segunda-feira, dezembro 20, 2010

O pensamento crítico literário de Lima Barreto na Primeira República e a expansão industrial de 1808 a 1930 no Brasil

Por Moisés Basilio Leal

Trabalho final apresentado à disciplina Indústria, Desenvolvimento Econômico e Projeto Nacional no Brasil, ministrada pelo professor doutor Alexandre de Freitas Barbosa, no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo, segundo semestre de 2010.

1.    Introdução

Nesse trabalho minha intenção foi a de refletir sobre o desenvolvimento da indústria no Brasil em seu contexto anterior ao processo de industrialização que se consolida a partir dos anos de 30.

O sonho da industrialização sempre esteve presente no horizonte dos setores mais lúcidos da nação, mas para se realizar sempre teve que enfrentar grandes obstáculos. Luz (1978) cita que na plataforma política dos Inconfidentes Mineiros a questão da indústria já era um dos pontos importantes do programa insurrecional. Se no período colonial a metrópole portuguesa impediu qualquer iniciativa mais ousada de industrialização, com o fim da colonização tivemos que enfrentar os interesses vorazes do capitalismo inglês em expansão e também os interesses dos setores agroexportadores dominantes, que viam o Brasil como uma economia agrária por excelência.

São no final do século XIX, e nas primeiras décadas do século XX, que o desenvolvimento industrial consegue seus surtos mais consistentes e que levará o país às grandes transformações do seu eixo econômico a partir dos anos 30. É também nessa conjuntura de transformações que vamos encontrar a obra de Lima Barreto, um dos grande pensadores do Brasil do inicio dos século XX, que se utilizando da arte literária retratará e refletirá as principais questões postas nesse momento crucial de entrada do país na modernidade capitalista, com originalidade e criatividade de pensamento, conforme citado em Sevcenko (1983). No conjunto de sua vasta obra, que pelas dimensões desse trabalho não pode ser analisada à exaustão, é possível inferir um projeto nacional de desenvolvimento para o Brasil, com o rosto do povo brasileiro. Pelos acontecimentos recentes da cidade do Rio Janeiro, tão querida e amada por nosso autor, quase 100 após sua morte, ler seus textos ainda se mostra demasiadamente atual nesse inicio de século XXI.

2.    O sonho da industrialização brasileira no século XIX

Para Luz (1978) o sonho da industrialização do Brasil é um projeto antigo. Com a vinda da família real em 1808 e a elevação politica do território do Brasil à categoria de Reino Unido ao de Portugal, inicia-se a primeira tentativa de industrialização, que tem sequência depois da independência nacional, nos moldes de uma política mercantilista, com bases no Antigo Regime monárquico, que cria setores privilegiados para a exploração industrial.

A segunda tentativa se processa em 1844, com a política de iniciativa estatal, baseada na chamada Tarifa Alves Branco, que implanta uma política nacionalista de protecionismo aduaneiro.

Tanto a tentativa de 1808, com a de 1844, segundo Luz (1978) não se concretizam por dois motivos: A força política e econômica dos interesses ingleses reverte a situação à seu favor; E a política fiscal do Segundo Império, que seguia os interesses majoritários dos setores da economia agrícola.

Mesmo com muitas dificuldades alguns setores industriais prosperaram com base em políticas de favorecimento do Estado e também devido a precariedade do sistema de transporte nacional que encareciam em muito a distribuição dos produtos estrangeiros em território brasileiro.

Mas, a partir da década de 70 do século XIX duas ameaças forçam o setor industrial a se rearticular. O desenvolvimento técnico das indústrias europeias e a melhor do sistema de comunicação de acesso ao mercado nacional de um lado e do outro certa tendência liberalizante do Estado em relação à economia.

O setor industrial forja então um movimento de nacionalismo econômico para levantar a bandeira da industrialização, como forma de buscar o equilíbrio da balança econômica do país. E na década de 1880 esse nacionalismo vai contar com certo respaldo popular e irá se voltar contra os setores do comércio importador, considerado o sanguessuga da pátria. Esse movimento buscará sensibilizar o Estado e a Sociedade com o discurso da necessidade do desenvolvimento da industrialização como forma de equilibrar a balança de pagamento do país. Mas, para que a industrialização se processe é necessário a intervenção do Estado com políticas de controle do cambio, de crédito e de controle das taxas alfandegarias. De fato, uma política de industrialização só iria acontecer depois dos anos 30 do século XX.

3.    As quatros principais interpretações do desenvolvimento industrial no Brasil

Sobre o desenvolvimento industrial brasileiro Suzigan (2000) vai identificar quatro possibilidades de interpretações a partir da nossa economia de base agrário exportadora.

A primeira das interpretações é a chamada “teoria dos choques adversos”. Uma versão extrema dessa teoria foi produzida na Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), e teve grande influência explicativa na América Latina. A base dessa teoria são as relações de comércio entre o centro (países industrializados) e periferia (países da América Latina). Essas relações criam um padrão de dependência econômica dos países da América Latina para com os países centrais industrializados. Essa dependência se dá nas relações de trocas econômicas desiguais, onde os países periféricos são exportadores de produtos primários e importadores de produtos industrializados. O próprio centro de decisões econômicas dos países periféricos para a CEPAL é deslocado para fora, para as economias centrais. Para mudar esse padrão seria necessário a criação de uma mercado interno e um processo de industrialização, que estabelecesse um novo dinamismo econômico em oposição ao modelo voltado para o mercado externo. Para a CEPAL essa mudança ocorreu a partir do que chamou de choques adversos causados na economias latino-americanas sucessivamente pela Primeira Guerra Mundial, pela Grande Depressão econômica iniciada em 1929 e pela Segunda Guerra Mundial. Esse processo de industrialização ao deslocar o eixo de crescimento econômico para dentro dos países periféricos, além da mudanças econômicas, também causariam mudanças políticas.  Mais adiante, a teoria da dependência foi desenvolvida pela CEPAL para ser um arcabouço explicativo da persistência subdesenvolvimento latino-americano, quando a industrialização substitutiva de importações não conseguiu mudar as relações dependência econômica entre centro e periferia.

            Esse versão extrema da CEPAL sofreu pesada críticas, mas Suzigan (2000) nos alerta, que no Brasil, os dois mais destacados expoentes do pensamento cepalino brasileiros, Celso Furtado e Maria da Conceição Tavares, vão refinar a interpretação da teria dos choques adversos para o caso brasileiro. Furtado (1963) e Tavares (1972) caracterizam o desenvolvimento da indústria no período antes de 1930 com sendo induzido pelo crescimento da renda do setor exportador primário, principalmente a renda do café. Diferente da versão extrema cepalina, para eles não há oposição entre os crescimento econômico das variáveis endógenas e exógenas. O crescimento da renda interna pelo aumento do setor exportador propicia o crescimento do mercado interno e o crescimento industrial. Mas o crescimento industrial nesse período é limitado, pois se torna dependente do crescimento da economia primaria exportadora, que é o centro dinâmico do crescimento econômico. Para os dois autores expoentes do pensamento cepalino no Brasil a grande inflexão na economia se dá com a Grande Depressão de 1929 e a crise do café nos anos 30, ao qual qualificam como o nosso choque adverso que desloca o eixo da economia.

            A título de ressalvas, Suzigan (2000) mesmo concordando em linhas gerais com a análise de Furtado e Tavares vê que eles limitam o crescimento industrial pré anos 30 e que ao darem grande destaque para o ponto de inflexão da economia a partir de 1930, não percebem que a transição de fato começou bem antes.

            A segunda linha de interpretação vê a industrialização como resultado do processo de expansão das exportações. Diferente das visões de Furtado e Tavares, os pensadores dessa visão articulam sempre pari passu o crescimento e decrescimento da industrial com o crescimento do setor agroexportador e também não limitam o crescimento industrial desse período e o enxergam como um verdadeiro processo de industrialização e uma relação de complementariedade entre o capital agroexportador e o capital industrial. Os principais trabalhos dessa linha de pensamento são os de Dean (1976), Nicol (1974), Peláez (1972) e Leff (1982). Para Suzigan (2000) a tese principal desse pensamento é inaceitável pois ao defender uma relação direta entre o setor exportador e o desenvolvimento industrial os autores acabam por ignorar o papel das mudanças estruturais operadas com a Grande Depressão da década de 30 e a crise do café.

            A terceira linha interpretativa trabalha com a visão do “capitalismo tardio”. Os principais estudos dessa vertente de pensamento são: Silva (1976), Mello (1975), Tavares (1974), Cano (1977) e Aureliano (1981). É uma interpretação que busca fazer uma revisão da interpretação cepalina. Discorda do pensamento cepalino de que o desenvolvimento é reflexo e afirma que o desenvolvimento latino-americano é um desenvolvimento capitalista, onde os fatores determinantes em primeiro lugar são os internos e secundariamente ficam os fatores externos. A chave das mudanças está na transição do trabalho escravo para o trabalho assalariado, que faz emergir o modo de produção capitalista. Essa transição no Brasil se realiza no período entre 1880 e 1920, momento onde o se estabelece uma economia capitalista exportadora que dará origem e consolidação ao capital industrial.

            A quarta linha interpretativa é a visão da industrialização como sendo promovida pela ação politica do Estado. Embora haja um consenso que uma efetiva política de intervenção do Estado em favor da industrialização no Brasil só tenha ocorrido depois do anos 30, alguns autores criticam a visão de que o Estado brasileiro teve participação nula nos processos de desenvolvimento da indústria antes dos anos 30. Dois aspectos da presença do Estado são os seguintes: Um papel positivo a ter um politica de proteção alfandegária para a indústria; Por meio de incentivos e subsídios à indústrias especificas. Para Suzigan (20002) essas afirmações não procedem, pois o Estado brasileiro praticamente não teve política para indústria antes de 1930, no máximo houve algumas intervenções pontuais, mas nada sistemático digno de nota.


4.    Questões importantes para sobre o desenvolvimento industrial brasileiro

Após analisar o conjunto de interpretações sobre o desenvolvimento industrial brasileiro Suzigan (2000) levanta algumas questões que em sua opinião estão em aberto e que são de importância para o estudo do nosso processo de industrialização.

A primeira questão é relativa as relações entre o setor exportador e o desenvolvimento industrial. Estudar essas relações na sua totalidade e também como em cada cadeia industrial se processa essas relações.

A segunda questão diz respeito ao papel do Estado no desenvolvimento da indústria. Em termos mais gerais essa discussão se concentra na tarifa aduaneira e nas oscilações da taxa de câmbio. No atacado outros elementos entram na discussão: legislação, créditos, taxa de juro de retorno do capital etc.

     Outro ponto importante para discussão é sobre as origens do capital industrial. Também aponta como questões relevantes: oferta de trabalho e tipos de mão de obra; processamento de matérias-primas e as dependência de matérias-primas importadas; energia disponível; as políticas econômicas locais e eventos econômicos internacionais e seus efeitos em indústrias específicas.

5.    O pensamento e a literatura de Lima Barreto nesse contexto de desenvolvimento industrial

Lima Barreto, que em vida foi estigmatizado como pessoa e também não teve o reconhecido público de sua vasta obra, a não ser num seleto círculo de amigos e em setores alternativos ao poder hegemônico, hoje cada vez mais é tido como um dos mais importantes e influentes pensadores do Brasil. Caio Prado Junior, que na década de 50 do séc. XX como editor participou do esforço de edição completa de suas obras, assim definiu a importância de seus escritos:

 “Lima Barreto é um dos poucos escritores que entre nós compreenderam verdadeiramente seus país; e não excluo que nem sociólogos quaisquer outros pensadores. Exprimiu seu conhecimento em romances; mas em poucos obras, esmo especializada, ou que se julgam tais, se encontrará e isto mesmo até hoje, uma percepção tão clara e nítida do que é o Brasil; este Brasil que não é o do discursos, dos relatórios oficiais e d nossa literatura tão convencional.” (Caio Prado Junior, In Edição crítica de O triste fim de Policarpo Quaresma, 1997)

            O nosso autor viveu num período de intensas transformações sociais. Nasceu no dia 13 de maio de 1881, no Rio de Janeiro, sede da corte, sete anos antes da abolição do regime escravista no Brasil, esse filho de pais mestiços que sempre manteve viva a sua identidade racial e fez dela um poderoso instrumento de sua arte. Morreu no dia 1º de novembro de 1922, ano da revolta dos tenentes no Forte de Copacabana, da fundação do Partido Comunista do Brasil, da Semana de Arte Moderna de São Paulo e do Centenário da Independência do Brasil. Morreu pobre, junto aos seus iguais, no subúrbio carioca, no bairro de Todos os Santos, que ele carinhosamente apelidara de Vila Quilombo.           

            Sua obra contempla uma vasta produção literária divida em crônicas, contos, romances e escritos biográficos. Pela natureza desse trabalho não cabe aqui uma pesquisa exaustiva de como a questão do desenvolvimento industrial foi contemplado pelo pensamento de Lima Barreto. Vou apenas apresentar alguns fragmentos que demonstram seu arguto senso de observação do que se passava no Brasil no período em que às duras penas era puxado para a modernidade capitalista. Um exemplo é a descrição de desenvolvimento econômico que o personagem Dr. Bogolóff, um imigrante russo recém-chegado ao Brasil e que procura conhecer as coisas da terra apresenta no romance Numa e a Ninfa de 1915:

“... Durante muito tempo, a fortuna do Brasil veio do pau de tinturaria que lhe deu o nome, depois do açúcar, depois do ouro e dos diamantes; alguns desses produtos, por isso ou por aquilo, aos poucos foram perdendo o valor ou, quando não, deixaram de ser encontrados em abundância remuneradora.
Mais tarde vieram o café e a borracha, produtos ambos que, por concorrência, quanto ao primeiro, e também, quanto ao segundo, pelo adiantamento das indústrias químicas, estão à mercê de desvalorização repentina. Viu bem isso tudo.
A vida econômica do Brasil nunca se baseara num produto indispensável à vida ou às indústrias, no trigo, no boi, na lã ou no carvão. Vivia de expedientes...
Bogoloff fatigou-se de sua vida de colono, que nunca chegaria à fortuna, daquele viver medíocre e monótono, fora dos seus hábitos adquiridos. Viu a cidade, quis fugir ao sol inexorável, à gleba em que estava. Liquidou os haveres e correu ao Rio de Janeiro. Foi professor aqui e ali, ganhando ninharias. Não encontrou apoio nem procurou. Passava dias nos cafés, conheceu toda a espécie de gente, caiu na miséria e foi socorrido por Lucrécio, quando doente e sem vintém, em cuja casa estava há dois meses.
O almoço era parco e Baraba-de-Bode tornara-se jovial. O russo não se deixara contaminar pela alegria do hóspede e viu-lhe entrar o filho com um olhar compassivo agradecido.
— Doutor, tudo isso vai mudar. O "homem" vem...
— Quem?
— O Bentes.
Bogoloff não tinha fé nem estima pela política e muito menos o costume de depositar nela os interesses de sua vida. Calou-se, mas Barba-de-Bode asseverou:
— Pode ficar certo que lhe arranjarei um emprego.
O russo olhou com um ingênuo espanto o rosto jovial do antigo carpinteiro.”
(LIMA BARRETO, 1915).

            Lima Barreto vai ser um crítico contumaz dos projetos de Brasil propostos pelas elites dominantes. Mesmo sendo negro e pobre, por intermédio de um padrinho influente na vida política do Império, que custeou os seus estudos nas melhores escolas do Rio de Janeiro, o que o credencia a fazer engenharia na Escola Politécnica, espaço destinado aos filhos da elite. Por exemplo, terá como colega de faculdade futuros grandes nomes na vida política e intelectual brasileira, como economista liberal Eugenio Gudin entre outros.

            Sua condição de classe social, sua cor, os infortúnio que a vida lhe reservou e o mais importante, sua posição política o fará mudar radicalmente de vida. Abandona o curso de engenharia, para sustentar a família. Por concurso, assume um pequeno cargo burocrático no funcionalismo público, com baixos vencimentos. Compra briga com a grande imprensa da época e passa a ser colaborar da imprensa alternativa ligada aos partidários dos movimentos socialistas e anarquistas.
 
Bibliografia

BARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto: 1881-1922. 7ed. – Belo Horizonte; Itatiaia; São Paulo; Editora da USP, 1988.

BARRETO, Afonso Henrique de Lima 1881-1922. (1948). Numa e a Ninfa

BARRETO, Afonso Henrique de Lima 1881-1922. Contos completos de Lima Barreto; organização e introdução Lilia Moritz Schwarcz – São Paulo – Companhia das Letras, 2010.

BARRETO, Afonso Henrique de Lima 1881-1922. Toda Crônica: Lima Barreto – (apr. e notas) Beatriz Resende; (org.) Rachel Valença. – Rio de Janeiro: Agir, 2004.

BARRETO, Afonso Henrique de Lima 1881-1922. Um longo sonho do futuro: diários, cartas, entrevistas e confissões dispersas de Lima Barreto – Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 1993.

FURTADO, Celso (1963). Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Nacional, 23ª ed. 1989

LUZ, Nícia Vilela. A Luta pela Industrialização do Brasil. São Paulo; Editora Alfa Ômega, 1978

SEVECENKO, Nicolau. (1983). Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República – 2ª ed. – São Paulo; Companhia das Letras, 2003.

SUZIGAN, Wilson. Indústria Brasileira: Origens e Desenvolvimento. São Paulo, Hucitec/Editora da Unicamp, 2000.

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