quarta-feira, julho 26, 2006

O novo paradigma: a guerra infinita

Assistimos impotentes à tribulação da desolação do sem número de vítimas inocentes, de milhares de refugiados e da irracional destruição de toda a infra-estrutura de um país que acaba de se reconstruir da guerra anterior. Um mundo assim só pode nos levar à dessocialização e à guerra sem fim.

Leonardo Boff

O sociólogo frances Alain Tourraine, que muito ama o Brasil e que adotou a America Latina como a pátria de seu coração, sustenta em seu recente livro "Um novo paradigma: para entender o mundo de hoje" (Vozes 2006) uma tese intrigante que nos permite entender, de certa forma, a violência, na verdade, a guerra terrorista que está ocorrendo entre palestinos e israelenses no Líbano.

A tese que propõe é que depois da queda do muro de Berlim e dos atentados de 11 de setembro de 2001 começou rapidamente uma desintegração das sociedades, dominadas pelo medo e impotentes diante do terrorismo. Estaríamos assistindo a passagem da lógica da sociedade para a lógica da guerra. A potência hegemônica, os EUA, decidiu resolver os problemas não mais por via diplomática e pelo diálogo mas pela intervenção e pela guerra levada, se preciso for, a qualquer parte do mundo.

Essa estratégia possui sua lógica. Inscreve-se dentro da atual dinâmica da globalização econômico-financeira. Esta não quer saber de qualquer controle ou regulação social e política. Exige campo aberto para fazer a guerra dos mercados. Separou totalmente economia de sociedade, vê os estados-nações como entraves, procura reduzir o estado, difamar a classe política e passar por cima de organismos de representação mundial como a ONU. Esta dissolução das fronteiras acarretou a fragmentação daquilo que constitui a sociedade.

Pior ainda. Invalidou a base política e ética para o sonho de uma sociedade mundial, tão querida pelos altermundialistas, que cuidasse dos interesses coletivos da humanidade como um todo e que tivesse um minimo de poder central para intervir nos conflitos e dinamizar os mecanismos da convivência, da paz e da preservação da vida.

Esta desocialização é consequência da globalização econômico-financeira que encarna o capitalismo mais extremado com a cultura que o acompanha. Esta implica a segmentação da realidade, com a perda da visão do todo, a exacerbação da competitividade em detrimento da cooperação necessária, o império das grandes comportações privadas com pouquíssimo senso de responsabilidade sócio-ambiental e a exaltação do indivíduo alheio ao bem comum.

O mundo está em franco retrocesso. A atual sociedade não se explica mais, como queria a sociologia clássica, por fatores sociais, mas por forças impessoais e não sociais como o medo coletivo, o fundamentalismo, o terrorismo, a balcanização de vastas regiões da Terra e as guerras cada vez mais terroristas por vitimarem populações civis.

Este cenário mundial dramático explica por que nenhuma instância política mundial tem capacidade reconhecida e força moral suficiente para pôr fim ao conflito palestinense-israelense que está transformando o Líbano numa ruína. Assistimos impotentes a tribulação da desolação do sem número de vítimas inocentes, de milhares de refugiados e da irracional destruição de toda a infra-estrutura de um país que acaba de se reconstruir da guerra anterior. Isso é terrorismo.

Se, impotentes, não sabemos o que fazer, procuremos pelo menos entender a lógica desta violência. Ela é fruto de um tipo de mundo que, nas últimas décadas, decidimos constuir baseado na pura exploração dos recursos da Terra, na produção e no consumo ilimitados, na falta de diálogo, tolerância e respeito pelas diferenças. Um mundo assim só pode nos levar à desocialização e à guerra sem fim.

Leonardo Boff é teólogo e escritor.
Fonte: Agência Carta Maior - site: http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3260&boletim_id=82&componente_id=1460

terça-feira, julho 11, 2006

Ensino municipal em São Paulo está entre os sete piores do país

Comentários Moisés Basílio: A matéria abaixo segue a tendência atual, dos meios de comunicação, de pautar a questão da qualidade da educação pública. É um festival de obviedades para quem está no cotidiano da escola. Entre as obviedades, uma é sempre colocar a culpa do atual fracasso da escola pública nos professores. Muda-se o lado da mesma moeda, pois até a bem pouco tempo o culpado era o aluno. Mas... o buraco é bem mais "em cima".

DANIELA TÓFOLI

da Folha de S.Paulo - 10/06/2006.

A 4ª série da rede de ensino da Prefeitura de São Paulo está entre as sete piores do país, quando comparada com a das demais capitais. O desempenho foi medido no fim do ano passado pela Prova Brasil, realizada pelo Ministério da Educação, e mostra a cidade no 21º lugar entre 26 capitais (Brasília não foi computada) em português e em 20º em matemática.

Com média 160,42 na primeira disciplina e 166,86 na segunda, os alunos das escolas municipais não alcançaram nem a metade do total de pontos possíveis nas provas, que é de 350. Eles ficaram, ainda 12 pontos abaixo da média nacional em língua portuguesa e 13 pontos abaixo em matemática.

A diferença da rede municipal de São Paulo para a de Campo Grande, primeira colocada em português é de 31 pontos e, para Curitiba, que encabeça o ranking de matemática, é de 29. Na 8.ª série, São Paulo ganha posições e passa para a 12ª colocação em ambas disciplinas.

Os resultados não pegaram o secretário municipal de Educação, Alexandre Schneider, de surpresa. "Esperava por este desempenho porque já tínhamos detectado problemas na rede. Ele é fruto de anos de gestão que confundia educação com ação social", afirma. "As escolas se tornaram pontos de distribuição de projetos sociais que vão desde uniforme até renda mínima e acabaram sobrecarregadas. O corpo docente deixou de ter como única obrigação o desenvolvimento do programa pedagógico, que deve ser o foco principal da educação."

O secretário afirma que as escolas precisam voltar o foco para o ensino e conta que já há um grupo de estudo em parceria com a secretaria de Gestão para resolver como ficará a distribuição dos projetos sociais e, assim, liberar diretores de escola dessas obrigações. Ele esclarece, no entanto, que todos os benefícios serão mantidos.

Ana Rosa Abreu, que coordenou os Parâmetros Curriculares Nacionais e faz parte do Instituto Sangari (ONG educacional com foco em educação básica), até acredita que a sobrecarga no corpo docente possa influenciar a má-qualidade do ensino municipal em São Paulo, mas, para ela, o principal problema está na formação dos professores.

"A rede da capital é hoje uma rede desgastada. Foram feitas muitas capacitações, muitas delas com projetos excelentes, mas todas de maneira desarticulada", afirma. "O professor não consegue aplicar o que aprende na sala de aula e, assim, não vemos melhora no sistema. Temos um shopping de projetos de formação sem nenhum impacto na prática."

Lisandre Maria Castelo Branco, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, também acha que o problema está na formação do professor. "A precariedade do ensino básico tem como ponto fraco a questão da condição do professor. Ele não foi formado para ter uma preocupação em compreender a realidade dos alunos que o cercam nem para entender --e, assim, explicar-- os motivos de ensinar determinadas matérias. Assim, fica o aprender pelo aprender."

Para ela, o resultado do ensino municipal na Prova Brasil também desmonta o mito de que tudo é melhor em São Paulo. "É uma ilusão achar que nas grandes metrópoles estão as melhores oportunidades de trabalho, de ensino ou do que for. A vida para quem não tem dinheiro aqui é brutal."

Já a presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, Maria do Pilar Lacerda, também secretária municipal de Educação de Belo Horizonte, é contra o ranqueamento dos municípios e diz que é impossível comparar as redes porque as condições do país são muito diferentes. "Temos de analisar as dificuldades de cada cidade. As avaliações servem para cada sistema refletir sobre seus erros e melhorar."

Segundo a Prova Brasil, Campo Grande teve o melhor desempenho em português e, Curitiba, em matemática nas duas séries avaliadas. Já a pior colocação ficou com Recife na 4ª série e com Rio Branco na 8ª, em ambas as disciplinas.