domingo, novembro 18, 2012

BOAL E O SEMINÁRIO DE DRAMATURGIA DO ARENA REVISITADOS POR LAURO CÉSAR MUNIZ, BENEDITO RUY BARBOSA E CHICO DE ASSIS

Por Moisés Basílio

         Acontece em São Paulo, nos meses de novembro e dezembro, uma singela homenagem ao homem de teatro Augusto Boal intitulada “Pompeia conta Boal”. É um projeto patrocinado pelo SESC Pompeia e com curadoria da Cecilia Boal (sua esposa) e Sergio de Carvalho, que tem uma vasta programação que vai desde a apresentação da peça Arena conta Zumbi, passando por leituras cênicas de peças escritas por Boal, palestras e debates, mostras de filmes, oficinas e até uma marcha Boal.

         No feriado republicano de 15 de novembro fui brindado com um encontro inusitado, ao menos para mim, de três grandes dramaturgos brasileiros que sob a mediação do Sérgio de Carvalho, da Companhia do Latão, produziram um bom debate de mais de duas horas em homenagem ao Augusto Boal.

         O tema das palestras/debates foi: Teoria e prática do seminário de dramaturgia do Arena: A utilidade da dialética. Cada um dos palestrantes chegou ao palco do teatro do SESC Pompéia de um forma peculiar. O Lauro César Muniz já estava no palco, todo elétrico, andando de um lado para o outro, enquanto o público entrava. O Benedito Ruy Barbosa chegou caminhado com dificuldades e literalmente apoiado nos ombros de sua mulher, com se ela fosse uma bengala. Subiu ao palco e ela o colocou na cadeira. Todos já sentados, mas faltava o terceiro convidado. Então entra ofegante ao auditório o Chico de Assis, apoiado em sua bengala, cumprimenta a plateia e faz brincadeiras com o mediador e seus colegas de mesa.

         O Sérgio de Carvalho abre o encontro lendo um trecho de um depoimento do Lauro César Muniz sobre um episódio folclórico entre ele e o Boal. Durante uma conversa o Boal pergunta para o Lauro se ele sabia o que era "alienação", ao que o Lauro responde: Não é coisa ligada aos loucos? E é o dramatrugo Lauro Cesar Muniz que faz o primeiro depoimento em forma de palestra. Lauro começa destacando a importância da dialética hegeliana com fonte de influência no processo de criação dramática de Boal e de como isso também o ajudou na sua formação como dramaturgo. Citou a importância do percurso formativo de Boal na década dos anos 50, que conciliou seus estudos de pós-graduação em engenharia química na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, com os estudos de dramaturgia na School of Dramtics Arts, na própria Columbia, onde teve como grande mentor John Gassner. Também aproveitou sua estadia nos EUA para assistir às montagens do Actors Studio. Quando retorna para o Brasil, Boal vai trabalhar no Arena e inicia uma experiência teatral que influenciará a criação de uma dramaturgia nacional que o transformará no grande mestre dramaturgo e influenciará toda uma geração de autores. Lauro é engenheiro de formação. Sua aproximação com a dramaturgia se deu a partir da experiência do Arena. Depois de formado em engenharia não se sentiu à vontade para seguir a carreira. Vendo a experiência do Arena tomou coragem e foi mostrar suas peças para o Boal. O Boal acabou cedendo um espaço às segundas-feiras para ele apresentar suas peças e a partir daí o contato se estreitou e o Lauro acabou virando um dos alunos do Boal na recém-formada Escola de Arte Dramática (EDA).

         A segunda palestra/depoimento foi do Benedito Ruy Barbosa. O Benedito estava visivelmente muito emocionado, não sei se pelo reencontro com os amigos dramaturgos e as reminiscências de seu inicio na profissão, ou as lembranças do grande mestre dramaturgo Augusto Boal, ou também as duas coisas. Começou narrando sua vinda para São Paulo em 1947, trabalhando numa firma ligada ao comércio de café e depois sua carreira na imprensa esportiva. O impacto que mudou sua vida foi assistir à peça “Eles não usam black-tie” no Arena. Começou a manter contato com o grupo do Arena e numa conversa com o Vianinha foi instigado a escrever sua primeira peça, “Fogo Frio”, baseada na experiência que viveu no norte do Paraná durante as grandes geadas de 1952 e 1953 que destruiu a economia cafeeira da região. Escreveu a peça em dois dias e foi levar para o Boal. Confessa que não esperava a reação do Boal, que na mesma tarde que recebeu os originais da peça, leu e releu e à noite o chamou para acertar a produção da mesma pelo Arena. Foi essa peça o trabalho que profissionalizou o grupo do teatro Oficina do querido Zé Celso. Ao final do depoimento, muito emocionado, com os olhos marejando, confidenciou que foi o Boal que o aconselhou a deixar a imprensa esportiva e a se dedicar à dramaturgia.

         A terceira palestra/depoimento foi a do Chico de Assis. Antes da fala do Chico, o Sérgio de Carvalho leu alguns fragmentos de uma crítica de sua peça “O Testamento do Cangaceiro”. O Chico recorda que trabalhava na TV Tupi como auxiliar do Antunes Filho. Começou a escrever algumas peças e mostrar para o Antunes. Na terceira vez que foi mostrar um texto, o Antunes de forma deselegante falou que não se interessava por aquilo e mandou que ele procurasse o Boal no Arena. E ele foi e se engajou com o grupo do Arena. O Chico fez questão de precisar alguns dados históricos sobre o Arena: Disse que o “Black-tie” foi encenado antes a criação do Seminário de Dramaturgia do Arena; Que a primeira peça fruto das discussões do Seminário foi “Chapetuba Futebol Clube.” Que o Vianinha e o Guarnieri tinham um pé-atrás em relação à obra do Brecht por conta das posições do Partido Comunista contra o dramaturgo alemão nos anos 50; Que passou por uma situação difícil quando convenceu o Jorge de Andrade, que não era um homem de esquerda, a levar sua peça “Veredas da Salvação” para discussão no Seminário, pois o mesmo sofreu uma crítica muito ácida do Vianinha e ficou muito magoado e se afastou do grupo. Que o gaúcho Barbosa Lessa também frequentou o Seminário, mas sempre a procura de “algo com substância”. Depois de mais ou menos três encontros, como não encontrou o que procurava nunca mais retornou; Que o Boal foi importante, pois trouxe para o pensamento da dramaturgia brasileira o método dialético baseado no materialismo histórico de Marx. Já durante o debate o Chico de Assis precisou que o Seminário de Dramaturgia do Arena tinham um caráter canônico, pois baseava-se nos seguintes cânones: 1. Visava as peças que tratavam da realidade do homem comum brasileiro e da sua luta de libertação; 2. As peças deviam se realistas; 3. As peças deviam ser ideológicas, baseadas no marxismo-lenismo. As peças que seguiam esses cânones eram aprovadas pelo Seminário. O Chico levanta que houve um problema de ordem ética na relação dos comunistas do grupo com os nãos comunistas, pois nem sempre os comunistas respeitavam a diversidade. Disse que algumas peças, que sabiam que não passariam pelos cânones do Seminário, foram levadas diretas para encenação sem discussão com o grupo, pois se fossem discutidas não seriam aprovadas.

         No final houve o debate com a plateia. Uma questão de destaque foi a constatação de que à época do Arena vivíamos um “momento inteligente” da sociedade brasileira se comparado com o momento atual. Como produzir então uma dramaturgia nacional superando os limites que o pensamento conservador nos coloca no momento atual?

         Entre as várias respostas ficou a sensação de que não há uma resposta única e conclusiva, mas que o pensamento, os estudos e a metodologia que o Boal nos legou são de extrema utilidade para continuarmos a produzir uma dramaturgia que dê conta dos novos desafios da Arte nesse século XXI. 

Nenhum comentário: