sábado, setembro 15, 2007

RAÇA E COR NO PNAD 2006

Comentário Moisés Basílio:

Foi divulgada na sexta-feira, 14/09, os dados da PNAD 2006 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio) do IBGE - www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=977&id_pagina=1

Entre as várias informações estatísticas é importante notar o crescimento de pessoas que estão assumindo sua cor de pele. No Brasil essa questão ainda é controversa. O IBGE utiliza as expressões gerais cor ou raça e solicita ao entrevistado escolher entre as variáveis - branca, preta, amarela e indígena. Esse tipo de classificação da população brasileira é inadequado e ainda permanece devido a uma herança racista da sociedade brasileira. Em pleno século XXI, usar o termo raça para classificar a população, além de equívoco antropológico, é de um grande mau gosto. E a classificação de cor da pele padece do mesmo viés e ainda é restritivo, pois para ser exato deveria também discriminar a miscigenação cabocla da população branca. Para constatar essa inadequação, basta consultar o Almanaque Abril, nos verbetes relativos aos países do mundo, para se verificar que essa terminologia só se aplica ao Brasil, pois todos os outros países se utilizam do termo etnia. A seguir reproduzo uma tabela histórica,com dados dos censos (10 anos) e da PNAD (anual) que construí a partir dos dados do IBGE.

COR/RAÇA 2006
PNAD
2005
PNAD
2004
PNAD
2003
PNAD
2000
Censo
1991
Censo
1980
Censo
Branca 49,9 51,4 52,1 53,3 53,4 51,6 55,2
Preta/Parda 49,5 47,0 47,3 46,1 45,0 42,9 43,8
Preta 6,9 6,3 5,9 5,6 6,1 5,0 6,0
Parda 42,6 40,7 41,4 40,5 38,9 42,4 37,8
Amarela/Indígena 0,7 0,6 0,6 0,6 0,4 0,2 1,0

Uma questão polêmica na leitura dos números é a classificação conjunta das variáveis "preta e parda" para gerar o componente étnico e político afrodescendente. Pois, se o termo "branca" está relacionado com a matriz étnica de origem européia e o termo "preta" é relacionado com a matriz étnica da população de origem africana, o termo "pardo" se relaciona com qual matriz de origem étnica?
O "pardo", elemento fruto da miscigenação, passa a ser um componente da população sem origem étnica, ou então, uma parte da população em disputa na construção da identidade étnica nacional.
Até os primórdios o século XX, o pardo é visto como uma degeneração pela ideologia eugênica. Depois, principalmente a partir dos escritos de Gilberto Freire, que funda a ideologia de democracia racial, o "pardo" ganha o estato de brasileiro, ou seja, em termos práticos ele não tem nem origem européia e nem origem africana, e fica situado numa zona cinzenta, ou para usarmos a própria terminologia, numa zona parda, sem identidade étnica. Como os valores culturais válidos são os da sociedade européia, num processo que busca embranquiçar a nação, o "pardo" passa a ser uma construção ideológia para que parte da população de origem africana passe a se identificar com os valores da cultura dominante e a negar quaisquer resquícios de origens africanas. Aqui se trava uma luta para desafricanizar a sociedade brasileira.
A retomada dos Movimentos Negros, com maior densidade política a partir dos anos 70 do século XX, bebendo das experiências das lutas anteriores, questiona esse processo silencioso e sagaz do racismo brasileiro e, com vitalidade, inicia a construção uma nova visão sobre a questão étnica para o Brasil, onde a contribuição da matriz étnica de origem africana deve ter o mesmo status, e não uma apêndice folclórico, da matriz européia. Já não se trata de discutir raça, conceito sepultado depois da experiência histórica do nazismo, nem de reduzir a questão da origem étnica e cultural ao fenótipo da cor da pele. Trata-se de se reconstituir a identidade étnica e cultural de uma nação que se constituiu a partir de uma história marcada pela escravidão. Trata-se de se fazer a prestação de contas desse passado, que fundou-se na discriminação dos povos de origem africana. Trata-se de relembrar que a passagem do trabalho escravo para o trabalho assalariado, no Brasil, não garantiu a cidadania plena para as populações de origem africanas.
Assim, nesse novo patamar de Consciência Negra, pretos e pardos (mestiços), todos estamos no mesmo barco, pois temos as mesmas origens, sofremos as mesmas injustiças históricas e vivemos as mesmas discriminações, e portanto, só nos resta lutarmos juntos para construirmos uma sociedade brasileira que supere as marcas histórica da herança escravista e racista. Axé!

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - Economia & Negócio - 15/09/2007.
49,5% da população é preta e parda

Diferença para a população de pessoas brancas, que é de 49,7%, não era tão pequena no País há muitos anos

Irany Tereza

A população de pretos e pardos (49,5% do total) encostou na de brancos (49,7%) em 2006, fato que não ocorria há muitos anos, como ressalta o economista Marcelo Paixão, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “No censo de 1872, 64% da população era preta e parda; em 1890, passou a 66%. Depois, ficamos anos sem contagem e já na década de 1940 a situação se inverteu e os pretos e pardos foram 34%. Isso fez parte de uma estratégia de Estado que tentava ‘europeizar’ a população”, comenta o professor.

Ele prevê que já no ano que vem a parcela de pretos e pardos ultrapasse a de brancos, levando em conta a tendência dos últimos dez anos, que registra queda contínua, de 0,5 ponto porcentual ao ano, da população que se autodeclara branca. “Apesar de todos os problemas raciais, o País vive um processo de valorização do negro. Começa a haver uma mudança de percepção das pessoas em relação à própria cor e raça.”

Paixão atribui a esse processo o destaque de algumas personalidades negras na sociedade, como a ginasta Daiane dos Santos. O total de pessoas que se autodeclaram pretas, porém, continua muito baixo: 6,9%, um ligeiro aumento em relação a 2005, quando o índice foi de 6,3%.

A coordenadora de Emprego e Rendimento do Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE), Márcia Quinstlr, explicou que houve uma migração na declaração de raça de pardos para pretos, “mas, ainda que isso já tenha sido observado em pesquisas anteriores, é preciso esperar um pouco mais para afirmar que houve uma mudança de comportamento”.

Em 2006, segundo a pesquisa, a população era composta por 49,7% de brancos, 42,6% de pardos e 6,9% de pretos. Entre as regiões, a composição mostrou-se bastante diferenciada: enquanto no Norte e Nordeste predominavam pardos e pretos, na Região Sul quase 80% das pessoas eram brancas.

“O importante é que o País valorize a diversidade. Por isso, é motivo de comemoração essas mudanças, mesmo sutis. A forma de classificação por cor e raça tem um grau muito grande de subjetividade. E é significativo notar que as pessoas estejam encarando de forma positiva se perceberem como pretas”, diz Paixão.

Autor de livros como Manifesto Anti-Racista e O ABC das Desigualdades Sociais, Paixão acredita que ações como a polêmica definição de cotas para negros nas universidades têm efeito benéfico nessa mudança de percepção. “As pessoas estão assumindo sua cor não apenas por causa do que chamamos de prestígio difuso, mas também para garantir acesso a direitos legítimos.”




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