domingo, outubro 06, 2013

VIRGEM COM MENINO, SÃO JOÃO BATISTA CRIANÇA E O ANJO (1500-1510)

Por Moisés Basílio






















Fonte: Para saber mais sobre essa obra do MASP - http://masp.art.br/servicoeducativo/assessoriaaoprofessor-abr08.php 




Segue a madona com o menino
De mãos dadas com João Batista
Ao lado o anjo não perde de vista
Com suas asas guarda o caminho.

Ao fundo o negro corvo, passarinho.
Espreita a lagarta como uma isca
Na tela retrata, Cosimo, medível artista
Metamorfose e morte,  flor e espinho.

O broto que nasce anuncia ao mundo
Que o amor é maior que tudo
E o céu azulado neste instante é profundo.

Correm as águas no vale de nossas andanças
Colinas erguem-se altas e intransponíveis
Mas, o menino nos acena com esperanças.


sábado, julho 13, 2013

A COMPOSIÇÃO SUPREMA - SOBRE A PEÇA "AH, A HUMANIDADE! E OUTRAS BOAS INTENÇÕES

Por Moisés Basílio 
Provavelmente Buffalo Soldiers, Acampamento Wikoff de 1898 - durante a guerra hispano-americana, National Archives and Records Administration Guerra



Dois atores, interpretando uma dupla de fotógrafos, entram em cena com suas máquinas fotográficas em punho. Enquanto um ajeita os equipamentos, o outro prepara a iluminação. Em seguida os dois se dirigem para o público e convida para participar de uma sessão nada comum de foto, uma composição suprema. 

A proposta feita ao pública é a reprodução teatral de uma antiga foto de um batalhão durante a guerra Hispano-Americana-Cubana em 1898, que levou à Independência Cubana. Um dos fotógrafos diz que tem a referida imagem e mostra ao público. Mas, ao reparar melhor percebe que não é imagem de que está falando e vai revirar suas pastas para encontrar a bendita foto de que se quer fazer uma reprodução nessa noite. 

Não encontra e o remédio é narrar em detalhes a referida foto e procurar contextualizá-la com o intuito de criar as condições adequadas para que o público possa representá-la diante das câmeras novamente. 

Uma primeira indagação: Em que momento do dia a foto foi tirada? Pela luminosidade será que foi pela manhã ou pela final da tarde? Preparando-se para um combate, ou vindo de um combate? Vejam os olhares, as posições dos corpos, as reações possíveis. Pois o objetivo é fazer um foto para entrar na história. 

Esse é o contexto inicial de uma das cincos curtas peças de "Ah, A Humanidade! E Outras Boas Intenções", do norte-americano Will Eno. O texto nos leva a interagir com os personagens de um forma crescente. Fui cada vez mais me sentindo dentro do contexto daquele momento terrível da guerra e dentro dele encontrando por um instante um gesto humano, registrar numa imagem essa composição suprema. Confesso que entrei no clima e fiz a minha pose para o retrato imaginário. 

Depois do teatro, já em casa, fui em busca de uma foto que se assemelhasse com o narração do texto do Eno. E não é que encontrei algo surpreendente. Não sei se é a mesma que inspirou o autor, mais cheguei nessa que reproduzo acima do batalhão de soldados negros norte-americanos, que num contexto de segregação racial, deixaram suas marcas na história do povo norte-americano. 

Quem quiser saber mais sobre os Buffalo Sodiers veja em:  http://www.history.army.mil/documents/spanam/BSSJH/Shbrt-BSSJH.htm 
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PEÇA: Ah, A Humanidade! E Outras Boas Intenções
Composto por cinco peças curtas, o espetáculo revela um micro-universo de personagens comuns em circunstâncias extraordinárias. Expostos em suas condições frágeis, cômicas e humanas, estes personagens enfrentam uma coletiva de imprensa, uma gravação de vídeos para uma agência de encontros, o pronunciamento de uma companhia aérea após um trágico acidente e a reconstituição de uma fotografia de Guerra.
 Texto: Will Eno. Tradução e Direção: Murilo Hauser. Concepção do projeto: Guilherme Weber e Murilo Hauser. Com Celso Frateschi, Érica Migon, Guilherme Weber e Renata Hardy.

Teatro Anchieta - Até o Final de Julho 2013. 


quarta-feira, julho 10, 2013

HANNAH ARENDT, O FILME

Por Moisés Basílio

O filme da diretora alemã Margarete Von Trotta é um convite a mergulhar no tempo durante seus cento e treze minutos de exibição.  Um mergulho num tempo denso do pensamento, onde as ideias que fluem das ações de Arendt na velocidade média de vinte e quatro quadros por segundo, interagem com nossos olhos, ouvidos, coração e mente.

Não é um filme só para assistir, mas um filme que nos convida a interagir. Quase ao final do filme a atriz Barbara Sukowa, também alemã, com uma bela interpretação no papel de Arendt, ao sintetizar sua opinião sobre o nazista Adolf Eichmann, o pacato personagem que por ironia do destino entra para a história, diz de forma reflexiva: "O maior mal do mundo é o mal cometido por ninguém. O mal cometido pelos homens sem motivo ou convicção, sem um coração perverso ou palavras demoníacas é o que eu chamo de banalidade do mal". 

Ao ouvir essas palavras lembrei-me dos versos do moço Geraldo Vandré: "Há soldados armados, amados ou não. Quase todos perdidos de armas na mão. Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição: De morrer pela pátria e viver sem razão." Nesse versos de 1968 Vandré traça a metáfora do homem burocrata, que não pensa e segue stricto sensu uma ideologia dominante qualquer e nela justifica sua prática. 

Arendt viveu a experiência que é o enredo desse filme no ano de 1961 quando se aventurou a cobrir como repórter e pensadora da revista New Yorker o julgamento do nazista Eichamann, capturado pela policia secreta do Estado de Israel na Argentina e levado a julgamento em Jerusalém. O problema é que durante o julgamento o grande vilão vai se revelando um Eichmann pequeno, pacato, longe da figura de um Menfistófeles, apenas um ordinário burocrata a serviço da lei, um sujeito que não pensa, só age a mando do sistema nazista que hegemonizava ideologicamente o Estado Alemão. 

Aqui reside o ponto alto da questão proposta por Arendt. O vilão que é levado a execração pública promovida pelo Estado sionista é uma farsa. Mas é preciso julgar alguém, por a culpa e lavar a honra do povo judeu. Como não dá para julgar num tribunal sionista o Estado alemão nazista e sua ideologia, em seu lugar é condenado injustamente o burocrata Eichamann ao enforcamento. 

Ao retornar de Jerusalém Arendt vai escrever o seu texto reflexivo sobre o julgamento Eichaman, mostrando os equívocos desse processo e buscando destacar o que realmente estava em jogo. Arendt não está querendo vingança ou espetáculo político, mas justiça e aponta as falhas do tribunal sionista. A questão é maior que uma vingança do povo judeu, o ponto central é se fazer uma crítica radical, e não sectária, ao Estado nazista alemão e sua ideologia e situar essa mesma crítica na história como um movimento que praticou de forma sistemática crimes contra a humanidade. E mais, que o sistema totalitário nazista recebeu apoio de muito mais gente do que se possa imaginar, inclusive da passividade e da complacência de muitos líderes judaicos. Fazer essa crítica, com essa profundidade, poderia evitar a possibilidade de se repetir as atrocidades nazistas no futuro. 

O texto de Arendt é mau compreendido pelas posições sectárias sionista, cego pelo exacerbado nacionalismo, ou pela ignorância, ou ainda, má fé política de quem ataca sem mesmo ler o que a reflexão de Arendt propõe. E o filme mostra de forma dramática a violência que Arendt tem que enfrentar. Um toque poético é a postura de seu companheiro, Heinrich, interpretado com doçura pelo ator Axel Milberg, fiel a amada nos duros momentos.

O tema central do filme bate com o momento que vivemos no Brasil desde a instalação da Comissão Nacional da Verdade para apurar e condenar os crimes praticados pelo Estado brasileiro da ditadura civil/militar e por sua ideologia da "Segurança Nacional", parafraseando Arendt, contra a humanidade, e não somente contra o povo brasileiro. 

Muitas vezes em nome da governança, dos interesses corporativos, dos interesses políticos escusos e da falta de memória, muitos são complacentes com as maldades praticadas pelo regime da ditadura civil/militar. Interagir com o filme Hannah Arendt nos leva a ter coragem de por o dedo na nossa própria ferida. 




domingo, junho 30, 2013

ANTONIO GRAMSCI - OS DIAS DO CÁRCERE

Por Moisés Basílio

O italiano Antonio Gramsci foi um autor seminal em minha formação. Meus primeiros contatos com sua obra foi através das reflexões  que fazíamos nos grupos de jovens da Igreja Católica em meados dos anos 70. Líamos trechos de suas obras e cartilhas que utilizavam alguns de seus conceitos para interpretar a realidade, como os conceitos de hegemonia, bloco histórico e de intelectual orgânico. Também participava de debates com estudiosos que a partir do pensamento de Gramsci procuravam iluminar o estudo da realidade de então. 

Diante de um marxismo fossilizado por uma leitura stalinismo, para nós que fazíamos a crítica de esquerda ao socialismo real capitaneado pela URSS, ler Gramsci era um oásis. Uma leitura que dava asas para o pensamento de esquerda sair dos dilemas impostos pela guerra fria e criatividade para a ação em tempos bicudos

Depois fui encontrar Gramsci no meu curso de graduação e pude estudá-lo com maior profundidade e compreender a importância de seus pensamento no campo das Ciências Sociais, e em especial na Ciência Política. Favoreceu a difusão de seu pensamento entre nós a edição de boa parte de suas obras no Brasil nos anos 80, o que levou um aumento da audiência de seu pensamento no mundo acadêmico brasileiro. 

Longe das leituras da moda, o pensamento de Antonio Gramsci continua vivo e fecundo. E é sempre bom poder revisitá-lo, seja lendo seus escritos na fonte, ou através de outras leituras como a feita por esse filme de 1977, que ainda não vi e que portanto para mim ainda é novidade. 
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Fonte: Sítio da Versátil Filmes - http://www.dvdversatil.com.br/antonio-gramsci-os-dias-do-carcere-lancamento/
os dias do carcere
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A Versátil apresenta o inédito Antonio Gramsci – Os dias do cárcere, cinebiografia do filósofo marxista Antonio Gramsci (1891-1937), um dos mais influentes pensadores do século XX. A direção é do renomado cineasta Lino Del Fra e o ator Riccardo Cucciolla (Sacco & Vanzetti) tem uma interpretação memorável no papel principal.
O filme se concentra nos anos em que Gramsci esteve preso, vítima da perseguição do regime fascista de Benito Mussolini. Acompanhamos a relação de Gramsci com os outros presos políticos, a sua posição crítica ao stalinismo, o célebre rompimento com Palmiro Togliatti, do partido comunista italiano, e, principalmente, a criação dos Cadernos do Cárcere, sua monumental obra de ciência política, que analisa a relação entre o Estado e a sociedade civil.


Título: Antonio Gramsci – Os Dias do Cárcere
Título original: Antonio Gramsci – I Giorni del Carcere
País de produção: Itália
Ano de produção: 1977
Gênero: Drama
Direção: Lino Del Fra
Elenco: Riccardo Cucciolla, Paolo Bonacelli, Andrea Aureli, Pino Ammendola, Lea Massari, Mimsy Farmer, Franco Graziosi, Biagio Pelligra
Idioma: Italiano
Áudio: Dolby Digital 2.0
Legendas: Português
Formato de tela: Widescreen anamórfico 1.78:1
Tempo de duração: 122 min.
Região: 4
Cor: Colorido
Faixa etária: 14 anos
Extras: Trailers
Código de barras: 789523319470-0

domingo, maio 12, 2013

ELENA E AS MINHAS HISTÓRIAS

POR MOISÉS BASÍLIO


Uma história puxa a outra. Semana passada o filme documentário Elena foi lançado em S. Paulo. Ouvi de orelhada os comentários gerais do filme no rádio do carro. Li também a manchete na página cultural do jornal que leio diariamente.  Depois minha filha Luanda comentou de passagem sobre o filme quando nos encontramos na piscina do Corinthians. Fiquei com o filme na cabeça. 

Com uma leve ideia do seria o filme fui ao cinema assisti-lo, assim que apareceu a oportunidade. Conforme o documentário ia passando na tela, a história contada pela diretora Petra Costa foi se misturando com as minhas histórias.  

Tem filme que tem essa capacidade de nos levar para dentro dele. Sempre fico em dúvida se é mérito do filme ou se é um mero acaso da história do filme se misturar com elementos da história de vida de quem está assistindo. 

Depois de ver o filme descobri que a diretora Petra Costa tem a mesma idade da minha filha, ambas nasceram em julho de 1983, anos finais da ditadura civil/militar brasileira. As duas são filhas de famílias de militantes políticos que lutaram contra a ditadura. A história que Petra Costa narra no documentário ecoa como a voz de uma geração depois da minha. 

O documentário é totalmente autobiográfico. A diretora não se furta em contar a sua história que é o desafio de encontrar um elo perdido de sua vida. Ao fazer o filme Petra Costa desvela um mito e se expõem publicamente, ou melhor, divide seu mito conosco. 

O filme de Petra Costa nos fala de perdas e de faltas doloridas. Repor o que foi perdido e e preencher o espaço da falta é o desafio que o viver nos impõe. Se não conseguimos, só nos resta o suicídio.

O suicídio foi um tema filosófico muito forte para a juventude dos anos 70 e 80. A história de Elena é uma história que partilhei com vários amigos e que vivi intensamente com um grande amigo, o Fábio, que também se suicidou em fins dos anos 80 encerrando uma vida de grandes embates políticos, afetivos e existenciais. 

Até hoje a perda e a falta do Fábio me questionam. Em qual esquina da vida meu amigo perdeu a esperança?
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Ficha técnica: fonte: http://www.itaucinemas.com.br/filme/elena 
Diretor: Petra Costa; Gênero: Documentário; Ano de produção 2012; Produção: Brasil; Distribuição: Espaço Filmes; Classificação Indicativa: 12 anos; Duração: 82 min Elenco: Elena Andrade
Sinopse: Elena viaja para Nova York com o mesmo sonho da mãe: ser atriz de cinema. Deixa para trás uma infância passada na clandestinidade dos anos de ditadura militar. Deixa Petra, a irmã de sete anos. Duas décadas mais tarde, Petra também se torna atriz e embarca para Nova York em busca de Elena. Tem apenas pistas. Filmes caseiros, recortes de jornal, um diário. A todo momento Petra espera encontrar Elena caminhando pelas ruas com uma blusa de seda. Pega o trem que Elena pegou, bate na porta de seus amigos, percorre seus caminhos. E acaba descobrindo Elena em um lugar inesperado. Aos poucos, os traços das duas irmãs se confundem, já não se sabe quem é uma, quem é a outra. A mãe pressente. Petra decifra. Agora que finalmente encontrou Elena, Petra precisa deixá-la partir. 

sexta-feira, maio 10, 2013

OS MAIS DE 800 OPERÁRIOS MORTOS EM BANGLADESH, O CAPITALISMO GLOBAL E A NOSSA CONSCIÊNCIA


COMENTÁRIOS MOISÉS BASÍLIO,

O texto de Greenwald e Hirsch e a imagem de Akter mostram a verdadeira face da economia global desse início do século XXI. 

E o que nós temos a ver com isso? Como já disse alguém certa vez, na história não há inocente. 
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A morte pela camisa que estamos usando

Mais do que a corrupção e as deficiências dos códigos de edificações, a exigência de custo baixo é a culpada pela tragédia em Bangladesh

Fonte: Sitio do Jornal O Estado de S. Paulo: 09 de maio de 2013 | 2h 01- O Estado de S.Paulo

Por Richard Greenwald & Michel Hirsch - Los Angeles Times
A morte de mais de 800 operários de uma fábrica de confecção instalada no Rana Plaza, em Bangladesh, que desabou no dia 24, é uma tragédia que coloca em foco os problemas generalizados existentes no setor global do vestuário. Mas será a faísca que finalmente produzirá as tão necessitadas reformas em âmbito global?
Depois de desastres como o de Rana ou o incêndio em outra fábrica de confecção - também em Bangladesh, em novembro -, a tendência é bancarmos o detetive e colocar a culpa em alguém, seja o proprietário do imóvel, a corrupção, as leis permissivas ou a fiscalização inexistente.
Artigos e artigos na imprensa concentraram-se em descobrir a prova definitiva, como se houvesse uma única causa - sem a qual os operários hoje estariam sãos e salvos. Ou então, a cobertura das tragédias é conduzida como se fossem desastres naturais, que despertam a compaixão pública até a atenção da sociedade voltar-se para o próximo incidente.
Sim, buscamos justiça. Mas no ímpeto de resolver o caso ou ajudar as vítimas nos recusamos a ver os verdadeiros culpados: a indústria global do vestuário e nós mesmos - pois somos cúmplices quando apoiamos ou ignoramos um sistema de comércio e terceirização do trabalho cuja finalidade é contornar regulamentos de todos os tipos, na busca do lucro máximo em detrimento das pessoas.
De acordo com Juliet Schor, professora de Sociologia do Boston College, o custo das roupas em dólares caiu 39% desde 1994.
Temos de nos perguntar até que ponto a nossa demanda por uma camiseta de US$ 5 e enormes descontos num jeans não são responsáveis por desastres como esses.
O que ocorreu em Rana foi comparado ao incêndio, em 1911, na fábrica Triangle Shirtwaist, em Nova York. Ambos os desastres ocorreram em fábricas de roupas e resultaram em muitas mortes (na Triangle, foram 146). O incêndio na fábrica de Nova York permaneceu na memória coletiva dos americanos e tornou-se um exemplo dos terríveis problemas de um país em fase de industrialização.
Lembramos do incêndio não em razão das mortes - uma vez que trabalhadores infelizmente morrem regularmente na indústria americana -, mas porque fomos forçados a confrontá-lo. Os trabalhadores do setor de confecção recusaram-se a retornar silenciosamente ao trabalho.
Seus protestos em massa e a cólera coletiva obrigaram os consumidores de classe média a encarar a própria culpa e juntos pleitearam mudanças políticas.
Com essas mudanças foram aprovados novos códigos de saúde e segurança, reformas nas leis trabalhistas e regulamentos modernos para uma indústria primitiva. Essas reformas iniciadas para os trabalhadores do setor de vestuário acabaram sendo adotadas para todos os trabalhadores em Nova York e fizeram do Estado um modelo para a nação.
O simples fato de tudo isso ter sido o resultado de trabalhadores exercendo seus direitos foi esquecido no relato da história da fábrica Triangle, ao passo que muita atenção é dada às portas trancadas com correntes ou às violações de códigos de edificações - que se tornaram um mito urbano e se desviam da verdade.
Naturalmente, não podemos ignorar a responsabilidade do proprietário da empresa ou do prédio - ou das autoridades locais. Mas se nos concentrarmos inteiramente neles vamos nos iludir em relação aos problemas de fato.
Em vários aspectos o setor do vestuário permanece inalterado desde 1911. Ele ainda é ferozmente competitivo, com margens mínimas. E ainda é dominado pelo sistema de terceirização.
Hoje as grandes lojas e marcas contratam a produção dos fabricantes porque elas não possuem meios próprios. então, as empresas contratantes terceirizam o trabalho para outras, reduzindo um pouco suas margens.
A distância entre a marca e os que fabricam a roupa é grande e com frequência desconhecida, oculta nos diversos estágios do processo. E cada fase depende da capacidade de contratação de mão de obra cada vez mais barata para aumentar os lucros. As localizações dessas fábricas mudaram, mas o sistema permanece.
Nossas roupas vêm de locais como Rana onde, como em 1911, o operário médio é uma jovem trabalhando em condições terríveis por um salário de fome.
Logo após o incêndio na Triangle Shirtwaist, durante um funeral, a sindicalista Rose Schneiderman levantou-se e discursou para a multidão. Suas palavras deveriam nos sensibilizar ainda hoje. "Toda semana fico sabendo da morte prematura de uma das minhas colegas de trabalho. Anualmente milhares são mutiladas. Por que a vida de homens e mulheres é tão barata e a propriedade tão sagrada? Existem tantos de nós para uma vaga que pouco importa se 146 morreram queimados. Nos ofereceram alguns dólares para as mães, irmãos e irmãs desolados, como se fosse um donativo, a título de caridade. Mas cada vez que os trabalhadores protestam da única maneira que conhecem contra as condições de trabalho insuportáveis, a mão forte da lei é usada para nos pressionar vigorosamente."
Rana deve ser tão importante para nós, no plano global, quanto o incêndio da Triangle. Deve nos forçar a acordar e, como consumidores, apoiar os trabalhadores que fabricam nossas roupas.
Temos a responsabilidade moral de exigir que as roupas de marcas que usamos não sejam costuradas com sangue. Se não fizermos nada e simplesmente esperarmos pela próxima tragédia, continuaremos culpados, como foi delatado por Rose Schneiderman em 1911. / TRADUÇÃO DE TEREZA MARTINO 
Richard A. Greenwald, Professor de História em Nova York, é  também autor do livro "Labor Rising: The Past and Future of Working People in América.
Michael Hirsch é jornalista e coprodutor do documentário da HBO "Triangle: Remembering the Fire"
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El último abrazo: el retrato de la tragedia en Bangladesh

terça-feira, abril 30, 2013

ENCONTRO COM OS RESISTES NAS BIBLIOTECAS PÚBLICAS DE SÃO PAULO

COMENTÁRIOS DE MOISÉS BASÍLIO


Com muito prazer vou participar desses encontros em duas bibliotecas públicas aqui da minha quebrada, na Zona Leste, conforme pode ser visto na programação que se segue. Contar as histórias das gerações passadas é refazer a história com as novas gerações. 
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Fonte: Portal da Prefeitura de S. Paulo - http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/bibliotecas/noticias/?p=12279


A Luta é Contínua

Em maio, comemora-se um ano da promulgação da Lei de Acesso à Informação e da criação da Comissão Nacional da Verdade.
Essas iniciativas representam um grande passo para tornar públicos os arquivos e processos da Administração Pública e um rompimento no tratamento que o Poder Público dá ao passado com relação à memória, à história e à justiça.

As Bibliotecas Públicas, que se constituem como pólos de acesso à leitura, informação, produção e difusão de bens culturais, abrem espaço para a discussão de nossa história recente – e de seus ecos na sociedade atual –, em uma programação centrada no período da ditadura civil-militar a partir da perspectiva daqueles que resistiram a um governo ilegítimo. Com isso, buscamos contribuir para a construção de uma sociedade democrática e plural. 
A luta não acabou. 
A luta continua. 
A luta é contínua.

Confira a programação:

Debates

Discutindo o Golpe de 1964: o que foi isso?

Com Rosa Maria Cardoso da Cunha, advogada e membro da Comissão Nacional da Verdade e Renato Tapajós, jornalista, cineasta e ex-preso político. Mediação de Maria Zenita Monteiro, socióloga e bibliotecária, Coordenadora do Sistema Municipal de Bibliotecas.
Dia 18 de maio às 18h - Biblioteca Viriato Corrêa
 
Pós-ditadura: qual democracia?

Com Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia e Secretario Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Alípio Freire, jornalista, poeta, ex-preso político e presidente do Núcleo de Memória Política de São Paulo. Mediação de Valdirene Gomes, socióloga e Assessora da Coordenadora do Sistema Municipal de Bibliotecas.
Dia 25 de maio às 18h - Biblioteca Viriato Corrêa


Encontros com os resistentes
Os encontros serão conduzidos por ex-presos políticos, militantes do período da ditadura. Serão apresentadas narrativas de memórias individuais dentro do contexto político do período, e discutido o que esses fatos têm a ver com o Brasil em que vivemos hoje. Os encontros acontecerão em 56 Bibliotecas Públicas e três Pontos de Leitura.



A Luta Continua

Alípio Freire
Nasceu em Salvador (BA). Jornalista, poeta e presidente do Núcleo de Preservação da Memória Política. Foi militante da Ala Vermelha entre 1967 e 1983 e esteve preso de 1969 a 1974. Além da Operação Bandeirante e do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), esteve nos presídios Tiradentes, na Casa de Detenção do Carandiru e na Penitenciária do Estado de São Paulo.
Dia 3 de maio às 16h – Biblioteca Paulo Duarte
Dia 8 de maio às 19h – Biblioteca Luiz Gama - Centro de Formação Cultural de Cidade Tiradentes
Dia 13 de maio às 15h – Biblioteca Pedro Nava
Dia 14 de maio às 14h – Biblioteca Brito Broca
Dia 22 de maio às 14h – Ponto de Leitura Jardim Lapenna

Anízio Batista 
Torneiro Vertical e filósofo. Encabeçador da chapa de 1978 da Oposição Metalúrgica. Membro da Pastoral Operária. Foi Deputado Estadual entre 1983 e 1986.
Dia 10 de maio às 14h – Biblioteca Castro Alves
Dia 15 de maio às 14h – Biblioteca Affonso Taunay
Dia 21 de maio às 18h – Biblioteca Roberto Santos

Antonio Barros (Toninho 3/8) e José Batista de Miranda (Batistinha)
Toninho é metalúrgico. Preso na greve de Osasco em 68. Anistiado Político. Membro da Diretoria dos Metalúrgicos de Osasco. Membro do Fórum de ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo. Batistinha é militar anistiado. Membro da Chapa da Oposição Metalúrgica de Osasco em 1978. Membro do Fórum de ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo.
Dia 13 de maio às 10h – Biblioteca Thales Castanho de Andrade

Carmem e Stanislaw Szermeta
Carmem é metalúrgica e licenciada em Matemática. Membro da Comissão de Fábrica da Sharp e da CIPA da Wapsa. Stanislaw é eletricista e membro da Oposição Sindical Metalúrgica-SP. Preso e anistiado político. Presidente da Associação de Anistiados Políticos – ANAP.
Dia 10 de maio às 14h – Biblioteca Marcos Rey

Carmen Sylvia Moraes
Presa política. Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e Diretora do Centro de Memória da FE-USP.
Dia 7 de maio às 14h30 – Biblioteca Álvaro Guerra

Célia Rossi
Membro da Juventude Operária Católica, da Pastoral Operária e do Movimento de Saúde da Zona Leste. Coordenadora do IN-FORMAR Cultura e Educação Popular nos anos 70 e 80.
Dia 14 de maio às 15h – Biblioteca Paulo Setúbal

Cícero de Crato
Metalúrgico, torneiro mecânico, educador popular e cantor. Membro da Associação dos Trabalhadores do Tatuapé e participante do Grupo Arribação, que gravou o CD “Santo Dias”.
Dia 14 de maio às 14h – Biblioteca Sérgio Buarque de Holanda

Cloves de Castro
Metalúrgico, preso político anistiado. Militante da Oposição Sindical Metalúrgica-SP. Membro do Comitê Brasileiro de Anistia.
Dia 9 de maio às 14h – Biblioteca Amadeu Amaral

Darcy Andozia

Pedagoga. Foi membro do Movimento da Igreja Católica dos Dominicanos da Ação Popular. Em 1974, foi presa pelo DOPS de São Paulo com toda a família.
Dia 7 de maio às 14h – Ponto de Leitura Tide Setúbal
Dia 14 de maio às 10h30 – Biblioteca José Paulo Paes - Centro Cultural da Penha
Dia 14 de maio às 19h30 – Biblioteca Jayme Cortez – Centro Cultural da Juventude Ruth Cardoso
Dia 16 de maio às 14h – Ponto de Leitura Graciliano Ramos
Dia 23 de maio às 14h – Biblioteca Hans Christian Andersen

Elza Lobo
Ex-militante da Ação Popular (AP) trabalhava na Secretaria da Fazenda quando foi presa. Exerceu a função de Secretária Executiva do Conselho Estadual de Saúde de São Paulo e iniciou na década de 2000 a implantação do Sistema de Ouvidoria na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, exercendo até a atualidade a função de Ouvidora.
Dia 8 de maio às 10h – Biblioteca José Mauro de Vasconcelos
Dia 22 de maio às 15h – Biblioteca Viriato Corrêa 

A Luta Continua
Geraldo Ferreira
Metalúrgico, inspetor-traçador, físico formado pela PUC e professor universitário. Membro da Comissão de Fábrica da ASAMA. Membro da chapa de oposição metalúrgica em 1984 e 1987.
Dia 9 de maio às 14h – Biblioteca Ricardo Ramos

Iara Prado
Formada em História com pós-graduação em História Social pela USP. Foi secretária da Educação Fundamental do MEC. Foi militante da organização política VAR PALMARES, que era composta, na sua grande maioria, por militantes jovens que lutavam contra a ditadura imposta pelo regime civil-militar brasileiro, após 1964. Em 1970 foi presa em Porto Alegre e transferida para a Operação Bandeirantes. Posteriormente foi levada para a ala feminina do Presídio Tiradentes.
Dia 8 de maio às 15h – Biblioteca Alceu Amoroso Lima
Dia 15 de maio às 14h30 – Biblioteca Camila Cerqueira César
Dia 22 de maio às 14h30 – Biblioteca Clarice Lispector

Jorge Luiz dos Santos
Metalúrgico, eletricista, membro das chapas de oposição metalúrgica em 1981 e 1984. Dirigente da CUT Regional Grande SP nos anos 1980. Anistiado Político. Técnico em Automação Industrial.
Dia 14 de maio às 14h – Biblioteca Malba Tahan
Dia 23 de maio às 14h – Biblioteca Helena Silveira

Maria Amélia Teles (Amelinha)
Feminista, defensora dos direitos das mulheres. Foi presa política, fundou um programa de proteção à mulher e integra a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. Integra a Comissão Estadual da Verdade de SP. Dedica-se há mais de 30 anos à luta pela apuração das atrocidades da ditadura e pela responsabilização dos agentes do Estado pelos crimes cometidos.
Dia 15 de maio às 14h30 – Praça Mário Chamie - Centro Cultural São Paulo

Maria Auxiliadora Arantes (Dodora)
Mestre em Psicologia Clínica e Doutora em Ciências Sociais - PUC/SP. Integrante da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia. Coordenadora Geral de Combate à Tortura na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (2009-2010). Fundadora e dirigente do Comitê Brasileiro pela Anistia de São Paulo - CBA/SP (1978-1982).
Dia 14 de maio às 10h30 – Biblioteca Raul Bopp
Dia 16 de maio às 11h – Biblioteca Lenyra Fraccaroli
Dia 21 de maio às 10h – Biblioteca Jamil Almansur Haddad
Dia 28 de maio às 10h – Biblioteca Afonso Schmidt

Maurice Politi
Administrador de empresas, diretor do Núcleo de Preservação da Memória Política e do Fórum de ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo. Trabalhou por dois anos (2010/2011) na Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da Republica, coordenando o projeto "Direito à Memória e à Verdade". Foi militante da organização ALN (Ação Libertadora Nacional) e nesta condição foi preso político entre os anos de 1970 e 1974.
Dia 8 de maio às 14h – Biblioteca Prof. Arnaldo Magalhães Giácomo
Dia 13 de maio às 14h30 – Biblioteca Sylvia Orthof
Dia 15 de maio às 15h – Biblioteca Raimundo de Menezes
Dia 17 de maio às 15h – Biblioteca Nuto Sant’Anna
Dia 21 de maio às 19h – Biblioteca Biblioteca Belmonte
Dia 22 de maio às 14h – Biblioteca Chácara do Castelo 

A Luta Continua
Moisés Basílio Leal
Técnico Mecânico, formado em Pedagogia pela USP e Ciências Sociais pela PUC. Militante da Pastoral da Juventude e da Oposição Sindical Metalúrgica-SP nos anos 70. Diretor de Escola da Rede Municipal de Ensino.
Dia 17 de maio às 9h30 – Biblioteca Gilberto Freyre
Dia 23 de maio às 14h – Biblioteca Vicente Paulo Guimarães

Raimundo Moreira (Raimundinho)
Preso político anistiado. Metalúrgico da Oposição Sindical Metalúrgica-SP. Membro do Fórum de ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo. Testemunha do assassinato do preso político Luiz Hirata nas dependências do DEOPS.
Dia 22 de maio às 14h – Biblioteca Álvares de Azevedo

Raphael Martinelli
Ferroviário, preso e exilado político. Militante desde os 16 anos. Anistiado político. Presidente do Fórum Permanente dos ex-Presos e Perseguidos Políticos de São Paulo e advogado de ex-presos políticos.
Dia 21 de maio às 15h – Biblioteca Mário Schenberg

Reinaldo Morano Filho
Nascido em Taquaritinga – SP é bacharel em direito, médico especialista em saúde pública, psiquiatra e psicanalista. Em 1969, foi presidente do Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina da USP e aderiu à Ação Libertadora Nacional (ALN). Vítima da repressão, ficou preso durante 6 anos e meio.
Dia 7 de maio às 10h – Biblioteca Rubens Borba de Moraes
Dia 10 de maio às 14h – Biblioteca Érico Veríssimo
Dia 14 de maio às 10h – Biblioteca Milton Santos
Dia 17 de maio às 15h – Biblioteca Cassiano Ricardo
Dia 21 de maio às 10h – Biblioteca Adelpha Figueiredo
Dia 24 de maio às 14h – Biblioteca Infantojuvenil Monteiro Lobato

Rita Sipahi
É advogada, servidora municipal aposentada e conselheira da Comissão da Anisita. Foi dirigente da UNE, militante da Juventude Universitária Católica e participou da estruturação da Ação Popular no Ceará. Durante a ditadura emigrou para São Paulo e Rio de Janeiro, foi sequestrada e presa pelas forças da repressão. Foi condenada pela Justiça Militar de São Paulo. Após a ditadura seguiu atuando junto a movimentos sociais.
Dia 6 de maio às 16h30 – Biblioteca Mário de Andrade
Dia 13 de maio às 14h – Biblioteca Anne Frank
Dia 20 de maio às 10h – Biblioteca Menotti del Picchia

Salvador Pires
Metalúrgico, torneiro mecânico. Anistiado político. Presidente da Frente Nacional dos Trabalhadores. Membro do Movimento Justiça e Não-Violência durante a Ditadura Militar.
Dia 10 de maio às 10h – Biblioteca Vinícius de Moraes
Dia 10 de maio às 14h30 – Biblioteca Vicente de Carvalho
Dia 22 de maio às 14h30 – Biblioteca Narbal Fontes

Sebastião Neto
Mecânico de Precisão. Preso político. Membro da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, membro da Executiva Nacional da CUT. Projeto Memória da Oposição Sindical Metalúrgica - SP.
Dia 21 de maio às 15h – Biblioteca Paulo Sergio Duarte Milliet

Sebastião Pinto
Mecânico de Manutenção. Membro da Frente Nacional dos Trabalhadores e da União Nacional dos Servidores Públicos.
Dia 22 de maio às 14h30 – Biblioteca Cora Coralina

Sidnei Fernandes Cruz
Presidente do Sindicato dos Queixadas (Cimento, Cal e Gesso) de Perus. Técnico em compras. Primeiro Coordenador dos Trabalhadores da Construção Civil da Central Única dos Trabalhadores de São Paulo. Direção Estadual e Nacional da CUT.
Dia 16 de maio às 14h – Biblioteca Padre José de Anchieta

Waldemar Rossi
Preso político. Encabeçador das chapas de oposição metalúrgica nos anos de 1967, 1972 e 1981. Coordenação da Pastoral Operária. Membro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de SP. Orador, em nome dos trabalhadores brasileiros, na recepção ao Papa João Paulo II no comício do Estádio do Morumbi, em 1980, quando denunciou as torturas praticadas na Ditadura Militar.
Dia 9 de maio às 14h – Biblioteca Jovina Rocha Álvares Pessoa
Dia 16 de maio às 14h30 – Biblioteca Aureliano Leite


Mostra de Cinema
A mostra privilegiará produções cinematográficas que instiguem a discussão dos temas da programação “A Luta é Contínua”. São filmes de ficção e documentários que retratam a participação coletiva contra a repressão.

Mostra A Luta é Contínua - Viriato Corrêa

sexta-feira, abril 19, 2013

EMPREGADA DOMÉSTICA

COMENTÁRIOS MOISÉS BASÍLIO,

Uma bonita e poética crônica do polêmico Jabor sobre a figura da emprega doméstica, que tomo a liberdade de reproduzir a seguir. O tema é um dos meus preferidos, por razão pessoal, pois minha mãe foi uma empregada doméstica.

Nasci numa "casa de família", termo que minha mãe e minhas tias usavam para se referirem ao seu local de trabalho. Toda uma geração de minha família se especializou no trabalho doméstico. 

Ouvindo o Jabor, ouço a mesma história de minha mãe contada pelo olhar do patrão. Quando digo "olhar do patrão" não quero adjetivar negativamente a bela crônica, mas situa-la dentro de uma narrativa histórica. 

Diferente da empregada do Jabor, minha mãe conseguiu sair da "casa de família" e construiu o seu próprio lar. E a linha de ruptura foi o meu nascimento, quando ela tinha lá seus 27 anos e ficou grávida.

Nasci na tal "casa de família" e meus padrinhos foram o patrão de minha mãe, o Dr. Waldomiro e sua filha Célia. Mas, logo minha mãe percebeu o paradoxo entre a acolhida e a hospitalidade ao bebê e o aumento do controle sobre sua vida por parte dos patrões. Se ficasse ali estaria perdida.

Felizmente o amor bateu à porta de minha mãe. Ela deixou o emprego e junto com o meu pai de coração fez a sua própria e verdadeira casa de família. 
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Um coração triste

Fonte: 16 de abril de 2013 | 2h 12 - Arnaldo Jabor - O Estado de S.Paulo

A recente regulação trabalhista das empregadas domésticas tem provocado grande desconsolo em patroas peruas. Em pânico, descobriram que há 'classes sociais' e que as criaturas que limpam banheiros e fazem feijão não foram trazidas por um vento, sem endereço, sem sobrenomes, sem carteiras.
Por isso, lembrei-me de Um Coração Simples, de Flaubert, um dos maiores contos da história da literatura. Minha família também teve uma empregada perfeita, como a Felicité do conto, que durante a vida toda cuidou de uma família francesa de província como de um templo sagrado. Nossa Felicité chamava-se Hermínia. Era quase um fiapo, quase nada, pretinha, magrinha, mirrada e viera da roça como todas as empregadas da época. Achávamos que 'roça' era um lugar de onde vinham as pessoas pobres, outro país, com batatas e mandiocas, pastos de bois e empregadas que se agregavam a famílias urbanas. A 'roça' era o resto de um país de escravos libertos que continuavam escravizados por salários magros e se alojavam no quartinho perto do tanque. Hermínia trabalhava com meus avós que moravam ao lado de meus pais. Ela cozinhava, arrumava a casa, lavava, passava, com pequeno salário que guardava, pensando num futuro onde havia um enxoval e uma casinha. Viera muito mocinha; era da idade de minha mãe e minha tia e cresceu junto com elas, que casaram e tiveram filhos; ela não teve filhos nem casou, mas continuou rindo sem inveja, cuidando das crianças que não teve, a quem amava com devoção de 'mãe preta', como se nomeara. Talvez como consolo, falava sempre de um namorado que nunca ninguém viu chamado Ormezindo (lembro do nome que me fascinava e pensava: "Como será o Ormezindo?").
Ele nunca apareceu, nunca o vi. Em um fim de ano, ela o esperou para uma visita prometida. Não veio num dia, nem no outro. Até que uma prima ligou de um telefone público e ela se trancou no quartinho do quintal. Eu vi pelas frestas que ela chorava no chão, agarrada numa imagem de São Jorge, de capa vermelha, lança e dragão. Não tive coragem de entrar no quartinho, pois percebi que ela estava longe dali, chorando e falando com alguém em algum lugar da terra de onde viera. No dia seguinte, botou um vestido preto e foi à tenda espírita, de onde voltou mais calma, pois a mãe do centro lhe disse que um dia ela ia encontrar o Ormezindo de novo. Minha avó segredou-me que o Ormezindo aparecera morto na estrada de Pati do Alferes, onde se conheceram.
E a vida continuou. Todo mundo envelhecendo e só Hermínia continuava igual, como se o tempo não passasse sobre ela. Ali, sob o caramanchão do quintal, lembro de meu avô de pijama engraxando os sapatos, minha tia lavando os cabelos, minha avó regando as flores, e de mim mesmo, que ela fazia girar num corrupio que me arrancava risadas infinitas.
Sua presença atemporal me dava a sensação de que nossa vida suburbana era imutável. Hermínia era a empregada perfeita, tão diferente das criadas de mamãe, como a América, cozinheira maluca que (ela afirmava) voava até o teto, onde ficava grudada como uma lagartixa. Todas invejavam vovó com seus cabelos azuis que Hermínia tingia no quintal em uma bacia de louça. "Empregada boa é sorte..." - diziam as vizinhas.
Minha avó morreu de repente e meu avô, lentamente. Vovó deu um suspiro e finou-se; meu avô foi ficando lelé. Hermínia levava-o para passear e ele gostava de ver a estrela de néon da cervejaria Princesa, onde ele me levava sempre na infância.
Depois, ela foi morar com ele num apartamento de Copacabana, onde ele falava confusamente sobre seu passado. Consciente da memória frágil, um dia perguntou-me rindo: "A vida não tem sentido ou sou eu que estou gagá?" Ela cuidou de meu avô até o fim e me ajudou a pô-lo no caixão da Santa Casa.
Depois da morte de vovô, Hermínia foi trabalhar com minha mãe, mas não foi feliz. Minha mãe tinha caído numa progressiva depressão bipolar tendo horríveis fobias, como a cisma de que o gato do vizinho a odiava e lhe mostrava as garras ferozmente. Hermínia levou-a a um centro espírita 'linha branca' e a vidente lhe garantiu, com voz grossa de caboclo, que ninguém a perseguia, nem o gato. Não adiantou; piorou, pois mamãe acusou-a de ter parte com o Demônio do centro espírita. Hermínia aceitou a humilhação com a resignação do sofrimento pobre, aprendido entre milharais e pastos de capim-gordura.
Papai não falava quase, lendo revista na sala, de pijama, ouvindo os delírios de mamãe, pastoreada pela criada, virada em acompanhante.
Até que morreram os dois. Só ficou Hermínia, que foi morar com vagas primas em Caxias. Todo mês, eu mandava um dinheiro fixo para que cuidassem bem da minha babá já velhinha - se ela morresse, acabava a grana.
De vez em quando, ela me telefonava de Caxias. Dava para ouvir no fone o outro mundo onde ela vivia, agora no presente, com sons de rádios evangélicos, gritos de criança, latidos, ruídos de subúrbio longínquo. Sua voz soava um pouco como um anseio em busca do passado que tinha acabado. E como era estranho ouvi-la no presente, sua voz longe de nossa casa, como se ela tivesse sobrado da casa desabada, procurando meus avós! Ao telefone, sua voz ficava 'tatibitate' como se eu ainda tivesse 7 anos: "Oi, Arnaldinho, meu amorzinho?"
Até que um dia, ligou uma das primas para informar que Hermínia tinha feito a 'passagem' de noite. A 'passagem' fora muito calma: ela estava deitada na cama abraçada na estatueta de São Jorge.
Quando ela ainda era viva, de vez em quando eu mandava um táxi buscá-la. Ficava comigo no apartamento e eu a beijava muito, pois não havia assunto possível. Me tratava sempre como menino e ficava um pouco constrangida de estar na poltrona de veludo de mamãe que ela bem conhecia. De repente, se levantava e ia para a cozinha. Entrava com ar de titular diante da empregadinha e começava a lavar a louça. Eu protestava, mas ela fazia questão. Lavava pratos e copos com zelo. "Olha aqui o copo de cristal que seu avô gostava tanto...". Ouvindo os barulhos da louça, parecia mesmo que o passado tinha voltado.