quinta-feira, dezembro 31, 2009

Ciclo ou seriação: O que é melhor para organizar Ensino Fundamental?


Comentários Moisés Basílio:
Meu colega de profissão e disciplina, professor Lima Júnior, não está nada contente com a organização do ensino fundamental da rede publica paulista em ciclos. Seu artigo no Estadão é um libelo contra essa forma de organização, que segundo ele deteriorou a escola pública paulista.
Embora concorde com muito dos argumentos apresentados pelo professor para criticar a organização da escola em ciclos, não sou partidário de que o problema central do ensino das escolas públicas paulistas seja o da organização em ciclos, e que se voltássemos à organização "seriada" tudo se resolveria.
Mas, também é preciso dizer que a atual organização escolar em ciclos não corresponde ao que os vários pedagogos entendem por ciclos. Um exemplo claro disso é o conceito de "progressão continuada", que ganhou a versão de "aprovação automática”. E também fica claro, que se de um lado a organização do ensino fundamental em ciclos foi uma resposta aos altos números de reprovação, por outro lado ao se eliminar a reprovação, houve uma democratização da escola, mas não se conseguiu avançar na aprendizagem. Eis o desafio. Axé!


Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo,Opinião, 31/12/2009
Ensinando impunidade

Luís Fernando de Lima Júnior é professor de História em São José dos Campos

De acordo o último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em todo o Brasil, considerando as redes públicas estaduais, São Paulo ocupa a terceira colocação. No entanto, com um resultado de 4 como média para os ensinos fundamental e médio, não temos o que comemorar.

Desde a implantação da estrutura curricular de ciclos de quatro anos em regime de progressão continuada na rede de ensino básico do Estado de São Paulo, a realidade do cotidiano escolar aponta na direção de um aumento nos casos de indisciplina e violência dentro da escola. Talvez um dos efeitos mais nefastos desses 12 anos de uma política educacional equivocada seja a desconstrução de um dos principais valores da escola: o estudo. A necessidade de estudar para garantir a aprovação por boas notas foi substituída pela falta de perspectiva. Os alunos podem fazer o que quiserem na escola que sua aprovação está garantida.

Sem apologia ao passado, percebe-se que a pressão exercida sobre os estudantes, quanto à obrigação de se apresentar resultados, fazia os alunos demonstrarem melhor rendimento escolar, propiciando-lhes maior preparo para a competição do mercado de trabalho. Reconhecendo que essa pressão era, muitas vezes, exagerada, não se pode negar que tal necessidade desenvolvia nos alunos uma qualidade e um senso de responsabilidade que já não existem.

Com a radicalização de uma interpretação da progressão continuada, que em sua proposta original não excluía a retenção dos alunos com graves defasagens de aprendizagem, criou-se um vício que desestrutura a capacidade de aprender sozinho pelo estudo - justamente a principal habilidade requerida pela sociedade contemporânea.

Em razão disso, nossas crianças cresceram acreditando que não precisavam dedicar-se aos estudos, pois sua aprovação era apenas uma questão de tempo. Mesmo que ultrapassassem o limite legal de faltas, teriam ainda a possibilidade de compensá-las de uma forma simples e facilitada.

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal nº 9394/96), a educação básica em todo o País deverá ter, no ensino fundamental e no ensino médio, uma carga horária mínima de 800 horas divididas em 200 dias letivos, com frequência mínima do aluno para aprovação de 75%, devendo a escola notificar os pais, o Conselho Tutelar e o promotor competente sobre os excessos de faltas dos alunos menores. A redação da lei é clara: mesmo que se adote o regime de progressão continuada, a promoção do aluno está condicionada ao cumprimento da frequência mínima no ano letivo.

Em vez disso, a maioria das escolas da rede pública simplesmente compensa a ausência desses alunos pela realização de trabalhos escritos, referentes ao conteúdo perdido, sem mesmo questionar as razões do excesso de faltas. Nos casos envolvendo alunos menores, os pais chegam a ser comunicados, mas a prática do trabalho é a mesma. Muitas vezes não existe um critério para orientação e regulamentação dessas atividades.

Será mesmo que um trabalho escrito (muitas vezes copiado da internet sem nenhuma leitura ou reflexão, para ser impresso e entregue ao professor, sem que se tenha a preocupação de retirar as propagandas e o endereço eletrônico da página reproduzida) realmente compensa as explicações e o conteúdo perdidos em sala de aula?

Formados num ambiente pedagógico que não estimula o desempenho, os alunos com defasagem de aprendizagem são aprovados pela progressão continuada, mas não conseguem acompanhar seus colegas de sala de aula. Desestimulados e sentindo-se inferiorizados, manifestam apatia em relação aos estudos, o que tende a agravar ainda mais a situação, pois para sua autoestima é melhor acreditar que não querem do que admitir que não são capazes.

Com isso, indisciplina e violência explodem, já que a escola não consegue demonstrar um sentido para os estudos e as famílias não conseguem exercer sua autoridade, tornando professores e alunos reféns de um grupo de indivíduos, confusos e sem perspectivas, que, amontoados em salas de aula lotadas, interferem no desempenho escolar de todos os estudantes.

Sem a percepção de um objetivo para os estudos e sem as consequências disciplinares para suas atitudes, os alunos aprendem o pleno exercício da impunidade, acreditando que não existe consequência para seus atos e que mesmo em situações mais graves tudo pode ser resolvido com brincadeira.

Será mesmo possível convencer crianças e adolescentes sobre a importância de estudar e de frequentar as aulas, se a própria escola permite que sejam promovidos com rendimento e frequência insuficientes? Para qualquer estudante que questione essa situação a resposta soa como mais um incentivo para não se preocupar com os estudos.

E nesse contexto, o que faz o sistema? Além de propor paliativos como um manual de conduta para estudantes, ou impor uma série de medidas restritivas aos professores, como se fossem a única causa do problema, o Estado demonstra o seu ponto de vista nas propagandas institucionais, mas não modifica a política educacional que está na essência do problema.

Não é por acaso que nenhuma escola particular conceituada adota a progressão continuada. Não é por acaso que, de acordo com os números do Seade, atualmente a maior parcela da população economicamente ativa do Estado que enfrenta o desemprego tem entre 18 e 29 anos. São justamente os frutos dessa política.

Trata-se de uma geração condenada ao subemprego por não ter condições de se integrar ao mercado de trabalho competitivo. Pessoas jovens que não aprenderam a noção de regras e de consequências para seus atos, que certamente pesarão no orçamento de programas sociais do governo.

terça-feira, dezembro 22, 2009

José Murilo de Carvalho - análise do historiador sobre as ideias de democracia e república no Brasil.


Comentários Moisés Basílio: 
Um historiador calejado como Carvalho, sempre que é chamado para dar seus pitacos sobre o presente nos brinda com boas análises. Sinceramente gostei dessa chave de leitura que mostra os descompassos entre as idéias de democracia e república, embora ela tenha um ranço meio elitista. Mais é aquele velho ditado: Quem nunca comeu meu melado, quando come, se lambuza.
Nosso sistema político, da invenção do Brasil em 1500 até o fim do segundo reinado em 1889 - que somam 389 anos - formalmente se fundava numa monarquia absolutista e no patrimonialismo. A proclamação da República em 89 do século XIX, pouco alterou o sistema político em suas bases originais, vamos dizer assim até o período do regime da ditadura civil/militar.
O final do período da ditadura civil/militar de 1964 foi palco das grandes lutas democráticas de nosso povo. Nas fábricas, nas roças, nos bairros, nas igrejas, nas escolas, nas ruas, nas casas, nos meios de comunicação, nas urnas etc. A palavra democracia foi proferida à exaustão, embora nem sempre praticada com igual intensidade.
Já a palavra República não caiu tanto no gosto popular, ou das elites. Nossa tradição patrimonialista - que não faz distinção entre os limites do público e do privado -, permeia todo o corpo social da sociedade brasileira, sem distinção de classes. 
Vejo como produtivo esse debate entre as ideias de democracia e república, pois não é uma equação fácil de resolver. Por exemplo, temos agora o debate concreto sobre a questão da saúde nos Estados Unidos, onde os republicanos em nome da defesa da coisa pública são contra o subsidio estatal para um plano de saúde público. Segundo o puritanismo protestante que embasa a maioria republicana norte-americana, cada um individualmente deve garantir seus recursos para a saúde e quem não tem recursos é porque não foi competente o suficiente e, portanto deve sofrer as consequencias para aprender a se virar na vida. Já os democratas norte-americanos, levam em conta as desigualdades sociais da sociedade capitalista e acreditam no Estado como um agente regulador dessa igualdade. 
Em termos verbais a questão se traduz em defender uma democracia republicana ou defender uma república democrática. O que é substantivo e o que é adjetivo?


Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo - domingo, 6 de dezembro de 2009.4.00

Uma nova velha história

Os mensalões são a face crua de um sistema político em que a democracia solapa a República
Ivan Marsiglia - O Estado de S.Paulo

JOSÉ MURILO DE CARVALHO | Historiador, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e autor de 'Teatro de Sombras: A Política Imperial'

Não faltou batom na cueca no novo mensalão em cartaz na cena política brasileira. Varreram o País imagens de parlamentares, do presidente da Câmara Legislativa e do próprio governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), embolsando, escondendo em meias ou enfiando na roupa de baixo maços e maços de dinheiro. Em passado nem tão remoto, já se viram cenas parecidas desse espetáculo que já vai se tornando, sem trocadilho, maçante. A sistemática e periódica distribuição de propinas aos eleitos como "representantes do povo" resultou no mensalão petista, que manchou a imagem do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e no mensalão mineiro, que na quinta-feira transformou o ex-governador tucano Eduardo Azeredo em réu no Supremo Tribunal Federal.



FLAGRANTE - Imagens mostram o governador Arruda recebendo dinheiro
que seria fruto de propina de empresas que prestam serviço no DF


"Há certa naturalização da corrupção, a sensação fatalista de que não há o que fazer", lamenta o historiador mineiro José Murilo de Carvalho, autor de A Construção da Ordem e Teatro de Sombras: A Política Imperial, obras fundamentais para o entendimento do processo político brasileiro. Aos 70 anos e convertido em imortal pela Academia Brasileira de Letras em 2004, na cadeira que pertenceu a Rachel de Queiroz, Carvalho acostumou-se a ver o tema da corrupção frequentar os documentos da história brasileira, da Colônia à República, passando pelo Império. Espanta-se, porém, com o caráter generalizado dos esquemas atuais, que envolvem partidos, ministros, governadores, empresários - no que considera uma inviável "democracia sem república".

Na entrevista a seguir, concedida ao Aliás do Colegio Mayor Arzobispo Fonseca - um portentoso edifício de 1525 na Espanha, ocasião em que faria uma palestra a convite do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca -, o historiador se diz cético em relação à reforma política como método de eliminação dos mensalões nacionais - ainda mais se convocada por Constituinte, como sugeriu esta semana o presidente Lula. José Murilo de Carvalho considera mais eficiente o ataque frontal a pontos nevrálgicos da vida política brasileira, como o foro privilegiado e a imunidade parlamentar. E critica a ideia em voga no País de que basta combinar crescimento econômico com inclusão social para se chegar ao paraíso, sem preocupação com a honestidade, os valores cívicos ou a consolidação das instituições. "Não creio em democracia sólida num país em que a população acredita que ser político e ser corrupto é uma coisa só."


CARVALHO -
Fim do privilégio é melhor que reforma política
Qual foi o primeiro "mensalão" da história do Brasil?
Sempre houve negócios escusos, compra de votos, subornos, trocas de favores. Mas não me lembro de algo sistemático e generalizado como o que tem havido ultimamente, envolvendo os principais partidos, ministros, governadores, secretários, congressistas, empresários. É uma inovação em nossa história.

Virou clichê dizer que a corrupção é endêmica no Brasil. O senhor concorda, como historiador?
Endêmica é a tradição patrimonial, é a dificuldade em separar o público do privado. No antigo regime, o patrimonialismo era prática comum e normal. Quando, a partir da constituição de 1824, inauguramos o Estado moderno que separou os bens do Estado dos bens privados do monarca, essa prática passou a ser ilegal, corrupta. No entanto, os valores sobreviveram às leis: uma longa batalha teve início entre os dois, ainda indecisa. Até hoje, muitos governantes não se pejam de usar o Estado para favorecer interesses particulares, nem os particulares se constrangem em privatizá-lo. É uma proposta de construir a democracia sem república, que me parece pouco viável.

Na época do Brasil Império, a figura de d. Pedro inibia a corrupção?
Práticas patrimonialistas, clientelísticas, nepotistas, existiam. Mas o imperador foi educado no sentido de combatê-las, tarefa facilitada pelo fato de não precisar disputar eleições. Governou em permanente conflito com seus ministros sobre nomeações e demissões de funcionários, pois tinha dificuldade em aceitar mesmo as exigências da política partidária de recompensar aliados. Tratava-se, além disso, de uma elite pequena governando um Estado com poucos recursos. Daí que as críticas republicanas se dirigiam, sobretudo, à corrupção da monarquia como forma de governo - e não à corrupção do imperador ou da elite política.

Tem sido comum, na vida política brasileira, a referência a ideais "republicanos". São palavras vazias?
Depois da moda de cidadania, inaugurada com a Constituição de 1988, apareceu na retórica política um termo que estava esquecido - república - sem que se saiba exatamente o se quer dizer com ele. Em seu sentido clássico, que remonta à Roma antiga e passa pelas cidades-Estado da Itália renascentista, além de uma forma de governo, república significa coisa pública, bem comum, virtude cívica. Foi assim que Frei Caneca a concebeu em 1822. República não se confunde com democracia, embora, desde o século 19 não sejam incompatíveis. Ela exige predomínio da lei, igualdade perante a lei, ausência de privilégios e hierarquias, cidadãos ativos, governos responsáveis e eficientes. E é incompatível com patrimonialismo, clientelismo, nepotismo. Nossa República nunca pregou esses valores e nunca os pôs em prática. Pode-se argumentar, isso sim, como muitos fazem, que nossa democracia não precisa de república, que aos trancos e barrancos vamos construindo a inclusão política e social, que preocupação com honestidade política, bom governo e valores cívicos, instituições respeitadas, é udenismo, moralismo pequeno burguês. Mas acredito que haja cada vez mais brasileiros que discordam dessa posição.

Alguns cientistas políticos afirmam que a corrupção no sistema representativo brasileiro é "residual", sempre vai existir e não compromete seu funcionamento de fato.
Isso é um truísmo. Ninguém que reclama de corrupção está propondo uma sociedade de anjos. Mas é também elementar saber que há níveis distintos de corrupção e há maneiras distintas de lidar com ela. Uma coisa é a corrupção eventual e de alguns, outra é a corrupção que atinge todo o sistema o tempo todo. Uma coisa é ter corruptos, mas dispor de um sistema que os puna, outra coisa é a impunidade generalizada. Eu diria que no segundo caso a corrupção compromete, sim, o funcionamento do sistema democrático, na medida em que desmoraliza suas instituições. Não creio em democracia sólida em país em que a população acredite que ser político e ser corrupto seja uma coisa só.

Brasília, que completa 50 anos em 2010, era para ser a sede do governo e um centro administrativo, mas transformou-se praticamente em outro Estado, com orçamento, assembleia e câmara, representação de oito deputados federais e três senadores. É estímulo à corrupção?
Brasília teve grande importância geopolítica ao incentivar o desbravamento do interior do País. Mas teve efeito deletério para os costumes políticos. Afastou os três Poderes do contato com o povo. Um mensaleiro no Rio de Janeiro, por exemplo, seria vaiado na Câmara e nas ruas. Em Brasília, pelo distanciamento e pelas próprias dimensões da Praça dos Três Poderes, esse contato é limitado. Tenho também dúvidas se um distrito federal deva ter o mesmo status político que um Estado. Uma prefeitura seria mais adequada, e mais econômica.

Brasília, então, seria uma redoma para os políticos?

Brasília, por seu isolamento geográfico, não por culpa das pessoas, se transformou em uma corte que cria um cinturão de proteção em torno dos políticos, livrando-os da pressão direta do povo. Lá só vão grupos organizados que podem pagar o transporte de militantes.

As imagens na TV mostraram maços de dinheiro sendo escondidos em paletós, meias e cuecas - em contraponto aos escândalos financeiros no mundo, sofisticados, difíceis de flagrar. Como entender essa corrupção tosca de Brasília?
Sem dúvida, as falcatruas de nossos políticos são toscas diante da sofisticação do grande negócio. Os reais nas cuecas são coisa de ladrão de galinha. Ainda não chegamos ao ponto em que os lobbies aproximam o grande negócio do Congresso. Justifica-se, no entanto, a reação maior ao roubo menor, porque os políticos estão exercendo um cargo de representação popular e lidando com dinheiro do contribuinte.

Esse raciocínio não livra a barra do lobista e do corruptor dos políticos?
Eu me referia aos lobbies americanos, que são registrados e agem abertamente. Pode-se contestar a legitimidade dessa ação, não sua legalidade.

O bombardeio de imagens de corrupção pode gerar um certo conformismo na sociedade?
Creio que há, sim, certa naturalização da corrupção, a sensação fatalista de que não há o que fazer. O bom momento que vive o País e a grande popularidade do presidente ironicamente favorecem essa postura. Os setores da população mais beneficiados pelas políticas governamentais tendem a ser mais tolerantes com os escândalos. Em política, o bolso ainda é o principal argumento. A reação procede mais de camadas sociais não diretamente beneficiadas. Sem estar acoplada a outros motivos de insatisfação, a luta contra a corrupção é árdua.

O governador Arruda ameaçou os colegas de partido dizendo "se radicalizarem comigo, vou radicalizar também". De que maneira a chantagem e o conluio forçado fazem parte da corrupção no Brasil?
Essa é uma das melhores armas dos que são pegos em falcatruas, pois sabem que não são os únicos a praticá-las. O PSDB aliviou as críticas ao mensalão do PT quando as denúncias viraram contra seus correligionários, que decidiu acobertar. Agora, tocou a vez ao DEM. O partido tem a oportunidade de quebrar esse pacto de conivência. Se o fizer, fará grande bem à República.

A reação inicial do presidente Lula foi dizer que "as imagens não falam por si só". Depois, veio a público e definiu a crise como "deplorável". Como entender essa mudança?
A resposta foi coerente com reações anteriores do presidente de leniência em relação às denúncias de corrupção, por parte de políticos de seu partido ou de outros. Deve se ter dado conta da inconveniência diante de evidências tão gritantes.

O presidente também disse ter enviado propostas de reforma política para o Congresso que não foram votadas e sugeriu a convocação de uma Constituinte. É a solução?
Propostas de reforma política e de Constituinte a esta altura, em plena campanha eleitoral, são um tanto inócuas. Em sete anos de governo não houve empenho em fazê-las. O que menos há hoje no País é ambiente para debate político. Só há debate eleitoral, a luta pelo controle da máquina do Estado. Não creio que haverá menos ou mais corrupção se o País for presidencialista ou parlamentarista, se o sistema eleitoral for proporcional ou majoritário, se houver ou não financiamento público de campanhas. Medidas simples poderiam ser mais efetivas. Por exemplo, acabar com privilégios antirrepublicanos como o foro especial para políticos, a imunidade parlamentar para crimes comuns, a prisão especial para quem tem diploma e as infinitas brechas da lei que garantem a impunidade dos políticos e ricos em geral. Também acho interessante rever a permissão de candidaturas de pessoas condenadas em primeira instância. Depois de tanto escândalo, quem foi condenado em última instância? O próprio governador de Brasília ainda não foi julgado pela acusação de violar o painel de votação há dez anos. Uma Justiça rápida poderia ter evitado o novo escândalo retirando-o antes da vida pública. O crime compensa e os criminosos sabem disso.

A velha história se repete?
Nossa democracia política é jovem: começou em 1945. Em 1932, havia 2,5 milhões de eleitores registrados. Em 2000, 110 milhões. Hoje, são 130 milhões. No período da ditadura, 43 milhões de novos eleitores entraram no sistema. Essa dramática incorporação de eleitores foi acompanhada da também dramática ampliação do leque de candidatos. Até 1930, no Brasil, a elite política era pequena. Hoje, basta olhar a lista de candidatos a vereador e prefeito que vemos muitos Zé da Padaria, Maria das Couves, Chico Bombeiro, etc. Isso não podia deixar de ter impacto na qualidade do voto, dos eleitos e das práticas políticas. Mas é um preço que temos de pagar pela tardia abertura do sistema. Além do custo do atraso, houve ainda o custo da ditadura que afetou a qualidade e treinamento dos políticos oriundos da elite tradicional. Na realidade, o aprendizado democrático e republicano de milhões de brasileiros começou mesmo só depois de 1988. É muito pouco tempo. É possível que nossas mazelas se devam em boa parte a essa cronologia. E que, com alguma paciência, possamos nos educar para novos e melhores tempos.

A falta de limites entre público e privado também aparece na vida dos políticos, não só no manejo da coisa pública. Filhos fora do casamento, derrapadas verbais, amantes usados no jogo político... Já há sinais de que a campanha de 2010 será pesada. O que é pior para o político: o escândalo pessoal ou ser pego com a boca na botija?
A pergunta é boa. O ponto é complexo: a vida pessoal de uma pessoa pública é assunto público ou privado? De um lado, há o dito: a mulher de César não só deve ser honesta como parecer honesta. Nos EUA, país puritano, vigora essa ideia, a vida privada do homem público é pública. Na França, pelo contrário, país católico, a vida privada é privada. Entre nós, há ambiguidade e uso oportunista das duas regras. A vida privada do adversário é pública, a dos correligionários é privada.


quarta-feira, dezembro 02, 2009

A Educação Infantil e os novos desafios para o século XXI

Moisés Basílio Leal

A universalização dos direitos básicos da cidadania tem sido um processo longo e penoso na história da sociedade brasileira se comparado com processos semelhantes ocorridos em sociedades de capitalismo desenvolvido. A conquista de diretos básicos para as crianças pequenas também passou e ainda passa por toda uma série de vicissitudes, e com o agravante da infância não ter o mesmo poder de pressão que os outros setores sociais adulto possuem.

Historicamente o pensamento tradicional e conservador, em nossa sociedade, associa como ideal para a criança pequena e sua educação a responsabilidade privada da instituição familiar a cargo da figura da mãe. Não caberia ao poder público o direito interferir nesse âmbito. Como ressalta Fortunati (2009) , mesmo quando propõe serviços para a infância o faz como “corolário das políticas para a família, e, como tal, serem incapazes de reconhecer às crianças sua dignidade e potencialidade de cidadania.” É o caso do surgimento na primeira metade do século XX, das experiências das creches para filhos de trabalhadores, pois quando o trabalho tira da mãe o cuidado materno, a solução de política pública encontrada será a creche, mas com o foco centrado num cuidar assistencial desfocado da intencionalidade do ato de educar.
Em contraponto a esse discurso tradicional e conservador, os setores progressistas e liberais da sociedade vão questionar esse modo de tratar a infância, e ao longo do século XX no Brasil vão testar novas experiências para trabalha com a criança pequena como os jardins de Infância – uma experiência voltada para as classes médias e embrião do atual modelo de educação infantil das escolas particulares -, e os parques infantis – experiência iniciada na década de 30, destinada a atender as crianças de baixa renda, de natureza não escolar, calcada nas práticas cultural e desportiva e que na década de 70 vai se transformar na atual escola municipal de educação infantil (EMEI) da rede de educação do município de São Paulo.
No Brasil, o conjunto dessas experiências desenvolvidas ao longo século XX, com suas concepções de infância, criança e educação distintas, com praticas pedagógicas distintas e para atender públicos distintos acabam se confluindo na década de 80 para fundar a atual Educação Infantil, cujo marco legal se dá com a aprovação da Constituição de 1988, que formaliza a própria expressão Educação Infantil e a torna um direito da criança, na parte dos direitos à educação (artigo 208, parágrafo IV) e também direito da família (artigo 227) quando trata dos direitos sociais.
Esse contexto dos anos 80 no Brasil traz consigo o acúmulo de transformações profunda ocorridas na sociedade durante as décadas de 60 e 70 do século passado. O Brasil, em um curto espaço de tempo, deixa de ser uma sociedade majoritariamente interiorana e agrária, com características culturais tradicionais e conservadoras, para se transformar numa sociedade urbana e industrial. Ganha força na sociedade uma nova classe média urbana e uma nova classe trabalhadora urbana, frutos dessas transformações. Em que pese a complexidade desses novos atores, novas demandas serão postas no jogo político, principalmente a equalização de diretos sociais já garantidos nos países de capitalismo desenvolvido, e entre eles os direitos da infância.

Há então um terreno fértil para se construir uma nova concepção de infância que implica também numa nova concepção de cultura adulta. É uma discussão que nasce nos movimentos de mulheres – nesse contexto de regime político autoritário dos anos 60, 70 e 80 – e se alastra por sociedade brasileira. Já nos anos 70, pela voz das mães, a criança pequena entra em cena. As experiências dos clubes de mães nas periferias das grandes cidades brasileira, dos questionamentos às creches existentes ou não existentes, de novas experiências pedagógicas com crianças pequenas, vai-se formando um movimento de afirmação da criança como sujeito de direitos, que enfrenta as concepções tradicionais e conservadoras da infância enquanto uma fase da vida, da criança como o futuro do país ou como um ser incompleto.

Para compreender o esforço que vários segmentos da sociedade brasileira estavam fazendo, o relato de experiência da professora Madalena Freire (1978) é exemplar. É o relato de uma prática de Educação Infantil que tem uma concepção de criança como sujeito. Há também um novo papel para o adulto professor que se relaciona com esse sujeito. Segundo Freire: “Daí a importância de salientar este papel do professor como organizador. Organizador no sentido, porem, de quem observa, colhe os dados, trabalho em cima deles, com total respeito aos educandos que não podem ser puros objetos de ação do professor (p.21).”

Se a proposta da Educação Infantil acabou ganhando corações e mentes e se consolidou como política publica geral a partir da Constituição de 1988, a execução dessa política no seu cotidiano não tem sido fácil, pois há ainda uma disputa de concepções sobre infância e educação que permanece com outras roupagens.

Quando citei o texto de Freire, eu o fiz na intenção de sinalizar que há algo de novo quando falamos em educação infantil que precisa ser levado em conta. Mas se atentarmos para o que se sucedeu no processo de regulamentação da Educação Infantil no pós Constituição perceberemos que ela tem sido pensada e realizada, por muitos segmentos, a partir dos pressupostos e fundamentos do ensino fundamental, ou seja, centrada nos conceitos de ensino e de escolarização.

Enquanto política pública, também essa perspectiva escolarizante na Educação Infantil vem ganhando corpos na regulação dos novos marcos legais. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB – (1996) definiu a Educação Infantil como a primeira etapa da Educação Básica, atendendo em creche a crianças de 0 a 3 anos e na pré-escola as crianças e 4 a 6 anos, de caráter não obrigatório, como direito da criança e da família, tendo o Estado a obrigação de oferecer à quem solicitar e tornou obrigatória a formação superior para os professores da Educação Infantil. O que ficou em aberto, e não resolvido, na LDB foi o financiamento da Educação Infantil. Em nome da escolarização se priorizou o ensino fundamental e se deixou a Educação Infantil em segundo plano, em fragrante contradição com os dispositivos constitucionais, ou seja, o poder público não garantindo o direito da criança pequena à creche e à pré-escola. Só com ação judicial é que muitos cidadãos garantiram esses direitos aos seus filhos.

Em recente artigo , o atual ministro da Educação Fernando Haddad enaltece as ultimas medidas que alteram o marcos legal superior da educação brasileiro – Constituição. Ele se refere às Emendas Constitucionais 53 de 2006 e 59 de 2009.

A EC 53 instituiu o ensino fundamental de 9 anos, ao tirar a criança de 6 anos da Educação Infantil. Segundo palavras escritas pelo próprio ministro no artigo: “As crianças das camadas pobres iniciam agora o ciclo de alfabetização na mesma idade que os filhos da classe média, aos seis anos, garantindo-se o direito de aprender a ler e escrever a todos.” Aqui, se fosse possível dialogar com o ministro, caberia algumas questões: Será que antecipar a entrada da criança das camadas pobre no ensino fundamental resolverá o problema da alfabetização? Será que se garantisse a Educação Infantil para todas as crianças das classes populares o resultado não seria melhor? Qual concepção de infância e educação tem quem defende que seja melhor perder um ano da Educação Infantil para antecipar a entrada no Ensino Fundamental?

A EC 59, entre outras coisas, amplia o ensino obrigatório para a idade de 4 a 17 anos. Aqui parece que se recorreu a famosa divisão salomônica. Aos reclamos da Educação Infantil por financiamento se resolve o problema pela metade. Garante-se a pré-escola das crianças de 4 e 5 anos, já que os de 6 anos foram para o ensino fundamental. Alguém poderia lembrar? E as crianças pequenas, abaixo de 4 anos? Não se garante a universalização, pois afinal a pré-escola é importante pois ajudará na certa as crianças das camadas pobres na alfabetização.

O que vem juntos com essas duas emendas constitucionais é uma priorização da escolarização e do ensino em detrimentos de uma proposta de Educação Infantil. É a preocupação se preparar a criança logo para o ingresso no mundo da cultura adulta, pois a cultura infantil não tem importância. O pior é que esse tipo de concepção tem grande audiência social, tanto que o ministro diz que os conteúdos dessas emendas foram consenso de situação e oposição para sua aprovação.
Mas, se por um lado há essa forte tendência de escolarização e uma concepção equivocada, que nega na prática o direito da criança à infância, há também brechas para o contraponto em minha opinião. As concepções de criança, de infância e de educação que nos últimos 30 anos vêm se consolidando como um novo paradigma da Educação Infantil tem que disputar, no sentido político da palavra, os espaços com as outras concepções de criança, de infância e de educação. Os fundamentos e pressuposto da Educação Infantil em muito poderiam contribuir para a superação da crise que vive o ensino fundamental. Até porque, em muitas redes, como a municipal de São Paulo, a professoras que atuam na Educação Infantil também atuam nos anos iniciais do ensino fundamental.

O desafio político para a Educação Infantil seria dar o contragolpe e influenciar as outras etapas da educação básica, que precisam trilhar mais pelos caminhos da “Educação” e menos pelo do “Ensino”.

Idade de entrada da criança no Ensino Fundamental

Comentários Moisés Basílio: 
Com a ampliação do Ensino Fundamental de oito anos para nove anos, que será totalmente implantado em 2010, os sistemas de ensino nacional, estaduais e municipais não se entenderam quanto à padronização da entrada.  
O que preocupa é essa ânsia, que vai da família ao poder público, de antecipar a entrada da criança na escola formal que se caracteriza pelo foco mais na "ensinagem" do que na "aprendizagem". 
É uma pena, pois desde a década de 80, principalmente depois da aprovação da Constituição, a Educação Infantil se desenvolveu muito no Brasil, e tem apresentado uma proposta pedagógica consistente de trabalhar com a criança pequena, respeitando seus direitos, principalmente o de viver plenamente a sua infância.
É triste ver uma criança de seis anos entrando às 7 horas da manhã, numa sala de aula, sentar numa carteira e ficar boa parte do tempo, até as 12 horas - 5 horas -, privadas do lúdico e sendo massacrada pela "ensinagem". A seguir uma notícia sobre a intenção que padronização e uma opinião critica. Axé!

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo - 27/11/2009 - Caderno Cotidiano

Conselho de Educação quer padronizar regra Órgão federal reunirá Estados, municípios e colégios privados para buscar data-limite nacional para criança entrar no ensino fundamental

Meta é que criança complete seis anos até fevereiro, início do ano letivo; dificuldade atual ocorre porque as redes já adotavam datas diferentes

DA REPORTAGEM LOCAL
O Conselho Nacional de Educação, ligado ao Ministério da Educação, reunirá em dezembro representantes de Estados, municípios e escolas particulares numa tentativa de criar uma data-limite nacional para que a criança, segundo o dia de nascimento, possa ser matriculada no primeiro ano do novo ensino fundamental.
O conselho teme que, caso a ausência de padronização permaneça, crianças novas demais entrem no ensino fundamental. Para o órgão, os alunos de cinco anos devem ter atividades lúdicas e brincadeiras, e não lições de alfabetização.
"Se um sistema estabelece dezembro como limite, a criança cursará todo o primeiro ano com cinco anos. É uma temeridade", diz o presidente da Câmara de Educação Básica do conselho, Cesar Callegari.
O órgão vai defender que o corte nacional seja fixado em fevereiro, início do ano letivo.
A dificuldade para a padronização ocorre porque parte das escolas já vinha adotando datas diferentes para o corte. O Estado de São Paulo, que fixou a data de aniversário limite em 30 de junho, tinha dezembro como corte anterior. Se passasse para fevereiro, a mudança seria demasiado brusca.
Mesmo com a decisão do Conselho Estadual de Educação, o corte das escolas estaduais e municipais localizadas apenas na cidade de São Paulo ficou definido em fevereiro.
Na cidade, a maioria dos colégios particulares fixou 30 de junho como corte. E parte deles faz a criança vinda de outro colégio, ainda que aprovada, repetir o ano caso ela não se enquadre no limite etário. A criança, então, refaz o estágio e entra no primeiro ano só no ano seguinte, já com seis anos. É o que ocorre nos colégios Santo Américo, onde o corte é em 31 de julho, e Vera Cruz. Os alunos que já estudavam lá não enfrentam o problema e continuam os estudos normalmente.
Há outras que aceitam as crianças, mas não automaticamente. A vida escolar anterior é analisada. Caso os professores julguem que elas têm condições de entrar no primeiro ano, são matriculadas.
Esse é o caso dos colégios Pentágono, Magno e Santa Maria. "Respeito a história do aluno e não olho só a data de nascimento", diz Cláudia Mileo, diretora do Pentágono. "É preciso olhar caso a caso", concorda Cláudia Tricate, do Magno. (RICARDO WESTIN E FÁBIO TAKAHASHI)

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo - 02/12/2009 - Caderno Cotidiano
Início precoce não garante vida escolar exitosa
ROSELY SAYÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Muitos pais de crianças que estão com cinco anos agora, principalmente se completados no segundo semestre, estão mergulhados em uma missão: convencer a escola de que o filho está apto a iniciar o Ensino Fundamental em 2010.
O maior problema é que o ano tem 12 meses e as crianças nascem em todos eles. Para resolver tal questão, talvez pudéssemos decretar o nascimento de crianças até 30 de junho, apenas. Pelo menos no Estado de São Paulo.
É essa a data de corte para a matrícula no primeiro ano do Ensino Fundamental por aqui. Isso faz com que pais de crianças que nasceram em meados de julho ou nos meses subsequentes contestem a medida.
Pais advogados ou de outras profissões têm mil argumentos dos mais lógicos e legais aos mais apaixonados e grosseiros na busca de tentar garantir ao filho o domínio da leitura, da escrita e da aritmética o mais cedo possível.
Quais as razões que os pais têm para essa atitude? Sem dúvida, o clima altamente competitivo em que vivemos. O raciocínio é o de que quanto mais cedo a criança começar o aprendizado formal, maiores seriam suas chances de se dar bem na vida futuramente.
Pesa também a quase certeza da precocidade das crianças: elas se viram muito bem com as mais variadas facetas do mundo adulto e muitas demonstram gosto pelas letras, números e tarefas escolares. Entretanto, estudos e pesquisas têm apontado que não há relação entre uma vida escolar exitosa com início precoce dela.
Talvez fosse mais interessante pensar no presente das crianças e não em seu futuro.
Na Educação Infantil, a criança goza ou deveria gozar de liberdade para aprender. Explora o mundo à sua volta de preferência em um ambiente amigável, confiável e seguro -ao seu modo, em seu tempo e sempre por meio de brincadeiras, sem ser dirigida por adultos, apenas acompanhada por estes. O grande aprendizado nessa época da vida é o que chamamos de socialização: aprender a conviver consigo mesma, com o grupo de pares e com adultos por eles responsáveis.
Para bem começar o Ensino Fundamental e o primeiro ano dele ainda deve ser de mais tempo dedicado ao brincar do que ao ensino formal a criança deve estar preparada para estar com os outros em um espaço comum, saber compartilhar, seguir sem grandes dramas as instruções dadas, acatar as orientações dos adultos e estar pronta para crescer. Tudo isso é muito mais importante que suas habilidades com letras e números.
Colocar a criança antes dos seis anos nesse clima é queimar uma etapa em sua vida, é colocá-la sob pressão. Em nome dos anseios dos adultos? Não vale a pena já que sabemos que toda etapa queimada, um dia volta. Só não sabemos como.