domingo, novembro 08, 2009

Onde eu estava quando o muro caiu?

Comentários Moisés Basílio: 
A provocativa pergunta da Folha de S. Paulo me vez fuçar nos resquícios de minha memória de 20 anos a trás. Na época era profissionalizado na política e exercia um mandato partidário na direção executiva do PT paulistano. Era o primeiro ano do governo Luiza Erundina e também ano da primeira eleição presidencial depois do golpe militar. Minha posição política no PT estava nos campos da esquerda heterodoxa e da Igreja Católica Popular, da Teologia da Libertação. 
Lembro que por volta do dia 9 de novembro, quando o muro caiu, estava empenhado na reta final da disputa eleitoral do primeiro turno da eleição presidencial que iria levar Lula para o segundo turno com o famigerado Collor. Estava na euforia do Lula ter ultrapassado o Brizola nas pesquisas e estávamos jogando o tudo ou nada. Alugamos uma perua e junto com um grupo de oito militantes, deixamos tudo para trás e fazíamos campanhas o tempo todo na zona leste. De madrugada - a partir das 5 horas da manhã - as portas das fábricas do Belém, Mooca, Vila Prudente etc. Entre oito e 10 horas da manhã íamos para centros comerciais dessas regiões fazer propagando e entregar material de campanha. Entre 10 e 13 horas íamos para as feiras dos bairros populares. Depois do almoço, a partir das 15 horas, voltávamos aos centros comerciais ou aos mutirões de casa em casa pelas ruas dos bairros. Final de tarde e início de noite, de novo a porta de fábricas, porta de escolas etc. 
Longe de representar o fim do socialismo, a queda do muro para mim era a esperança de que algo de novo principiava no mundo e justificava minhas apostas num partido como o PT. Lembro que dois anos antes, num encontro nacional do PT, meu grupo político causou polêmica ao criticar os acordos da secretaria de formação política do PT com o Partido Comunista da Alemanha Oriental, que foram feitos sem discussão ampla no partido. Quando o muro caiu, vários petistas estavam na Alemanha Oriental se formando ou se "deformando".
Queda do muro de Berlim e da esquerda stalinista, Lula lá, governo da Erundina, lutas sociais e populares por todo o país. Para mim foi um tempo de festas, alegrias e transformações libertárias. Axé!
 
Depoimentos publicados no Jornal Folha de S. Paulo - caderno Mais - 8/11/2009. 
por Silviano Santiago, crítico "Devia estar no Rio, onde moro. Nenhuma associação estranha me surge na memória. Acresce o fato de que pouco me assustei com as manchetes do dia. Era o esperado (pelo menos, para mim). Poucos sabem que, poucos meses antes, tendo ido à Alemanha Oriental visitar um colega da Universidade Humboldt, fui detido na fronteira pela Stasi [polícia política da Alemanha Oriental] e levado a um cubículo do tipo três por quatro metros quadrados, onde fui interrogado em espanhol por dois oficiais. Eu havia comprado fitas cassete com música clássica numa loja do bulevar Unter den Linden e acreditavam que trazia mensagens gravadas para o Ocidente. Meu pacote com as fitas, um dicionário e a nota de compras foram confiscados. Depois de analisados em outro local, devolveram-me os pertences e me liberaram. A brincadeira de mau gosto durou uma boa hora e ela, sim, me assustou. Tendo chegado a tal ponto a espionagem política e a paranoia, esperava a queda iminente do Muro de Berlim." por Ferreira Gullar, poeta "Não me lembro exatamente onde eu estava em novembro de 1989, devia estar no Rio de Janeiro. Recebi a notícia da queda do muro como algo muito importante. Era realmente o fim do sistema [socialista]. Sua queda foi o resultado de todo o processo de derrocada do socialismo real. A esquerda foi atingida e perdeu a perspectiva: ela não imagina mais que, após a derrocada do sistema socialista, vá fazer a revolução." por Cildo Meireles, artista "Cerca de um mês antes da queda do muro, eu almocei em São Paulo com Joachim Sartorius [então diretor do programa de artistas do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico]. Ele propôs que eu tentasse esse programa. Combinei de ligar para ele da Europa, pois iria para a França. Estava em Paris no dia da queda do muro, mas fui dormir sem saber da notícia. No dia seguinte, liguei para o Sartorius e ouvi a hesitação em sua voz. Senti que algo ocorrera. Depois fui saber que não só o muro havia sido derrubado, como o escritório da organização tinha vista para o muro. Claro, não era só para eles que muita coisa iria mudar..." por Eduardo Coutinho, cineasta
"Acho que eu estava no Rio de Janeiro. Não fiquei eufórico. Houve uma "implosão". O socialismo já estava caindo aos pedaços e a queda do muro foi a culminação. Em 1968, eu estava em Praga [capital da Tchecoslováquia] e presenciei a invasão soviética. Percebi que aquilo não poderia durar.
No entanto ninguém previa que o muro cairia. A esquerda teve que começar do zero.
Eu estive em Berlim antes do muro, em 1957. Fiquei numa pensão em Berlim Ocidental. Era uma outra época.
Depois disso, estive [novamente na cidade] no festival de cinema, em 1985, mas não tive nenhuma impressão do muro. Berlim [Ocidental] era então uma cidade muito liberal, muito aberta.
A queda foi a culminação de um processo. É símbolo de algo que já estava em decomposição."

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