domingo, maio 12, 2013

ELENA E AS MINHAS HISTÓRIAS

POR MOISÉS BASÍLIO


Uma história puxa a outra. Semana passada o filme documentário Elena foi lançado em S. Paulo. Ouvi de orelhada os comentários gerais do filme no rádio do carro. Li também a manchete na página cultural do jornal que leio diariamente.  Depois minha filha Luanda comentou de passagem sobre o filme quando nos encontramos na piscina do Corinthians. Fiquei com o filme na cabeça. 

Com uma leve ideia do seria o filme fui ao cinema assisti-lo, assim que apareceu a oportunidade. Conforme o documentário ia passando na tela, a história contada pela diretora Petra Costa foi se misturando com as minhas histórias.  

Tem filme que tem essa capacidade de nos levar para dentro dele. Sempre fico em dúvida se é mérito do filme ou se é um mero acaso da história do filme se misturar com elementos da história de vida de quem está assistindo. 

Depois de ver o filme descobri que a diretora Petra Costa tem a mesma idade da minha filha, ambas nasceram em julho de 1983, anos finais da ditadura civil/militar brasileira. As duas são filhas de famílias de militantes políticos que lutaram contra a ditadura. A história que Petra Costa narra no documentário ecoa como a voz de uma geração depois da minha. 

O documentário é totalmente autobiográfico. A diretora não se furta em contar a sua história que é o desafio de encontrar um elo perdido de sua vida. Ao fazer o filme Petra Costa desvela um mito e se expõem publicamente, ou melhor, divide seu mito conosco. 

O filme de Petra Costa nos fala de perdas e de faltas doloridas. Repor o que foi perdido e e preencher o espaço da falta é o desafio que o viver nos impõe. Se não conseguimos, só nos resta o suicídio.

O suicídio foi um tema filosófico muito forte para a juventude dos anos 70 e 80. A história de Elena é uma história que partilhei com vários amigos e que vivi intensamente com um grande amigo, o Fábio, que também se suicidou em fins dos anos 80 encerrando uma vida de grandes embates políticos, afetivos e existenciais. 

Até hoje a perda e a falta do Fábio me questionam. Em qual esquina da vida meu amigo perdeu a esperança?
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Ficha técnica: fonte: http://www.itaucinemas.com.br/filme/elena 
Diretor: Petra Costa; Gênero: Documentário; Ano de produção 2012; Produção: Brasil; Distribuição: Espaço Filmes; Classificação Indicativa: 12 anos; Duração: 82 min Elenco: Elena Andrade
Sinopse: Elena viaja para Nova York com o mesmo sonho da mãe: ser atriz de cinema. Deixa para trás uma infância passada na clandestinidade dos anos de ditadura militar. Deixa Petra, a irmã de sete anos. Duas décadas mais tarde, Petra também se torna atriz e embarca para Nova York em busca de Elena. Tem apenas pistas. Filmes caseiros, recortes de jornal, um diário. A todo momento Petra espera encontrar Elena caminhando pelas ruas com uma blusa de seda. Pega o trem que Elena pegou, bate na porta de seus amigos, percorre seus caminhos. E acaba descobrindo Elena em um lugar inesperado. Aos poucos, os traços das duas irmãs se confundem, já não se sabe quem é uma, quem é a outra. A mãe pressente. Petra decifra. Agora que finalmente encontrou Elena, Petra precisa deixá-la partir. 

sexta-feira, maio 10, 2013

OS MAIS DE 800 OPERÁRIOS MORTOS EM BANGLADESH, O CAPITALISMO GLOBAL E A NOSSA CONSCIÊNCIA


COMENTÁRIOS MOISÉS BASÍLIO,

O texto de Greenwald e Hirsch e a imagem de Akter mostram a verdadeira face da economia global desse início do século XXI. 

E o que nós temos a ver com isso? Como já disse alguém certa vez, na história não há inocente. 
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A morte pela camisa que estamos usando

Mais do que a corrupção e as deficiências dos códigos de edificações, a exigência de custo baixo é a culpada pela tragédia em Bangladesh

Fonte: Sitio do Jornal O Estado de S. Paulo: 09 de maio de 2013 | 2h 01- O Estado de S.Paulo

Por Richard Greenwald & Michel Hirsch - Los Angeles Times
A morte de mais de 800 operários de uma fábrica de confecção instalada no Rana Plaza, em Bangladesh, que desabou no dia 24, é uma tragédia que coloca em foco os problemas generalizados existentes no setor global do vestuário. Mas será a faísca que finalmente produzirá as tão necessitadas reformas em âmbito global?
Depois de desastres como o de Rana ou o incêndio em outra fábrica de confecção - também em Bangladesh, em novembro -, a tendência é bancarmos o detetive e colocar a culpa em alguém, seja o proprietário do imóvel, a corrupção, as leis permissivas ou a fiscalização inexistente.
Artigos e artigos na imprensa concentraram-se em descobrir a prova definitiva, como se houvesse uma única causa - sem a qual os operários hoje estariam sãos e salvos. Ou então, a cobertura das tragédias é conduzida como se fossem desastres naturais, que despertam a compaixão pública até a atenção da sociedade voltar-se para o próximo incidente.
Sim, buscamos justiça. Mas no ímpeto de resolver o caso ou ajudar as vítimas nos recusamos a ver os verdadeiros culpados: a indústria global do vestuário e nós mesmos - pois somos cúmplices quando apoiamos ou ignoramos um sistema de comércio e terceirização do trabalho cuja finalidade é contornar regulamentos de todos os tipos, na busca do lucro máximo em detrimento das pessoas.
De acordo com Juliet Schor, professora de Sociologia do Boston College, o custo das roupas em dólares caiu 39% desde 1994.
Temos de nos perguntar até que ponto a nossa demanda por uma camiseta de US$ 5 e enormes descontos num jeans não são responsáveis por desastres como esses.
O que ocorreu em Rana foi comparado ao incêndio, em 1911, na fábrica Triangle Shirtwaist, em Nova York. Ambos os desastres ocorreram em fábricas de roupas e resultaram em muitas mortes (na Triangle, foram 146). O incêndio na fábrica de Nova York permaneceu na memória coletiva dos americanos e tornou-se um exemplo dos terríveis problemas de um país em fase de industrialização.
Lembramos do incêndio não em razão das mortes - uma vez que trabalhadores infelizmente morrem regularmente na indústria americana -, mas porque fomos forçados a confrontá-lo. Os trabalhadores do setor de confecção recusaram-se a retornar silenciosamente ao trabalho.
Seus protestos em massa e a cólera coletiva obrigaram os consumidores de classe média a encarar a própria culpa e juntos pleitearam mudanças políticas.
Com essas mudanças foram aprovados novos códigos de saúde e segurança, reformas nas leis trabalhistas e regulamentos modernos para uma indústria primitiva. Essas reformas iniciadas para os trabalhadores do setor de vestuário acabaram sendo adotadas para todos os trabalhadores em Nova York e fizeram do Estado um modelo para a nação.
O simples fato de tudo isso ter sido o resultado de trabalhadores exercendo seus direitos foi esquecido no relato da história da fábrica Triangle, ao passo que muita atenção é dada às portas trancadas com correntes ou às violações de códigos de edificações - que se tornaram um mito urbano e se desviam da verdade.
Naturalmente, não podemos ignorar a responsabilidade do proprietário da empresa ou do prédio - ou das autoridades locais. Mas se nos concentrarmos inteiramente neles vamos nos iludir em relação aos problemas de fato.
Em vários aspectos o setor do vestuário permanece inalterado desde 1911. Ele ainda é ferozmente competitivo, com margens mínimas. E ainda é dominado pelo sistema de terceirização.
Hoje as grandes lojas e marcas contratam a produção dos fabricantes porque elas não possuem meios próprios. então, as empresas contratantes terceirizam o trabalho para outras, reduzindo um pouco suas margens.
A distância entre a marca e os que fabricam a roupa é grande e com frequência desconhecida, oculta nos diversos estágios do processo. E cada fase depende da capacidade de contratação de mão de obra cada vez mais barata para aumentar os lucros. As localizações dessas fábricas mudaram, mas o sistema permanece.
Nossas roupas vêm de locais como Rana onde, como em 1911, o operário médio é uma jovem trabalhando em condições terríveis por um salário de fome.
Logo após o incêndio na Triangle Shirtwaist, durante um funeral, a sindicalista Rose Schneiderman levantou-se e discursou para a multidão. Suas palavras deveriam nos sensibilizar ainda hoje. "Toda semana fico sabendo da morte prematura de uma das minhas colegas de trabalho. Anualmente milhares são mutiladas. Por que a vida de homens e mulheres é tão barata e a propriedade tão sagrada? Existem tantos de nós para uma vaga que pouco importa se 146 morreram queimados. Nos ofereceram alguns dólares para as mães, irmãos e irmãs desolados, como se fosse um donativo, a título de caridade. Mas cada vez que os trabalhadores protestam da única maneira que conhecem contra as condições de trabalho insuportáveis, a mão forte da lei é usada para nos pressionar vigorosamente."
Rana deve ser tão importante para nós, no plano global, quanto o incêndio da Triangle. Deve nos forçar a acordar e, como consumidores, apoiar os trabalhadores que fabricam nossas roupas.
Temos a responsabilidade moral de exigir que as roupas de marcas que usamos não sejam costuradas com sangue. Se não fizermos nada e simplesmente esperarmos pela próxima tragédia, continuaremos culpados, como foi delatado por Rose Schneiderman em 1911. / TRADUÇÃO DE TEREZA MARTINO 
Richard A. Greenwald, Professor de História em Nova York, é  também autor do livro "Labor Rising: The Past and Future of Working People in América.
Michael Hirsch é jornalista e coprodutor do documentário da HBO "Triangle: Remembering the Fire"
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El último abrazo: el retrato de la tragedia en Bangladesh