terça-feira, agosto 11, 2009

“Conseguir uma educação de qualidade é possível, como demonstraram os muitos países que deram esse salto”

Comentários Moisés Basílio:
Mais um artigo sobre escola e avaliação escrito por um economista que publico aqui nesse espaço em agosto. A pauta de uma reforma educacional está na crista da onda na atual conjuntura brasileira.
Mas, qual a reforma educacional que se propõe? Aí não há consensos. Ainda teremos que debater por muito tempo, até formamos um pensamento de maioria para poder implementar as mudanças. Inclusive teremos que debater o sentido das atuais avaliações que estão sendo propostas, embora concorde com Castro que o atual sistema de avaliações é de suma importância para iniciarmos esse debate, com um grau maior de qualidade. Axé!


Fonte: VEJA 02/08/2009
Cláudio de Moura Castro é economista.

O próximo passo

É preciso entender que em educação, como em outros setores, há etapas a ser vencidas. Enquanto faltam escolas, construí-las tem um impacto fulgurante nas estatísticas. Mas essas escolas são apenas caricaturas se lhes faltam livros, equipamentos e professores. Suprir essas lacunas resulta também num grande salto na matrícula e na qualidade. O passo seguinte é ter professores minimamente preparados, uma administração central operante, currículos claros e não estar em greve todos os meses (seja de quem for a culpa). Esses aperfeiçoamentos trazem ainda bons frutos na qualidade e na deserção. Mas, daí para a frente, os erros e deficiências vão se tornando menos óbvios, as correções mais sutis e o seu impacto resvaladiço. As mudanças fáceis já foram feitas, restam aquelas politicamente mais conflitantes. Ou seja, mais se avança, mais difíceis se tornam os avanços subsequentes.

Faz algumas décadas, estávamos vergonhosamente distantes de países como Chile, Argentina e Uruguai – os menos ruins da América Latina. Na verdade, as matrículas eram inferiores às da Bolívia e do Paraguai. A um ritmo espantosamente rápido, conseguimos nos aproximar do nível de matrícula do Chile, da Argentina e do Uruguai. Nenhum outro país latino-americano avançou tão depressa nas últimas décadas. Não é pouca coisa. De fato, a partir da década de 90, acelera-se a expansão do nosso ensino, com a clara liderança dos estados mais prósperos. Crescem Minas, Rio Grande do Sul e Paraná, mais do que os outros. Norte e Nordeste permanecem travados. Mais para o fim da década, começam a avançar os retardatários. Ao fim do milênio, a universalização da matrícula é obtida. O desafio maior passa a ser a qualidade. Não obstante, tanto na matrícula quanto na qualidade, começamos a patinar, avançamos pouco ou estagnamos. Depois que fizemos o fácil, os próximos passos são mais árduos e de impacto mais diáfano.

A última rodada do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostra que começamos a encontrar problemas para avançar. Estacionaram estados tradicionalmente com melhores resultados, como Minas, Rio Grande do Sul e São Paulo. Em contraste, só avançam os estados do Norte, os mais atrasados. Ou seja, progridem apenas aqueles em que o mais simples ainda estava por fazer. Travam aqueles cujas falhas não estão mais em erros grosseiros, mas em desvios menos óbvios. Conhecemos os problemas. Precisamos lidar com muitos professores que apenas parecem ensinar, porque aprenderam em arremedos de faculdade. De fato, os professores não aprendem a dar aulas. Nos primeiros anos, seus alunos são cobaias. Não há prêmios para quem faz certo ou puxões de orelha para os incompetentes e negligentes. A administração é perfeita no papel, mas capenga na implementação. O currículo é para gênios ou é ambíguo – ou ambos. Em muitas redes educativas, a politicagem ainda não foi expulsa da escola. O tempo de classe é insuficiente na regra formal e ainda menor depois que se descontam feriados, festas, greves, atrasos e perdas de tempo de todos os tipos. E por aí afora. Para resolver esses problemas, não teremos sucesso sem pisar nos calos dos que resistem às mudanças.

Em resumo, é relativamente fácil chegar a uma educação medíocre para todos ou quase todos (embora isso nos tenha consumido cinco séculos). O grande problema é que hoje os números mostram estagnação da matrícula, evasão elevada – sobretudo no ensino médio – e qualidade sem avanços substanciais. O desafio é conseguir uma educação de qualidade. Que é possível demonstraram os muitos países que deram esse salto. Alguns são até mais pobres do que o Brasil, e quase todos os ricos eram mais pobres quando deram esse salto.

O grande trunfo do país é a existência de uma avaliação escola por escola. Prova Brasil, Ideb e Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) mostram exatamente onde estamos e quanto avançamos – que se calem os palpiteiros. Esperamos que essa avaliação indique os progressos a ser obtidos em um futuro próximo. Porque nunca houve tanta atenção e mobilização social em prol da nossa educação. Não podemos contar com reformas voluntaristas, frutos do idealismo e destemor de um ou outro. Somente uma exigência irrecusável da nossa sociedade será capaz de empurrar o sistema educativo para a frente e para enfrentar as mudanças politicamente penosas.

MASCULINISMO

Comentários Moisés Basílio:

Lá se ia o ano da graça de 1989, quando me deparei com uma cópia do Manifesto Masculinista, que me foi dada por um amigo da secretaria de formação da CUT de Minas Gerais, Geraldo Magela, durante o I Encontro dos Povos da Floresta em Rio Branco - Acre.

O texto da cópia já era uma versão mineira do original pernambucano que veio a público em 1985, mas nessa época não sabia de quem era a autoria do texto original. Fiz as devidas adaptações e copilei o texto à minha realidade paulistana e a partir do ano de 1989 distribui várias cópias desse texto por onde passei. Como um bom texto de humor e com alta dose de questões polêmicas, sempre proporcionou ampla discussões entre homens e mulheres.

Nos anos noventa perdi a última cópia que havia reproduzido e do manifesto só sobrou fragmentos em minha memória. Mas, outro dia fuçando na internet acabei achando a preciosidade no Blog do Marcelo Mario de Melo, que é o autor do texto original e pude me deliciar novamente com o esse e outros belos textos. Segue a seguir a minha adaptação do texto. Divirtam-se e ao mesmo tempo repensem seus conceitos e preconceitos. Axé!

Fonte: Blog de Marcelo Mario de Melo - Sempre à esquerda: Não ultrapasse pela direita. http://humorsempreaesquerda.blogspot.com/2008/09/manifesto-masculinista.html









MANIFESTO MASCULINISTA PAULISTANO

MELO, Marcelo Mario de. Edição do Autor, outubro de 1991, 3 mil exemplares. Capa, programação visual e editoração eletrônica, Paulo Santos. Revisão, Lamartine Morais. Impressão, Gráfica Pernambucana LTDA. – Observação: Texto compilado e adaptado à movimentação masculinista paulistana.

Cabecinha

Nas questões ligadas á discriminação e aos papéis sexuais, as mulheres já estão na sua, os homossexuais idem, os bissexuais também. E até machões se organizam esse solidarizam, como se viu no caso daquele cara que ferrou a mulher no rosto e teve o apoio da Associação dos Maridos Traídos, fundada no Ceará.
Todos os setores se mobilizam. E como ficamos nós, que não somos mulheres, nem homossexuais, nem bissexuais, e rejeitamos o modelo machista que nos é imposto desde criancinhas como a marca da masculinidade?

A resposta está no MASCULINISMO – uma movimentação crítico-autocrítica, reivindicativa, desfrutativa, solidarista e convivencial.
Sabemos que, de cartas de princípios e discursos generosos, a humanidade já está de sacos e ovários repletíssimos, colocamos os dedos nas feridas através de um manifesto e proclamamos, indicativamente, o que rejeitamos e pretendemos transformar para viver melhor.

Começo de Penetração
MMP – Movimentação Masculinista Paulistano.
Símbolos – o Pico do Jaraguá e o Obelisco do Ibirapuera
- Contra o terror machista;
- Contra a ditadura clitoriana;
- Contra o autoritarismo gay;
- E pela reconciliação do espermatozóide com o óvulo.
Renunciamos a todas as prerrogativas do poder machista.
Que omem seja escrito sem “H”
Não nos consideramos superiores, nem inferiores às mulheres, aos homossexuais e aos bissexuais: somos diferentes e iguais.
Rejeitamos todos os modelos pré-fabricados se sexualidade, caretosos ou vanguardeiros, partindo de três princípios:
1) carência não se inventa;
2) receita, somente de bolo;
3) vanguarda também é massa.
Somos solidários com qualquer saída ou entrada sexual que a humanidade venha inventar e curtir, desde que não haja imposição e violência.
Exigimos que se respeite a nossa opção fundamental e exclusiva: gostamos é de mulher.

Aprofundando a entrada
- Abaixo o guarda-chuva preto. Não somos urubus.
- Abaixo as exigências do paletó e da gravata.
- Contra o serviço militar obrigatório e exclusiva para homens.
- Contra o relógio-bolachão.
- Pelo direito de mijar sentado.
- Pelo respeito ao pudor masculino: mictórios privativos.
- Pelo amparo aos pais solteiros, abandonados pelas mulheres amadas desalmadas.
- Creches dos bares
- Queremos pensão por viuvez, auxílio-alimentação e licença-paternidade. Não amamentamos, mas podemos trocar fraldas.
- Contra o fechamento do mercado de trabalho aos homens. Queremos ser secretários, telefonistas, babás e tiüos de escolinha.
- Não queremos ser “chefes-de-família”, nem regentes sexuais. Igualdade fora e em cima da cama.
- Queremos transar mais por baixo.
- Queremos ser tirados pra dançar.
- Queremos ser cantados e comidos pelas mulheres.
- Pelo direito de dizer “não” sem grilos nem questionamentos da nossa masculinidade.
- Pelo direito de broxar sem explicação. Mulher também brocha. Aquele ou aquela que nunca brochou, atire primeira pedra.
- Abaixo a máscara da fortaleza masculina!
- Pelo direito de assumir nossas fragilidades.
- Pela liberação da lágrima.
- Proclamamos que nas coisas de coração e cotovelo todo homem é igual a qualquer mocinha.
- Abaixo o complexo de corno. Por que mulher não e corna? Fidelidade ou infidelidade recíproca.
- Cavalheirismo é cansativo e custoso. Delicadeza é unissex. Que seja extinto o cavalheirismo ou
se instaure, também, o damismo.
- Queremos receber flores.
- Pela igualdade de acesso homem/mulher, quando usa bermudas ou camisetas sem mangas.
- Queremos ser “primeiros cavalheiros”, com direito à Legião Assistencial competente, caso companheiros de prefeitas, governadoras e presidenta.

Empurradinha Final
- Exigimos a modificação do Pai Nosso: a) Pai e Mãe nosso que estais no céu...; b) Bendito o fruto do vosso ventre, do nosso sêmem.
- Pela capacitação dos homens, desde a infância,para as tarefas tidas como “essencialmente femininas”. Reciclagem geral. Queremos aprender corte e costura, culinária, cuidado de crianças, etc. em contrapartida, ensinaremos ás mulheres: trocar pneu de carro, bujão de gás, lâmpada e fusível; dar porrada, atirar e espantar ladrão; matar barata e rato.
- Pela paternidade de responsável e contra a gravidez e os filhos serem utilizados como elementos de chantagem sentimental sobre nós.
- Pelo respeito á intuição masculina.
- Denunciamos a utilização depreciativa das expressões “cacete”, “caralho”, “pra cacete”, “pra caralho”. Exigimos que cada um ou cada uma se posicione: cacete/caralho é bom ou não é? Se é bom, respeitem como ao seu pai ou à sua mãe.
- Protestamos contra o fato do nosso órgão do amor ser representado por espadas, canhões, porretes e outros instrumentos de agressão e guerra. Só aceitamos a simbolização a parir de
coisas gostosas e sadias: chocolates, biscoitos, bananas, picolés, pirulitos, etc.
- Denunciamos como principais vias condutoras do machismo: as vovozinhas cândidas, as mulherzinhas dondocas, as mãezinhas possessivas e as professoronas assexuadas.

Orgasmo Total
Consideramos que muitos masculinistas trabalham dois expedientes, estudam e freqüentam um milhão de reuniões e eventos, sem falar das poligamias possíveis, não iríamos incorrer na atitude fascistóide de inventar mais uma reunião pra a comunidade masculinista. Portanto o nosso princípio de organização é o seguinte: grupos de um e cada grupo obedece a seu chefe. Assembléias gerais com ego, id e superego. Voto de minerva para ego.
Convencidos de que a perfeição não é uma meta e é um mito, procuramos fazer um esforço no sentido de romper com 70% do nosso machismo atual e acrescentar sempre novos itens neste Manifesto, aceitando a contribuição crítica e propositiva de todos os masculinistas e outros segmentos sexuais, preservada a nossa opção fundamental e exclusiva pelas mulheres.
Denunciamos os machões enrustidos que, utilizando o discurso masculinista, pretendem, apenas, dar os anéis para não perderem os dedos. Recuam em 30% de machismo para manterem os 70%. É o neoliberalismo do machismo.
Somos todos oprimidos. E sendo os homens, estaticamente, minoritários diante das mulheres. Nós, homens masculinistas, sofremos a pressão dos machões, das feministas sectárias e dos homossexuais autoritários mais oprimida. Requeremos, portanto, o apoio extremo e a solidariedade máxima por parte da sociedade inservil.

Tirando de Dentro
Com o objetivo de recolher elementos críticos, este Manifesto foi enviado ao Movimento dos Machões-ões-ões, à Federação das Feministas-Istas, Istas, e a Irmandade dos Homossexuais-Ais-Ais, infelizmente, somos obrigados a publicá-lo sem os pronunciamentos destas entidades, devidos aos contratempos que as atingiram.
No Movimento dos Machões-ões-ões, o presidente tinha ido a um motel com moça e brochado pela primeira vez. Entrou em profunda crise psíquica e foi internado na clínica psiquiátrica mais próxima, depois renunciar o mandato. Na diretoria do MMOO irradiaram-se a insegurança, as brochações e internações generalizadas, não havendo clima para a discussão do nosso Manifesto.
Na Irmandade dos Homossexuais-Ais-Ais, a maioria dos diretores conjugava o verbo na voz passiva e, nas transas de sexta para sábado, só topou com parcerias que tinham ejaculações precoce, instalando-se, também aí, um clima impropício aos eventos analíticos.
Na Federação das Feministas-Istas-Istas chegou a ser convocada e iniciada a reunião, mas, quando o Manifesto ia ser lido e debatido, irrompeu de surpresa na sala uma grande barata, que subiu pelas pernas da presidente e voou sobre a mesa. Predominando o subconsciente tradicional, houve correria e pânico generalizado – e a Movimentação Masculinista Paulistana deixou de contar com mais essa contribuição.


Educação Básica no Brasil - Livro faz avaliação

Comentário Moisés Basílio:
Olha aí, mais um leva deeconomistas dando pitacos sobre educação. Segue também uma entrevista com o organizador do livro, o economista Fernando Veloso. Não tenho nada contra aos economistas estudarem educação e opinarem, mas o problema é que eles são arrogantes demais e querem ensinar o pai nosso ao vigário. Mas, não sejamos preconceituosos. Vamos ler o livro assim que for lançado. Axé!


Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo - 10/8/09

"É preciso avaliar as escolas e cobrar''


Fernando Veloso: economista e doutor pela Universidade de Chicago; Organizador de livro sobre a educação básica no País, ele vê avanços na área e continuidade entre os governos FHC e Lula

Fernando Dantas, RIO

Um livro sobre educação básica escrito por economistas, com dados objetivos e análises científicas, traz uma notícia boa: assim como a economia deslanchou em 2004, dez anos depois do Plano Real, a qualidade da educação básica no Brasil pode estar no limiar de um gradual processo de melhora.

Quem resume essa mensagem é o economista Fernando Veloso, doutor pela Universidade de Chicago e principal organizador de Educação Básica no Brasil - Construindo o País do Futuro, coletânea de artigos assinados por uma impressionante equipe de acadêmicos - entre eles o Prêmio Nobel de Economia James Heckman. Por trás dos embates entre petistas e tucanos, Veloso enxerga uma linha de continuidade nos governos de Fernando Henrique e Lula, interrompida apenas brevemente no início do primeiro mandato do atual presidente.

Para Veloso, o Brasil construiu um arcabouço de avaliação do ensino básico, a partir de meados dos anos 90, que teve momentos decisivos com a criação da Prova Brasil - o exame para todos os alunos das escolas públicas ao fim da 4ª e 8ª séries - em 2005 e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em 2007. Ele vê na política educacional um tripé de responsabilização, competição e autonomia, que compara ao tripé de câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal que deu a base para a continuidade da política econômica.

Os resultados devem aparecer lentamente, diz ele, em experiências como a concessão de prêmios para escolas bem-sucedidas em Estados como São Paulo e Pernambuco e no município do Rio. E esta é apenas uma de diversas maneiras de melhorar a qualidade da educação básica, o que se consegue apenas com um lento e difícil processo de tentativa e erro, que deve estar sempre escorado na avaliação e na cobrança de resultados.

Qual o objetivo do livro?

A educação é importante em várias dimensões - salário, crescimento econômico, participação política, para reduzir a criminalidade. E há um diagnóstico no Brasil de que a educação é ruim. Então a ideia é discutir o que se pode fazer para melhorar a educação básica, em particular a qualidade, mas olhando a experiência internacional e com base em dados empíricos. Daí surgiu a ideia central de que melhorar a educação é um processo. O livro não tem propostas simples, porque elas não existem.

Mas, então, de onde se parte?

É um processo, mas há elementos comuns nas experiências bem sucedidas. Elas utilizam diagnósticos baseados em dados; a partir daí, são elaboradas as políticas, com um papel central para a avaliação. Com avaliação, os erros são corrigidos. No fundo, é um aprendizado. E a avaliação é a forma de fazer esse aprendizado avançar.

O Brasil já trilha esse caminho?

Desde o governo Fernando Henrique há um processo para melhorar a educação. Várias políticas educacionais implementadas naquela época, como a ênfase na avaliação, tiveram continuidade, embora esse processo não tenha sido linear - no início do governo Lula, parecia que o enfoque no ensino básico seria perdido, com atenção maior ao ensino superior. O marco inicial da retomada foi a criação da Prova Brasil, com Tarso Genro como ministro. Mas foi na gestão de Fernando Haddad que se consolidou o sistema de avaliação. Foram várias ações, como a tentativa de substituir o vestibular com a utilização do Enem, ou a criação em 2007 do Ideb.

Qual a importância da Prova Brasil e do Ideb?

A Prova Brasil é um avanço, porque é um exame censitário. Em vez ser por amostra, ela é aplicada para todas as escolas públicas da 4ª e 8ª série. Essa mudança foi fundamental porque permitiu não apenas se fazer um diagnóstico geral, mas também avaliar cada escola pública. A importância desse passo é que todas as políticas bem sucedidas de melhoria da educação se baseiam na ideia de responsabilização. O Ideb combina os resultados da Prova Brasil com um índice de aprovação, que penaliza evasão e repetência.

Por que a responsabilização é tão crucial?

É preciso responsabilizar pais, professores e gestores pelos resultados dos alunos. Caso contrário, vira um jogo de empurra. É preciso atribuir responsabilidades para poder cobrar. Essa cobrança se tornou possível com a Prova Brasil e o Ideb, e tem suas origens no governo de Fernando Henrique, com medidas como a reformulação do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica). De forma análoga à política econômica, que envolve o tripé de metas de inflação, responsabilidade fiscal e câmbio flexível, na educação foi construído um arcabouço que permite avançar: um tripé composto por responsabilização, competição e autonomia, com a avaliação como um elemento central.

Qual o papel da autonomia e da competição?

A competição pode existir quando há uma medida de resultado no critério de distribuição de recursos para escolas. Pode ser o número de alunos ou a nota da escola na avaliação. A autonomia da escola é muito importante nas experiências internacionais bem sucedidas. É análoga à autonomia do Banco Central: a sociedade fixa os objetivos das escolas, mas a forma pela qual se atinge as metas deve ficar a cargo do gestor.

Por que assim é melhor?

Porque ninguém sabe melhor do que a própria escola quais são seus problemas. É preciso autonomia para que quem está na ponta seja capaz de identificar problemas e resolvê-los. Houve descentralização e municipalização, que aumentou o acesso à escola, mas não deu o resultado esperado em termos de melhora da qualidade. Porque não basta dar poder ao município - este poder de alguma forma tem de chegar à escola. A escola é muito amarrada: não pode demitir, tem dificuldade de contratar, tem muito pouca liberdade em termos curriculares, muitas vezes o diretor é indicado por razões políticas. Não se pode atribuir uma responsabilidade para a escola para melhorar o resultado sem dar os poderes para que ela efetivamente faça mudanças.

Como lidar com a questão do professor na melhora da educação?

É preciso ter um mecanismo para separar o bom professor do mau professor. O salário uniforme premia tanto o bom quanto o mau. E os critérios de promoção normalmente usados nas escolas, que são muito baseados em experiência ou formação, não são capazes de discriminar o bom do mau.

Todas as pesquisas internacionais mostram que simplesmente aumentar a experiência ou mesmo melhorar a formação do professor não melhora automaticamente o resultado. A relação com os resultados é muito frágil. A razão é simples: o bom professor é aquele que consegue motivar o aluno, cativá-lo para a transmissão conhecimento. Ele precisa de uma habilidade específica. A boa formação ajuda, mas é mais do que a boa formação. Todos estes sistemas que tentam premiar bons professores são uma forma de se lidar com isso. A demissão é outra forma, à qual sou favorável, mas que deve ser abordada com cuidado. A intenção não é simplesmente culpar o professor pelo resultado do aluno. Muitas vezes o resultado do aluno é ruim não tanto porque o professor é ruim, mas sim porque o aluno tem uma formação pior.

Quando vão aparecer os sinais de melhora na qualidade da educação?

Acho que plantamos as sementes. As iniciativas começam a ser tomadas, mas são todas muito recentes e vão levar algum tempo para amadurecer. Os Estados de São Paulo, Pernambuco, Minas e o município do Rio estão criando sistemas de avaliação onde são concedidos prêmios para as escolas em função dos resultados dos alunos. Infelizmente, como na política econômica, também na educação as grandes reformas demoram a dar resultado. O que sabemos no Brasil ainda é muito caso a caso. Sabemos de algumas escolas que deram certo, e outras que não, e conseguimos de certa forma saber que características têm as escolas que deram certo. Há escolas no interior do Nordeste, por exemplo, que melhoraram muito o desempenho educacional em circunstâncias socioeconômicas desfavoráveis. O que essas experiências já conseguem mostrar é um pouco o que o livro retrata: o que dá certo é mensurar o tempo todo os resultados dos alunos, e envolver continuamente os professores nesse processo de melhorar a qualidade, assim como a comunidade e os pais. O princípio é muito simples: é preciso cobrar.

Melhorar a educação depende de gastar mais dinheiro?

A experiência mostra claramente que simplesmente colocar dinheiro na escola não resolve. Porque o que é principal é ter os incentivos corretos. Se os professores da escola e o diretor não se preocupam com o resultado dos alunos, simplesmente jogar dinheiro na escola não vai melhorar o desempenho.

Isso não quer dizer que dinheiro não seja importante. Várias das experiências que funcionam envolvem recursos adicionais. O ponto é que o dinheiro tem de ser colocado nas intervenções que efetivamente funcionam. Se há intervenções que são mensuráveis, que estão dando resultados, acho que é inteiramente legítimo colocar mais recursos nelas. O que não funciona é colocar recursos indiscriminadamente nas escolas sem nenhuma preocupação com o resultado.

MARTIN CARNOY - Uma entrevista polêmica

Comentários Moisés Basílio:
A entrevista é polêmica, pois o Carnoy não tem travas na língua e seguindo uma tendência atual dos governantes e da grande imprensa, lasca o cacete nos professores "tupiniquins", a torto e a direito, e os responsabiliza diretamente como os grandes vilões do fracasso da escola no país.


A torto e a direito em minha opinião, depois de ler a sua entrevista, pois ele toma como base seus estudos comparativo entre as escolas de Cuba, Chile e Brasil em termos de aprendizagem. Não conheço o seu trabalho, mas por algumas ideias expostas nessa entrevista, é um estudo que merece questionamentos.


O primeiro é saber o que entende o Carnoy por aprendizagem. Seu discurso associa recorrentemente como símbolo de aprendizagem o bom desempenho na disciplina de matemática. É um discurso que se envereda pelo caminho de que aprender é uma via de uma só mão, no sentido de que um professor que dominasse uma técnica de ensinar com certeza conseguiria fazer o aluno aprender. Não é à toa que cita que Paulo Freire é um mero enfeite para a formação do professor, pois para Carnoy o que importa para o professor é dominar uma técnica de ensinar.


Uma segunda ordem de questionamentos seria o de buscar entender o que se ganha centralizando a causa principal do fracasso escolar na figura do professor. A que concepção de educação escolar essa análise está vinculada? E que consequências trariam para a educação se políticas públicas forem traçadas tendo como base essa visão? Como professor sinto um frio na barriga ao me deparar com análises que seguem essa linha do Carnoy. Não que seja um cego e corporativo defensor do magistério, mas porque é uma visão que engessa a prática docente. Muitos professores talvez gostariam desse cabresto proposto pelo Carnoy, pois sua receito é simples. Façamos um currículo nacional - com muita matemática de preferência - e depois treinemos amiúde os professores e pronto, nosso ensino irá melhorar. Fácil não!


Uma terceira ordem de questionamentos parte do ditado baiano que diz que é bem melhor "cada macaco no seu galho". Por que razão todo mundo quer dar palpite na educação? Médico, políticos, jogador de futebol, cantor, ator, jornalista, economista etc., todos tem a solução para a educação. Professores, educadores e pedagógos nada entendem de educação. É um pouco preconceituoso essa linha de questionamento, mas também é um abuso esse tal de Carnoy, no Brasil, dar uma entrevista a um jornal do brasileiro e dizer em alto e bom tom, que estudar Paulo Freire é mero exercício intelectual e não tem praticidade para o ensino. Desculpem-me, mas só pode ser ideia de economista americano.


Por fim, não desconheço que os professores brasileiros precisam ter uma melhor formação inicial e também uma melhor formação continuada, o que não dá para engolir é que isso seja a causa principal do fracasso escolar atual no Brasil. Axé!



Fonte: Jornal Folha de S. Paulo - 10/08/2009
"Professores brasileiros precisam aprender a ensinar"

Para economista, é preciso supervisionar o que ocorre na sala de aula no Brasil; problema também afeta escola particular

Letícia Moreira/Folha Imagem

Martin Carnoy durante entrevista em São Paulo sobre estudo em que compara os sistemas de educação do Brasil, Chile e Cuba

MARIA CRISTINA FRIAS
ROBERTA BENCINI
DA REPORTAGEM LOCAL

"POR QUE alunos cubanos vão tão melhor na escola do que brasileiros e chilenos, apesar da baixa renda per capita em Cuba?" A pergunta norteou estudo do economista Martin Carnoy, professor da Universidade Stanford, que filmou e mensurou diferenças entre atividades escolares nos três países. No Brasil, o professor encontrou despreparo para ensinar e atividades feitas pelos alunos sem controle. "Quase não há supervisão do que ocorre em classe no Brasil."
Para ele, o problema também atinge a rede particular. "Pais de escolas de elite pensam que estão dando ótima instrução aos filhos, mas fariam melhor se os colocassem em uma escola pública de classe média do Canadá." Carnoy sugere filmar o desempenho dos professores. "Não basta saber a matéria. É preciso saber como ensiná-la." Ele esteve no Brasil na semana passada para lançar o livro "A Vantagem Acadêmica de Cuba", patrocinado pela Fundação Lemann.

FOLHA - O que mais chamou a sua atenção nas aulas no Brasil?
MARTIN CARNOY
- Professoras contratadas por indicação do secretário de Educação do município, que dirigem a escola e vão lá de vez em quando; 60% das crianças repetem o ano, e professoras pensam que isso é natural porque acham que as crianças simplesmente não conseguem aprender. Fiquei impressionado, o livro [didático usado na sala de aula] era difícil de ler. Precisaria ter alguém muito bom para ensinar aquelas crianças com ele. Ficaria surpreso se qualquer criança conseguisse passar [de ano]. Vi escolas na Bahia, em Mato Grosso do Sul, em São Paulo, no Rio... [entre outros].

FOLHA - Qual a metodologia do estudo?
CARNOY
- Como economista, usei dados macro para explicar as diferenças entre os países nos testes de matemática e linguagem. Fizemos análises com visitas a escolas e filmamos classes de matemática e analisamos as diferenças entre as atividades em classe. Há uma grande diferença, pais cubanos têm renda baixa, mas são altamente educados, em comparação com os do Brasil. O estudo foi finalizado em 2003 e depois comparamos Costa Rica e Panamá. Na Costa Rica, há coisas engenhosas, aulas com duas horas, em que se pode realmente ensinar algo. Supervisionar a resolução de problemas de matemática e, principalmente, discutir resultados e erros. Os alunos cubanos têm aulas acadêmicas das 8h às 12h30. Depois, almoço. Voltam às 14h e ficam até as 16h30, quando têm uma sessão de TV por 40 minutos. A seguir, artes e esportes, mas com o mesmo professor.

FOLHA - Ter o mesmo professor durante quatro anos (como os cubanos) é uma vantagem?
CARNOY
- Quatro anos, pelo menos. Mas os alunos não mudam de um ano para outro. No Brasil, se alunos e professores mudam muito de escola, como fazer isso? Se a ideia é tão boa, se funciona, deveríamos fazer algo para que pelo menos professores não mudassem tanto.

FOLHA - Qual a sua avaliação sobre a proposta da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo que vincula o aumento de salário à permanência do professor na mesma escola e à aprovação em testes?
CARNOY
- Sugeri ao secretário Paulo Renato que acrescentasse um teste: filmar o professor, como no Chile. Professores de outra escola avaliam os videoteipes. Professores podem ser bons nos testes, mas péssimos para ensinar. Se você tiver um professor experiente que foi bem ensinado a ensinar e teve um bom desempenho com os alunos, a diferença é visível em relação a uma pessoa sem experiência, como eu. Profissionais que viram as fitas disseram que há grande diferença entre o professor cubano e o brasileiro.

FOLHA - A Secretaria da Educação pretende oferecer curso de treinamento de professores de quatro meses. Em Cuba, dura 18 meses, para o nível médio. O que é importante num treinamento?
CARNOY
- [Em Cuba] São oito meses para a escola fundamental. Mas são para os professores que não foram à faculdade. Você deve se lembrar que houve escassez de professores, com o incremento do turismo, que atrai pelo pagamento em dólares. Tiveram de produzir muitos professores, muito rapidamente. Então, pegaram os melhores estudantes do ensino médio e lhes ofereceram cinco anos de universidade nos finais de semana. O que é importante nesses cursos de treinamento é ensinar como dar o currículo, como ensinar matemática. O Estado deve estabelecer padrões claros, como na Califórnia. Isso é o que tem de ser ensinado em matemática no terceiro ano. No Chile, há um currículo nacional, mas não ensinam aos estudantes de pedagogia como ensinar o currículo.

FOLHA - O sr. dá muita importância ao diretor...
CARNOY
- E também à supervisora, que em muitas escolas no Brasil não fazem nada, não entram em sala. Em Cuba, diretores e vice-diretores ou supervisoras assistem às aulas. Nos primeiros três anos de serviços de um professor, eles entram muito, ao menos duas vezes por semana. São tutores que asseguraram que a instrução siga o método e o nível requeridos pelos padrões estabelecidos.

FOLHA - Os bônus a professores, como ocorre no Estado de São Paulo, são um bom caminho?
CARNOY
- Não há boas evidências de que esse sistema de estímulo funciona. O modelo usado em São Paulo, em que todos os professores ganham mais dinheiro se a escola atingir a meta, pode funcionar. Tentaram isso na Carolina do Sul, no final dos anos 80. Foi um grande sucesso por poucos anos e, depois, deixou de sê-lo porque não houve mais melhora. Eles só atingiram um certo limite e não conseguiram mais progredir. Há o efeito inicial do esforço e depois, quando as pessoas têm que saber melhor como aprimorar o desempenho dos alunos, nada acontece. E não existe mais na Carolina do Sul. O que tem sido feito, em geral, nos EUA não é bônus, mas punição. Se a escola fracassa em atingir a sua meta em três anos, como na Flórida, os estudantes podem receber vouchers e frequentar escolas particulares, em vez de públicas. A forma como estão fazendo em São Paulo não é a melhor. Eles medem neste ano como a segunda série aprende e, no próximo, quanto a segunda série aprende. Mas não os mesmos alunos. Escolas pequenas têm mais chance de receber bônus do que grandes. Se a escola cai, não há punição. Só não recebe bônus. Não estou defendendo punição, só digo que eles [bônus] são mal mensurados. Você pode fazer como em São Paulo, mas não dar bônus todo ano, e sim a cada dois anos. E aí poderá ver o que se ganhou com os alunos que se mantiveram na escola e ter as médias, mas com as mesmas crianças através das séries. O problema da falta de professores é mais grave porque é sobretudo um absenteísmo autorizado, não é ilegal. Em Cuba, professores e alunos faltam pouco. É tudo controlado.

FOLHA - Melhorar o ensino público provocaria uma avanço na educação como um todo, inclusive nas escolas particulares?
CARNOY
- Pais de escolas de elite pensam que estão dando ótima instrução aos filhos, mas fariam melhor se os colocassem em uma escola pública de classe média do Canadá. Mesmo os melhores docentes brasileiros são menos treinados do que os de Taiwan. Os melhores professores no Brasil têm em média desempenho abaixo da média do professorado de países desenvolvidos. Investir e melhorar a escola pública, que é a base de comparação dos pais, elevaria o resultado das melhores escolas particulares também. Professores são bons em pedagogia, mas não no conhecimento a ser ensinado. Não treinam muito matemática e não sabem como ensiná-la.

FOLHA - O que do modelo cubano não pode ser transposto considerando que Cuba vive sob ditadura?
CARNOY
- Há, de fato, uma falta de criatividade [no ensino]. Não se pode questionar, ser contra a Revolução. Mas as crianças sabem que estão aprendendo o esperado. São bons em matemática, sabem ler bem e aprendem muita ciência, mesmo nas escolas rurais ou de bairros urbanos de baixa renda. O Brasil tem a capacidade de enfrentar esses problemas [ter crianças bem nutridas, com bom atendimento médico]. Por que em uma sociedade com uma renda per capita que não é tão baixa não se faz isso? Acho que tem de ser construído um sistema de supervisão, com pessoas capazes de ensinar e treinar novos professores a ensinar. Os professores no Brasil estudam muito linhas de pedagogia e menos como ensinar. Podem esquecer tudo aquilo de Paulo Freire, um amigo. Devem ler sua obra como exercício intelectual, mas queremos que professores saibam ensinar.

FOLHA - Não é possível conciliar na América Latina bom ensino com autonomia, democracia?
CARNOY
- A melhor escola é a que tem professores com democracia. Mas temos de ter um acordo de quais são os nossos objetivos. Tony Alvarado é um supervisor em Manhatan que trocou metade dos professores e dos diretores para melhorar a qualidade das escolas. Ele disse aos professores: "Este é o programa. Vão implementá-lo comigo ou não? Têm uma semana para pensar. Se não quiserem, são livres para sair".

FOLHA - No Brasil seria mais difícil...
CARNOY
- Seria muito mais fácil! Um quarto do professorado muda de escola todo ano! Em Nova York, não se demitiu. Alvarado mandou-os para outros bairros. Precisa, no início, de um certo autoritarismo. Porque alguém tem de dizer o que fazer no início. E depois, sim, há uma democracia. Os diretores devem se preocupar com os direitos das crianças. Em Cuba, é o Estado. Aqui, os sindicatos de professores preocupam-se com os direitos dos associados - e estão em certos em fazê-lo. Mas e as pobres crianças que não têm sindicatos para defender seus direitos à educação?