terça-feira, outubro 12, 2010

Não deixe sua cor passar em branco - Censo 2010

Comentários Moisés Basílio: 
Já é o meu sexto censo. Quando nasci em 1960 o Brasil tinha uma população de cerca de 70 milhões de habitantes. 40 milhões ainda viviam no campo e o sexo masculino era predominante. 

 Quanto ao quesito cor/raça o censo de 2000 trouxe novidades. O número dos que se declaram branco que desde 1940 vinha caindo teve um crescimento percentual de 2,12% entre 1990 e 2000. O número dos que se identificam como pretos, que também vinha caindo desde 1940, teve um crescimento percentual de 1,03% entre 1990 e 2000. Já com os que se declararam pardos aconteceu o contrário. Os pardos que sempre cresceram desde o censo de 1940, entre os anos 1990 e 2000 tiveram uma queda de 4,04%. Os amarelos continuam a tendência de queda. E os indígenas mais que dobraram de tamanho suas populações entre 1990 e 2000, sendo que antes de 1980 nem eram contados pelo censo.

Para o censo de 2010 aguardo ansioso o que irá acontecer com a categoria parda. Pelo crescimento dos movimentos negros, até 2000, muitos que declaravam pardos ou brancos em censos anteriores assumiram a categoria parda no censo. Do ano 2000 até 2010 a luta racial ampliou seus questionamentos em torno da ideia de senso comum de que no Brasil vivemos uma democracia racial. O principal instrumento de pressão foi à luta pela política de cotas, principalmente nas universidades públicas. O tema é polêmico e divide opiniões até nos movimentos negros, mas teve o mérito de publicizar para o grande público essa discussão da identidade do brasileiro a partir das categorias cor da pele e raça. Particularmente minha hipótese é que haja um aumento substantivo de pessoas se autodeclarando preto e uma queda acentuada dos que se autodeclaram pardos. Vamos aguardar os números finais do censo.

Para concluir, repito o mote: Não deixe a sua cor passar em branco, pois ela  faz parte da sua identidade. E olhe também a bela poesia na letra do samba composto por Nei Lopes a respeito do censo brasileiro de 2010. Axé!


Tabela - Distribuição proporcional da população por cor ou raça – censos selecionados


Branca
Preta
Amarela
Parda*
Indígena
s/ declaração
1940
63,58
14,66
0,59
21,32
-

-

1950
65,08
10,36
0,59
23,98
-

0,01
1960
59,70
8,37
0,66
31,27
-
0,08
1970
-
-
-
-
-
-
1980
54,91
6,09
0,60
38,40
-
0,58
1991
51,83
5,16
0,46
42,36
0,19
0,35
2000
53,95
6,19
0,45
38,32
0,43
0,66
Nota: * Até 1980, inclusive, a população parda incluía a população indígena.
Fonte : IBGE, Censo Demográfico 1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991 e 2000.




















Fonte: Sítio do IBGE - http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/pesquisas/demograficas.html

No Brasil de 2000 menos pessoas se declararam de cor parda.
Comparados aos resultados do Censo de 1991, os resultados do Censo 2000 registraram a redução da parcela da população que se declarou parda e um pequeno aumento da população que se declarou branca ou negra
Veja o gráfico abaixo:
Composição da População por Raça
1991 2000
Total 146 815 796 Total 169 872 856
Branca 75 704 927 Branca 91 298 042
Parda 62 316 064 Parda 65 318 092
Preta 7 335 136 Preta 10 554 336
Amarela 630 656 Amarela 761 583
Indígena 294 135 Indígena 734 127
Sem declaração 534 878 Sem declaração 1 206 675
Fonte: Censo Demográfico 2000: Resultados do Universo
No Brasil de 2000 menos pessoas se declararam de cor parda.
Comparados aos resultados do Censo de 1991, os resultados do Censo 2000 registraram a redução da parcela da população que se declarou parda e um pequeno aumento da população que se declarou branca ou negra
Veja o gráfico abaixo:
Composição da População por Raça
1991 2000
Total 146 815 796 Total 169 872 856
Branca 75 704 927 Branca 91 298 042
Parda 62 316 064 Parda 65 318 092
Preta 7 335 136 Preta 10 554 336
Amarela 630 656 Amarela 761 583
Indígena 294 135 Indígena 734 127
Sem declaração 534 878 Sem declaração 1 206 675
Fonte: Censo Demográfico 2000: Resultados do Universo
Fonte: Blog Meu Lote - Nei Lopes - Quinta-feira, Setembro 02, 2010 - http://www.neilopes.blogger.com.br/



QUANDO O CENSO BATER NA MINHA PORTA

Sou mameluco, sou cafuzo?/ Negro de keto ou nagô?/ Amarelo, pardo, índio,/ minha cor qual é que é? / Judeu, ateu, ET / Cristo, buda, oxumaré / Qual é a minha tribo / responde, IBGE! ..."
– De um samba-enredo dos jornalistas João Pimentel, Marceu Vieira e Arnaldo Bloch, em O Globo, 29.08.2010

Quando o Censo chegar aqui no Lote
Pra saber minha cor ou minha origem,
(Pois é cláusula que hoje o senso exige
Pro Brasil entender qual é seu dote),
Eu que sei que sou afro realmente,
Por meus beiços, nariz e pixaim
Que me dizem na certa de onde vim,
Pela história de vida dos parentes
De racismo e exclusão sempre presentes;
Pela saga de meus antepassados
Imigrantes também, só que forçados,
Eu respondo: sou afrodescendente!

Todo negro nagô veio de Queto
Da fronteira Nigéria-Daomé
De onde veio a família do Pelé
E de muito sambista pardo e preto.
Veio negro do sul do continente
Certamente parente de Mandela,
De Cabinda, Luanda e de Benguela
Do sudeste africano e do oriente.
E eu que guardo esse mapa em minha mente
Quando o Censo bater na minha casa
Faço um passo de samba e mando brasa:
– Meu “cumpádi”, eu sou afrodescendente!

O Brasil é de fato misturado
Porém só se mistura nos porões:
Quando a coisa é nos altos escalões,
A alegada mistura nunca chega.
E isso assim de “meu nego” e “minha nega”
Só se passa na cama, e não na mesa.
Quando é pra compartilhar riqueza
Dividir posição proeminente,
Ninguém vai me querer como parente.
É por isso que, quando da entrevista,
Digo ao IBGE que sou sambista
E me orgulho em ser afrodescendente.

(NL, 30.08.10).


sábado, outubro 02, 2010

Negros no Estúdio do Fotógrafo

Comentários Moisés Basílio: Mal acabei de ler a bela resenha da Lilia Schwarcz, usando das facilidades tecnológicas, entrei no sítio da Editora da Unicamp e encomendei o livro. É muito bom viver num tempo em que se escreve a história dos negros brasileiros a partir do olhar dos negros. Vamos conferir a obra e depois deixo por aqui minha opinião. Axé!


Livro: Negros no estúdio do fotógrafo - Brasil, segunda metade do século XI, de Sandra Sofia Machado Koutsoukos, Editora Unicamp, 360 págs., R$ 48,00.

Sinopse

Nos estúdios fotográficos do Brasil no século XIX, compareciam pessoas de todas as camadas sociais, desde a alta sociedade até os mais humildes. Este livro apresenta fotos de negros no Brasil daquele período. Vemos negros livres, libertos, escravos domésticos, até mesmo fotos de presos da primeira penitenciária construída no Brasil. Por meio de vasta pesquisa acadêmica, a autora traça o caminho da produção daqueles retratos, sua significação, sua circulação e seu armazenamento em álbuns. Ao explorar as histórias por trás das imagens, o livro dá vida àquelas personagens, torna-nos íntimos delas, faz-nos pensar em nossos próprios retratos, em nossos próprios álbuns, reaviva nossa memória.
  
Sobre a autora: Sandra Sofia Machado Koutsoukos é graduada em belas-artes pela UFRJ, mestre em artes e doutora em multimeios, mídia e comunicação pelo Instituto de Artes da Unicamp. Em seu pós-doutorado no Instituto de Artes da Unicamp, apoiado pela Fapesp, a autora pesquisa a exibição de pessoas nas exposições do século XIX e início do XX.

Resenha: Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo, 02/10/2010, caderno Sabático, S8.      Sujeitos de sua própria imagem

Por Lilia Moritz Schwarcz 
A fotografia chegou cedo ao Brasil. Foi em maio de 1839, em plena Paris modernista, que Louis Jacques Daguerre anunciou seu novo invento, que logo se transformaria em símbolo e projeção dessa época ligeira e dada a verdade voláteis. No outro lado do hemisfério, no reino tropical brasileiro, o abade Compte, logo em janeiro de 1840, publicava no Jornal do Commercio artigo sobre a introdução da técnica no Império de d. Pedro. O primeiro daguerreótipo, tirado no Rio de Janeiro - no Brasil e na América Latina registrava - o Paço Imperial com uma tropa bem a frente. Já o monarca, dado às modas científicas, achou por bem transformar-se no primeiro soberano fotógrafo, assim como incentivar o invento que prometia maravilhas num tempo breve. Em segundos seria possível captar de tudo: paisagens, animais e pessoas.
Acervo Museu Paulista/Reprodução
Acervo Museu Paulista/Reprodução -Postura. Retrato de um senhor com seus cativos: a figura de braços cruzados parece querer expressar um ar desafiador
A técnica se desenvolveria, rapidamente daria conta das fragilidades iniciais e ganharia em popularidade. Além do mais, com o apuro do invento, os preços despencam e alcançam bolsos de clientela mais alargada. No Brasil, os estúdios e ateliês de fotografia inundariam a elegante rua do Ouvidor, na Corte, assim como entrariam nas províncias afastadas, prometendo a reprodução condigna da imagem de seus orgulhosos fregueses. Começava, então, a era "dos cartões de visita", o famoso formato que permitia a distribuição de fotos em maior quantidade e qualidade. Com eles surgiam os estúdios cada vez mais equipados, e assegurando a realização de desejos recônditos: alguns queriam ser clicados tendo ao fundo os trópicos americanos; outros os longínquos Alpes suíços. Certos fregueses optavam por apresentar-se portando casacas, joias e bengalas; outros cercavam-se de livros, esculturas, pianos e globos; quase todos falsos, feitos para não durar. Balaustradas, degraus, construções feitas de papelão ... tudo servia para dar vida às representações dessas novas elites, que viam na fotografia uma via para imortalizar seu status e posição. Foi Susan Sontag, em seu On Photography, quem mostrou como desde seus primórdios a fotografia serviu à mentira: anula a ação do tempo, contorna imperfeições, embeleza o óbvio.
Mas, se são conhecidos os usos que as elites fizeram da técnica, pouco se estudou a presença de negros, mulatos e mestiços - livres ou cativos - nas fotografias do 19 brasileiro. E eles estão por toda parte: ora como detalhes desfocados, ora como personagens principais. Em alguns momentos parecem envergonhados; em outros, surgem orgulhosos e dignos. Certas vezes são retratados trajando vestes grandes demais e que revelam o empréstimo das roupas por ocasião da foto; em outras ocasiões ostentam instrumentos de trabalho: enxadas, caixas de engraxate e toda sorte de aparatos. E é sob esse vasto material que Sandra Sofia Machado Koutsoukos se debruça com grande sensibilidade. Não poucas vezes a analista interrompe a descrição para emitir juízo pessoal, ou interroga seus leitores num estilo pouco usual. Também não poucas vezes oferece painel amplo, maior até do que se propõe analisar, mas tudo com serventia, já que ficamos conhecendo meandros da foto, da técnica, do ensino e do contexto.
Negros no Estúdio do Fotógrafo é livro que não se abre mão. O material é imenso e disperso, mas a historiadora o doma com maestria. Uma coisa é observar a presença de negros nos cantos das imagens, secundando seus senhores, andando anonimamente pelas ruas ou mesmo posando em cartões-postais; já dar organicidade ao material, jogá-lo para a frente da análise, é outra história. A autora organiza as fontes em três categorias: na primeira estariam as fotos de escravos domésticos levados aos estúdios por seus senhores que, por alguma razão, guardaram as imagens em seus álbuns de família. Aí estão as amas de leite, cativos domésticos; todos descalços, uma vez que a ausência de sapatos é símbolo maior do cativeiro. Na segunda leva estão as fotos vendidas como "exóticas"; tal qual souvenir para estrangeiros. Nelas escravos aparecem nas mais diferentes situações: no trabalho, dançando ritualmente, cozinhando, mas sempre caracterizados como "tipos". Paradoxal por definição, esse tipo de fotografia era vendida sob a rubrica de "coisas bem brasileiras", conforme descrição do fotógrafo Cristiano Junior, mas causavam certa vergonha, sobretudo no Império de Pedro II, que se pretendia tão civilizado. Na terceira categoria figuram as fotos etnográficas, com objetivos científicos e feitas para servir como suporte para as teorias raciais em voga no contexto. Aqui está o lado ainda mais perverso dessa cartografia de imagens: negros fixados de perfil ou de frente, a comprovar medidas da frenologia; mulatos criminosos fichados a partir de seus estigmas. Exemplo dos mais significativo são as fotografias da famosa Galeria dos Condenados. Ao todo são 320 fotos de presos, sendo 318 homens e 2 mulheres. Tiradas na Casa de Correção da Corte durante 20 anos, a contar de 1834, teriam figurado na Exposição Nacional de1875 e depois na Feira Internacional de Londres de 1876, quando técnica e ciência pareciam estar a serviço do controle e da classificação.
Indolência. Costurando todos esses enredos, está o argumento central de Sandra, que parte do princípio de que, em qualquer situação, o escravo não era apenas, e exclusivamente, um suporte: um objeto. "Dava-se a ver" mas também "se fazia ver", agenciando e municiando como sujeito sua própria imagem. Se o fotógrafo ou o senhor controlavam a escravidão, não tinham passaporte sobre a personalidade do "cliente", que irrompia inesperadamente nas fotos: ora mais curioso, ora mais amedrontado, ora francamente desafiador. Não poucas vezes escapavam panos da costa (os famosos xales que com seus desenhos definiam origens variadas das escravas), marcas de nação, escarificações ou penteados que indicavam a singularidade do fotografado. Mais produtivo, ainda, é tomar diferentes reações em uma mesma foto. Há uma imagem, dentre as várias presentes nessa bela edição, chamada vagamente Retrato do Senhor com Cinco Escravos. O documento é conhecido, a análise de Sandra é que traz novidades. Ao centro vê-se um senhor orgulhoso, com expressão cerrada. Aos seus dois lados, escravos (todos sem sapatos) mostram todo tipo de expressão: um observa a máquina com atenção, outro desvia o olhar, outro ainda parece vexado diante do espetáculo em que é instado a atuar. Um quarto homem surge borrado, pois deve ter se mexido diante de situação tão tediosa. Mas um personagem parece desafiar o fotógrafo com ar indolente: ao lado do senhor, cruza os braços numa atitude de contestação.
Foi o filósofo Walter Benjamin quem mencionou o sofrimento dos modelos diante desses aparelhos endiabrados. Verdadeiras câmaras de tortura, as fotografias fixavam um tempo e um tipo de artificialidade. Se tudo isso é fato, a situação ficava pior quando os atores eram escravos ou negros livres. O que faz nossa autora é ler nos detalhes verdadeiros ritos de insubordinação. Por vezes basta um olhar, um ombro levantado, uma sobrancelha irada para revelar emoção e contrariedade. Vale a pena disciplinar o olhar e seguir, junto com a Sandra Koutsoukos, as grandes peças que pequenos sinais revelam.

LILIA MORITZ SCHWARCZ É PROFESSORA TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA DA USP E AUTORA, ENTRE OUTROS, DE O SOL DO BRASIL: NICOLAS-ANTOINE TAUNAY E AS DESVENTURAS DOS ARTISTAS FRANCESES NA CORTE DE D. JOÃO (COMPANHIA DAS LETRAS)