quarta-feira, dezembro 02, 2009

A Educação Infantil e os novos desafios para o século XXI

Moisés Basílio Leal

A universalização dos direitos básicos da cidadania tem sido um processo longo e penoso na história da sociedade brasileira se comparado com processos semelhantes ocorridos em sociedades de capitalismo desenvolvido. A conquista de diretos básicos para as crianças pequenas também passou e ainda passa por toda uma série de vicissitudes, e com o agravante da infância não ter o mesmo poder de pressão que os outros setores sociais adulto possuem.

Historicamente o pensamento tradicional e conservador, em nossa sociedade, associa como ideal para a criança pequena e sua educação a responsabilidade privada da instituição familiar a cargo da figura da mãe. Não caberia ao poder público o direito interferir nesse âmbito. Como ressalta Fortunati (2009) , mesmo quando propõe serviços para a infância o faz como “corolário das políticas para a família, e, como tal, serem incapazes de reconhecer às crianças sua dignidade e potencialidade de cidadania.” É o caso do surgimento na primeira metade do século XX, das experiências das creches para filhos de trabalhadores, pois quando o trabalho tira da mãe o cuidado materno, a solução de política pública encontrada será a creche, mas com o foco centrado num cuidar assistencial desfocado da intencionalidade do ato de educar.
Em contraponto a esse discurso tradicional e conservador, os setores progressistas e liberais da sociedade vão questionar esse modo de tratar a infância, e ao longo do século XX no Brasil vão testar novas experiências para trabalha com a criança pequena como os jardins de Infância – uma experiência voltada para as classes médias e embrião do atual modelo de educação infantil das escolas particulares -, e os parques infantis – experiência iniciada na década de 30, destinada a atender as crianças de baixa renda, de natureza não escolar, calcada nas práticas cultural e desportiva e que na década de 70 vai se transformar na atual escola municipal de educação infantil (EMEI) da rede de educação do município de São Paulo.
No Brasil, o conjunto dessas experiências desenvolvidas ao longo século XX, com suas concepções de infância, criança e educação distintas, com praticas pedagógicas distintas e para atender públicos distintos acabam se confluindo na década de 80 para fundar a atual Educação Infantil, cujo marco legal se dá com a aprovação da Constituição de 1988, que formaliza a própria expressão Educação Infantil e a torna um direito da criança, na parte dos direitos à educação (artigo 208, parágrafo IV) e também direito da família (artigo 227) quando trata dos direitos sociais.
Esse contexto dos anos 80 no Brasil traz consigo o acúmulo de transformações profunda ocorridas na sociedade durante as décadas de 60 e 70 do século passado. O Brasil, em um curto espaço de tempo, deixa de ser uma sociedade majoritariamente interiorana e agrária, com características culturais tradicionais e conservadoras, para se transformar numa sociedade urbana e industrial. Ganha força na sociedade uma nova classe média urbana e uma nova classe trabalhadora urbana, frutos dessas transformações. Em que pese a complexidade desses novos atores, novas demandas serão postas no jogo político, principalmente a equalização de diretos sociais já garantidos nos países de capitalismo desenvolvido, e entre eles os direitos da infância.

Há então um terreno fértil para se construir uma nova concepção de infância que implica também numa nova concepção de cultura adulta. É uma discussão que nasce nos movimentos de mulheres – nesse contexto de regime político autoritário dos anos 60, 70 e 80 – e se alastra por sociedade brasileira. Já nos anos 70, pela voz das mães, a criança pequena entra em cena. As experiências dos clubes de mães nas periferias das grandes cidades brasileira, dos questionamentos às creches existentes ou não existentes, de novas experiências pedagógicas com crianças pequenas, vai-se formando um movimento de afirmação da criança como sujeito de direitos, que enfrenta as concepções tradicionais e conservadoras da infância enquanto uma fase da vida, da criança como o futuro do país ou como um ser incompleto.

Para compreender o esforço que vários segmentos da sociedade brasileira estavam fazendo, o relato de experiência da professora Madalena Freire (1978) é exemplar. É o relato de uma prática de Educação Infantil que tem uma concepção de criança como sujeito. Há também um novo papel para o adulto professor que se relaciona com esse sujeito. Segundo Freire: “Daí a importância de salientar este papel do professor como organizador. Organizador no sentido, porem, de quem observa, colhe os dados, trabalho em cima deles, com total respeito aos educandos que não podem ser puros objetos de ação do professor (p.21).”

Se a proposta da Educação Infantil acabou ganhando corações e mentes e se consolidou como política publica geral a partir da Constituição de 1988, a execução dessa política no seu cotidiano não tem sido fácil, pois há ainda uma disputa de concepções sobre infância e educação que permanece com outras roupagens.

Quando citei o texto de Freire, eu o fiz na intenção de sinalizar que há algo de novo quando falamos em educação infantil que precisa ser levado em conta. Mas se atentarmos para o que se sucedeu no processo de regulamentação da Educação Infantil no pós Constituição perceberemos que ela tem sido pensada e realizada, por muitos segmentos, a partir dos pressupostos e fundamentos do ensino fundamental, ou seja, centrada nos conceitos de ensino e de escolarização.

Enquanto política pública, também essa perspectiva escolarizante na Educação Infantil vem ganhando corpos na regulação dos novos marcos legais. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB – (1996) definiu a Educação Infantil como a primeira etapa da Educação Básica, atendendo em creche a crianças de 0 a 3 anos e na pré-escola as crianças e 4 a 6 anos, de caráter não obrigatório, como direito da criança e da família, tendo o Estado a obrigação de oferecer à quem solicitar e tornou obrigatória a formação superior para os professores da Educação Infantil. O que ficou em aberto, e não resolvido, na LDB foi o financiamento da Educação Infantil. Em nome da escolarização se priorizou o ensino fundamental e se deixou a Educação Infantil em segundo plano, em fragrante contradição com os dispositivos constitucionais, ou seja, o poder público não garantindo o direito da criança pequena à creche e à pré-escola. Só com ação judicial é que muitos cidadãos garantiram esses direitos aos seus filhos.

Em recente artigo , o atual ministro da Educação Fernando Haddad enaltece as ultimas medidas que alteram o marcos legal superior da educação brasileiro – Constituição. Ele se refere às Emendas Constitucionais 53 de 2006 e 59 de 2009.

A EC 53 instituiu o ensino fundamental de 9 anos, ao tirar a criança de 6 anos da Educação Infantil. Segundo palavras escritas pelo próprio ministro no artigo: “As crianças das camadas pobres iniciam agora o ciclo de alfabetização na mesma idade que os filhos da classe média, aos seis anos, garantindo-se o direito de aprender a ler e escrever a todos.” Aqui, se fosse possível dialogar com o ministro, caberia algumas questões: Será que antecipar a entrada da criança das camadas pobre no ensino fundamental resolverá o problema da alfabetização? Será que se garantisse a Educação Infantil para todas as crianças das classes populares o resultado não seria melhor? Qual concepção de infância e educação tem quem defende que seja melhor perder um ano da Educação Infantil para antecipar a entrada no Ensino Fundamental?

A EC 59, entre outras coisas, amplia o ensino obrigatório para a idade de 4 a 17 anos. Aqui parece que se recorreu a famosa divisão salomônica. Aos reclamos da Educação Infantil por financiamento se resolve o problema pela metade. Garante-se a pré-escola das crianças de 4 e 5 anos, já que os de 6 anos foram para o ensino fundamental. Alguém poderia lembrar? E as crianças pequenas, abaixo de 4 anos? Não se garante a universalização, pois afinal a pré-escola é importante pois ajudará na certa as crianças das camadas pobres na alfabetização.

O que vem juntos com essas duas emendas constitucionais é uma priorização da escolarização e do ensino em detrimentos de uma proposta de Educação Infantil. É a preocupação se preparar a criança logo para o ingresso no mundo da cultura adulta, pois a cultura infantil não tem importância. O pior é que esse tipo de concepção tem grande audiência social, tanto que o ministro diz que os conteúdos dessas emendas foram consenso de situação e oposição para sua aprovação.
Mas, se por um lado há essa forte tendência de escolarização e uma concepção equivocada, que nega na prática o direito da criança à infância, há também brechas para o contraponto em minha opinião. As concepções de criança, de infância e de educação que nos últimos 30 anos vêm se consolidando como um novo paradigma da Educação Infantil tem que disputar, no sentido político da palavra, os espaços com as outras concepções de criança, de infância e de educação. Os fundamentos e pressuposto da Educação Infantil em muito poderiam contribuir para a superação da crise que vive o ensino fundamental. Até porque, em muitas redes, como a municipal de São Paulo, a professoras que atuam na Educação Infantil também atuam nos anos iniciais do ensino fundamental.

O desafio político para a Educação Infantil seria dar o contragolpe e influenciar as outras etapas da educação básica, que precisam trilhar mais pelos caminhos da “Educação” e menos pelo do “Ensino”.

2 comentários:

Indy disse...

Excelente artigo, Moisés!
Vou divulgá-lo nas listas de email das quais faço parte, ok!?
bjos
Indira

Anônimo disse...

que blog mas chato sai dessa barbudo