sexta-feira, maio 25, 2007

OCUPAÇÃO USP - DIA 25 DE MAIO

Comentário Moisés: Comecei minha primeira graduação, em Ciências Sociais, no ano de 1981, na PUC/SP. Hoje, por força da minha profissão de professor voltei a estudar e sou estudante do primeiro anos de Pedagogia da Faculdade de Educação da USP. De dentro da sala de aula, inicialmente, acompanhei a evolução do movimento que começou com a ocupação no dia 3 de maio. Alguns professores abriram espaço para a discussão e algumas vezes os representantes do Centro Acadêmicos passaram na classe para informar o andamento do movimento. O eixo central da discussão são os decretos do Serra e a questão da autonomia da universidade. Na sexta-feira, dia 18/5, saímos da sala de aula e fomos para o saguão da Faculdade de Educação, onde cerca de 200 alunos aprovaram a greve dos alunos e uma agenda de atividades para essa semana. Até aqui o movimento tem sido vitorioso, pois conseguiu amplificar para a sociedade em geral a tensão interna, vivida na USP e nas universidades públicas paulistas, com a publicação dos decretos do governador José Serra no início do ano. Um lado negativo dessa amplificação é a forma imparcial como a grande mídia tem feita a cobertura do movimento, principalmente o rádio e a TV, que só destacam e se posicionam com as posições do governo. O lado positivo é o da intensificação do debate democrático sobre o modelo de universidade pública que se quer para o Estado de São Paulo, para além dos interesses corporativos das universidades e dos interesses políticos do governo de plantão. A rebeldia estudantil abriu um novo cenário e novos atores. Vamos ver no que dá. A seguir algumas analises parciais do movimento.


Fonte: Site PT - 23/05/2007 - www.pt.org.br/sitept/index_files/noticias_int.php?codigo=873
Ocupação da USP: limites para avançar -
Diogo Frizzo

Ocupa! Essa é a palavra de ordem entoada por centenas de estudantes nas assembléias e plenárias realizadas na USP desde a ocupação da Reitoria da Universidade, no dia 3 de maio.

A ocupação, motivada pela ausência da reitoria em um debate público e a posterior recusa em protocolar um documento com reivindicações estudantis, tomou grandes proporções e se tornou o centro do debate na comunidade uspiana.

Em princípio, os estudantes tinham uma única reivindicação: eles queriam uma audiência pública para debater os decretos do governador José Serra (PSDB) que ferem a autonomia universitária. Como a reivindicação foi aceita imediatamente pela reitoria, alguns setores sentiram a necessidade de apresentar uma pauta mais consistente, como forma de manter o movimento de ocupação. Esse foi o inicio o processo. É preciso lembrar que, historicamente, ocupações como esta sempre foram feitas para pressionar a reitoria a abrir negociação com os estudantes.

Desta vez a negociação foi mais tranqüila. Talvez, por isso, a precipitação de setores estudantis em querer estender o movimento com novas reivindicações.

Inexperiência ou oportunismo?
Desde que se iniciou a ocupação, a pauta sofreu modificações constantes, não para enxugá-la e garantir conquistas concretas, mas, sim, para adicionar pontos e reivindicações que muitas vezes demonstram uma intransigência por parte de setores do movimento que se intitulam a “direção autônoma” da ocupação.

As plenárias congregam muitos estudantes, fato que há tempos não acontecia no movimento estudantil, mas se perdem em questões secundárias, deixando para o final (depois de horas de discussão) o encaminhamento de questões centrais e aprovando resoluções muitas vezes controversas com um quorum muito reduzido, o que possibilitaria um questionamento sobre a legitimidade do que foi aprovado.

Partidos e os “Independentes”
Os partidos, em especial o PSOL e o PSTU, que insuflaram a ocupação, acreditavam que conseguiriam dirigir o processo e, com isso, talvez trouxessem novos militantes para suas fileiras. Mas foram percebendo que a cada dia isso se tornava mais difícil, primeiro o PSOL e depois o PSTU. O discurso antipartido domina o clima da ocupação. Não importa o mérito ou pertinência do debate que se tenta fazer: se o grupo é de alguma sigla partidária, já se torna alvo dos chamados “independentes”.

Com um discurso fácil de guerra aos partidos, afirmando que estes “manobram” as plenárias e impedem a participação dos estudantes, alguns setores se organizaram e tentam impor a linha da ocupação. Com isso aplicam seu jeito “independente” de fazer movimento estudantil: plenárias infindáveis em que as resoluções são aprovadas depois de esvaziadas; o patrulhamento ideológico na base do chavão “partido é mal”; a liberdade (somente para os independentes) de expressão; e, por fim, a lógica do “eu” me represento, que significa o não respeito às deliberações coletivas.

Setores esquerdistas como PCO e Estratégia Revolucionária não merecem muita analise, pois sempre operam na lógica do quanto pior melhor.

A ocupação
Após 20 dias, e com a ameaça de “desocupação” pela PM e o batalhão de Choque, o movimento chega a um dilema: manter a ocupação ou sair do prédio?

Os que insistem em defender a manutenção da ocupação se dividem em três grupos: os que acreditam que é possível avançar mais e que os pontos apresentados pela reitoria são insuficientes, pois a ocupação é um espaço de referência e, ao desocupar esse espaço, haveria desmobilização do movimento; os que querem ter um enfrentamento com a tropa de choque; e os que criaram um vínculo sentimental com a ocupação.

Partem da idéia da “última batalha”, do “agora ou nunca”. Muitos chegam a estar convencidos que se trata um novo “maio de 68”, só que em 2007. Não compreendem que a ocupação é um instrumento político, mas tem seu limite, seu ápice, e que, ao insistir em querer mais do que o necessário, o movimento se desgasta e se volta contra si próprio.

Cria-se uma falsa dicotomia, entre os que defendem a permanência da ocupação e são de “luta”, e os que defendem a desocupação e são os “pelegos”. Isso não está em discussão. É preciso pensar o que é melhor para o movimento, o que avança e aglutina.

Insistir na ocupação é se negar a perceber que pode ser difícil avançar mais do que já se avançou e que a reitoria chegou ao seu limite de concessão. Além disso, esse é o máximo que o movimento já conseguiu no último período. Colocar isso a perder, em troca de um enfrentamento com o choque, saindo sem ganho da ocupação, é desarticular o movimento.

A ocupação cumpriu o seu papel de organizar os estudantes e chamar a atenção da sociedade para a situação da universidade pública e dos decretos. O debate está na mídia e a pauta de reivindicações foi parcialmente aceita pela reitoria. O momento agora é outro: avançar para a construção da greve unificada entre alunos, funcionários e professores!

Do desfecho
O desfecho da ocupação pode acontecer nos próximos dias. O primeiro prazo venceu na terça-feira, dia 22, foi estendido até amanhã (24) e ainda podem haver novas negociações e novos prazos.

Mas o movimento precisa ter disposição de fato para negociar com a reitoria, priorizar pontos, enxugar a pauta, isso é, não continuar a incluir, a cada nova assembléia ou plenária, novas reivindicações (no primeiro momento era 5 pontos; agora são 17, sem contar os subitens).

Porém, o cenário de intransigência que se constrói, a partir do posicionamento de alguns setores, pode gerar uma grande derrota para o movimento estudantil, com nenhuma vitória e com a punição de muitos estudantes que participaram da ocupação, cenário que não ajuda em nada.

É possível sair da ocupação com um movimento organizado e em ascensão, com vitórias, capaz de construir uma greve com amplo apoio da sociedade e com uma grande participação estudantil, necessária para derrotar os decretos do governo Serra. Mas para isso, às vezes, é preciso falar o mais difícil, dizer que a ocupação já chegou ao seu limite e que continuar é um erro. Sair de mãos vazias não ajuda o movimento. Atrapalha, desmobiliza, desmotiva. Sair com conquistas reais agrega, mobiliza, impulsiona.

Por isso a palavra de ordem a partir de agora deve ser: desocupa!

Diogo Frizzo é graduando em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP) e militante da Juventude do PT.


Fonte: Site do PT - 25/05/2007 - www.pt.org.br/sitept/index_files/noticias_int.php?codigo=911
Ocupação da USP e os caminhos e descaminhos do movimento estudantil -
Ana Carolina Caldas

Dois artigos sobre a "Ocupação da USP" me chamaram a atenção nesta semana. Um escrito por uma estudante da mesma universidade e outro por uma jornalista da Folha de São Paulo.

O artigo "Os prós e os contras da ocupação na USP", assinado por Carla Santos (estudante de letras da USP, ex-presidente da UBES (2001) e membro da equipe do Vermelho - site oficial do PCdoB), é uma análise de quem já viveu "atos de rebeldia", que conhece como é que se organiza um movimento de protesto. Por "vício" e/ou hábito de quem faz/fez parte do movimento, a autora dá nome aos bois, ou melhor, diz quem é quem ou, melhor ainda, define com ressalvas quem está lá ainda resistindo (ou que resistiram) na ocupação da USP. Identifica como uma boa militante partidária quais as forças também partidárias ali comandando o movimento. Informa em seu artigo que a maioria dos estudantes ligados ao DCE (Diretório Central dos Estudantes) e aos partidos, após a aceitação pela Reitora da USP de alguns pontos da pauta de reivindicações, resolveram se retirar do movimento de ocupação.

Segundo Carla Santos, para os que ficaram, "se iniciava a grande chance de começar o caminho rumo à revolução socialista no Brasil, ou pelo menos quase isso, colocando a sua vida à disposição da tropa de choque para mais tarde, quem sabe, ser um neo-Alexandre Vanucci Leme (estudante da USP assassinado na ditadura de 64)."

A impressão que tive é que neste artigo há um alerta para uma possível descaracterização do movimento estudantil consolidado pelas forças partidárias.

Já o artigo escrito pela jornalista Laura Capriglione - "25 anos depois, estudante leva a mãe para a invasão", publicado na Folha São Paulo, o tom é outro: evidencia e quase que inaugura (?) uma nova fase do Movimento Estudantil, quando afirma que a ocupação é "promovida" por estudantes que nada têm a ver com as entidades estudantis. Além disso, sinaliza que ali é "ninguém manda, todo mundo manda", ou seja, não existe cacique, liderança. Pelo que parece e o que a explicação do "artigo militante" tenta elucidar, é isso mesmo que está acontecendo. A estudante caracteriza a atitude dos colegas também estudantes de irracional ("Se por um lado a ocupação da reitoria da USP deixou de ter um sentido racional..."), pois começou apenas como uma visita para a reitora com o objetivo de entregar uma carta de reivindicações e agora ainda não estão claro quais são as futuras estratégias.

Carla Santos, que faz o alerta sobre a irracionalidade do movimento e a falta de liderança na ocupação, mas também identifica que algo importante está acontecendo mesmo que tenha começado sem querer e sem estratégias demarcadas, foi líder secundarista e ficou famosa é claro por sua competência política e por um ato de rebeldia noticiado nacionalmente em 2001. Ficou nua em frente ao Palácio do Planalto como forma de protesto. Só com uma faixa cobrindo os seios, a "bunda-pintada" entrou no espelho d água do Congresso, organizou os estudantes para formar a palavra CPI no gramado e discursou. Tratava-se do protesto a favor da CPI da Corrupção e contra a lei que acabou com o passe livre nos ônibus municipais.

QUE A LOUCURA SE REESTABELEÇA...

Inspirada nos protestos da vida das caras ou bandas pintadas, nesta ocupação da USP e em outros atos de rebeldia sem violência, mas para promover mudanças... é que defendo e continuarei sempre defendendo - que a irracionalidade, a paixão, o ímpeto continuem PELO AMOR DE DEUS a fazer parte do MOVIMENTO ESTUDANTIL. Que os militantes do Movimento Estudantil deixem a racionalidade para quando virarem burocratas talvez (e espero que não virem...).

Mas não o sejam agora, não queiram antecipar algo que não deveria fazer parte deste momento em que se é jovem, em que se experiência situações para bater a cabeça errando ou acertando... Não deixem que os profissionais já consolidados desta área do Movimento Estudantil ou a crença que movimento estudantil deve funcionar como uma empresa, como um partido ou qualquer outra coisa que se assemelha a "fina flor da burrocracia" contaminem suas rebeldias, paixões e até a sua imaturidade.

Se estão lá sem saber que estariam, se não planejaram, se não sabem ainda para onde vão... continuem apenas caminhando. Apenas caminhem sabendo que querem mudar algo, que são contra os decretos do Serra e que a racionalidade está no dia a dia da ocupação, como já foi noticiado - em deixar tudo limpo, em se organizar para definir o próximo dia e continuem caminhando... e por que não.. sem pensar quem são, se do partido A ou B. Afinal são estudantes impetuosos, apaixonados, rebeldes das suas causas.

A ex-líder secundarista e ex presidente da UBES informa em seu artigo que "professores, diante da irredutível permanência de algumas correntes políticas do movimento estudantil na ocupação, passaram a buscar mais diálogo com os estudantes, as assembléias passaram a ser cada vez maiores e nesta quarta (23) também aderiram à greve em apoio à ocupação." Não sabiam onde iriam parar, mas com sua irredutibilidade engrossaram o movimento contra os decretos do Serra e a favor da qualidade de ensino. São nos momentos de loucura, do irracional que o "caldo pode engrossar" ou pode não também. Vai saber...

Sou a favor que a essência do Movimento Estudantil se restabeleça. Nesta fase somos aprendizes e precisamos errar muito para ter certeza que valeu a pena. Que venham outros atos de loucura, este tipo de loucura pacífica, brincalhona, irreverente que é assim sem saber direito o que vai acontecer... que só aconteceu porque não se pensou com as amarras de quem já não sonha mais, não se raciocinou sobre os dogmas do partido A ou B, sobre isso ou aquilo. Foram pacíficos e a partir do momento que ocuparam a reitoria começaram a se organizar... assim meio com medo, meio sem saber ainda como é que se organiza.

Sê jovem agora, para continuar sendo até a eternidade

"Enfim, os questionamentos eram muitos, mas a empolgação em estar fazendo algo para mudar a situação da universidade era muito maior", informou Carla Santos sobre o clima inicial da ocupação. Sim! Eu sou a favor da leveza, da adrenalina, da sensação revolucionária que toma conta da gente quando se é estudante e provoca mudança de estado, de espírito, de consciência e aí a coisa começa, ou seja, a gente começa a se dar conta que tem força, que tem poder. Aí sim a gente se organiza, se desorganiza e sai da Universidade. Vira adulto com espírito jovem e de vez em quando relembra disso tudo e vai lá como o Arthur Poerner se unir aos estudantes na ocupação do terreno da Une (essa é uma loucura que vem dando certo!), se inspira e desenha um projeto para o Teatro da Une como fez o Oscar Niemeyer, vai lá e vira Ministro dos Esportes como o Orlando Silva, vira o Ministro da Comunicação Franklin Martins, etc, etc. Mas antes a gente tem que ser, viver e agir como estudante!

Marcelo, aluno da escola de ciências sociais da USP, citado no artigo da jornalista Laura Capriglione, disse: "A gente não sabe muito o que é ser rebelde. Só sabe que é contra o decreto do Serra. O resto estamos aprendendo". Não são os estudantes de agora que não sabem o que é ser rebelde, rebeldia se experimenta em qualquer época quando lhe é permitido dentro dessa coletividade, do movimento ou dos movimentos estudantis.

Deixem para crescer quando saírem da Universidade... Agora apenas caminhem e vão aprendendo ....Depois a gente escolhe qual é a melhor da estratégia pro futuro.

Parafraseando a música "Epitáfio"... "eu deveria ter arriscado mais, complicado menos..." Quando olho para trás e lembro que um dia, em 1996, dormi dento da Universidade também para lutar a favor da autonomia da Universidade... fico feliz por ter tido o privilégio da participação no Movimento Estudantil . Participação esta que hoje me dá serenidade e a certeza que estou na torcida certa. Torço para que os estudantes de hoje arrisquem mais....compliquem menos!

E Viva os Estudantes!

Para terminar, ou melhor, ao terminar o que aqui escrevo informo que acabei de ler a seguinte notícia publicada há poucos minutos na internet: "Um grupo de estudantes da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) ocupou nesta quinta-feira (24), pela manhã, o gabinete da reitora, Ana Dayse Dórea, no campus de Maceió. Os estudantes são contra a reforma universitária; querem que a escola técnica agrotécnica seja voltada para os interesses da agricultura familiar (e não a monocultura da cana-de-açúcar); pedem a ampliação do restaurante universitário e da residência universitária, além de uma creche gratuita nas dependências da universidade; e são contra os cursos pagos e a cobrança de quaisquer taxas acadêmicas" (Site Uol, 23/05/2007).

Ana Carolina Caldas - ex Coordenadora do DCE UFPR (96-97) - formada em Pedagogia (UFPR), Mestra em História da Educação (UFPR) e atualmente estudante de Jornalismo (PUC/PR). Atuou também na Coordenação do Setorial de Cultura do PT de Curitiba. É autora da dissertação de mestrado "CPC da UNE no Paraná (1959-1964): encontros e desencontros entre a arte, educação e política".

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Fonte: Portal O Vermelho - www.vermelho.org.br/base.asp?texto=18505 - 24/05/2007.

Os prós e os contras da ocupação na USP

No dia 3 de maio o DCE convocou uma assembléia de estudantes no anfiteatro da Geografia da FFLCH. O objetivo da discussão era reunir a comunidade universitária para debater os decretos do governo Serra para a educação paulista. Eu, como milhares de estudantes trabalhadores da universidade, não pude comparecer ao debate que culminou com a ocupação da reitoria em função da ausência de seus representantes ao encontro. Hoje, a ocupação é fato nacional, porém pouca gente sabe como ela realmente se construiu e ninguém sabe aonde ela vai dar. Por trás da unanimidade dos estudantes no apoio à ocupação, escondem-se polêmicas das quais é preciso se falar.

Por Carla Santos*

Serra atirou no pé quando lançou decretos

1º Capítulo: a ocupação

Ao chegar na universidade para a primeira aula da manhã de sexta-feira (4) um colega contou-me sobre o que havia acontecido na assembléia do dia anterior. Relatou que cerca de 300 estudantes haviam participado da assembléia que começou para debater os decretos e terminou no gabinete da reitora. Ansiosa por mais informações sobre o ocorrido, procurei as lideranças das entidades estudantis e colegas que haviam participado da atividade.

As fontes de informação passaram por independentes, os diretores do Diretório Central dos Estudantes (DCE) – do qual participam a UJS, correntes do PT, MR8 e independentes – e pelo Centro Acadêmico Estudantil de Letras Oswald de Andrade (Cael) – liderado por militantes do PSTU.

Para minha surpresa, nada do que aconteceu foi previamente calculado. Meus colegas informaram que como a reitora não havia enviado nenhum representante ao debate, todos saíram do anfiteatro em direção à reitoria para entregar uma carta, redigida às pressas, cobrando uma posição da reitora Suely Vilela sobre os decretos. Como a reitora se encontrava na Espanha (suspeita-se que para fechar convênios da universidade com o banco Santander), os estudantes resolveram ocupar o gabinete da reitora. Apesar da intimidação da guarda universitária – que antes da chegada dos 300 manifestantes já havia se posicionado no local – a ocupação foi relativamente pacífica, tendo quebrado apenas a porta de entrada da reitoria e a porta que dá acesso ao gabinete da reitora. O aspecto de depredação que aparece nos jornais não se deu em função da ocupação, e sim pelas obras realizadas pela universidade no local desde o início deste ano.

De imediato, o vice-reitor Franco M. Lajolo chegou ao local. Dizem que, trêmulo, solicitou aos estudantes a pauta de reivindicações. Atônitos, os estudantes solicitaram a Lajolo que voltasse mais tarde, pois era necessário fazer uma assembléia com os ocupantes para definir a pauta de reivindicações da ocupação. Dois ou três militantes rapidamente construíram uma pauta com 13 reivindicações que foi aprovada às pressas pelos estudantes presentes. Começava ali a novela da negociação.

2º Capítulo: as negociações

Embora o DCE e inúmeros centros acadêmicos tenham participado da ocupação, não havia ainda uma posição oficial das entidades estudantis. Na sexta-feira (4), ao fazer a primeira visita à ocupação, a falta de liderança no movimento já era clara. Para buscar uma foto do que aconteceu no dia anterior tive que me dirigir a cinco estudantes diferentes. Era grande o medo de que a informação sobre a depredação da reitoria, alardeado erroneamente pelos grandes veículos de informação, se propagasse.

Vi muitas lideranças do movimento estupefatas com a enorme estrutura à sua frente. Computadores, sofás, café, mesas, cadeiras, todos gozavam do prazer de sentar no trono do poder institucional máximo da universidade, a cadeira da reitora. Muitos também estavam cambaleantes: não é fácil dormir no chão duro, ao som de violão e sabe-se lá o que mais, durante aquilo que para a ampla maioria representava a primeira aventura em uma ocupação.

Já no dia seguinte circulavam muitas informações, boatos de todo tipo se propagavam como fábulas pelos corredores das faculdades. Aquela sexta-feira iniciaria um longo processo de negociação entre os estudantes e a reitoria. No meio dos estudantes, muitas perguntas: “Meu, como eleições diretas para reitor não entrou na pauta de reivindicação?”, “Mas de onde propomos vir esse dinheiro para moradias?”, “Por que contratação de professores e não abertura imediata de concurso público?”; enfim, os questionamentos eram muitos, mas a empolgação em estar fazendo algo para mudar a situação da universidade era muito maior.

Quando a reitora aportou no Brasil, a maioria das entidades da universidade, do Brasil e até do mundo (o PSTU adora dizer isso!) já apoiavam a ocupação. Uma comissão de negociação com mais de 10 estudantes foi aprovada em assembléia – é claro, assembleísmo é o esporte preferido da turma – e a pauta dos estudantes foi levada à mesa. Depois de idas e vindas, a reitora apresentou uma contraproposta comprometendo-se verbalmente com 7 das 13 reivindicações apresentadas pelos estudantes.

Para muitos, ali foi o ponto final da ocupação, afinal era uma conquista razoável arrancar da reitora 7 de 13 pontos previstos na pauta. Já para outros, se iniciava a grande chance de começar o caminho rumo à revolução socialista no Brasil, ou pelo menos quase isso, colocando a sua vida à disposição da tropa de choque para mais tarde, quem sabe, ser um neo-Alexandre Vanucci Leme (estudante da USP assassinado na ditadura de 64).

Capítulo 3: A ocupação continua

A primeira contra proposta da reitora levou a um realinhamento de posições no movimento estudantil sobre a ocupação. O DCE divulgou nota retirando-se da ocupação. O PSTU e o P-SOL também se retiraram dias depois.

A Liga Estratégica Revolucionária (LER) e o Movimento Negação da Negação (MNN) —forças políticas que só existem no mundo pequeno da USP— passaram a insuflar independentes contra partidos políticos. No interior da ocupação, o debate antiparticipação de estudantes ligados a partidos passou a ter quase a mesma importância que o debate sobre os decretos.

Ao mesmo tempo, a repercussão sobre a ocupação foi crescendo na imprensa e conseqüentemente na universidade. Funcionários (liderados pelo PSTU) já haviam entrado em greve. Os estudantes então deflagraram a sua greve em assembléia com mais de 2 mil pessoas. Instalou-se um clima pró-greve geral e mobilização no ar. Professores, diante da irredutível permanência de algumas correntes políticas do movimento estudantil na ocupação, passaram a buscar mais diálogo com os estudantes, as assembléias passaram a ser cada vez maiores e nesta quarta (23) também aderiram à greve e ao apoio à ocupação.

Capítulo 4: Aonde a ocupação vai parar?

Se por um lado a ocupação da reitoria da USP deixou de ter um sentido racional, de conquistas concretas, por outro lado, ela passou a encorajar os mais diversos setores da universidade a se levantarem contra os decretos do governador Serra. A polêmica sobre a autonomia das universidades estaduais paulistas tomou conta dos noticiários. Governo e seus séquitos, os reitores indicados por Serra, passaram a se contradizer nas declarações sobre o tema. No mesmo dia em que o Secretário Estadual de Ensino Superior, Aristodemo Pinotti, afirma publicamente que os recursos da universidade terão que passar pelo crivo do governo, o Conselho de Reitores solta nota publica dizendo o contrário.

Desesperado, o governo anunciou a contratação de 1.900 professores para a USP no meio da crise. A reitora já não sabe mais o que oferecer, por mais que tente, não há proposta que convença os estudantes a se retirarem da ocupação. O governo está na defensiva e a comunidade das universidades estaduais paulistas fortemente mobilizada contra seus decretos.

Nesta quinta-feira (24), o governo poderá tomar uma medida radical para conter a crise. A tropa de choque já anunciou que não vê a hora de intervir na ocupação e utilizar da violência para desocupar a reitoria. Por outro lado, professores aprovaram nota pública solicitando a continuidade do diálogo e a retirada da polícia das negociações da ocupação.

Se optar pela força, Serra estará reforçando a caracterização de um governo repressor que já pesa sobre seu mandato desde a violenta repressão aos protestos contra a visita de Bush, no último dia 8 de março. Se deixar tudo como está, o movimento antidecretos pode crescer ainda mais e talvez se refletir, ainda que momentaneamente, em uma mudança ou outra em seu mandato, já que na política “nada como um dia após o outro”.

A sinuca de bico está armada e caberá aos estudantes e à comunidade das universidades estaduais paulistas saber negociar, não mais com a reitora da USP, e sim com o governador Serra sobre saídas para o impasse.

*Carla Santos é membro da equipe do Vermelho e estudante de Letras da Universidade de São Paulo (USP)

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Fonte: Folha de São Paulo - Cotidiano - 23/05/2007 - www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2305200706.htm

25 anos depois, estudante leva a mãe para a invasão Pregando o apartidarismo, grupo invasor desdenha das entidades tradicionais de estudantes e dos líderes carismáticos

Novo movimento estudantil é bem diferente daquele da invasão da reitoria da USP de 82


Marlene Bergamo/Folha Imagem
Alimentos são distribuídos a estudantes na reitoria da USP, invadida há 20 dias; alunos poderão ser presos caso não deixem o local

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

E de repente, de surpresa, um novo movimento estudantil surgiu na Universidade de São Paulo. Ele tem uma cara mulata como não se via nos anos de chumbo da ditadura militar. Ele dá as costas às entidades tradicionais de estudantes, como a UNE, a UEE e o DCE-Livre. Ele desdenha de líderes carismáticos (em vez disso, todo mundo manda, e ninguém manda). Ele cultiva a sério o apartidarismo, quebrando a hegemonia política de partidos como o PT, PSOL e PSTU, que já foram manda-chuvas no pedaço. E, esquisitíssimo, ele faz questão de cuidar dos jardins com tanto esmero quanto da mobilização.
Esse novo movimento estudantil apareceu há 20 dias, quando 120 alunos dirigiram-se à reitoria da universidade para entregar um documento com reivindicações. Como não encontraram a reitora Suely Vilela, que estava viajando, resolveram invadir o local _assim, meio na louca. E a coisa começou a crescer, sem controle, e sem interlocutores.
União Nacional dos Estudantes, que foi presidida pelo atual governador José Serra nos idos de 1964, União Estadual, Diretório Central dos Estudantes e muitos centros acadêmicos, as organizações estudantis tradicionais nem são mencionadas nas conversas. Não existem para essa mobilização, senão como "obstáculos" que foram necessários ultrapassar. O aluno de letras Marcelo explica: "Eles foram contra a ocupação da reitoria e ficaram negociando nas nossas costas".

"Caminhando e cantando"
Ontem, o carro de som estacionado bem na frente da invasão tocava a trilha sonora do pessoal. "Eu sou a mosca que pousou na sua sopa" e "Plunct, plact, zum, não vai a lugar nenhum", as duas canções de Raul Seixas, alternavam-se com todas as músicas antigas de Chico Buarque, com especial destaque para "Apesar de Você", e "Pra não Dizer que não Falei das Flores", de Geraldo Vandré, hinos da resistência democrática nos anos do regime militar. Túnel do tempo?
Quem, há 25 anos, em 1982, quando a reitoria da USP também foi invadida, imaginaria um estudante levando sua mãezinha para ver como os companheiros se comportavam bem na luta? Pois foi isso o que o aluno Luiz, do segundo ano de história, fez: levou a mãe, conflito geracional nenhum, para checar como tudo estava organizado na reitoria, apesar da invasão. "Ela gostou muito do que viu", garante ele.
Ontem, em visita ao prédio ocupado, os estudantes que ciceroneavam a reportagem da Folha fizeram questão de mostrar os banheiros da reitoria. "Tudo limpinho, você está vendo", disseram. Estava mesmo. Os jardins internos do prédio, de tão bem cuidados, mereceram elogios do jardineiro responsável, que foi preocupado ao local só para checar as perdas e danos da invasão. Em vez disso, fez questão de parabenizar o aluno que o estava substituindo tão bem.
O pessoal faz cara de mau quando alguém da "imprensa burguesa" (como muitos consideram, por exemplo, a Folha) pede entrevista. Dura pouco. Foi só a comissão de mobilização avisar que mais uma assembléia ia começar para um grupo de jovens músicos (duas flautas doces, uma clarineta, um violino, um cavaquinho e dois pandeiros) começar a tocar "Se esta rua, se esta rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar". Foi a senha. Cinco grandes rodas concêntricas, formadas por adolescentes de mãos dadas, começaram a dançar. Então vieram um Caetano velho, ainda bucólico, "Asa Branca", de Luiz Gonzaga, e o hit "Apesar de Você", sempre ele. Aquecida pela coreografia, a assembléia, então, finalmente se iniciou.

Cama coletiva
Há muitos negros na invasão, como não se via na de 25 anos atrás. Se antes ingressavam na universidade 4.000 novos alunos por ano, hoje são 10 mil. Cabelões black de todas as formas, os universitários do grupo "OcupAção Afirmativa" refletem a abertura pela qual passou a USP no último quarto de século. Mas eles querem mais.
O politicamente ultracorreto domina. No amplo saguão que antecede a sala do Conselho Universitário, onde estão distribuídos os colchões em que os invasores dormem, tudo é de todos. A estudante Alba Marcondes explica: "Chegou, encontrou o colchão vazio, qualquer um, então pode se deitar".
O politicamente ultracorreto domina. No amplo saguão que antecede a sala do Conselho Universitário, onde estão distribuídos os colchões em que os invasores dormem, tudo é de todos. A estudante Alba Marcondes explica: "Chegou, encontrou o colchão vazio, qualquer um, então pode se deitar".
Todos comem a mesma comida, feita por outra comissão de alunos. Ontem, o cardápio do almoço foi arroz branco, batata cozida e lingüiça frita. Acompanhava um minicopinho (desses de café) de suco de caju. Ninguém reclamava.
E sexo? Luís conta que um velho militante de 25 anos passados, ao visitar a invasão atual, notou um certo ar "careta" nos meninos e perguntou "Pô, nem sexo, nem drogas, nem rock and roll? Que merda vocês estão fazendo?" Marcelo, aluno da escola de ciências sociais, emenda, pensativo: "A gente não sabe muito o que é ser rebelde. Só sabe que é contra o decreto do Serra. O resto, estamos aprendendo".

Clandestinidade
Lá fora, a USP, naquele que é o seu centro geográfico de poder, o conjunto da reitoria, parece o centro comunitário de um pedaço da periferia. O prédio em obras, o matagal crescendo nos canteiros do conjunto residencial (onde moram alunos carentes), as lonas improvisadas, proteção para a chuva, como em um acampamento de sem-teto, os pneus empilhados à guisa de barricada, as muitas pichações ("Ocupe a Reitoria que Existe em Você" é uma delas), uns tantos bêbados em volta, um pequeno comércio de doces e camisetas.
Os estudantes em tempos de democracia não gostam de mostrar rostos nem declinam nomes. Identificam-se por um prenome, às vezes confessando, antes que se pergunte, que é falso. Temem punições administrativas, que podem chegar à expulsão do quadro discente.
Há 25 anos, a ditadura ainda existia no país _era o governo do general João Baptista Figueiredo (1918-1999)_, mas a confiança do movimento estudantil era tamanha que todos queriam aparecer. Um grupo de alunos do Instituto de Física, então uma das escolas mais ativas da USP, como lembra o ex-aluno Olavo Tomohisa Ito, 48, hoje professor universitário, fez questão de "tomar posse" da sala do Conselho Universitário, afixando, gigantesca, uma faixa com os dizeres "Espaço Marcelão", em homenagem a um colega que até pelo tamanho não conseguia se manter incógnito. Ninguém queria mais a clandestinidade.
Nesses dias de invasão, uma parte da turma de 25 anos atrás fez questão de ir ver como os meninos de hoje estão levando a coisa. Julio Cesar, ex-aluno de ciências sociais e atualmente na Faculdade de Educação, ontem ajudava o pessoal da comissão de alimentação. Outros da mesma época levavam doações de mantimentos.

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