segunda-feira, setembro 03, 2007

Educação de meninos está em crise no Primeiro Mundo

Comentário Moisés Basílio: Tenho percebido na minha prática em sala de aula essa diferença de desempenho, entre meninos e meninas, na educação escolar. Hoje mesmo tive várias conversas com alunos e pais de uma turma de oitavo ano do ensino fundamental, da unidade escolar onde trabalho, para dialogar sobre os problemas de aprendizagem e disciplina. Nessa classe, quase a totalidade dos meninos vêm mantendo comportamentos agressivos, pequenas indisciplinas e dificuldades em se concentrarem nas atividades escolares. Em sala de aula tenho procurado abrir o diálogo, há um certa abertura, mas o que prevalecesse é um clima de apatia. Individualmente, cada menino age de uma forma, coletivamente agem de outro. O que pactuamos, tanto individualmente, como coletivamente, é pouco respeitado. Mudei várias vezes a dinâmica das aulas, mas os avanços são pequenos. De certa forma, a maioria dos problemas de disciplina e aprendizagem em todas as salas de aulas que atuo nesse ano estão relacionados aos meninos. O que estranho, é que essa dimensão de gênero não é focada nas discussões coletivas dos professores da minha escola. Já ensaiei algumas vezes levantar esse enfoque, mas não tive audiência. O artigo que reproduzo a seguir faz uma boa reflexão sobre o problema. Axé!

Psicólogo de Harvard afirma que falta de atenção na escola e na família faz com que os garotos tenham problemas de aprendizado e fiquem mais agressivos

Fonte: ANTÔNIO GOIS - da sucursal do Rio - Folha de São Paulo - 6 de agosto de 2007.

A principal preocupação da maioria dos países nas duas últimas décadas, no que se refere à educação, foi reduzir a desigualdade de gênero, dando às meninas especial atenção.
Esse movimento teve impactos positivos na melhoria da escolaridade delas, mas, na avaliação do psicólogo norte-americano William Pollack, diretor do Centro para Homens e Jovens Homens do Hospital McLean -vinculado à Faculdade de Medicina de Harvard-, foi cometido um grave erro: "Partimos do princípio de que os meninos estavam indo bem, mas eles não estavam".
Para ele, essa falta de atenção na escola ou em casa contribuiu para que, em vários países ocidentais, os meninos estejam cada vez mais atrasados na educação e agressivos. Autor do livro "Meninos de Verdade -Conflitos e Desafios na Educação de Filhos Homens", Pollack diz que se trata de uma crise comum a quase todos os países do mundo ocidental e que vem crescendo recentemente.
O quadro descrito pelo psicólogo, com base em suas pesquisas nos EUA, é bem conhecido dos brasileiros. Aqui, as estatísticas do IBGE mostram que os jovens do sexo masculino são seis vezes mais propensos a morrer de causas violentas do que as mulheres da mesma faixa etária.
A crise de violência entre jovens no Brasil não se restringe aos mais pobres. No mês passado, por exemplo, cinco jovens de classe média espancaram uma empregada doméstica no Rio de Janeiro e justificaram o ato dizendo que a confundiram com uma prostituta.
Também aqui, dados do MEC mostram que eles aprendem menos, repetem mais e abandonam mais os estudos.
Na opinião de Pollack, diferenças biológicas explicam em parte esse fenômeno, mas é principalmente a forma como a sociedade interage com os meninos que aumenta suas chances de fracasso na escola e de se tornarem mais violentos.
A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha.

FOLHA - O aumento da agressividade e do fracasso escolar de meninos é mundial?
WILLIAM POLLACK
- Não saberia dizer se é mundial, mas certamente acontece nos Estados Unidos e em quase todos os países desenvolvidos do ocidente, ainda que com variações.
A chance de um menino se envolver em algum tipo de violência nos EUA, como agressor ou vítima, é cinco ou seis vezes maior que a de uma menina.
Aqui também eles estão ficando para trás na educação. Não sei se ocorre o mesmo nos países asiáticos, mas é certamente algo que acontece em vários países, e é muito sério.
Às vezes sou criticado por dizer isso, pois falam que é um discurso que agrada à mídia, mas não tenho dúvidas de que se trata de uma crise.
Meninos sempre foram, em média, mais violentos, mas as taxas de suicídio entre jovens do sexo masculino e feminino nunca foram tão distantes. Antes, era mais fácil para eles acharem seu lugar na sociedade, entrarem numa universidade e conseguirem um emprego.
Não digo que a situação começou ontem ou no ano passado, mas é certamente uma tendência crescente nos últimos 20 anos e que não melhora.

FOLHA - O que explica isso?
POLLACK
- Há vários fatores. O que fizemos pelas meninas foi positivo e maravilhoso, mas, ao ajudarmos as garotas, partimos do princípio de que os meninos estavam indo bem, quando não estavam. Não nos preocupamos em entender melhor de que forma eles estavam aprendendo, que tipo de interesse têm no currículo acadêmico ou seu comportamento emocional, especialmente nos níveis iniciais de ensino.
Temos vários estudos americanos que mostram que meninos costumam ter mais problemas de relacionamento com seus professores por causa de seu comportamento.
Eles se movimentam mais e têm mais problemas de comportamento, enquanto meninas tendem a ser mais quietas e pacientes e se relacionam melhor com os professores, especialmente se forem mulheres.
Sabemos também por esses estudos que crianças que tiveram relações negativas com os professores na educação infantil tendem a ter médias menores na escola no futuro.

FOLHA - Essas diferenças são explicadas pela biologia ou são resultado da educação?
POLLACK
- A biologia certamente tem seu papel na explicação, especialmente no que diz respeito às diferenças do funcionamento do cérebro, mas isso não pode ser analisado isoladamente, sem levar em conta a maneira como nos relacionamos com meninos e meninas.
Nossos melhores estudos sobre o cérebro mostram que, apesar de haver diferenças biológicas, o que mais afeta essas crianças são os seres humanos e a forma como nos relacionamos com elas.
A testosterona não explica, sozinha, por que chegamos a um grau de violência tão alto entre meninos. Isso tem a ver com a natureza da conexão com os outros. Sempre digo que as três palavras mais importantes na hora dessa discução são conexão, conexão e conexão.
Meninos estão muito mais desconectados em relação aos adultos em casa, na escola e em toda a sociedade do que as meninas. Quanto mais desconectados, mais falham.

FOLHA - Por que a sociedade está falhando na hora de estabelecer essas conexões?
POLLACK
- Historicamente, meninas são mais fáceis de serem conectadas aos adultos. Elas são mais abertas a falar de seus sentimentos, mais propensas a usar palavras em vez de brigar.
É verdade que estamos tendo também mais brigas entre meninas ou gangues formadas por elas, mas isso acontece principalmente com meninos.
Comunicar-se com elas exige menos esforço. Isso é devido em parte à biologia, mas em parte por causa do que eu chamo de código masculino [boy code], que diz que não se deve mostrar seus sentimentos mais profundos e que é preciso provar sua masculinidade por meio de agressividade.
Muitos adultos ficam desapontados por causa dessa agressividade e acham que o garoto é um menino mau por agir assim, em vez de alguém triste e solitário. Mas, quando meninos ficam tristes e solitários, tornam-se agressivos. Quando meninas ficam tristes e solitárias, choram e falam.

FOLHA - A sociedade, no entanto, é violenta e usa esse código masculino. Para sobreviverem, meninos precisam aprender a se defender. Como ensinar isso sem incitar à violência?
POLLACK
- Nós, às vezes, levamos meninos à loucura dando a eles mensagens distintas. Sem dúvida, o mundo real é violento e é preciso aprender a se defender. Um pai ou mãe que ensina seu filho a se proteger dessas ameaças está agindo certo.
Nem todo mundo tem que ser Jesus e oferecer a outra face.
Mas essa reação deve ir apenas ao nível de proteção, e não de machucar outra pessoa ou ganhar destaque como agressor.
Quando um adolescente muda para o outro lado e começa a gostar de ser o agressor, é preciso que um adulto o ajude a perceber isso. É preciso ensiná-los a fazer essa distinção entre se defender e agredir e criar zonas seguras, locais onde os meninos não precisem se proteger sempre -na escola, em casa ou em outro lugar. Se fizermos isso, estaremos evitando que se tornem mais agressivos.

FOLHA - Com a saída das mulheres para o mercado de trabalho, sobra menos tempo para dar atenção aos filhos. Como compensar isso?
POLLACK
- De fato, esse novo modelo familiar [em que a mulher também trabalha fora] tira mais tempo dos pais para ficarem com seus filhos e tem impactos negativos. Isso afeta tanto meninas quanto meninos, mas tende a deixar principalmente meninos mais zangados e agressivos por se sentirem desconectados.
Não significa, no entanto, que tenhamos que voltar ao modelo familiar tradicional. Não é culpa dos pais e das mães que isso esteja acontecendo.
Nos EUA, para que uma família tenha renda suficiente para pertencer à classe média, é preciso que tanto o homem quanto a mulher trabalhem. É preciso dar mais suporte às famílias.
Precisamos de mais gente para cuidar das crianças. É preciso também que as escolas sejam locais de cuidado e apoio, e não só ambientes pedagógicos.

FOLHA - A resposta de algumas escolas ao aumento da violência foi a instalação de equipamentos de vigilância ou detectores de armas. Isso ajuda?
POLLACK
- Acho importante prevenir a violência e, se você não consegue fazer de outra forma, que faça coisas como essas. Mas as escolas precisam é de detectores de humanos.
Descobrimos em pesquisas nos EUA que, quando o garoto tem ao menos um adulto em posição de autoridade -professor, inspetor ou diretor- com quem se sinta conectado, ele fica menos propenso a se envolver em violência e mais propenso a ir bem na escola.
A resposta, portanto, está nas relações humanas.

FOLHA - A situação econômica influencia esse comportamento?
POLLACK
- A pobreza, com certeza, influencia. Um adolescente de família mais pobre corre mais risco de se envolver ou ser vítima de um ato de violência.
Também tem mais probabilidade de abandonar a escola mais cedo. Mas, mesmo em famílias de classe média ou alta, é mais provável que um garoto se envolva em ato violento do que uma menina.
É preciso ajudar as famílias mais pobres, mas não é só uma questão de pobreza. Tem a ver com a falta de conectividade com adultos, mesmo que sejam garotos saudáveis e ricos. Os pais podem achar que, tendo saúde e suporte financeiro, eles não precisam de mais. Mas eles precisam de afeto, emoção e cuidado maior dos pais.

FOLHA - Não há o risco de surgirem pais superprotetores com filhos ultradependentes?
POLLACK
- Meninos não devem ser mais independentes do que meninas. Vivemos numa sociedade interdependente. Precisamos ser capazes de cuidar de nós mesmos, mas temos que nos preocupar também com o cuidado com os outros. Se temos pais ou mães que permitem que nos desenvolvamos sozinhos, mas que mostram que nos amam e que estão emocionalmente conectados, isso é saudável, e não doentio.

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