quarta-feira, novembro 04, 2009

LÉVI-STRAUSS - Adeus ao grande mestre!


Comentários Moisés Basílio: O grande mestre tem me acompanhado ao longo de toda a minha formação acadêmica. Entrei em contato com seu pensamento nos anos 80 quando cursei Ciências Sociais na PUC/SP. O professor Edgar de Assis Carvalho foi quem me deu preciosas chaves para entrar no universo do grande mestre. O obituário da Professora Manuela Carneiro da Cunha, que conviveu de perto com o mestre, traçam um bom roteiro para compreendermos a sua importância para a antropologia. Chorarei sua morte lendo sua obra. Axé! 




E assim se passaram 100 anos.
Edgard de Assis Carvalho, professor de titular de Antropologia, PUCSP.
Março de 2008.
Fonte: Sítio do Instituo de Estudos da Complexidade - clique

O ano de 1908 foi de convergências e sincronicidades. Nasceram Claude Lévi-Strauss e Maurice Merleau-Ponty. Simone de Beauvoir também veio ao mundo nessa data. Isso na França. Merleau-Ponty partiu em 1962, Simone, o Castor como era tratada na intimidade, em 1986, seis anos após a morte de Jean-Paul Sartre.  Aqui no Brasil, deixava a convivência dos vivos o nosso Machado de Assis. Aos 100 anos, Lévi-Strauss permanece na ativa, desafiando pesquisadores, comentadores, críticos.  Por coincidência ou não, estamos diante de quatro pensadores fulgurantes, cujas obras terão muito a dizer para a nossa e as gerações futuras desse século 21 globalizado,  tirânico, intolerante, líqüido e, simultaneamente, esperançoso e civilizatório.
Centenários sempre provocam comemorações, exposições, colóquios como esse Narradores do sensível voltado para Lévi-Strauss e Merleau-Ponty. O que há de comum entre os dois? Obstinadamente apaixonados pela liberdade, ambos ultrapassam fronteiras disciplinares, desfazem barreiras entre ciências e artes.  Universalistas, são autores de uma obra multidimensional que nos faz meditar sobre os percalços da condição humana em sua aventura na Terra.
Fazer Antropologia, diz Merleau-Ponty, exige um longo processo de transformação de si mesmo, para que o contato com o outro não seja cercado de exotismos e relativismos complacentes. Além disso,  o antropólogo deve entender que não é um objeto particular o que define sua especialidade, mas uma maneira de pensar que combina universal e particular, singular e plural.
Desde 1949, Lévi-Strauss passou a fustigar a fronteira entre natureza e a cultura, fato inédito para uma Antropologia que se gabava de harmonias funcionalistas e neo-evolucionismos classificatórios. Claro que a lingüística é fundamental em suas idéias,  claro também que, apesar de detestar viagens, sua vinda aos tristes trópicos, entre 1935 e 1937, como integrante da missão francesa, fornece pistas para o entendimento e decifração da relação vida e idéias.
Muitos anos mais tarde, em 1994 e 1996, com a discrição que lhe é peculiar, ao falar das saudades  que sente do Brasil e, em especial, da cidade de São Paulo, são as imagens fotográficas que se superpõem à narrativa escrita. O que elas transmitem, afirma Lévi-Strauss, é a impressão de um vazio, de uma falta. Ou seja, por mais técnicas que sejam, as fotografias não captam o fluxo da vida. Paralisam o tempo, congelam o acontecimento. Redescobri-las implica exercitar a sensibilidade, excitar a mente, perceber a instabilidade e a descontinuidade da história.
Os processos históricos, porém, só adquirem inteligibilidade por meio do conceito de estrutura. Resta saber como os homens percebem e vivem o mundo dos acontecimentos. Não se dão conta deles. Há algo recalcado, recalcitrante, inerte, inconsciente, situado nas profundezas da alma que impede que isso seja feito. A estrutura reorganiza a ordem vivida, é propriedade do real que passa a ser visto de maneira mais elegante e fina. Tem duas faces, como o deus Jano do panteão romano, representado por dois rostos que se opõem, um que olha para frente, outro para trás.
Como o pensamento sempre pensa bem, a sensibilidade entra em ação, às turras com os mandos e desmandos da razão. Razão e sensibilidade são faces da mesma moeda, como os dois rostos de Jano.  Por mais que se queira fragmentar a existência, ela resiste, e com muita tenacidade e perseverança. Dilacerada no deserto do real,  busca rejuntar seus pedaços, totalizar, religar, propor novos sentidos aos desatinos humanos.
As mitologias são exemplo disso. Linguagens da imaginação, apropriam-se das poeiras de estrelas deixadas pelo rastro do tempo, solucionam contradições, invertem a relação natureza-cultura e a seqüência presente-passado-futuro.  Por isso, devem ser percebidas como músicas que exigem atenção dedicada do ouvinte. Música e linguagem põem nossos sentidos constantemente à prova. Os mitos, afirma Lévi-Strauss, sempre querem dizer a mesma coisa. Não são específicos de nenhuma sociedade, dessa ou daquela população. São respostas irônicas ou desencantadas para problemas intemporais. Constituem, portanto, patrimônio universal da cultura.
Injustamente acusado de negligenciar a história, de não dar a mínima para a luta dos homens, de pregar uma nostalgia do absoluto, Claude Lévi-Strauss nos faz ver o mundo de outra forma. Sua paixão pelo entendimento é de tal ordem que nos leva a perceber que somos meros grãos de areia, infinitamente pequenos, filhos do cosmo e, como tal, impermanentes e provisórios. “Permitam, portanto, meus caros colegas, depois de haver prestado homenagem aos mestres da antropologia no início dessa aula, que minhas últimas palavras sejam voltadas para os selvagens, cuja obscura tenacidade nos propicia, ainda, a oportunidade de perceber os fatos humanos em suas verdadeiras dimensões”. Esse fragmento da aula inaugural do Collège de France, proferida em 5 de janeiro de 1960, é simultaneamente parte e todo de sua vastíssima obra. É dessa tenacidade que precisamos urgentemente!  

 Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 8/112/2009 - caderno Mais.

Grande homem, grande pensador
Manuela Carneiro da Cunha rebate o obituário publicado pelo "New York Times", que chamou o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, morto no dia 1º, de "pedante"

MANUELA CARNEIRO DA CUNHA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há pelo menos 20 anos me pedem para deixar escrito e preparado um obituário de Claude Lévi-Strauss e há 20 anos tenho recusado.
Hoje [quarta-feira, 4/11] li o obituário dele publicado no "New York Times" e fiquei indignada com sua lista de inanidades: quase todas as leituras equivocadas de sua obra estão lá, quase todas as distorções do seu pensamento e do seu estilo também, quase todos os preconceitos de quem não se deu ao prazer de o ler.
Achei que pelo menos no Brasil, se não nos EUA, tínhamos o dever de assinalar a grandeza desse homem.
Lévi-Strauss não foi só um antropólogo -o maior dos antropólogos, como bem disse Steve Hugh Jones, professor na Universidade de Cambridge, no ano passado-, ele foi um pensador originalíssimo e um escritor admirável.
Um homem sintonizado com a ciência e a arte, cujos interesses iam da matemática à cosmologia, às ciências da vida, à filosofia, à música.
Descrito como cerebral por quem não vê mais longe do que o próprio nariz, ao contrário Lévi-Strauss tinha uma sensibilidade rara para o mundo material.
As descrições que faz em "Tristes Trópicos" [Cia. das Letras], a minúcia com que conhece bichos, plantas e constelações e os faz figurar nas suas análises de mitologia, sua recuperação da lógica do sensível no livro "O Pensamento Selvagem" [Papirus], tudo isso atesta, para quem o sabe ler, a convergência rara da inteligência e da sensibilidade.

Respeito imediato
Lévi-Strauss, contrariamente ao que estupidamente se publicou no "New York Times", era tudo menos pedante.
Tinha um pensamento límpido, sintético, e plena consciência das implicações do que estava afirmando.
Tinha também o dom extraordinário de falar exatamente como escrevia. Era como se sua prosa elegante fosse o fruto espontâneo de seu pensamento. Impunha um respeito imediato.
Por mais que ele sempre tivesse sido amigável comigo, por mais que me tivesse apoiado, escrito e encorajado, nunca deixei de ficar intimidada na sua presença.
Ainda no "New York Times", se faz referência à famosa frase que abre "Tristes Trópicos" -"Odeio viagens e exploradores"- para apoiar as críticas absurdas de que Lévi-Strauss não tinha apreço pela etnografia e pelo trabalho de campo.
Difícil ter maior apreço do que ele, que, contrariamente a Edmund Leach, que o difundiu na Inglaterra (sem jamais o ter bem compreendido), nunca autorizou a análise de mitos sem o conhecimento profundo da etnografia e do ambiente.
Era, sem dúvida, e confessadamente, um cientista que gostava de seu gabinete -gabinete [em Paris] que aliás conservou e frequentou quase até o fim e que, após a mudança de endereço do Laboratório de Antropologia Social para a antiga Escola Politécnica, tinha-se tornado um ninho de águia dominando o Laboratório.
Mas as viagens que fez no Brasil dos anos 1930 foram excepcionais não somente pela sua dificuldade e extensão mas também pelas análises que geraram. Recolocando a frase de "Tristes Trópicos" em seu contexto, e vendo o uso que ele faz dos cronistas do Brasil do século 16, entende-se do que ele está falando. Basta ler.
A voga do estruturalismo nos anos 1960 foi um desserviço para Lévi-Strauss.
Se por um lado o tornou mundialmente famoso, também o assimilou de modo espúrio a outros autores como Althusser e Lacan- com quem não tinha, na realidade, afinidade intelectual.
De Lacan, seu amigo pessoal, ele dizia que nunca o tinha entendido. E não há nada mais diferente de Lévi-Strauss do que Althusser. E, sobretudo, exatamente porque foi moda, foi substituída por outras modas que lhe sucederam.

Ambientalismo
Talvez por isso, Lévi-Strauss dizia que tinha vivido demais, que tinha presenciado seu próprio esquecimento. Mas viveu afinal o bastante para perceber que seu pensamento estava sendo redescoberto, dessa vez por filósofos ainda mais do que por antropólogos.
Reparem que escrever, no auge de sua glória, os quatro volumes das (grandes) "Mitológicas" [Cosac Naify] foi uma empresa espantosa.
Ele já tinha dado o programa e os alicerces da obra em artigos e um livro. Mas resolveu empreender sozinho e com meios artesanais a análise detalhada de centenas de mitos das Américas, reconstituir -usando a própria prodigiosa intuição- as lógicas que presidem esse conjunto e usar declaradamente seu próprio pensamento como revelador do pensamento ameríndio e do pensamento mítico em geral.
Um grande homem.
Um homem também à frente de seu tempo, precursor do ambientalismo e da defesa dos direitos dos animais.

Defesa dos animais
Lévi-Strauss não proclamou só a unidade dos mecanismos do pensamento na espécie humana, ele também denunciou a crueldade absurda de um mundo ordenado para servir a humanidade e destruído a seu bel-prazer.
Dito claramente: Lévi-Strauss foi um grande homem e um grande pensador, e as futuras gerações terão ainda o prazer de o descobrir.

MANUELA CARNEIRO DA CUNHA é antropóloga, professora aposentada da Universidade de Chicago (EUA) e autora de "Cultura com Aspas" (ed. Cosac Naify), entre outros livros.

Leia a tradução do obituário do jornal "New York Times"
www.folha.com.br/093092


Fonte: Folha Online - 08/11/2009 - 02h31

Leia obituário do "New York Times" sobre Claude Lévi-Strauss

EDWARD ROTHSTEIN
do New York Times
Claude Lévi-Strauss, o antropólogo francês cujos estudos revolucionários sobre aquele que até então era visto como "homem primitivo" transformaram a compreensão ocidental da natureza da cultura, dos costumes e da civilização, morreu aos cem anos de idade.
Seu filho Laurent disse que Lévi-Strauss morreu de parada cardíaca no fim de semana em sua casa em Paris. Sua morte foi anunciada na terça-feira, no mesmo dia em que ele foi sepultado no vilarejo de Lignerolles, na região da Côte-d'Or, a sudeste de Paris, onde ele tinha uma casa de campo.
"Ele tinha expressado o desejo de ter um funeral discreto e sóbrio, com seus familiares, em sua casa de campo", disse seu filho. "Ele era apegado a este lugar; gostava de fazer caminhadas na floresta, e o cemitério onde foi enterrado fica ao lado dessa floresta."
Pensador marcante e de enorme influência, Lévi-Strauss, com seus estudos das mitologias de tribos primitivas, transformou a maneira como o século 20 passou a compreender a própria civilização. Ele argumentou que as mitologias tribais revelam sistemas lógicos de sutileza notável, exibindo qualidades mentais racionais tão sofisticadas quanto as das sociedades ocidentais.
Lévi-Strauss rejeitava a ideia de que as diferenças entre sociedades não fossem importantes, mas se concentrava nos aspectos comuns das tentativas da humanidade de entender o mundo. Ele se tornou o maior expoente do chamado estruturalismo, uma escola de pensamento segundo a qual "estruturas" universais seriam subjacentes a toda a atividade humana, dando forma a culturas e criações aparentemente díspares.
Seu trabalho exerceu influência profunda até mesmo sobre seus críticos, dos quais houve muitos. Não houve sucessor comparável a ele na França. E seus escritos --que misturam pedantismo e poesia e são repletos de justaposições ousadas, argumentos complexos e metáforas elaboradas-- se assemelham a muito pouco do que veio antes na antropologia.
"As pessoas se dão conta de que ele é um dos grandes heróis intelectuais do século 20", disse em novembro passado Philippe Descola, presidente do departamento de antropologia do Collège de France, em entrevista ao "New York Times" no centenário do nascimento de Lévi-Strauss. Lévi-Strauss era tão reverenciado que a ocasião foi comemorada em pelo menos 25 países.
Descendente de uma família judaica francesa artística e distinta, Lévi-Strauss era um intelectual francês emblemático, tão à vontade na esfera pública quanto no mundo acadêmico. Ele lecionou em universidades de Paris, Nova York e São Paulo e também trabalhou para as Nações Unidas e para o governo francês.
Seu legado é imponente. "Mitológicas", sua obra em quatro volumes sobre a estrutura da mitologia indígena nas Américas, procura fazer nada menos que uma interpretação do mundo da cultura e dos costumes, moldada pela análise de várias centenas de mitos de tribos e tradições pouco conhecidas. Os volumes --"O Cru e o Cozido", "Do Mel às Cinzas", "A Origem dos Modos à Mesa" e "O Homem Nu", publicados entre 1964 e 1971-- desafiam o leitor com seu entremear complexo de temas e detalhes.
Na análise que fazia dos mitos e da cultura, Lévi-Strauss podia contrastar imagens de macacos e onças; analisar as diferenças de significado entre alimentos assados e fervidos em água (os canibais, ele sugeriu, tendiam a ferver seus amigos e assar seus inimigos) e traçar ligações entre histórias mitológicas esdrúxulas e complexas leis de casamento e parentesco.
Muitos de seus livros incluem diagramas que se assemelham a mapas de geometria interestelar, fórmulas que evocam técnicas matemáticas e fotos em preto e branco de rostos escarificados e rituais exóticos, feitas por ele durante seus trabalhos de campo.
"O Pensamento Selvagem"
Suas interpretações de mitos norte e sul-americanos foram fundamentais para transformar a visão ocidental das chamadas sociedades primitivas. Lévi-Strauss começou a desafiar o pensamento convencional a respeito destas pouco depois de iniciar suas pesquisas antropológicas, na década de 1930 --uma experiência que se tornou a base de um livro aclamado lançado em 1955, "Tristes Trópicos", uma espécie de meditação antropológica baseada em suas viagens no Brasil e em outras regiões.
A visão comumente aceita era de que as sociedades primitivas eram intelectualmente pouco imaginativas e temperamentalmente irracionais, baseando suas abordagens à vida e à religião na busca pela satisfação de necessidades urgentes de alimento, roupa e abrigo.
Lévi-Strauss resgatou os objetos de seus estudos dessa visão limitada. Começando com as tribos cadiuéu e bororo de Mato Grosso, onde ele fez seus primeiros e fundamentais trabalhos de campo, Lévi-Strauss identificou entre eles uma busca obstinada não apenas por satisfazer suas necessidades materiais, mas também por compreender origens; uma lógica sofisticada que regia até mesmo os mitos mais bizarros, e um senso implícito de ordem e desígnio, mesmo entre tribos que praticavam a guerra de maneira implacável.
Seu trabalho elevou o status da "mente selvagem", expressão que se tornaria o título inglês ("The Savage Mind") de uma de suas obras mais contundentes, "O Pensamento Selvagem" (1962).
"A sede de conhecimento objetivo", escreveu, "é um dos aspectos mais comumente ignorados do pensamento das pessoas que chamamos de 'primitivas'."
O mundo das tribos primitivas estava desaparecendo rapidamente. Entre 1900 e 1950, mais de 90 tribos e 15 línguas tinham deixado de existir, apenas no Brasil. Esse era outro dos temas recorrentes de Lévi-Strauss. Ele receava o crescimento de uma "civilização massificada", de uma "monocultura" moderna. Às vezes expressava uma repulsa irritada pelo Ocidente e "sua própria imundície, atirada no rosto da humanidade".
Nessa aparente exaltação da mente selvagem e denigrescimento da modernidade ocidental, Lévi-Strauss escrevia dentro da tradição do romantismo francês, inspirado pelo filósofo setecentista Jean-Jacques Rousseau, a quem reverenciava. Foi uma visão que ajudou a moldar sua reputação pública na era do romantismo contracultural dos anos 1960 e 1970.
Mas esse romantismo simplificado, além do relativismo cultural que ganhou forma nas décadas seguintes, também era uma distorção de suas ideias. Para Lévi-Strauss, o selvagem não é intrisecamente nobre ou de qualquer maneira "mais próximo da natureza". Lévi-Strauss se mostrou devastador, por exemplo, em suas descrições dos cadiuéus, que retratou como uma tribo que se rebelava contra a natureza --e, portanto, estava condenada-- a tal ponto que evitava a procriação, optando por "reproduzir-se" por meio do sequestro de crianças de tribos inimigas.
Suas descrições de tribos indígenas das Américas do Norte e do Sul guardam pouca relação com os clichês sentimentais e bucólicos que se tornaram comuns. Lévi-Strauss também traçava distinções nítidas entre o primitivo e o moderno, focando no desenvolvimento da escrita e da consciência histórica.
Foi uma consciência da história, a seu ver, que teria permitido o desenvolvimento da ciência e a evolução e expansão do Ocidente. Mas ele temia pelo destino do Ocidente, que, segundo escreveu no "New York Review of Books", estava "se permitindo esquecer ou destruir seu próprio legado". Ele também sugeriu que, com a perda da potência do mito no Ocidente moderno, a música teria assumido a função do mito. A música, argumentou, com seu poder narrativo primal, possui a capacidade de sugerir as forças e ideias conflitantes que estão nos fundamentos da sociedade.
Mas Lévi-Strauss rejeitou a ideia de Rousseau de que os problemas da humanidade decorrem das distorções humanas da natureza. Na visão dele, não existe alternativa a essas distorções. Cada sociedade precisa se criar a partir da matéria-prima da natureza, ele pensava, tendo a lei e a razão como suas ferramentas essenciais. Essa aplicação da razão, ele argumentava, cria estruturas universais que são encontradas em todas as culturas e todos os tempos.
Lévi-Strauss se tornou conhecido como estruturalista devido a sua convicção de que existe uma unidade estrutural subjacente a toda a criação humana de mitos, e ele demonstrou como esses motivos universais se expressam nas sociedades, até mesmo no desenho espacial de uma aldeia.
Para Lévi-Strauss, a mitologia de todas as culturas é erguida em torno de oposições: quente e frio, cru e cozido, animal e humano. E é por meio desses conceitos opostos, "binários", disse ele, que a humanidade interpreta o mundo.
Era tudo muito diferente das questões que até então preocupavam a maioria dos antropólogos. A antropologia até então havia tradicionalmente buscado trazer à tona as diferenças entre culturas, e não descobrir suas estruturas universais. Ela se preocupara não com ideias abstratas, mas com as particularidades de rituais e costumes, com sua coleta e catalogação.
A abordagem "estrutural" de Lévi-Strauss, buscando elementos universais da mente humana, chocou-se com aquela visão da antropologia. Lévi-Strauss não procurou determinar as diversas finalidades das práticas e dos rituais de uma sociedade. Jamais se interessou pelo tipo de trabalho de campo empreendido por antropólogos de uma geração posterior, como Clifford Geertz, que observaram e analisaram sociedades como que de seu interior. (Ele iniciou "Tristes Trópicos" com a declaração "odeio viajar e odeio exploradores".)
Ideias que agitaram seu campo
Como ele escreveu em "O Cru e o Cozido" (1964), Lévi-Strauss considerou que tinha levado "a pesquisa etnográfica na direção da psicologia, da lógica e da filosofia".
Em palestras dadas pela rádio à Canadian Broadcasting Corporation em 1977 (publicadas como "Myth and Meaning", Mito e Significado), Lévi-Strauss demonstrou como poderia ser feita uma análise estrutural de um mito. Ele citou um relato segundo o qual no século 17, no Peru, quando fazia fria intenso, um sacerdote convocava todos os que tinham nascido pelos pés primeiro, que tivessem lábio leporino ou fossem gêmeos. Essas pessoas então eram acusadas de serem responsáveis pelo tempo frio e eram ordenadas a fazer penitência. Mas por que esses grupos? Por que gêmeos e pessoas com lábio leporino?
Lévi-Strauss citou uma série de mitos norte-americanos que associam gêmeos a forças naturais opostas: ameaça e esperança para o futuro, perigo e expectativa. Um mito, por exemplo, inclui uma lebre mágica, um coelho, cujo focinho é rachado em uma briga, resultando literalmente em um lábio leporino, o que sugere uma condição gêmea incipiente. Com suas injunções, o sacerdote peruano parecia ter consciência de associações entre desordem cósmica e o poder latente dos gêmeos.
As ideias de Lévi-Strauss abalaram o campo da antropologia. Mas seus críticos foram muitos. Eles o atacaram por ignorar a história e a geografia, empregando mitos de um lugar e tempo para ajudar a lançar luz sobre mitos de outro, sem demonstrar qualquer conexão ou influência direta.
Em uma influente análise crítica da obra de Lévi-Strauss escrita em 1970, o antropólogo da Universidade Cambridge Edmund Leach escreveu: "Mesmo hoje, apesar de seu prestígio imenso, os críticos entre seus colegas de profissão superam muito em número os discípulos".
O próprio Leach duvidava de que Lévi-Strauss, durante seus trabalhos de campo no Brasil, pudesse ter conversado com "qualquer um de seus informantes indígenas em sua língua nativa" ou permanecido por tempo suficiente para confirmar suas primeiras impressões. Alguns dos argumentos teóricos de Lévi-Strauss, incluindo suas explicações sobre os canibais e seus gostos, foram contestados por pesquisas empíricas.
Lévi-Strauss reconheceu que sua força estava nas interpretações que fez do que descobriu. Ele pensava que seus críticos não tinham dado crédito suficiente ao impacto cumulativo dessas especulações. "Por que não admiti-lo?", disse certa vez a um entrevistador, Didier Eribon, em "De Perto e de Longe". "Não levei muito tempo a descobrir que eu era um homem feito mais para os estudos que para o trabalho em campo."
Claude Lévi-Strauss nasceu em 28 de novembro de 1908, em Bruxelas, filho de Raymond Lévi-Strauss e de Emma Levy, que estavam vivendo na Bélgica na época. Ele cresceu na França, perto de Versalhes, onde seu avô era rabino e seu pai, pintor retratista. Seu bisavô Isaac Strauss foi um violonista em Estrasburgo que foi mencionado por Berlioz em suas memórias. Quando criança, Lévi-Strauss gostava de colecionar objetos de toda espécie e os justapor. "Eu tinha paixão por curiosidades exóticas", disse em "De Perto e de Longe". "Minhas pequenas economias iam todas parar em lojas de artigos de segunda mão." Um conjunto de antiguidades da coleção de sua família, ele contou, foi exposto no Museu de Cluny, em Paris; outros objetos da coleção foram roubados depois de a França ser dominada pelos nazistas, em 1940. Entre 1927 e 1932, Lévi-Strauss se graduou em direito e filosofia na Universidade de Paris, depois lecionou em um colégio de segundo grau local, o Liceu Janson de Sailly, onde seus colegas professores incluíram Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Mais tarde ele se tornou professor de sociologia na Universidade de São Paulo, de influência francesa.
Gosto pela aventura
Decidido a tornar-se antropólogo, ele começou a fazer viagens pelo interior do Brasil, acompanhado por Diana Dreyfus, com que se casou em 1932. "Eu procurava uma maneira de conciliar minha formação profissional com meu gosto pela aventura", disse ele em "De Perto e de Longe", acrescentando: "Senti que estava revivendo as aventuras dos primeiros exploradores do século 16".
Seu casamento com Dreyfus terminou em divórcio, assim como um casamento subsequente, em 1946, com Rose-Marie Ullmo, com quem teve seu filho Laurent. Em 1954 Lévi-Strauss se casou com Monique Roman, e também eles tiveram um filho, Matthieu. Além de Laurent, Lévi-Strauss deixa sua esposa, Matthieu e os dois filhos de Matthieu.
Lévi-Strauss deixou de lecionar em 1937 para dedicar-se a trabalhos de campo, retornando à França em 1939 para levar seus estudos adiante. Mas, na véspera da Segunda Guerra Mundial, foi convocado pelo Exército francês para atuar como contato com as tropas britânicas. Em "Tristes Trópicos", ele descreve sua "retirada desordenada" da Linha Maginot depois da invasão da França por Hitler, fugindo em caminhões de gado e dormindo em "currais de ovelhas".
Em 1941 Lévi-Strauss foi convidado para ser professor visitante na Nova Escola de Pesquisas Sociais, em Nova York, com ajuda da Fundação Rockefeller. Ele descreveu esse período como "o mais frutífero de minha vida". Passava tempo na sala de leitura da Biblioteca Pública de Nova York e tornou-se amigo do respeitado antropólogo americano, mas nascido na Alemanha, Franz Boas e do linguista (e estruturalista) nascido na Rússia Roman Jakobson.
Ele também passou a integrar um círculo de artistas e surrealistas que incluía Max Ernst, André Breton e Dolorès Vanetti, futura amante de Jean-Paul Sartre. Vanetti, disse Lévi-Strauss em "Conversations", compartilhava sua "paixão por objetos", e os dois faziam visitas regulares a uma loja de antiguidades de Manhattan que vendia artefatos do Noroeste Pacífico. Essas excursões deixaram Lévi-Strauss com "a impressão de que tudo o que há de essencial nos tesouros artísticos da humanidade podia ser encontrado em Nova York".
Após a guerra, Lévi-Strauss estava tão determinado a levar adiante seus estudos em Nova York que recebeu do governo francês o cargo de adido cultural, que exerceu até 1947. Retornando à França, recebeu um doutorado em letras da Universidade de Paris em 1948 e foi curador associado do Museu do Homem, em Paris, em 1948 e 1949. Seu primeiro grande livro, "As Estruturas Elementares do Parentesco", foi publicado em 1949. (Alguns anos mais tarde, o júri do Prêmio Goncourt, o mais famoso prêmio literário da França, disse que teria dado o prêmio a "Tristes Trópicos", seu híbrido de livro de memórias e relato de viagens antropológico, se tivesse sido ficção.)
Depois de a Fundação Rockefeller ter feito uma doação à École Pratique des Hautes Études, em Paris, para a criação de um departamento de estudos sociais e econômicos, Lévi-Strauss tornou-se o diretor de estudos da escola, cargo no qual permaneceu de 1950 a 1974.
Seguiram-se outros cargos. Entre 1953 e 1960, Lévi-Strauss foi secretário-geral do Conselho Internacional de Ciência Social da Unesco. Em 1959 ele foi nomeado professor do Collège de France. Foi eleito para a Academia Francesa em 1973. Em 1960 Lévi-Strauss já tinha fundado o "L'Homme", periódico que seguiu o modelo da "The American Anthropologist".
Nos anos 1980 o estruturalismo, conforme visualizado por Lévi-Strauss, deu lugar aos pensadores franceses que se tornaram conhecidos como pós-estruturalistas: escritores como Michel Foucault, Roland Barthes e Jacques Derrida. Eles rejeitavam a ideia das estruturas universais atemporais e argumentavam que história e experiência eram muito mais importantes que leis universais na formação da consciência humana.
"A sociedade francesa, e a parisiense em especial, é voraz", respondeu Lévi-Strauss. "A cada cinco anos, mais ou menos, sente a necessidade de encher sua boca com algo novo. Assim, cinco anos atrás era o estruturalismo, e agora é outra coisa. Praticamente não ouso mais usar a palavra 'estruturalista', tão gravemente ela foi deformada. Eu certamente não sou o pai do estruturalismo."
Mas é possível que a versão de estruturalismo proposta por Lévi-Strauss acabe sobrevivendo ao pós-estruturalismo, assim como Lévi-Strauss sobreviveu à maioria de seus expoentes. Sua obra monumental "Mitológicas" pode até assegurar seu legado, se não como explicador das mitologias, como seu criador.
O volume final de "Mitológicas" termina com a sugestão de que a lógica da mitologia é tão poderosa que os mitos quase têm uma vida independente dos povos que os contam. Na visão de Lévi-Strauss, os mitos falam através da humanidade, e, por sua vez, se tornam as ferramentas com as quais a humanidade se concilia com o maior mistério do mundo: a possibilidade de não ser, o fardo da mortalidade.
Colaborou Nadim Audi, de Paris
Tradução de Clara Allain
Este texto foi publicado originalmente no jornal "The New York Times"
 

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