o aprendizado na rede pública. Nosso propósito é somar esforços com lideranças que já demonstram interesse pela reforma do ensino.

Notícias relacionadas:

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 15/07/2007 - caderno Vida &
O que deve ser feito?

site do Instituto Fernand Braudel

Norman Gall*

A TV Globo, na sua novela Os Sete Pecados, mostra uma escola pública na periferia de São Paulo. A escola está coberta de grafites, ensina pouco e funciona sob ameaça permanente de desordem. Uma jovem diretora idealista chega a essa escola prometendo melhorar o ensino e o aprendizado, mas desiste depois de uma guerra de comida na cantina da escola. Ela decide renunciar, mas um aluno pobre a convence a ficar, suplicando: 'A senhora precisa ficar, é a única pessoa aqui que se preocupa com a gente, de outro jeito nunca vou aprender nada nessa escola.'

Nos registros sobre a educação pública não faltam exemplos de heroísmo individual - de diretores, professores e estudantes - lutando contra a esterilidade e o desperdício de um sistema fracassado. Mas o desempenho do sistema como um todo - ou os sistemas, nessa federação descentralizada de Estados e municípios - é tão ruim que, no geral, está corroendo a estabilidade e o desenvolvimento futuro do Brasil. Os apelos para que se inicie uma reforma séria são ouvidos cada vez com mais intensidade.

As reformas da educação pública normalmente começam sob condições adversas. Seu sucesso depende da liderança política no topo das instituições públicas e também da mobilização no ponto mais baixo da pirâmide social que se beneficiaria com escolas melhores.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva estabeleceu um prazo para as escolas brasileiras atingirem os níveis de desempenho médio encontrados nos países mais avançados: 2022. Que políticas e investimentos novos são necessários para que o Brasil se aproxime da meta?

No início deste ano, e durante cinco semanas, uma equipe do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial realizou uma pesquisa de campo sobre a reforma escolar em Nova York, entrevistando estudantes, professores e diretores em escolas de bairros pobres, para saber que estratégias e métodos poderiam ser utilizados para melhorar a educação pública em São Paulo e no Brasil. A principal lição desse trabalho é que o País precisa investir no desenvolvimento da capacidade institucional.

Descobrimos que as reformas realizadas em Nova York seguiram um modelo desenvolvido na Inglaterra nas duas últimas décadas, instituído no governo conservador de Margaret Thatcher e consolidado na última década pelo governo trabalhista de Tony Blair.

Segundo Michael Barber, que conduziu a reforma escolar na Inglaterra de 1997 a 2005, as 'reformas realmente radicais' da era Thatcher-Blair progrediram com base em três idéias centrais: 1 - a criação de padrões e responsabilidade; 2 - a criação de capacidades e colaboração, 'garantindo a oferta de professores e melhorando seus salários, criando oportunidades para as escolas colaborarem, e investindo no desenvolvimento profissional' e 3 - formação de um 'quase-mercado em serviços públicos, explorando o poder de escolha, a competição saudável, a transparência e os incentivos, e é nesse campo que o debate educacional está entrando agora'.

As condições adversas em São Paulo e Nova York têm sido o desempenho acadêmico precário, os altos índices de evasão escolar, a ausência de um padrão de ensino, a desordem crônica nas escolas, a falta de uma supervisão eficaz, o desânimo e a apatia entre os professores e as poucas expectativas de um futuro melhor.

No caso de São Paulo, a essas dificuldades deve-se acrescentar a proteção legal para as faltas freqüentes de muitos professores, o que agrava a desordem nas escolas e desmoraliza os alunos, e também a negligência e a anarquia dos currículos e métodos de ensino que contribuem para as altas taxas de fracasso acadêmico. Além disso, a classe política do Brasil não tem muito interesse em promover os esforços a longo prazo para melhorar o ensino e o aprendizado.

Em Nova York, o grupo que liderou a reforma escolar surgiu fora da classe política tradicional, conduzido pelo prefeito Michael Bloomberg, um empresário bilionário, e o secretário da Educação Joel Klein, advogado. Da mesma maneira, os líderes empresariais brasileiros começaram a fazer pressão em favor de melhorias no ensino público. Esses esforços precisam ser intensificados e expandidos para ganharem impulso.

O Brasil tem algumas vantagens para melhorar suas escolas: 1 - seu sistema federativo descentralizado abrange uma ampla variedade de Estados e municípios de diferentes tamanhos e perfis econômicos e sociais. Essa diversidade serve para experimentos com diferentes abordagens e estratégias locais; 2 - refletindo a preocupação generalizada sobre a qualidade do ensino público, o governo federal lançou recentemente o Plano de Desenvolvimento Educacional (PDE), prometendo um grande financiamento nos próximos anos; 3 - o jovem ministro da Educação, Fernando Haddad, desfruta da confiança do presidente Lula e das lideranças educacionais; 4 - os esforços para melhorar as escolas públicas contam com apoio político e financeiro do setor privado. O ministério da Educação adotou as metas propostas no plano 'Todos pela Educação', uma coalizão do setor privado; 5 - o Estado de São Paulo, com uma população maior do que a da Argentina ou da Califórnia (41 milhões) e com um dos maiores sistemas escolares do mundo (5,5 milhões de alunos) está em excelente situação fiscal para financiar a melhoria do ensino público. Contará com impostos e royalties adicionais vindos da atividade econômica gerada pelas recentes descobertas de gás e petróleo na Bacia de Santos.

Apesar das críticas sobre a falência das escolas brasileiras, algumas iniciativas importantes vêm surgindo. O Distrito Federal, com um sistema escolar que abrange 500 mil alunos, está adotando um currículo unificado e incentivos para o desempenho de escolas e professores, como parte das negociações salariais, e está implementando um dos primeiros programas de segurança escolar no Brasil. Em Minas onde, a partir de 1991, as reformas no sistema educacional foram esporádicas, a eleição pela comunidade dos diretores de escolas aprovados em exames de qualificação se consolidou. Encontrou-se um meio para despedir os professores deficientes. E mais importante, o nível de alfabetização dos alunos é testado depois dos seus dois primeiros anos na escola primária, para reforçar a aprendizagem dos alunos. Em Pernambuco, o programa Procentro, patrocinado pelo setor privado, oferece um ensino secundário de alta qualidade e em tempo integral em escolas públicas de 20 cidades do interior.

É mais fácil denunciar e diagnosticar as deficiências do ensino público brasileiro do que propor soluções viáveis.

Como o Brasil é um vasto arquipélago de diversas comunidades, com diferentes níveis de desenvolvimento, o seu sistema federal descentralizado desencoraja iniciativas no campo educacional que possam abranger a nação inteira.

Os investimentos precisam ser seletivos, baseados em iniciativas de Estados e municípios que tentam melhorar as escolas locais e buscam apoio financeiro e técnico. Esforços localizados e dispersos podem ser importantes, embora qualquer empenho significativo para melhorar as escolas do Brasil levará anos e exigirá uma estratégia a longo prazo coerente para superar essas dificuldades básicas:

1 O que ensinar? É preciso um conteúdo maior e melhor. Uma razão para que as crianças brasileiras aprendam tão pouco na escola e apresentem um desempenho tão medíocre nos testes nacionais e internacionais é que não existe nenhum currículo adotado pelas autoridades municipais, estaduais ou federais. Os vagos 'parâmetros curriculares' do Ministério da Educação orientam muito pouco os professores quanto aos conteúdos na sala de aula. É necessário um esforço dedicado para se adotar padrões de aprendizagem e um currículo mais enriquecido.

2 Implementação das mudanças. Devem ser criados novos institutos, similares à Leadership Academy de Nova York, para treinar supervisores, mentores e mestres a intervirem nas salas de aula para darem um suporte às melhorias na prática do ensino. No momento, o sistema escolar brasileiro carece de uma capacidade institucional que promova um aperfeiçoamento do ensino e do aprendizado. Não existe nenhuma supervisão ou apoio aos professores no trato de suas próprias deficiências e do fracasso de um aluno no seu aprendizado. Entre as burocracias centrais e as escolas e professores não existem gestores intermediários para implementar os padrões e práticas. As novas metas anunciadas pelo governo federal e propostas por grupos privados não serão alcançadas sem que se promova essa gestão intermediária e a qualidade da supervisão. Para isso são necessários investimentos. E no caso da supervisão, ela é especialmente importante porque as universidades e institutos de pedagogia preparam mal os professores para o trabalho em sala de aula.

3 Novos incentivos. Para melhorar o ensino público é preciso uma reestruturação dos incentivos. Professores, diretores, escolas inteiras e distritos escolares precisam de recompensas pelo melhor desempenho dos alunos. Ausências freqüentes de professores e diretores não devem ser toleradas.

4 Avaliação do progresso. Os dados produzidos pelos exames estaduais e nacionais não são usados para diagnosticar e melhorar o desempenho do estudante. Em muitos casos, nem chegam às escolas.

Escandalosamente, os resultados dos testes promovidos pelo Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), não são nem mesmo publicados. Assim, os pais ficam desprovidos de informações vitais sobre o progresso acadêmico de seus filhos e suas escolas.

O Ministério da Educação promete corrigir essa falha, dando notas a todas as escolas do Brasil, como está sendo feito em Nova York. Mas é preciso melhorar a avaliação, com conseqüências não só para um desempenho excelente como também para o medíocre.

As escolas devem fazer anualmente uma auto-avaliação e, junto com suas comunidades, estabelecer um plano de ação para melhorar seu desempenho nos testes padronizados. A cada três anos, devem ser realizadas avaliações de qualidade por profissionais visitantes. As autoridades brasileiras também devem considerar a criação de uma superintendência autônoma para avaliar o desempenho escolar, no estilo da instalada recentemente no Chile.

5 As regiões metropolitanas. Entre as 14 cidades brasileiras com população de mais de 41 milhões de habitantes, o gigantesco sistema escolar de São Paulo exibe as maiores dificuldades das áreas metropolitanas. Nos exames do Saresp, os alunos freqüentemente são questionados sobre temas que nunca lhes foram ensinados em sala de aula. A Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Sead) está elaborando os perfis de todas as 5.800 escolas do Estado de São Paulo, como matrículas, rotação de professores, resultados de testes, promoções, índices de evasão escolar e condições socioeconômicas. Com esses dados, que se acumularam na secretaria da Educação estadual sem utilização durante anos, as autoridades poderão direcionar suas intervenções baseando-se nas necessidades de cada escola.

Os governos estaduais anteriores tiverem pouco interesse na solução de problemas sistêmicos da educação pública. Até recentemente havia pouca pressão popular para uma melhora da qualidade do ensino e uma indiferença geral da classe política.

O sistema não entrou em colapso por causa da demanda pública por algum tipo de ensino e porque as escolas são uma fonte abundante de emprego formal e aposentadoria para professores e administradores que, em troca, propiciam um grande número de votos para as elites políticas. O sistema, em grande parte, é governado por incentivos perversos, que são as regras legais e os costumes de premiar comportamentos contrários aos objetivos declarados das instituições. O sistema não se importa com resultados e parece funcionar visando mais ao benefício de seus empregados e menos ao das pessoas que devem servir. Em Nova York, o lema da reforma do ensino é 'Primeiro as Crianças'. Não vemos essa prioridade em São Paulo.

É preciso investir mais recursos no processo de aprendizagem. Isso implica criar um currículo básico que estabeleça metas claras para o ensino. Significa a mudança de leis e regulamentos para reduzir as ausências dos professores, um grande problema do sistema educacional brasileiro desde o século 19. Implica ainda o treinamento de supervisores e mentores para trabalharem dentro das salas de aula com professores e alunos, com o objetivo de melhorar os resultados. Significa também descentralizar os poderes de decisão, dentro de uma estrutura geral, para uma direção regional e os diretores de escolas que, em troca, vão se responsabilizar pelos resultados.

O sistema precisa investir na liderança regional. Em algumas regiões devem ser desenvolvidos programas-piloto, como ocorreu no Bronx, onde novas estratégias e métodos foram experimentados antes de serem aplicados em toda a cidade de Nova York. Os planos de estudos e os métodos de ensino devem ser enriquecidos para os 700 mil estudantes secundários de São Paulo obrigados a estudar à noite assistindo aulas estéreis e entediantes. Programas especiais devem ser criados para alunos talentosos cujas necessidades são ignoradas, enquanto professores e diretores lutam com a desordem crônica nas escolas. Deve ser desenvolvida uma capacidade institucional para tratar desse problema, com o treinamento de especialistas em segurança escolar e a criação de ambientes alternativos de aprendizagem para alunos problemáticos que dificultam o ensino.

6 Sindicatos. Na América Latina, como em outras sociedades, os sindicatos dos professores freqüentemente se opõem às reformas do ensino, dizendo que são obras de tecnocratas de elite com objetivos não declarados de privatizar as escolas públicas, reduzir os custos e quebrar os sindicatos. Os sindicatos latino-americanos marcaram a sua oposição às reformas com greves, manifestações de protesto, campanhas na mídia e o seu voto nas eleições. Porém, no sistema federal do Brasil, os sindicatos de professores também são descentralizados, como os Estados e municípios. Alguns são geridos por burocratas de carreira com pouco contato com os professores, o que não cria oportunidades de diálogo e negociação ou com os líderes sindicais ou com a base de professores sobre novos incentivos que não ameaçam a perda de empregos. A qualidade da liderança sindical varia entre as localidades, da mesma maneira que a liderança política de Estados e municípios. Em alguns lugares, especialmente no México, República Dominicana e Minas na década de 90, como também em Nova York no período de 2003 a 2007, houve negociações bem-sucedidas entre reformadores educacionais e os sindicatos de professores.

Escolas deterioradas significam condições de trabalho deterioradas. Assim, os sindicatos dos professores fora do Brasil gradativamente se engajaram na reforma escolar. Alguns estão treinando e reciclando professores. Outros concordaram com os incentivos em função do desempenho. Em Nova York, Newark, Chicago, Boston, Baltimore, Miami e Minneapolis, os sindicatos aceitam a responsabilidade na administração das escolas públicas.

Em seu excelente livro Despite the Odds: The Contentious Politics of Education Reform, a professora Merilee Grindle, do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Harvard, adverte que o futuro da reforma escolar é incerto 'quando o apoio de professores é ignorado, quando sindicatos hostis continuam se opondo às mudanças e quando os incentivos para políticos, administradores, professores e pais acabam atuando contra as novas iniciativas'. E acrescenta: 'as mudanças no sistema educacional precisam ser implementadas em nível de sala de aula, para aumentar o grau de aprendizado das crianças das habilidades e capacidades necessárias. Isso implica a necessidade de vários níveis de executores para que as novas iniciativas prosperem. Em algum ponto dessa longa cadeia de responsabilidades pelas tomadas de decisão, as atividades de reforma podem esmorecer, vítimas da inércia, da contenção política, dos julgamentos errados, das invejas entre organizações e dos emaranhados logísticos'.

É preciso coragem para adotar uma reforma escolar. No início desta série de quatro artigos perguntamos: 'Qual a relação entre ignorância e desordem social? Como operar uma sociedade complexa sem uma população instruída? Como serão nossas sociedades daqui a 10 ou 20 anos se nossas crianças não conseguirem aprender?'

As autoridades de Nova York, numa atitude louvável, corajosamente decidiram enfrentar a realidade ameaçadora da desordem e do fracasso das suas escolas, respondendo com soluções criativas para corrigir as deformações na estrutura e incentivos do sistema. Cometeram erros e se expuseram a uma intensa controvérsia política, porém seu trabalho já começa a mostrar resultados. Tanto as notas nas provas de leitura e matemática como os índices de graduação melhoraram e a violência nas escolas diminuiu. O secretário da Educação Joel Klein esteve em minha velha escola no Bronx, Evander Childs, para anunciar que três pequenas escolas que funcionavam naquele prédio conturbado estavam formando 80% dos alunos do nível secundário, em comparação com os 31% em 2002. 'As crianças precisam exercitar leitura, leitura, leitura', disse Steven Chernigoff, diretor da Bronx High School for Writing and Communication Arts, escola superlotada com 348 alunos que ocupa um corredor no edifício da Evander Childs. 'Grande parte da melhora se deve a um trabalho intensivo com os estudantes, individualmente ou em grupos pequenos. Estamos muito bem treinados na utilização de dados para acompanhar o progresso dos alunos a partir do momento em que entram em nossa escola. Explicamos a importância deles se formarem no tempo certo. Se estão atrasados, oferecemos cursos de verão, aulas nos sábados e aulas individuais no fim da tarde.'

A decisão de iniciar uma reforma escolar em Nova York foi tomada por um homem, o prefeito Bloomberg, fazendo eco à inquietação geral nos Estados Unidos sobre as deficiências da educação pública. Em São Paulo a decisão também depende de um homem, o governador José Serra, que se formou em escolas públicas de São Paulo e no Instituto Politécnico, com doutorado em economia pela Cornell University e que, exilado, trabalhou na Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) das Nações Unidas, em Santiago do Chile, e mais tarde no Instituto para Estudo Avançado em Princeton, antes de se tornar secretário do Planejamento do Estado de São Paulo e ministro do Planejamento e depois da Saúde. Essas credenciais impressionantes dão esperança para novas iniciativas, fazendo mais pela educação pública do que os governos passados.

Ser governador de São Paulo é missão repleta de problemas. Nos primeiros seis meses como governador, Serra concentrou seus esforços na obtenção de financiamento federal para o Rodoanel em torno da Grande São Paulo, para melhorar os trens suburbanos, prover infra-estrutura sanitária para loteamentos ilegais em torno do reservatório de Guarapiranga e para reparar as rodovias rurais deterioradas.

Em outras palavras, Serra concentrou-se no hardware do sistema, mais do que no software.

No entanto, é o software que torna a sociedade produtiva. No campo da educação, Serra concentrou-se em iniciativas isoladas, como a contratação de 4.000 estagiários para auxiliarem na alfabetização de crianças nas duas primeiras séries do curso primário.

Embora sejam medidas importantes, há necessidade de uma ação integrada para solucionar os problemas sistêmicos do ensino público, que sofreu terrivelmente por falta de ambição.

Como terá se sentido o governador Serra quando a Folha de S. Paulo, no mês passado, mostrou a deterioração da Escola Estadual Firmino de Proença, do bairro da Mooca, onde ele estudou, com os alunos perdendo quatro aulas em alguns dias da semana, por falta de professores? 'Nos dias de aula de ciências', disse um aluno, 'passamos o tempo fazendo o jogo da velha'.

* É diretor executivo do Instituto Fernando Braudel de Economia Mundial. Email: ngall@braudel.org.br. Este é o último de quatro artigos sobre reforma escolar publicados pelo Estado. O programa do Instituto Braudel Reforma do Ensino em São Paulo e no Brasil pode ser acessado pelo site