domingo, janeiro 03, 2010

SOBRE ENCHENTES E DESASTRES AMBIENTAIS

Comentários Moisés Basílio: 
Uma boa entrevista para compreendermos que as enchentes e os desastres ambientais que vêm assolando nossa cidade e país, nesse verão de 2009, não são só por conta do imponderável. O uso e ocupação do solo em nossas cidades são planejados seguindo a lógica do "mercado", a da tal famosa "mão invisível" do Adam Smith, resultando no que estamos vendo. 
Há anos venho me batendo contra essa lógica perversa e cruel. Aqui, na cidade de São Paulo, essa discussão se materializou no que chamamos de Plano Diretor. A cidade já teve três planos diretores aprovados. O primeiro em 1971, em pleno governo da ditatura. O segundo em 1988, no governo do Jânio Quadros, sem discussões na sociedade e por decurso de prazo. E o terceiro, em 2004, no governo da Marta Suplicy, num processo democrático, com ampla discussão, que o atual prefeito Kassab propôs um projeto de revisão que está em tramitando pela Câmara Municipal.
Há uma discussão histórica sobre o planejamento da cidade que passa por nomes como Antonio Prado, Prestes Maia, Faria Lima, Pe. Lebret, Cândido Malta, Jorge Wilheim, Raquel Rolnik, etc. O problema é que esse tipo de discussão fica só entre os especialistas e os detentores de cargos políticos da cidade (vereadores e prefeitos) e do poder econômico (loteadores, empreiteiros etc.).
Lendo a entrevista surgem várias preocupações e inquietações. Aqui na região onde moro, várias pessoas morreram porque estavam morando em áreas de risco, nas encostas de morros. O que é uma área de risco? Lendo a matéria vejo que também moro em uma área de risco, pois o oleoduto da Petrobras que liga as refinarias de São José dos Campos à refinaria de Capuava (Santo André) e Cubatão, passa no bairro ao lado da minha casa, o Jardim Adutora. E ainda mais, do outro lado da avenida principal de onde mora, passa um grande duto de uma adutora que abastece grande parte da zona leste. Qual a diferença entre o desabamento de uma encosta de morro, de uma inundação em um fundo de vale e de um rompimento de uma adutora ou duto de óleo? Quais são os meus riscos. Isso sem contar outros riscos como o da poluição, da violência etc.
Para mim, avançaremos em soluções quando essa discussão se tornar preocupação de cada família e de cada morador dos bairros populares. Axé!
Fonte: Sítio da Revista Época - 29/11/2008 - 06:32 - Atualizado em 04/03/2009 - 18:20
Moacyr Duarte - “Estamos armando uma bomba-relógio”
Especialista em riscos diz que sem controlar a ocupação do solo o país viverá a ameaça de novas catástrofes
Isabel Clemente
Um dos maiores especialistas brasileiros em riscos ambientais e tecnológicos, o geógrafo Moacyr Duarte, de 50 anos, afirma que a falta de continuidade nas ações preventivas contra desastres ambientais está armando uma “bomba-relógio” contra o desenvolvimento do país. “Não temos uma política que dê continuidade à evolução do sistema nacional de defesa civil. As mudanças de objetivos se sucedem governo após governo e impedem que a gente alcance qualquer meta nessa área”, diz Duarte, pesquisador da Coppe (Coordenação dos Cursos de Pós-graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Em Brasília para participar de um seminário sobre gestão de riscos industriais, Duarte conversou na tarde chuvosa da quarta-feira com ÉPOCA. Afirmou que, mesmo livre de lixo, todo sistema de drenagem alaga quando chove demais, porque não existem galerias de escoamento com capacidade ilimitada. Para evitar tragédias como a de Santa Catarina, diz ele, o Brasil precisa planejar a ocupação das regiões.
André Valentim
QUEM É
Pesquisador sênior da Coppe/UFRJ, especialista em gerenciamento de riscos, planejamento de emergências e catástrofes

O QUE ESTUDOU
Graduou-se como engenheiro químico e como geógrafo. Tem mestrado em Engenharia Nuclear e doutorado em Ciências em Engenharia de Produção

O QUE FAZ
É o coordenador técnico do Grupo de Análise de Risco Tecnológico e Ambiental da Coppe/UFRJ e também atua como consultor técnico
ÉPOCA – É possível evitar catástrofes como a enchente em Santa Catarina?
Moacyr Duarte – Catástrofes naturais são inevitáveis. O que temos de informação delas? Regionalidade e sazonalidade. Ou seja, onde elas mais acontecem e em que período do ano. Além disso, elas têm dimensões variadas, que dificultam o planejamento. O interior de Santa Catarina e o do Paraná são suscetíveis a determinados fenômenos, como chuvas fortes e tornados. Mas eu não sei a área exata onde isso vai ocorrer. Então o aporte de investimento para impedir que toda a região sofra as conseqüências de um desastre natural seria enorme. Outra coisa: a chuva em especial. É preciso entender melhor a defesa que a gente tem. Conta-se muita mentira. Quantas vezes você não ouviu um político, depois de uma enchente, dizer que “os canais estão entupidos com lixo, as encostas foram desflorestadas”? Todo o sistema de drenagem urbano é projetado para uma máxima pluviométrica. Passou do nível máximo, enche. Não há sistemas de drenagem que resistam a chuvas torrenciais. Roma, Londres, cidades da Espanha já ficaram embaixo d’água. O bom sistema de drenagem não é aquele que nunca alaga, mas o que baixa rápido.
ÉPOCA – Mas o lixo atrapalha, sem dúvida. A gente vê garrafas PET, sacos plásticos...
Duarte – Influencia na velocidade de baixar a água. Claro que melhora desobstruir os canais, limpar. O que eu quero dizer é que, mesmo sem lixo, a água vai subir.
ÉPOCA – É desolador. Não há solução contra as enchentes que castigam tantas cidades brasileiras?
Duarte – Há. O conhecimento que temos sobre o ecossistema urbano aponta como solução o controle da ocupação. A solução seria regular a quantidade de área calçada nas cidades para não diminuir a capacidade de filtração natural da terra. O Rio de Janeiro é quase uma piada. A Rodovia Rio–Petrópolis corta a Baixada Fluminense ao largo da Refinaria Duque de Caxias. De um lado está o mar, do outro Caxias. Aquilo é uma planície. Os canais de escoamento naturais são os rios Iguaçu e Sarapuí. A Washington Luiz é um dique, é uma pista elevada. A estratégia natural daquela região quando chovia era o rio transbordar, espalhar tudo pela baixada, e a água ia embora. Aí construíram a rodovia, cimentou. Acabou. Agora os dois canais de escoamento são os rios Sarapuí e Iguaçu. Leva dias até a água baixar porque é plano, não há inclinação para a água escoar. Cidade sem planejamento possui inúmeras armadilhas. Uso do solo e evolução da ocupação do espaço, é disso que temos de tratar.
ÉPOCA – Asfalto demais é pior que lixo?
Duarte – Faz parte do ecossistema urbano gerar uma quantidade enorme de lixo, do qual você tem de se livrar corretamente. Faz parte calçar o solo também. É preciso administrar tudo isso. Um mapa brasileiro que indicasse datas e regiões suscetíveis aos diversos riscos naturais que nos afetam seria importantíssimo. Não existe. Com base nesse mapa, colocamos a segunda informação, que são os alvos da propagação das conseqüências dos desastres. Onde há mais gente? Mais indústria? Onde haverá mais prejuízos? Com essas informações sobrepostas, é possível priorizar investimentos – porque de antemão já sabemos que os recursos não são infinitos.
ÉPOCA – Mas essa nova tragédia nacional está acontecendo numa das regiões com o mais alto índice de desenvolvimento humano do país, onde há indústrias, dinheiro...
Duarte – O investimento corriqueiro nunca está voltado para catástrofes, porque ele vai para escolas, hospitais. Esse mapeamento ajudaria justamente a decidir onde concentrar os investimentos tendo em vista o desastre. Aí entra a estratégia de prevenção. O mapeamento vai indicar os locais onde devo impedir a concentração humana também. Isso é agir preventivamente. Se eu já sei quando e onde vai acontecer algo, tenho como sinalizar áreas onde eu devo recusar investimentos pesados, porque há riscos de destruição.
ÉPOCA – Nós nos acostumamos à idéia de que o Brasil não sofre com catástrofes naturais, como furacões, terremotos, vulcões, mas o país não está preparado nem para enfrentar os desastres daqui?
Duarte – Não temos uma política que dê continuidade à evolução do sistema nacional de defesa civil. As mudanças de objetivos se sucedem governo após governo e impedem que a gente alcance qualquer meta nessa área. Essas metas deveriam ser imutáveis, estabelecidas por grupos técnicos e políticos também, desde que houvesse um acordo para segui-las. São soluções de longo prazo. Não posso manobrar investimentos em defesa civil. Não posso suprimir planos e alterar objetivos em curso. É pouco inteligente. O resultado prático é que temos um pessoal mais qualificado do que a infra-estrutura material de que eles dispõem para trabalhar.
“Os estudos de impacto ambiental ajudam a prever riscos. Mas não são repassados aos bombeiros e aos órgãos de defesa civil”
ÉPOCA – Que tipo de informação se perde com essa falta de planejamento?
Duarte – Vou dar um exemplo. Nas simulações de emergência para um plano de riscos industriais, como o das refinarias da Petrobras, sabemos tudo do entorno: quantas casas, escolas, creches. Para onde o gás iria se batesse um vento assim, com essa velocidade. Identificamos as áreas mais sujeitas a intoxicação, o tempo de retirada das pessoas, locais de reunião. Se estamos falando do mapeamento de uma catástrofe natural, com essa perspectiva de identificar todo o espaço urbano e rural, eu consigo ver as áreas críticas e as prioridades. A partir daí estabeleço um programa conjunto com os órgãos de defesa civil para poder atender a população e crio um quadro restritivo para limitar a ocupação do solo. Hoje, você não consegue impedir uma pessoa de construir numa encosta muito íngreme ou de fazer uma construção colada ao muro de um posto de gasolina. Não impedem as pessoas de morar ao lado de um oleoduto. Estamos armando uma grande bomba-relógio, que pode pontuar de catástrofes o nosso desenvolvimento sonhado.
ÉPOCA – No caso de Santa Catarina, o senhor enxerga algo que era claramente uma prioridade que não recebeu a devida atenção?
Duarte – Era preciso melhorar muito o sistema de alerta, que pode ser um radar. A questão é que temos um sistema econômico de produção que vai, cada vez mais, oferecer situações críticas. Lá mesmo em Santa Catarina, desabou uma encosta que arrebentou um gasoduto que alimenta o sul do país com gás natural. Vão queimar óleo. A poluição atmosférica vai ao pico nos próximos 20 dias porque consertar o duto leva um dia, mas a encosta 20 dias.
ÉPOCA – O estudo de impacto ambiental daquele gasoduto não deveria ter previsto isso?
Duarte – Sim, mas falta integração em todo o país. Os estudos de impacto ambiental, o Eia-Rima, uma exigência legal no país, também são estudos de risco. Por que essas informações não são repassadas aos bombeiros e aos órgãos de defesa civil? Por que essas informações ficam arquivadas nos órgãos ambientais em vez de ser distribuídas aos usuários práticos desses estudos? Esse sistema é tão ruim que, se surge uma indústria a 50 metros da outra, é feito um segundo estudo que é quase cópia do primeiro. Não há estoque de conhecimento. Os incessantes pedidos de estudos ambientais não equivalem a acúmulo de conhecimento. São documentos empilhados, jamais repassados de forma sistemática para os órgãos encarregados de fazer o planejamento contra essas catástrofes.

Nenhum comentário: