quinta-feira, abril 26, 2007

No Ideb, 'pior' cidade raspa nota zero; maioria tira menos de 5

Comentário Moisés: São dados importantes para quem está pensando a Educação no Brasil.

Da redação - Em São Paulo
Fonte: UOL Educação - 25/4/07 - http://noticias.uol.com.br/educacao/ultnot/ult105u5241.jhtm

O governo federal divulga nesta quinta (26) os dados e metas do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), indicador criado para orientar o direcionamento de verbas da educação. Para todos os níveis de administração (municipais, estaduais e as próprias escolas), o cumprimento das metas do Ideb implicará o recebimento de mais dinheiro.

  • O Ideb atual e as metas até 2021 (em .xls)
  • Tabela com dados completos da educação no país (em .xls)

    A situação atual do ensino é dramática. Apenas uma minoria de cidades conseguiu obter, nas duas etapas do ensino fundamental proporcionado pelas redes municipais, um Ideb igual ou superior a 5 (a escala vai de zero a dez). Ou seja, praticamente todas -- mesmo capitais ricas como São Paulo, Florianópolis e Porto Alegre -- estariam reprovadas numa hipotética prova de final de ano.

    O pior Ideb municipal encontrado foi de 0,3 e o melhor, de 6,8. O mecanismo do Ideb faz parte do PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação), anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, na terça (24).

    O IDEB NACIONAL
    Nível do ensinoÍndice atualMeta
    de 2021
    1ª a 4ª séries3,86,0
    5ª a 8ª séries3,55,5
    Ensino
    médio
    3,45,2

    O Ideb atual dos municípios, Estados e do Brasil em geral foi calculado com base em dados de 2005 da Prova Brasil e do Saeb, avaliações conduzidas pelo MEC a cada dois anos. Há metas de Ideb para serem atingidas nas avaliações deste ano, na de 2009, 2011 e assim por diante, até a meta "final", em 2021. Numa escala de zero a dez, o Brasil tem hoje um Ideb médio de 3,8 na primeira fase do ensino fundamental (1ª a 4ª séries), de 3,5 na segunda (5ª a 8ª séries) e 3,4 no ensino médio (antigo colegial).

    As metas para 2021 são de chegar a 6 na 1ª fase do fundamental, 5,5 na 2ª e 5,2 no ensino médio.

    Estados
    As metas do Ideb para os Estados variam de acordo com o patamar em que se encontravam em 2005. O indicador avalia o desempenho das redes estaduais de ensino.

    Por exemplo, da 1ª à 4ª série, Rio Grande do Norte, Piauí e Bahia têm o Ideb mais baixo em 2005: os três partem de 2,6 e devem chegar a 4,8 (RN e PI) e 4,9 (BA) daqui 15 anos.

    Já o Paraná parte de um Ideb de 5, o maior na 1ª fase do fundamental, e deve chegar a 6,9 em 2021.

    Da 5ª à 8ª série, o Estado com o pior Ideb atual é Pernambuco, que atinge 2,4. Em 2021, deve chegar a 4,9. Já São Paulo tem o Ideb mais alto, de 3,6, e em 2021 deverá chegar a 5,8.

    No ensino médio, Piauí e Amazonas partem do índice mais baixo, de 2,3, e precisam atingir um Ideb de 4,1 e 4, respectivamente, daqui a 14 anos.

    O melhor Ideb inicial é o de Santa Catarina, com 3,5. Sua meta é chegar a 5,3 em 2021.

    Municípios
    Os números do Ideb no nível das cidades avaliam as redes municipais, e por isso não há dados para o ensino médio, que é exclusividade dos governos estaduais.

    A cidade com pior Ideb da 1ª à 4ª série é Ramilândia, no Paraná. Ela parte de apenas 0,3 e precisa chegar a 5,4 em 2021. Barra do Chapéu, em São Paulo, tem o melhor Ideb inicial, de 6,8, e deve chegar a 8,1 em 2021.

    Da 5ª à 8ª série, o pior Ideb é de Maiquinique, na Bahia, também de 0,3. Sua meta para 2021 é 4,4. O melhor Ideb é o do município paulista de Porto Ferreira, de 5,9, com meta de 7,4.

    Ou seja: as localidades com pior nível de ensino atual terão de dar um salto de qualidade muito amplo (por exemplo, 5,1 pontos no caso de Ramilândia), enquanto as com Ideb inicial mais alto precisam crescer menos (1,3 ponto no caso de Barra do Chapéu).
  • domingo, abril 15, 2007

    Inventário da existência feminina

    Comentário Moisés: Vale comprar e ler.













    Fonte: O Estado de São Paulo - Caderno 2 - 8/4/2007
    Intelectual francesa tenta organizar o pensamento da mulher nos diversos períodos da sociedade
    Rosane Pavam especial para o Estado
    Um intelectual se destaca pela originalidade de seu pensamento. A francesa Michelle Perrot tornou-se original ao declarar que a mulher tem uma história.
    Pode parecer pouco,
    parcial ou odiosamente feminista dizer apenas isto, que há um conjunto de fatos na linha do tempo ligado à condição do sexo. Michelle está certa? No livro Minha História das Mulheres, ela nos faz crer que sim.
    Para a intelectual francesa, compor uma história dessa natureza no Ocidente equivale a organizar o pensamento feminino nos diversos períodos. As idas e vindas da evolução da mulher se deram à sombra dos homens: enquanto eles realizavam feitos, ela refletia sobre sua adesão a eles. A mulher usou o exercício da conversa e da escrita para se posicionar no mundo, já que a linguagem constituiu seu domínio secreto. Contudo, raramente expôs o que sabia e isto se mostrou prejudicial a sua condição.
    A mulher francesa, inglesa ou americana de Michelle Perrot viveu paralelamente, existiu apesar das circunstâncias; para examiná-la, fez-se necessária então uma nova historiografia, que admitisse como fontes documentos normalmente dispersos por suas autoras, como cartas, diários, listas de organização cotidiana, agendas de bebês.
    Em 1991, Michelle organizou, na companhia do historiador francês Georges Duby, o livro História das Mulheres no Ocidente. O sucesso da iniciativa deu então origem a este pequeno texto de sua autoria, Minha História das Mulheres, nascido, por sua vez, de uma tentativa de popularização do tema em programas da Rádio France Culture, há dois anos. Na França (e talvez só ali) as transmissões radiofônicas conduzidas por Michelle ganharam tanta audiência que a levaram ao livro sistematizador, editado naquele país no ano passado.
    Não se trata, contudo, de um
    tomo de difícil digestão, carregado em datas e argüições. Michelle vai escrevendo até desordenamente, solta, pelo prazer da delicada denúncia dessa quase nãoexistência feminina. Quando lemos em seu texto as coisas que Emile Zola ou S.A. Kierkegaard proferiram com sinceridade para colocar as mulheres em seu pequeno - contraditoriamente importante - lugar, coramos por eles e por muitos outros pensadores de igual desenvoltura. 'A mãe deveria ser nossa religião', afirmou Zola, ocupado em ligar o grande papel feminino à maternidade. 'A mulher inspira o homem enquanto ele não a possui', disse Kierkegaard, sobre o poço sem fundo sexual em que um homem se esgota. Como estas, algumas assombrosas afirmações recolhidas no livro nos fazem meditar sobre o tempo presente, sobre os escritórios, redações ou universidades por onde tais idéias ainda se renovam em piadas ou ditos populares, para a concordância de homens e mulheres.
    As diferenças de Michelle Perrot com o etnólogo estruturalista Claude Lévi-Strauss oferecem um pote de delicioso antagonismo no decorrer do livro.
    Foi Lévi-Strauss quem afirmou em
    Tristes Trópicos, lembra Michelle, sobre a partida dos caçadores de uma aldeia: 'Não havia mais ninguém ali, exceto as mulheres e as crianças.' A afirmação nos remete à célebre crônica de Rubem Braga na qual um padeiro, ao tocar a campainha, já anunciava à dona da casa não ser ninguém.
    Michelle Perrot é diferente do padeiro de Braga, já que deseja destruir essa invisibilidade, contrariando os estruturalistas. Ela nos faz um inventário das moças, por meio de suas imagens artísticas, fabricadas por homens; investiga seu corpo, ousadamente seus cabelos, signos de sua abundante e indócil natureza primitiva; demonstra como os véus, que também foram ocidentais, equivaleramse a hímens; realça o poder das feiticeiras, 'obstáculos à racio
    nalidade triunfante', sendo a razão um privilégio masculino.
    O interessante é observar,
    aqui, uma conclusão incomum baseada nestes estudos. A rainha do lar se tornou visível quando reivindicou o pão que alimentaria os filhos. Então, no decorrer da história, 'a mãe protegeu a mulher'. Contudo, nos períodos em que a estabilidade econômica foi mantida, as senhoras sem posses invariavelmente voltaram a estrangular os patos do jantar.
    Um exemplo está na Revolução Francesa. A mulher pobre foi aplaudida quando pediu brioches. Mas o que fizeram os jacobinos depois de extraída a cabeça de Antonieta e repartido o pão? Negaram às mulheres direitos políticos. Alguém que leia isto se pergunta que espécie de revolução aconteceu por lá, baseada em tal mentalidade excludente. Os avanços femininos não foram lineares, antes caminharam em ondas, como a dos recentes e ruidosos anos 20, logo suplantadas pelo nazismo, que imporia a idéia de uma nova-velha senhora dedicada ao silêncio.
    Mulheres como pêndulos: foi o socialista Jules Lebreton quem, decidido a amenizar a condição de criadas das senhoras, inventou a primeira feira de utilidades domésticas, nos anos 50 franceses. Mas coube ao teórico Karl Marx apontar a preocupação dos operários diante do surgimento das trabalhadoras, que produziriam um perigoso 'exército de reserva' na indústria incipiente. 'Operária, palavra ímpia', decretou o historiador Jules Michelet.
    Escreve como um homem, combate como um soldado. Assim muitos entenderam que deveriam destacar figuras femininas relevantes à história, como Joana d´Arc ou a criadora literária George Sand. Mas mesmo Sand, dona de um pseudônimo masculino, um dia perguntou-se, à moda do jogador de futebol Pelé (para quem o brasileiro não sabia votar), se o voto feminino deveria ser obrigatório, já que a história negara às mulheres preparação e saber...
    O pilar dos integralismos, diz-nos Michelle Perrot, é a dependência feminina. Isto se comprova nos lugares onde os fascistas de algum modo prosperaram. Não se nas
    ce uma mulher, torna-se uma, aquiesceu Simone de Beauvoir, para quem 'o feminismo nunca foi um movimento autônomo', já que sempre esteve submetido às realizações masculinas.
    Mas a doutora Michelle Perrot, professora emérita da Universidade Paris 7, hábil em renovar as paixões do leitor pelos estudos de sociedades, quer mudar este quadro. Uma história feminina
    composta apenas por homens é uma história de homens, como a dos troianos, uma versão grega para os acontecimentos de Tróia.
    Por isso, essa intelectual advoga para a mulher uma escrita própria, mesmo quando feita com os filhos no colo e os cabelos bem cuidados.

    quinta-feira, abril 05, 2007

    ENTREVISTA DA MINISTRA MATILDE RIBEIRO

    Comentário Moisés Basílio: A entrevista da ministra Matilde para a BBC Brasil gerou grande repercussão na grande mídia. A cerne da polêmica foi a resposta que a ministra deu à pergunta da entrevistadora sobre a existência de racismo do negro em relação ao branco no Brasil. No mérito concordo com a ministra, pois no plano histórico todo afrodescendente tem um pé atrás em relação aos eurodescendentes pelos motivos que todos sabemos e que ainda não foram superados pela sociedade brasileira. Mas esse pé atrás é muito mais um postura de defesa e resistência do que uma atitude ou prática racista. Vamos ao debate!


    Fonte:
    http://www.bbcbrasil.com
    27 de março, 2007 - 10h59 GMT (07h59 Brasília)

    Denize Bacoccina - De Brasília

    Não é racismo se insurgir contra branco, diz ministra

    A ministra Matilde Ribeiro, titular da Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial (Seppir), diz que considera natural a discriminação dos negros contra os brancos.

    Em entrevista à BBC Brasil para lembrar os 200 anos da proibição do comércio de escravos pelo Império Britânico, tido como o ponto de partida para o fim da escravidão em todo o mundo, ela disse que "não é racismo quando um negro se insurge contra um branco".

    "A reação de um negro de não querer conviver com um branco, eu acho uma reação natural. Quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou”, afirmou.

    Ribeiro disse que ainda vai demorar até que as políticas públicas implantadas nos últimos anos comecem a dar resultados concretos e diminuam a diferença econômica e social entre as populações branca e negra do país.

    “Ainda temos muito o que fazer”, afirma, enumerando ações que já começaram, como na área de educação e saúde.

    Ela diz que, embora a abolição da escravatura tenha chegado atrasada ao Brasil, hoje o país tem uma das legislações mais avançadas do mundo em relação a direitos iguais, mas ainda falta uma mudança de postura da sociedade.

    BBC Brasil - De acordo com as estatísticas, a proporção de negros abaixo da linha da pobreza na população brasileira é de 50%, enquanto entre os brancos é de 25%. Quando isso vai começar a mudar?

    Matilde Ribeiro - As ações neste momento ainda são na ordem da estruturação das políticas. Por exemplo, no Ministério da Saúde estamos incluindo o quesito cor nos formulários. Precisamos ter referência do que adoece e morre a população brasileira, para poder ter programas específicos.

    BBC Brasil - A secretaria já tem quatro anos, o que se pode perceber de resultado prático neste período?

    Matilde Ribeiro - Na educação, uma lei de 2003 obriga o ensino da história e cultura afro-brasileiras para as crianças, desde o início. O processo de implementação está em curso. É muito difícil ter números, resultados concretos. Mas já tem alguns resultados. Por exemplo, o (programa) Prouni, de bolsas de estudos para alunos carentes de escolas, já concedeu em menos de três anos mais de 200 mil bolsas no Brasil, dos quais 63 mil negros e 3 mil indígenas.

    BBC Brasil - E em quanto tempo a senhora acha que poderemos ter uma situação de igualdade, onde as pessoas sejam julgadas pelo mérito, independentemente da raça?

    No Brasil, o racismo não se dá por lei, como foi na África do Sul. Isso nos levou a uma mistura. Aparentemente todos podem usufruir de tudo, mas na prática há lugares onde os negros não vão. Há um debate se aqui a questão é racial ou social. Eu diria que é as duas coisas.
    Matilde Ribeiro

    Matilde Ribeiro - O Brasil tem 507 anos. Há quase 120 anos, em 1888, foi assinado um decreto como este que o presidente assinou dizendo que não havia mais escravidão no Brasil. Só que não houve uma seqüência. Hoje, o fato de os negros e os indígenas serem os mais pobres entre os pobres é resultado de um descaso histórico. Então fica muito difícil hoje afirmar quanto tempo.

    BBC Brasil - Como o Brasil se coloca no contexto internacional? O Brasil gosta de pensar que não tem discriminação e gosta de se citar como exemplo de integração. É assim que a senhora vê a situação?

    Matilde Ribeiro - É o seguinte: chegaram os europeus numa terra de índios, aí chegaram os africanos que não escolheram estar aqui, foram capturados e chegaram aqui como coisa. Os indígenas e os negros não eram os donos das armas, não eram os donos das leis, não eram os donos dos bens de consumo. A forma que eles encontraram para sobreviver não foi pelo conflito explícito. No Brasil, o racismo não se dá por lei, como foi na África do Sul. Isso nos levou a uma mistura. Aparentemente todos podem usufruir de tudo, mas na prática há lugares onde os negros não vão. Há um debate se aqui a questão é racial ou social. Eu diria que é as duas coisas.

    BBC Brasil - E no Brasil tem racismo também de negro contra branco, como nos Estados Unidos?

    Matilde Ribeiro - Eu acho natural que tenha. Mas não é na mesma dimensão que nos Estados Unidos. Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros. A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou.

    BBC Brasil - Neste mês, a Grã-Bretanha comemora os 200 anos da proibição do comércio de escravos, coisa que no Brasil só aconteceu muito tempo depois. O Brasil ainda continua atrasado nesta área?

    Matilde Ribeiro - Não, nós temos acompanhado os fóruns internacionais. O Brasil é um dos países mais progressistas neste aspecto de legislação e de ação efetiva. A legislação no Brasil é extremamente avançada. Não é pela via legal que o racismo acontece. O que falta é mudança de postura das pessoas. Não adianta só o governo fazer. Muito já foi feito, mas como você disse no início: alterou os índices? Ainda não, portanto temos muito a fazer.

    Confira abaixo a íntegra da nota divulgada pela Seppir:

    "Nota de Esclarecimento

    Em relação à entrevista da ministra Matilde Ribeiro, divulgada pela BBC Brasil nesta terça-feira (27/3), esta Secretaria esclarece que a frase 'não é racismo quando um negro se insurge contra um branco' aparece no título de maneira descontextualizada, induzindo o leitor ao equívoco.

    A ministra deixa claro, no decorrer da conversa, que 'não está incitando' esse tipo de comportamento e afirma: 'Não acho que seja uma coisa boa'.

    A afirmação apenas reconhece a histórica situação de exclusão social de determinados grupos étnicos no Brasil, prevalente após 120 anos da abolição, que pode, por vezes, provocar esse tipo de atitude - também condenável.

    Esclarecemos, ainda, que a missão da Seppir é justamente tomar iniciativas contra as desigualdades raciais no país e formular políticas públicas de igualdade racial, de forma conjugada com os demais ministérios e em diálogo com diversos setores da sociedade civil.

    A Secretaria também atua no sentido da valorização e do respeito às diversidades, em um trabalho integrado com negros, indígenas, ciganos, judeus e palestinos em espaços como o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial e a Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, com a intenção de garantir a essas comunidades acesso a bens e serviços públicos, qualidade de vida e oportunidades iguais.

    Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial"





    O RACISMO NA BOCA DE MATILDE


    "A reação de um negro de não querer conviver com um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso" - disse a ministra Matilde Ribeiro, da SEPPIR, conforme estampado em O Globo de hoje, 28.03.07.

    E daí? Um branco não querer conviver com um negro de quem ele não goste é antinatural? Um negro não querer conversa com um branco que lhe "enche o saco" é alguma coisa demais?

    Mas o caso é que o racismo anda solto por aí. E "baixaram o açoite" na ministra, que vem fazendo um bom trabalho em sua espinhosa área. Então, aproveitamos este espaço para botar as coisas nos seus devidos lugares.

    Vamos a um exemplo: o leitor acha que todo indivíduo maduro que se sente atraído por uma adolescente insinuante como as de hoje é um pedófilo? Não! "Pedofilia é a perversão sexual que leva um indivíduo adulto a se sentir sexualmente atraído por crianças" (cf. Houaiss). Da mesma forma, o conceito de "racismo" anda sendo mal usado, em nome de outros interesses, como é o caso da ministra.

    O Racismo, com "R" grande, é aquele comportamento através do qual um indivíduo manifesta, em relação a outrem de origem étnica diferente da sua, um sentimento baseado em um julgamento antecipado, em um preconceito, nascido em geral de um estereótipo, de um "carimbo", do tipo "todo negro é feio e sujo", "todo judeu é avarento", "todo português é burro", "todo sulafricano branco é racista" etc. E tem também o estereótipo positivo, o "carimbo" simpático, do tipo "todo alemão é inteligente", "todo japonês é trabalhador", "todo crioulo é bom de bola e de ritmo", "a mulata é a tal" etc.

    Um negro não gostar de um branco é natural, sim: é da natureza, é humano. O que não é muito natural é um negro não gostar de branco nenhum, só porque um dia um branco o maltratou. Mas, convenhamos, um negro que - tendo ou não dado motivo - nunca recebeu amizade ou um simples gesto de carinho de branco nenhum, como é que o leitor acha que vai se sentir em relação a todos os brancos, hein? Se gostar, é masoquista!

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    Veja como o "Estadão" repercutiu a entrevista no dia seguinte:

    Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - Quarta-feira, 28 março de 2007
    'Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco', diz ministra

    Declaração da titular da Secretaria da Igualdade Racial provoca polêmica no governo e nos
    meios acadêmicos

    Vannildo Mendes e Roldão Arruda - COLABORARAM FABIANA CIMIERI e FELIPE WERNECK

    Causou desconforto no governo uma declaração da ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial, para quem é natural a discriminação de negros contra brancos. Em entrevista à BBC Brasil para lembrar os 200 anos da proibição do comércio de escravos pela Inglaterra, ela afirmou que “não é racismo quando um negro se insurge contra um branco”. E explicou: “Quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou.”

    Houve reações dentro e fora do governo. “Como negro, não alcanço o sentido de tão estranha declaração”, criticou Percílio de Sousa Lima Neto, vice-presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, órgão do Ministério da Justiça. Ele disse que condena qualquer tipo de preconceito, seja de negros ou brancos, mas avaliou que precisaria conhecer o contexto da entrevista “para emitir melhor juízo”.

    O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, afirmou que há uma boa distância entre entender os processos que levam à discriminação e aceitar o preconceito. “Compreender o sistema perverso da escravidão e do preconceito decorrente dela é importante, para que o Brasil tenha de fato uma democracia racial”, avaliou. “Mas aceitar qualquer tipo de preconceito não pode ser medida eficaz no que se refere à democracia racial.”

    Manolo Florentino, estudioso do tema na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lamentou a declaração. “O mínimo que se pode exigir de um ministro dessa pasta é que saiba que raça não existe”, afirmou. “A luta de negros contra brancos é um conflito social, não passa pela cor da pele.” Para ele, a ministra enxerga “um País bicolor”, o que nega toda a história de miscigenação brasileira.

    A rigor, a declaração de Matilde Ribeiro contraria o Estatuto da Igualdade Racial, aprovado no Senado em junho do ano passado e hoje em discussão na Câmara, com apoio da secretaria. É verdade que o texto estabelece cotas raciais nas universidades e prevê o acesso de minorias étnicas à Justiça. Mas o estatuto define como discriminação racial “toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor descendência ou origem nacional ou étnica”. Portanto, não importa se o autor é branco, negro ou de outra raça ou cor da pele para ser enquadrado como racista, ficando sujeito a processo criminal.

    Integrantes do governo envolvidos no combate ao preconceito ficaram constrangidos. O secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, evitou comentar o assunto. Representante da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) no conselho do Ministério da Justiça, Marcelo Tognozzi disse ter ficado perplexo: “Acirrar conflitos nunca é bom. Todos nós, não-racistas, não podemos concordar com tal afirmação.”

    A ministra também recebeu manifestações de apoio. Na coordenação do Núcleo de Consciência Negra da Universidade de São Paulo (USP), Zélia Dias de Andrade afirmou que a ministra apenas se referiu à realidade do País. “Não é que sejamos racistas”, disse. “Mas a partir do momento em que os brancos cortam nossas oportunidades é natural que surjam reações contrárias.” Para Zélia, o racismo do negro contra o branco é sutil, assim como o inverso. “Os dois lados sabem disso, os dois lados disfarçam com uma camada de cordialidade.”

    Frei David, franciscano que coordena o movimento Educafro, também defendeu a ministra. Observou que existem várias formas de racismo - entre elas a de negros contra brancos. Isso não quer dizer, no entanto, que o preconceito esteja aumentando ou em vias de aumentar. “Existe maturidade cada vez maior, entre negros e brancos, para analisar esta questão”, disse.

    Diante da reação negativa, Matilde divulgou uma nota, por meio da secretaria, alegando que trechos da entrevista foram tirados de contexto, “induzindo o leitor a equívoco” (leia a nota ao lado).

    A PERGUNTA

    E no Brasil tem racismo também de negro contra branco, como nos Estados Unidos?


    Eu acho natural que tenha. Mas não é na mesma dimensão que nos Estados Unidos. Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros. A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou.

    A NOTA DA SECRETARIA

    “Em relação à entrevista da ministra Matilde Ribeiro, divulgada pela BBC Brasil nesta terça-feira (27/3), esta Secretaria esclarece que a frase ‘não é racismo quando um negro se insurge contra um branco’ aparece no título de maneira descontextualizada, induzindo o leitor ao equívoco. A ministra deixa claro, no decorrer da conversa, que ‘não está incitando’ esse tipo de comportamento e afirma: ‘Não acho que seja uma coisa boa’. A afirmação apenas reconhece a histórica situação de exclusão social de determinados grupos étnicos no Brasil, prevalente após 120 anos da abolição, que pode, por vezes, provocar esse tipo de atitude - também condenável.

    Esclarecemos, ainda, que a missão da Seppir é justamente tomar iniciativas contra as desigualdades raciais no país e formular políticas públicas de igualdade racial, de forma conjugada com os demais ministérios e em diálogo com diversos setores da sociedade civil. A Secretaria também atua no sentido da valorização e do respeito às diversidades, em um trabalho integrado com negros, indígenas, ciganos, judeus e palestinos em espaços como o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial e a Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, com a intenção de garantir a essas comunidades acesso a bens e serviços públicos, qualidade de vida e oportunidades iguais.”
    Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial

    'É uma incitação ao ódio racial'

    Demétrio Magnolli, sociólogo da USP

    Entrevista

    Para o sociólogo Demétrio Magnolli, da USP, a declaração da ministra Matilde Ribeiro foi uma clara incitação ao racismo. Na opinião dele, ela deveria ser destituída do cargo.

    Como o senhor viu a declaração da ministra sobre racismo de negros contra brancos?

    Em primeiro lugar pensei que vivemos uma época sombria. Afinal, o que pensar quando uma pessoa dá uma declaração dessa no cargo de ministra e continua ministra? Acho impressionante que ela ainda continue no cargo.

    E quanto à declaração de que o racismo se justifica em função do que os negros sofreram no passado?

    É uma declaração essencialmente racista. Uma incitação ao ódio racial. Atribui aos brancos, como raça, os açoites que os negros, como raça, sofreram no passado. Interpreta a história como um conflito de raças. E é nesse sentido mais profundo, de visão do mundo e da história, que a declaração dela é racista. Não se trata de uma visão circunstancial, ou conjuntural.

    Mas ela disse que não apóia.

    Apesar da saudação à bandeira, dizendo que não incita, ela está criando uma pretensa racionalidade política para uma expressão de racismo. Eu acho que isso é coerente com o conjunto da política que ela conduz - que é a política de dividir os brasileiros segundo a cor da pele, com a finalidade de fabricar a raça como conceito de identidade oficial no Brasil.

    E a questão da exclusão social dos negros, detectada em diferentes pesquisas realizadas no País?

    Está errado. O que existe é uma exclusão social e econômica dos pobres - entre os quais os de pele escura e também os de pele clara. É falso definir como problema racial o que é na verdade um problema social e econômico. Trata-se de um expediente esperto de um governo que não quer enfrentar o problema verdadeiro, das extremas desigualdades sociais e econômicas.

    O senhor acha que a conscientização dos negros sobre a exclusão pode elevar o grau de racismo?

    Isso também é falso. Aplicada de maneira geral, a idéia de que as pessoas se tornam mais racistas à medida que sua consciência aumenta, é uma justificativa para a existência da Klu Klux Kan. Na realidade ocorre o contrário: à medida que a consciência aumenta, as pessoas percebem que os mecanismos de desigualdade não são mecanismos raciais, mas sociais. A questão da raça pode aparecer como cobertura, justificativa, fantasia.


    'Negro brasileiro se sente oprimido'

    Carlos Santana (PT-RJ), deputado federal

    Entrevista

    O deputado federal Carlos Santana (PT-RJ), da Frente Parlamentar da Igualdade e Promoção Racial, considera que a ministra se referiu, sem hipocrisia, a um problema que existe. Na opinião dele, o racismo de negros contra brancos é bastante forte no Brasil.


    O senhor acha que existe racismo de negros contra brancos entre os brasileiros?

    Sim. Ele existe e não é pouco. E a origem dele é a opressão. Nunca nos deram os mesmos direitos, como demonstram pesquisas feitas pelos brancos sobre oportunidades sociais, escolaridade. O negro brasileiro se sente oprimido.

    O senhor acha que há uma tendência para a exacerbação deste racismo?

    Não. O esforço este governo está fazendo com políticas, cotas, leis para a comunidade afrodescendente é uma forma de resgatar o que se perdeu lá atrás. Temos que continuar nesse caminho, procurando a igualdade racial.

    Não acha que a conscientização dos negros sobre a exclusão social poderia agravar os pontos de conflito?

    Quanto mais consciente, mais o negro percebe o quanto é marginalizado pelo branco - que representa a classe social dominante. Mas essa não é uma luta que se define pelo pigmento da pele. Temos pessoas com pele branca que assumem nossa luta. E também temos pessoas de pele negra que não assumem sequer que são negros. É o caso do Pelé, que nunca se manifestou a respeito de políticas afirmativas, de cotas para os negros nas universidades. Outras personalidades, como cantores, artistas, já se manifestaram, mas o nosso representante máximo nunca fez qualquer pronunciamento.

    O senhor acha que estão ocorrendo avanços com a atual política do governo?

    Houve avanços, mas ainda estamos muito atrasados. Houve um genocídio em nosso país e os passos para superar isso são muito lentos. No mundo inteiro existem políticas de cotas. No Brasil, quando se discute o assunto parece que estamos falando em matar alguém.

    Como senhor viu a declaração da ministra?

    Ela deve ser vista dentro de um contexto geral, da história do Brasil, que foi sempre contada sob o ponto de vista dos brancos. Segundo essa história, nós somos descendentes de escravos - e não de povos africanos, com sua cultura, suas tradições. A ministra vai contra a idéia que as classes dominantes tentam impor de que não temos um problema racial, mas social.

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    Acesse, também, a crônica do Luís Fernando Veríssimo - Racismos - no Blog do Noblat - publicada em 1/4/2007 http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=53070

    segunda-feira, abril 02, 2007

    INFORME DO FÓRUM DE EDUCAÇÃO DA ZONA LESTE

    Comentário Moisés Basílio: Este é um informe resumido do primeiro debate organizado pelo Fórum de Educação da Zona Leste em 2007. O próximo debate será no dia 14 de abril, das 14:30 às 17 horas, na USP Leste e o tema a ser discutido é sobre o sentido do Ensino Médio: O grande número de estudantes que abandonam a escola na Zona Leste.

    Informe sobre debate de 10/3/7, 14h30-17h, USP Leste

    Tema Qualidade da educação para todas e todos: plano de educação para o município de São Paulo

    Convidados para exposição inicial: Alexandre Alves Schneider, Secretário Municipal de Educação de São Paulo (15 min) e João Kleber de Santana Souza, diretor, Escola Municipal de Ensino Fundamental Dr. José Pedro Leite Cordeiro (15 min).

    O Secretário Municipal de Educação, sr. Alexandre Schneider, impossibilitado de comparecer por estar em tratamento de saúde, nomeou o prof. Isaías Pereira de Souza, coordenador da Coordenadoria de Educação de São Miguel, para representá-lo. O prof. Isaías Souza fez sua exposição inicial apresentando as providências que a prefeitura vem implementando nos estabelecimentos escolares municipais, entre as quais mencionou aquelas destinadas à redução de turnos diários (a maioria das escolas de ensino fundamental funciona em quatro turnos), à retirada de escolas e salas “de latinha” (containers), ao aumento de horas diárias para turnos escolares, à máxima redução de licenças de curta duração para docentes (o controle de faltas por meio de descontos salariais), ao aumento da GDE (Gratificação por Desempenho no Ensino), ao investimento na formação prioritariamente de docentes de português no ciclo 2, aos CMCT-Centros Municipais de Capacitação e Treinamento (profissionalizantes orientados e certificados pelo Senai). O prof. Isaías Souza enfatizou também a importância dos programas São Paulo é uma Escola e Ler e Escrever (centrado em ações no 1º ano do ensino fundamental e em repetentes do 4º ano).

    A exposição inicial do prof. João Kleber de Santana Souza recuperou o papel desempenhado por grupos de reivindicação pelo direito à educação da Zona Leste visando à ampliação da oferta de serviços educacionais, inclusive educação superior, para a qual também o Fórum de Educação da Zona Leste atuou, seja na criação do Centro Tecnológico da Zona Leste (Fatec) seja na instalação da própria USP Leste. O prof. João Kleber Souza destacou também o processo de elaboração participativa de um Plano Local de Desenvolvimento Educativo da Zona Leste, no qual o Fórum de Educação da Zona Leste envolveu dezenas de pessoas em seminários realizados entre 2001 e 2002. Essa experiência foi apresentada como contribuição às autoridades públicas e comunidades de outras áreas do município quando o Fórum de Educação da Zona Leste propôs à Secretaria Municipal de Educação que fizesse uma ampla convocação para elaborar-se democraticamente um plano de educação para o município, seguindo determinação da Lei n. 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que aprovou o Plano Nacional de Educação. A proposta foi feita à Secretaria tanto quando Marta Suplicy esteve à frente da prefeitura quanto durante o mandato do prefeito José Serra, sem, contudo, ter encontrado um acolhimento favorável.

    O prof. João Kleber Souza chamou a atenção para as metas do Plano Nacional de Educação que não vieram sendo cumpridas, entre as quais algumas de grande importância para modificar a qualidade da educação, tais como a definição de padrões de infra-estrutura para estabelecimentos educacionais e a redução do número de turnos diários. O expositor se posicionou também pela redução do tamanho das escolas, assim como do número de estudantes por docente (menos turmas e menos estudantes em cada uma). Salientou a importância do diálogo entre profissionais de escolas básicas e docentes e estudantes da universidade para a mudança da qualidade das escolas, bem como a necessidade de distribuição equilibrada de recursos financeiros entre os entes federados para sustentar as mudanças requeridas. O prof. João Kleber Souza destacou finalmente um aspecto político da elaboração de planos de educação, determinante da qualidade que possa resultar de tais planos: o debate sobre educação entre todos os atores nela envolvidos.

    Após a apresentação dos expositores iniciais, a palavra esteve aberta às demais pessoas. A profa. Danizi Morais reiterou a importância dos grupos de reivindicação pelo direito à educação na Zona Leste, marcadamente a partir dos anos 1980, ressaltando o acompanhamento que tais grupos também faziam dos aspectos de qualidade e o fato de o poder público estar sempre longe de cumprir suas responsabilidades quanto à participação da população. Relacionou o fato com características adversas de áreas desfavorecidas da Zona Leste, inclusive os números elevados de homicídios nos grupos jovens, de casos de gravidez na adolescência e de mortalidade materna e infantil.

    O prof. Ulisses Araújo (coordenador do Nasce-Núcleo de Apoio Social, Cultural e Educacional da USP Leste, ver www.each.usp.br/nasce) destacou as dificuldades que a USP Leste tem encontrado na comunicação com as comunidades locais, evidenciada na ausência de docentes e estudantes de escolas básicas na exposição organizada pelo curso de Licenciatura em Ciências da Natureza, na baixa participação no curso de extensão oferecido a docentes daquelas escolas e no curso sobre educação comunitária (ver www.educacaocomunitaria.org.br).

    O prof. Isaías Souza afirmou não ter sido procurado pela universidade e ter sentido falta disso. Indicou a importância especial dos diretores dos estabelecimentos de educação básica para conseguir o envolvimento dos corpos docentes e se ofereceu como mediador para esse contato, considerando menos efetivo o relacionamento direto da universidade com o magistério. Na condição de responsável pela Coordenadoria de Educação de São Miguel, ele lida com 115 estabelecimentos, abrangendo cerca de 105 mil estudantes. Além disso, mora na Zona Leste há 34 anos, conhece a luta pela universidade e ainda não viu integração com esta, embora tenham sido iniciadas conversas com a profa. Sônia Castellar (coordenadora anterior do Nasce da USP Leste), que não tiveram continuidade.

    A profa. Mariley Oliveira (Escola Estadual Deputado Silva Prado) afirmou também que faltam canais de comunicação com a USP Leste e que há disposição de aproximação com a universidade, demonstrada pelas visitas de estudantes de que sua escola organizou à USP (Cidade Universitária) e à Unicamp.

    O prof. Elie Ghanem apontou a exigência legal de que o poder público divulgasse o Plano Nacional de Educação e colaborasse para a realização de suas metas, ao passo que o próprio poder público não cumpre leis. Afirmou que boa parte dos casos de desrespeito a direitos humanos no Brasil se deve à omissão do Estado no cumprimento de suas obrigações legais e em zelar para que as leis sejam aplicadas.

    O prof. João Kleber Souza disse ser preciso que as autoridades municipais, além de convidar, busquem a participação de profissionais das escolas no debate educacional utilizando também outros procedimentos regulamentados oficialmente, como a solicitação de presença e a convocação. O prof. João Kleber Souza afirmou que o magistério das escolas básicas quer o diálogo com docentes da universidade, bem como entre os diferentes setores de políticas governamentais. Mas que, quanto à universidade, há o receio do magistério em ser tomado apenas como objeto de pesquisa. Acrescentou que o debate não pode ocorrer adequadamente pela imprensa, já que esta não aborda a educação de modo apropriado.

    O prof. Isaías Souza declarou haver a destinação de 8,5 mil a 11 mil reais periodicamente a cada escola (um CEI-Centro de Educação Infantil pode contar com 2,5 mil reais bimestrais), sendo que tais recursos podem ser usados na contratação de serviços de transporte para fazer visitas, inclusive à universidade. Além disso, os conselhos de escolas podem deliberar sobre projetos e há na Coordenadoria de Educação de São Miguel um diretor de projetos especiais, que são divulgados no site da Coordenadoria (http://educacao.prefeitura.sp.gov.br/Site/Coordenadoria/indexSiteCoordenadoriaAction.do?service=SiteUnidadeFuncionalSiteCoordenadoriaDelegate&actionType=detalhar&idUnidadeFuncionalSiteCoordenadoria=106300).

    Silvio de Almeida Silva, conselheiro tutelar em São Mateus, questionou a ampliação da oferta de educação infantil por meio de centros conveniados. Lembrou também da lei municipal (Lei n. 14.127, de 5 de janeiro de 2006, ver http://www.leismunicipais.com.br/) para identificação da demanda escolar, pela qual a prefeitura está obrigada a fazer o registro dessa demanda e publicar os dados trimestralmente. Ressaltou a conveniência de o Fórum de Educação da Zona Leste articular-se com o legislativo municipal para levar ao cumprimento da lei. Sugeriu ainda que se retomasse a idéia de atividades do Fórum em diferentes áreas da Zona Leste.

    O prof. Isaías Souza apontou a dificuldade de se encontrar terrenos para construir escolas porque há muitos lugares não legalmente regularizados, anunciou a inauguração de mais um CEU-Centro Educacional Unificado na área denominada Pantanal e informou que, em dois anos, quase triplicou o número de crianças em CEI (de cerca de 1,7 mil para 5 mil). Quanto aos programas adotados pela Secretaria Municipal de Educação, destacou que, como coordenador, nunca obrigou escolas sem condições a aderir aos programas São Paulo é uma Escola e Pós-escola.

    O prof. Ulisses Araújo sublinhou que a solução para a qualidade da educação escolar depende da qualidade da educação infantil e do investimento na ampliação de sua oferta.

    O prof. João Kleber Souza apresentou dados oficiais que indicam o baixo investimento em educação infantil. Observou também que a Coordenadoria de Educação pode promover iniciativas locais de processos participativos em torno da elaboração do plano de educação para o município.

    Ramon Zago Oliveira (estudante da USP Leste) considerou pertinente o uso do conceito de capital social e que as escolas são importante local de mobilização desse capital, articulando diversos setores de políticas, entendendo que a educação não se realiza unicamente na escola.

    A prof. Valéria Cazetta (USP Leste) declarou que pretende levar as preocupações expressadas no debate à coordenação do curso de Licenciatura em Ciências da Natureza e que sua atuação como docente será atravessada pelo conhecimento que produzirá sobre a realidade da Zona Leste. Para ela, não é possível pensar na USP Leste sem o diálogo com as comunidades locais.

    O prof. Isaías Souza entende que toda lei existe para ser cumprida, discutida e, se for contra os interesses da sociedade, modificada. Constata, porém, que há leis que não são cumpridas, a exemplo daquelas que proíbem fumar em certos lugares. Além disso, dispõe-se a dialogar em diferentes fóruns e acredita que estes precisam ter representatividade e presença numerosa.

    O prof. Elie Ghanem reconheceu a condição ambígua em que o coordenador se encontrava, tendo sido indicado para falar pela Secretaria Municipal de Educação no debate, mas, sem poder assumir compromissos que corresponderiam à amplitude do poder do Secretário Municipal. Ressalvou, porém, que o coordenador da Coordenadoria de Educação de São Miguel, embora responda por uma jurisdição determinada, pode atuar no cumprimento da lei do Plano Nacional de Educação, por exemplo, divulgando no site da Coordenadoria e mobilizando profissionais, estudantes e familiares dos 115 estabelecimentos sob sua coordenação. O prof. Isaías Souza declarou que vai comunicar por relatório o sr. Secretário quanto ao debate e quanto ao pleito da construção do Plano Participativo de Educação da Cidade.

    O prof. João Kleber Souza assinalou que a participação demonstrou que altera políticas, tendo isso ocorrido, por exemplo, na orientação seguida pelo programa São Paulo é uma Escola, na manutenção do cargo de Poie (Professor Orientador de Informática Educacional) e de OSL (Orientador de Sala de Leitura), que teriam sido extintos pela prefeitura não fossem os 14 dias de greve do magistério em 2006.

    Redigido pelo prof. Elie Ghanem

    domingo, abril 01, 2007

    Mulheres da saúde

    Comentário Moisés Basílio: Há uma história da cidade de São Paulo que fica oculta da dita opinião pública. É a história feita pelo povo da periferia. Poucos são os movimentos sociais que conseguem colocar em cena suas lutas. Iniciativas como estas são importantes para democratizarmos a história dessa cidade.

    O Movimento de Saúde da Zona Leste e o Centro de Direitos Humanos de Sapopemba Pablo Gonzáles Olalla se unem em torno de um projeto que visa repensar e reavivar o próprio movimento, historicamente o mais importante movimento social da cidade de São Paulo.

    por Marcelo Hailer - Fonte: Site Caros Amigos - acesso em 01/04/2007, no link - só no site- reportagem - http://carosamigos.terra.com.br/

    O Centro de Direitos Humanos de Sapopemba – Pablo Gonzáles Olalla e o Movimento de Saúde da Zona leste se uniram em torno de um projeto, viabilizado com o apoio da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), que visa resgatar e repensar este que é o movimento social mais importante da cidade de São Paulo. Graças a este movimento é que hoje todos os bairros da cidade são obrigados por lei a ter conselhos populares e gestores de saúde, num canal direto entre povo e executivo. Porém, segundo Maria Trindade, militante desde 1981, os movimentos se encontram enfraquecido na cidade inteira: “a partir das conquistas dos postos, dos conselhos, o movimento enfraqueceu”. Ou seja, como muitos integrantes dos movimentos sociais foram nomeados para cargos públicos, os movimentos em si perderam quadros atuantes e ficaram mais fracos.

    Ainda segundo Maria Trindade, com a conquista de cargos públicos, os antigos militantes se dividiram em grupos políticos adversários entre si. Ela acha que agora a situação vai mudar: “esse novo projeto tem uma importância muito grande, porque está conseguindo unir as pessoas que fundaram o movimento nas décadas de 70 e 80, está conseguindo retomar a história, e isso não é pouca coisa, é um patrimônio”.

    O Movimento de Saúde para a Zona Leste viveu o seu ápice de reconhecimento e luta no governo municipal de Luiza Erundina, de 89 a 92. Foi nesse período que lideranças do Movimento assumiram cargos executivos, como é o caso de Carlos Neder, que foi assessor de gabinete da prefeita Erundina e posteriormente secretário de saúde. Carlos Neder, Eduardo Jorge e Roberto Gouveia faziam parte de um grupo de médicos sanitaristas que desde a década de 70 vinha colaborando com o Movimento. Ao longo do processo de crescimento do Movimento, estes médicos assumiram cargos legislativos e se tornaram deputados pelo Partido dos Trabalhadores.

    O Movimento se iniciou lá nos confins da zona leste, em Itaquera (Jardim Nordeste), Artur Alvim, São Mateus, enfim, regiões que, se ainda hoje são muito carentes, imagine-se no fim da década de 70. Eram ruas de terra, saneamento básico inexistente, sem telefones públicos, denotando uma ausência do Estado por completo. É nesse contexto que mulheres donas de casa, a maioria vinda do norte e nordeste do Brasil, se uniram para dar início a um movimento que nem elas imaginavam aonde iria chegar.

    A realidade vivida por estas mulheres era arrasadora. Vivam na periferia da cidade de São Paulo, sofriam com a falta de posto de saúde, de escolas, de linhas de ônibus, de vacinas, etc. Tal situação gerava uma altíssima taxa de mortalidade infantil, devido a doenças como diarréia, sarampo e outras. Isso por volta de 1976. Então começou a primeira luta delas, que era pela conquista das vacinas e posteriormente de um posto de saúde na região de São Mateus. Na época, o governador de São Paulo era Paulo Maluf e o secretário de saúde Adib Jatene. Oito mulheres da liderança fizeram seis viagens até a Secretaria da Saúde, a fim de conversar com o secretário.

    Na última viagem, depois de maus-tratos por parte da Policia Militar, foram finalmente recebidas. Em conversa com o secretário souberam que o governador tinha fechado os ambulatórios populares, onde se produziam as tais vacinas, porém, Adib Jatene prometeu falar com o governador e as mandou voltarem após quinze dias. Passado o tempo combinado, estas mulheres obtêrm a primeira vitória do movimento. O governador iria mandar as vacinas e reativar os ambulatórios populares.

    Daí pra frente as conquistas continuaram, e uma que orgulha as militantes do movimento de saúde é a conquista do primeiro posto de saúde no bairro Jardim Nordeste, no ano de 1979, localizado na Avenida Águia de Haia. Justelita, que participou desta conquista, enfatiza: “quem quiser ver a prova tá lá, tem a placa do governo e em baixo tem a nossa, escrito assim, ‘Este posto de saúde foi conquistado pelos moradores’, isso nós colocamos, tá lá a prova”. O próximo passo seria a conquista dos Conselhos Populares e Gestores de Saúde, hoje obrigatórios por lei em todos os bairros da cidade.

    Estes conselhos são formados por moradores, apesar de atualmente estarem em grande parte cooptados por forças e interesses políticos. De todo modo representam uma conquista popular. Justelita salienta a conquista, “tem muita gente que pensa que foi o governo que fez, mas fomos nós, o povo, que conquistamos os postos de saúde e os conselhos populares”.

    Essa importante conquista resultou da aprovação oficial do Estatuto do Movimento de Saúde; na época o secretário de saúde já era outro, João Yunes. Como contou Justelita, a zona leste toda se envolveu: foram reunidos cerca de sessenta ônibus, que desembarcaram quase três mil pessoas no estacionamento da Secretaria de Saúde.

    Com tanta pressão, não tinha como negar a reivindicação: o Estatuto do Movimento foi publicado no Diário Oficial.


    Revitalizar um movimento de vanguarda
    A revitalização do movimento já começou. O local do seminário e celebração a respeito da finalização da primeira parte do projeto que visa revitalizar o movimento é a Universidade Cidade São Paulo – campus Belém - (UNICID).

    O relógio marca 15 horas; o calendário, 20 de dezembro de 2006. O público dominante é composto por mulheres, na maioria com faixa etária acima dos 40 anos, grande parte delas não se via há anos, pois, como vimos, o Movimento de Saúde da Zona Leste atualmente se encontra dividido e em refluxo. Este seminário teve como objetivo a comemoração de duas conquistas: o resultado preliminar da pesquisa elaborada para o projeto em questão e o lançamento do filme documentário dirigido por Renato Tapajós, “Políticas públicas de saúde no Brasil”.

    O projeto de resgate do Movimento se dividiu em duas partes, sendo a segunda o seminário. A primeira parte se deu da seguinte maneira: dividiu-se a zona leste em três áreas, formaram-se três grupos de entrevistadores que percorreram, cada grupo, uma área da zona leste na busca de militantes e ex-militantes para responderem uma série de perguntas, entre elas: os motivos que o levaram a abandonar o movimento, se tem internet etc. Pois, além de se buscar entender as causas do declínio do movimento, a intenção é também montar um banco de dados referentes ao movimento, e a partir destas informações repensar o movimento. Como disse João Palma, da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, “mais uma vez este movimento inova; há uma pesquisa em curso, o movimento de saúde da zona leste está fazendo uma coisa muito corajosa que é produzir conhecimento sobre si próprio: quem é esse movimento? Quem são essas donas de casa hoje? Quem são esses jovens estudantes hoje? É um movimento negro, branco, de pessoas jovens, idosas? Isto é uma coisa muito interessante, mais uma vez este movimento dá exemplo para outros movimentos populares que estão precisando passar pelo mesmo processo. Mas, infelizmente mais uma vez acontece um movimento de vanguarda invisível, pois a mídia não está cobrindo, exatamente como ocorreu nos anos 80”.

    Neste seminário um fato ficou evidente: não há jovens militantes de fato no Movimento de Saúde, o que se viu foram alguns poucos estudantes de comunicação da UNICID, militantes do PCB, estudantes da USP Leste e um solitário do PSTU.

    Na ocasião do seminário pude perguntar a Ivoneide, idealizadora do projeto e militante do Movimento, se com os resultados das pesquisas daria pra se pensar em meios de atrair esta geração atual e dessa forma reoxigenar o movimento; ela respondeu: “Isso é um desafio pra nós, às vezes a gente fica focado num público da nossa idade, é um tema legal de se trabalhar, mas a gente ainda não conseguiu chegar nele, o jovem. Se a gente conseguir entrar via universidade e que esse jovem venha nos procurar não apenas pra tema acadêmico, mas pra nos ajudar também e que saiba que todos nós temos uma luta, seja na faculdade, no seu bairro e na sua família, isso é com todos os movimentos que, hoje enfrentam dificuldades pra atrair o jovem”. Para o cineasta Renato Tapajós, “é com a história, com o resgate das conquistas, com o fato de mostrar a importância destes movimentos para a história do Brasil, que conseguiremos sensibilizar estes jovens a participarem mais. Reconstruir a memória do movimento social é extremamente importante pra que os movimentos sociais recuperem a sua identidade. E acredito que é uma forma de fazer com que os jovens se aproximem”. Eu pergunto: não há um esvaziamento de jovens nos movimentos sociais? “Sem dúvida, e isso faz parte do processo neoliberal que vivemos, o impulso de preocupação coletiva que o jovem sempre teve em outras épocas, vem sendo erodido pela propaganda e pela televisão, há um trabalho do sistema para individualizar o jovem, e uma das formas de trazer o jovem de volta pra prática coletiva é trabalhar a memória dos movimentos sociais, pois a liberdade hoje é um dado e não uma conquista, eles não têm a menor idéia do que foi a ditadura”.


    Neste momento, os idealizadores, organizadores e colaboradores do projeto estão aguardando uma resposta, pois a continuação do projeto depende de a OPAS (Organização Pan Americana de Saúde) aprovar a sua segunda parte.

    Para tal, os gerenciadores do projeto acabam de encaminhar a prestação de contas. A segunda fase do projeto consiste em montar um banco de dados, estabelecer metas para o movimento e promover seminários em diversos bairros da zona leste. Lucirene, uma das organizadoras do projeto e militante do Movimento, nos elucida esta segunda parte, “na verdade o projeto era pra ser um só, de uma vez, mas quando começamos a fazer vimos que não daria, ele ficaria muito extenso, não conseguiríamos terminar tudo no prazo estipulado. A idéia não era só fazer a pesquisa, mas coletar um banco de dados, para isso entrevistamos 900 pessoas, militantes e ex-militantes do Movimento de Saúde. O objetivo pra nós, acima das pesquisas e do banco de dados, é recuperar o Movimento de Saúde, fazer com que ele se movimente novamente, então nós já mandamos o novo projeto, que seria a sistematização mais organizada dos dados obtidos e análise dos mesmos para que a partir deles façamos uma série de seminários. Por exemplo, uma pergunta, por que o movimento de saúde tem problema hoje? Só com esta pergunta dá pra fazer uns dez seminários. Então é isso, esta segunda parte é analisar os dados e devolvê-los ao Movimento de Saúde, não como uma coisa pronta, mas discutindo cada resposta com o próprio movimento, através de seminários temáticos, dentro de uma metodologia participante”. Lucirene disse que a resposta da aprovação da verba para esta segunda fase do projeto deve sair até o fim de março deste ano.

    Torcemos então pra que consigam, para continuar este excelente projeto que visa resgatar e reunir o movimento social mais importante da cidade e, por quê não, do Estado de São Paulo.

    Marcelo Hailer é jornalista