sábado, maio 14, 2011

Lima Barreto terá nova biografia escrita por Lilia Moritz Schwarcz

Comentários Moisés Basílio: Que grata satisfação a notícia de que a historiadora e antropóloga Lilia M. Schwarcz vai nos presentear com uma nova biografia do grande escritor Lima Barreto. Há dois meses tive a oportunidade de assistir uma apresentação da professora Lilia, sobre o Lima Barreto, na biblioteca municipal de São Bernardo do Campo, e também estou lendo o livro “Contos Completos de Lima Barreto”, editado pela Companhia Das Letras, e com um excelente trabalho de organização da prof.ª. Lilia, principalmente pelo primor das notas que muito nos auxilia a compreender o contexto histórico onde nossa autor vive, e também com uma detalhada introdução contextualizando da obra e da vida de Lima Barreto. Um belo presente à memória de Lima Barreto nesse ano em que comemoramos os seus 130 anos de nascimento. Axé!

Fonte: Sítio do Jornal O Estado de S. Paulo, em 14/05/2011, http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110514/not_imp719050,0.php
Tema racial inspira nova biografia
Lilia Moritz Schwarcz investiga a influência da origem e da situação social do ficcionista no corpo de sua produção
Ubiratan Brasil - O Estado de S.Paulo
A biografia de Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) considerada definitiva é a do paulista Francisco de Assis Barbosa. Publicada em 1952 e ainda no catálogo da editora José Olympio, A Vida de Lima Barreto é fruto de cinco anos de pesquisas, período em que Barbosa manuseou originais, notas, trechos esparsos do Diário Íntimo, cartas, cadernos de recortes de jornal - documentos hoje incorporados na seção de manuscritos da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. "Mas ele, explícita e declaradamente, afirmou que não trataria do tema racial na obra de Barreto. Na minha opinião, essa é uma questão fundamental para o autor, cuja vida foi marcada pela construção de alguns detalhes sociais da diferença, devidamente manipulados: raça, situação social, e localização", afirma a antropóloga e pesquisadora Lilia Moritz Schwarcz, que viu ali um caminho fecundo para aprofundar novos estudos sobre o autor, cujos 130 anos de nascimento foram lembrados ontem.
Desde o ano passado, portanto, Lilia pesquisa a documentação da Biblioteca Nacional a fim de preparar a sua biografia, que ainda não tem data de publicação - e trará a questão racial como um dos seus fios condutores. "Lima sempre se definiu como pobre, mulato, um morador do subúrbio e fez de sua literatura uma expressão desta condição. E, ao tratar de seu hábitat, pude o ampliar o espaço simbólico do Rio incluindo o subúrbio", comenta Lilia, que visitou o local onde viveu o escritor e constatou que muitas características continuam intactas, como se o tempo tivesse congelado. "Ainda há galinhas e cachorros soltos nas ruas, além de pessoas jogando bola."
Lima Barreto sempre realizou uma literatura de testemunho e o tema da raça está presente todo tempo. Lilia observa que há um momento em seu Diário Íntimo em que ele diz: "É difícil não nascer branco". E ainda "a raça para os brancos é conceito, para os negros pré-conceito". "Se tomarmos Recordações do Escrivão Isaías Caminha, romance autobiográfico, o personagem principal conhece o preconceito ao chegar no Rio, quando é acusado injustamente, ou quando deixa de ser servido num bar por conta de sua cor. O mesmo ocorre em Clara dos Anjos: mulata, pobre e prostituída. Também em Cemitério dos Vivos, romance incompleto pautado na experiência no sanatório, e no Diário do Hospício, Lima recheia a narrativa com episódios de preconceito e de sofrimento pessoal."
Aos poucos, Lilia foi detalhando a contraditória personalidade de Lima Barreto. "Seu comportamento era sempre ambivalente", observa a pesquisadora. "Condenava o determinismo racial mas temia morrer louco (assim como seu pai); era uma voz do subúrbio, mas tinha estima pelas instituições da capital; condenava a literatura acadêmica que considerava por demais oficial, mas tentou entrar na instituição por três vezes; era favorável às afirmações culturais negras, mas condenava o samba, o carnaval. Enfim, ele era muito Policarpo Quaresma; uma espécie de D. Quixote tropical."
Ao mesmo tempo, sua determinação em se firmar como escritor era constante - segundo Lilia, Lima fazia questão de se apresentar como tal, ainda que trabalhasse como amanuense (ou seja, um copiador de documentos) no Ministério da Guerra, do qual era funcionário público. Ele, porém, parecia desprezar a função pois, como observou Lilia em sua pesquisa, preferia ocupar o tempo fazendo anotações sobre sua obra no verso da documentação. Uma espécie de desabafo de geração. "É possível notar como ele usava seu tempo livre para escrever, e que não tinha qualquer apreço pela profissão. Por isso mesmo, era à literatura que se dedicava. Tanto que em seu diário confessou: "A literatura, ou me mata ou me salva"."
Basta observar, por exemplo, um trecho das anotações que deixou no verso do manuscrito de Policarpo Quaresma: "Era bom saber se a alegria que trouxe à cidade a lei da abolição, foi geral pelo país. Havia de ser, porque já tinha entrado na convivência de todos a sua injustiça originária. Quando eu fui para o colégio, um colégio público, à rua do Rezende, a alegria entre a criançada era grande. Nós não sabíamos o alcance da lei, mas a alegria ambiente nos tinha tomado. A professora, D. Tereza Pimentel do Amaral, uma senhora muito inteligente, creio que nos explicou a significação da coisa; mas com aquele feitio mental de crianças, só uma coisa me ficou: livre! livre! Julgava que podíamos fazer tudo que quiséssemos; que dali em diante não havia mais limitação aos progressistas da nossa fantasia. Mas como estamos ainda longe disso! Como ainda nos enleiamos nas teias dos preceitos, das regras e das leis!"
Lilia não acredita, portanto, que seja coincidência o fato de que, nas costas de seu romance mais importante - e evidentemente autobiográfico - ele desenvolva tal tipo de raciocínio e mostre como esse era um momento de desencanto: nostálgico. "Aí estava, como ele mesmo dizia, "a República que não foi"."
Em dois artigos que serão divulgados em publicações especializadas, a pesquisadora detalha a passagem do escritor pelo Hospício Nacional de Alienados, iniciada em 1914. A partir de análise dos prontuários arquivados na biblioteca do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Lilia observa que, apesar de escritor de certa fama, reconhecido como voz crítica e atuante, Barreto é registrado como um alienado sujeito ao delírio do álcool. "Tudo ao contrário do que era seu grande sonho: o de projetar-se como uma persona literária e um testemunho desses novos tempos."

"LIMA BARRETO E O DESTINO DA LITERATURA" do inglês Robert Oakley

Comentários Moisés Basílio: Quem me conhece sabe que sou um grande leitor e admirador da obra do Lima Barreto. Bela notícia a publicação do estudo literário do inglês Robert Oakley, não vejo a hora de ler esse trabalho. Axé meu irmão Lima Barreto e Parabéns pelos seus 130 anos de nascimentos, completados ontem, dia 13 de maio de 2011.

Fonte: Sítio do Jornal O Estado de S. Paulo, em 14/5/2011, http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110514/not_imp719052,0.php
Estudo inglês chega ao país
Robert Oakley, que trata do processo criativo do autor, critica sua fraca repercussão no exterior
Raquel Cozer - O Estado de S.Paulo
Os estudos barretianos no Reino Unido sou eu, sintetiza o britânico Robert Oakley, professor aposentado de português e espanhol da Universidade de Birmingham. Tradutor de Fernão Lopes para o inglês e estudioso de longa data da produção brasileira no século 20, ele teve um de seus mais destacados trabalhos, The Case of Lima Barreto and Realism in the Brazilian Belle Époque, lançado em 1998 pela nova-iorquina Edwin Mellen Press - e, de lá para cá, seu objeto de estudo não despertou muito mais interesse entre leitores de língua inglesa.
"Os textos de Lima Barreto são virtualmente desconhecidos por aqui, apesar de uma tradução muito boa de Policarpo Quaresma, publicada uns 25 anos atrás. A literatura brasileira é ensinada em universidades britânicas, mas Barreto não figura entre o limitado cânone de "grandes obras" dessa produção estudada no Reino Unido", diz Oakley ao Sabático por e-mail, de Londres. Ele próprio só tomou conhecimento da qualidade literária do autor ao terminar de ler Machado de Assis e se questionar sobre o que teria acontecido na literatura brasileira pós-Machado - questão que pôde responder após adquirir, num sebo carioca, os 17 volumes das Obras Completas de Lima Barreto.
Treze anos depois da edição em inglês, The Case of Lima Barreto... ganha tradução pela Unesp, "bem revisada e atualizada", como ressalta o pesquisador, sob o título Lima Barreto e o Destino da Literatura. O nome da edição brasileira refere-se a um dos últimos trabalhos de Lima Barreto publicados em vida, em fins de 1921, no periódico carioca Revista Souza Cruz. Intitulado O Destino da Literatura, o texto foi elaborado como teor de uma palestra que ele ministraria em meados daquele ano em São José do Rio Preto - o futuro do pretérito cabe aqui porque, no dia da conferência, o tímido escritor, que nunca havia falado a um grande público antes, desapareceu e foi localizado bem mais tarde num botequim, completamente embriagado.
Esse texto, que Lima Barreto produziu com base especialmente em ideias de Tolstoi (no ensaio O Que É a Arte) e Jean-Marie Guyau, serve como linha condutora do estudo de Oakley. A partir dele, o britânico analisa o percurso do processo criativo do ficcionista, tomando como referência também suas pouco investigadas leituras - entre as quais se destacam ainda Thomas Carlyle, Johann Gottlieb Fichte e Anatole France.
Essa costura entre influências e produção ficcional permite compreender a concepção de literatura do autor de Clara dos Anjos, para quem a beleza estética depende da "substância" da obra - em outras palavras, para Barreto a importância da literatura reside não na forma, mas no conteúdo. O destino da literatura, segundo seus preceitos, seria uma missão quase divina, de penetrar o sentido da vida e promover a solidariedade humana.
É fato destacado entre os críticos da obra barretiana que o autor nem sempre foi capaz de seguir à risca suas intenções literárias. Entre as teses que Oakley defende está a de que, apesar do compromisso inicial de Recordações do Escrivão Isaías Caminha com a criação do "negrismo" na literatura brasileira, essa cruzada foi relegada a segundo plano por muito tempo, enquanto questões como a fragmentação e a alienação do País chamavam mais a atenção do escritor. Do mesmo modo, apesar de uma "teimosa coerência", como define Oakley, na atitude de Lima ao longo dos anos, a análise de sua produção - em especial das três versões de Clara dos Anjos, de 1904, 1919 e 1921-22 - permite entender como seu engajamento literário sofreu transformações no decorrer da vida.

sábado, maio 07, 2011

A singularidade de Dona Ivone Lara nas palavras de Nei Lopes

Comentário Moisés Basílio: Nossa querida Dona Ivone Lara completou 90 anos de idade, motivo para mais uma boa reflexão de Nei Lopes. A questão proposta é a falta de fecundidade das escolas de samba nos últimos tempos como geradora de sambistas.
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo, 7/5/2011.

Ivone Lara, única e última

Autor: Nei Lopes
No último 13 de abril o mundo do samba celebrou os 90 anos da genialíssima Dona Ivone Lara. E a efeméride trouxe à baila mais uma intrigante questão. É que, desde o surgimento dessa grande dama no cenário artístico nacional, as escolas de samba nunca mais conseguiram elevar ao estrelato de nossa música popular nenhum outro artista oriundo de seu meio.
Comecemos por observar que nos anos 70-80, no Rio, muitos sambistas importantes surgiram. Mas embora alguns mantivessem ligações com escolas, a base de lançamento de quase todos foi um bloco, o Cacique de Ramos. E a visibilidade por eles alcançada não veio da "avenida", e sim de uma manifestação não carnavalesca do ambiente musical carioca: o "pagode de mesa".
Surgido como sinônimo de divertimento, patuscada, farra, o termo "pagode" ganhou, no Rio de Janeiro, a acepção de reunião de sambistas, em substituição a "roda de samba", denominação antes em voga. Realizado preferencialmente em torno de uma mesa, onde são servidas bebidas e comidinhas, esse tipo de reunião popularizou-se também como "pagode de mesa". E, daí, a partir dos encontros realizados no quintal do bloco Cacique de Ramos, o nome "pagode" passou a denominar, ao mesmo tempo, um estilo de interpretação do samba e um subgênero de canção popular.
A chegada desse novo estilo de samba ao mercado deu-se com as primeiras gravações do Grupo Fundo de Quintal e se consolidou a partir do lançamento em 1985, do LP Raça Brasileira. Nesse disco, aparecem, para o grande público, entre outros, o nome de Zeca Pagodinho. Privilegiando, também, a tradição do partido-alto, o estilo pagode colocou em destaque compositores e intérpretes como Almir Guineto, Arlindo Cruz, Jorge Aragão, Luiz Carlos da Vila e, mais tarde, o jovem Dudu Nobre.
Na segunda metade da década de 1990, o subgênero de canção rotulado como "pagode" pela indústria fonográfica, com as inevitáveis deturpações, diluições, e aproximações com o pop mundializado, colocou em evidência e tornou artistas bem remunerados vários jovens sambistas das periferias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Mas não guindou ao estrelato, pelo menos no Rio, nenhum artista ligado ao universo das escolas de samba.
Recuando no tempo, lembremos o esforço de Paulo da Portela (1901-49) no sentido da profissionalização do então chamado "samba de morro", num contexto em que o samba "do asfalto" já exercia hegemonia nos universos do rádio, do disco e dos direitos autorais, até mesmo, de certa forma, colonizando os autores das escolas. Apesar disso, e de outros fatores adversos, brilharam os hoje cultuados Cartola, Ismael Silva, Geraldo Pereira, Candeia, Monsueto, Zé Kéti, etc.
Em 1965, o legendário espetáculo Rosa de Ouro dava visibilidade aos sambistas Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Nelson Sargento, Nescarzinho do Salgueiro e Paulinho da Viola - então recém-ingressado na Portela. Três anos depois, um dos festivais da canção então em voga possibilitava o ingresso no meio artístico profissional, como cantor e compositor, do sambista Martinho da Vila, até hoje um grande nome de nossa música popular.
Na primeira metade da década seguinte, então, surge Ivone Lara, excepcional compositora e cantora, oriunda do núcleo fundador da escola de samba Império Serrano, quase ao mesmo tempo do ingresso de Leci Brandão na Mangueira. E isto, num momento em que já tinha "morrido" para a grande indústria do disco um dos maiores cantores populares do Brasil em todos os tempos, o também sambista Jamelão (1913 - 2008).
Como já dissemos em outra oportunidade, para nós, se não se mantivesse tão fiel ao universo das escolas, Jamelão talvez fosse, no final de sua trajetória, mais admirado, endeusado e mitificado do que apenas lembrado como "puxador", qualificativo que abominava.
A saga desse grande cantor à parte, o fato é que, hoje, entre os artistas mais prestigiados de nossa música popular surgidos após a década de 70, não há nenhum - mesmo entre aqueles completamente identificados com determinadas escolas e ardorosos defensores de suas cores - cujo sucesso tenha sido propiciado por atuação no seio de uma delas. E os que vieram depois, mesmo tendo conquistado alguma ascensão social e econômica como cantores, dançarinos, coristas, etc, só são efetivamente conhecidos, além do carnaval, no próprio círculo, que compreende casas de espetáculos e até outras escolas, em inúmeras cidades brasileiras.
O porquê, então, de as escolas não serem mais "celeiros de bambas" como blasonavam os sambas antigos, é um dos pontos a refletir nestes 90 anos da rainha Ivone Lara, única e última.