terça-feira, maio 13, 2008

120 anos da abolição. O que comemorar?

Comentários Moisés Basílio: Em 13 de maio de 1888, na cidade do Rio de Janeiro, naquela época Capital do Brasil e sede da Corte, a pressão de um amplo Movimento Popular Abolicionista, as mudanças da estrutura econômica do país com o crescimento do trabalho assalariado nas lavouras de café, a pressão da comunidade internacional contra a escravidão, e depois de anos de discussões, finalmente o Congresso Nacional de então aprova o projeto de lei que põe fim ao regime de escravidão no Brasil. Com a ausência do Imperador D. Pedro II, que estava em viagem, coube a Princesa Isabel, representante legal do poder executivo nacional assinar e promulgar o que ficou conhecida com Lei Áurea.
Hoje, 120 anos depois, o que comemorar? A palavra comemorar entre outras acepções, significa trazer de volta à memória. Vejo então que é importante trazer de volta os limites da lei Áurea, de 120 anos atrás. Sem dúvida ela foi fundamental para estabelecer a Liberdade entre nós. Mas uma Liberdade limitada ao plano jurídico formal, que não proporcionou o estabelecimento da Igualdade, vista com oportunidades no plano econômico e social, e também deixou frouxo os preceitos da Solidariedade, visto a permanência das manifestações e praticas racistas em nosso país.
Reproduzo a seguir o texto do meu mestre Nei Lopes sobre sobre o sentido do 13 de maio neste ano de 2008, por concordar com sua abordagem. Para que quiser ler mais coisas interessantes sobre o significado desta data, segue sugestão de leitura abaixo. Axé!

TREZE DE MAIO, O RESGATE
Autor: Nei Lopes
Fonte: Blog Meu Lote - www.neilopes.blogger.com.br

Na comunidade humana não existem raças, todos sabemos. Mas o racismo existe, sabemos também. Como sabemos, ainda, que no Brasil ele nos atinge principalmente a nós, pretos e mulatos, ou seja, aos negros. Sabemos, mais, que, aqui, os negros são os mais pobres exatamente porque são negros. Essa condição ainda é conseqüência do histórico “13 de maio”, quando a escravidão foi abolida sem nenhum projeto de beneficio social para os emancipados. E, para reparar o erro, lutamos pela adoção das chamadas “ações afirmativas”, entre as quais as políticas de “cotas”.

Os opositores das ações afirmativas, hoje tão discutidas, costumam argumentar dizendo que elas são inconstitucionais por ferirem o princípio da igualdade expresso no art. 206 da Constituição Federal. E com relação à adoção de políticas de cotas nas universidades, outros argumentam com a autonomia das universidades, assegurada pela Constituição em seu art. 207.

Entretanto, é bom observar que, na elaboração de uma lei, um dos elementos principais a serem considerados é o aspecto social. As leis são feitas para organizar as condições de vida das pessoas dentro da sociedade e tornar possível a boa convivência. As prerrogativas legais concedidas às pessoas devem ser exercidas não apenas em proveito próprio mas também levando-se em conta os interesses sociais. Assim, o estudante bem formado tem todo o direito de ocupar sua vaga na melhor universidade, desde que essa ocupação não represente a exclusão de milhares de outros que não tiveram oportunidade de se formar bem. E o princípio de ação afirmativa contido na política de cotas para negros nas universidades, o que visa é corrigir uma desigualdade mais do que comprovada.

Apesar de nossa Constituição proclamar que os direitos devem ser iguais para todos os brasileiros, este ideal até agora não se concretizou para o povo negro como um todo. Então, tratar de maneira diferenciada um grupo que teve e tem menos oportunidades de acesso a saúde, educação, moradia, trabalho etc, embora pareça inconstitucional, é uma obrigação do Estado brasileiro, em atenção ao princípio de que toda Lei deve ter um alcance social, sendo feita e posta em prática para beneficio de toda a sociedade. Mesmo porque o que a lei condena é a discriminação e não a aceitação da diversidade.

Esse tratamento diferenciado não é um privilégio e, sim, uma tentativa de diminuir a enorme desigualdade social que exclui o povo negro, concedendo a este povo, finalmente, direitos que sempre lhe foram sonegados por conta das várias formas de racismo sob a quais sempre se escondeu a propalada “democracia racial” brasileira. Criar políticas de ação afirmativa em beneficio do povo negro, isto sim é que é “democracia racial”. Pois é criar oportunidades de acesso à completa cidadania, começando pela educação, levando em conta a diversidade étnica de toda a população.

Mas só instituir essas cotas não basta. Observemos que hoje, entre as melhores universidades públicas brasileiras, apenas a Universidade Federal de Goiânia tem em seu corpo docente mais de 1% de professores negros – para sermos mais exatos, tem 1,2%. A Universidade Estadual do Rio de Janeiro, UERJ, que aliás foi a primeira a instituir o sistema de cotas em seu vestibular, tem apenas 0,21% de negros entre seus 2.300 professores.

A erradicação do racismo no Brasil, então, pressupõe melhorar a educação em todos os níveis. E, além da educação, melhorar a saúde, as oportunidades de emprego, as condições de moradia, transporte etc.

Nesse quadro, o ingresso de alunos negros e futuros professores nas universidades (o simples fato de chegarem eles ao vestibular, apesar de todas as condições adversas, é seu grande mérito) através do sistema de cotas (naturalmente abolido quando seus objetivos forem totalmente atingidos) é o principal resgate da dívida que a sociedade brasileira contraiu com o povo negro há exatos 120 anos.


Revista de História da Biblioteca Nacional
Maio de 2008

Abolição em oito tempos
Oito especialistas refletem sobre as origens, o processo e os efeitos do fim da escravidão no Brasil

O texto é curto e direto: “Fica abolida a escravidão no Brasil. Revogam-se as disposições em contrário”. Onze palavras que mudariam o nosso futuro. Com o fim do cativeiro, o país entraria em uma nova fase, próspera e igualitária. Festa, júbilo, comoção coletiva nas ruas.

Cento e vinte anos depois, a promessa sugerida naquele belo pedaço de papel soa envelhecida como o próprio. Em que ponto do caminho as coisas deram errado?

Provavelmente, antes mesmo daquele 13 de maio de 1888. Para voltar no tempo e tentar entender o modo como a Abolição foi concebida e se desdobrou, convidamos oito estudiosos a refletir sobre diferentes aspectos daquele momento histórico.

O resultado revela o “jeitinho brasileiro” de acabar com a escravidão. Do ponto de vista religioso, nos separamos do destino norte-americano. Na esfera política, a autoria do feito foi disputada por republicanos e monarquistas. A princesa Isabel virou santa, a reforma agrária foi engavetada e o papel dos próprios negros, ignorado. Para completar, um vôo até a África de hoje, onde a escravidão persiste.

A Abolição ganha contornos reais.

Textos que você encontrará nesta matéria especial:

O papel das religiões - José Murilo de Carvalho
Sensibilidade inglesa - Manolo Florentino
Cor que faz a diferença - Wlamyra R. de Albuquerque
Liberdade é terra - Maria Alice Rezende de Carvalho
Abolição como dádiva - Lilia Schwarcz
Monarquia redentora - Robert Daibert Jr.
Contra a corrente, a cultura negra floresce - Nei Lopes
A abolição que não veio - Alain Pascal Kaly

Leia os textos completos na edição do mês de maio, nas bancas

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