quarta-feira, maio 20, 2009

Estado para o século 21

Comentários Moisés Basílio:
Do "Príncipe" de Maquiavel (1469-1527), passando pelo "Leviatã" do Hobbes (1558-1679), pelos fundamentos iniciais do "Liberalismo" de John Locke (1632-1704), pelo "Contrato Social" de Rousseau (1712-1778), pelo "Estado weberiano" - monopólio do uso legítimo da ação coercitiva - de Max Weber (1864-1920), pelo "Príncipe Moderno" do Gramsci (1891-1937), e por todo debate mais recente sobre a natureza do Estado Moderno durante o século XX, entramos no século XXI tendo que repensar a questão do Estado mais um vez. O artigo de Pochmann nos dá excelentes pistas - na minha opinião - para entrarmos nesse debate.
Para mim, realizar esse debate teórico sobre a natureza do Estado no mundo de hoje não é um mero exercício intelectual, mas buscar uma definição de posição na arena das disputas políticas. Uma primeira questão, no âmbito da sociedade brasileira, poderia ser: Como se posicionar diante do Estado Brasileiro, programaticamente tendo em conta as disputas eleitorais de 2010? Do ponto de vista partidário, a depender de suas burocracias dirigentes atuais, poderemos vivenciar o eterno dilema - os partidos divulgarão um programa eleitoral que não irão praticar e praticarão um programa pragmático, que não divulgarão.
Mas se os distintos atores da sociedade civil brasileira entrarem em cena para valer o debate pode ferver. Vejo que novos intelectuais, do porte de um Pochmann, podem apimentar o debate. O problema que tenho constatado é que vivemos ainda num período de entre-safra de "intelectuais de porte". Os grande nomes que apimentaram o debate no final do século XX, morreram, perderam a inspiração ou se aposentaram, e os novos nomes ainda não produziram o suficiente para se destacarem.
Pensar em "intelectuais de porte" da sociedade, não só como indivíduos, mas também enquanto instituições sociais - os movimentos sociais, as ongs, as igrejas, os sindicatos, as universidades, os artístas, a imprensa etc.
O debate sobre a natureza do Estado brasileiro, durante o período eleitoral de 2010, pode ser um bom teste trazer a tona novos "intelectuais de porte". Vou torcer por isso.
Axé!

Estado para o século 21

MARCIO POCHMANN


A presença renovada do Estado se faz necessária. Mas seria equívoco tratar o Estado com as mesmas premissas do século passado

A VISÃO do Estado atuando em contraposição às forças de mercado se tornou anacrônica diante dos desafios das nações neste começo do século 21.
Pela globalização, por exemplo, diversos países voltaram a se especializar no uso intensivo dos recursos naturais e da produção de contido custo do trabalho, comprometendo o avanço de projetos nacionais capazes de incluir a totalidade de suas populações nos frutos da modernidade.
No Brasil da última década, a prevalência da premissa de que menos Estado representaria mais mercado teve convergência com o modelo de sociedade para poucos. E a contenção do Estado produziu o encolhimento do próprio setor privado nacional (bancos e empresas não financeiras), cada vez mais dominado por corporações estrangeiras.
Com a redução dos bancos públicos, acompanhada da brutal diminuição dos bancos privados nacionais, e o esvaziamento das firmas nacionais entre as maiores empresas no país, parcela crescente da riqueza deixou de ser compartilhada com a nação.
Hoje, pelo menos dois quintos dos brasileiros são analfabetos funcionais, afora um enorme déficit econômico e social. Obstáculos como esses enfraquecem o estabelecimento de um novo padrão civilizatório contemporâneo dos avanços do século 21.
As forças de mercado, embora imprescindíveis na geração de oportunidades, mostram-se insuficientes para garantir o acesso a todos. Não há dúvidas de que, neste contexto, a presença renovada do Estado se faz necessária. Mas que Estado? Um equívoco seria tratar o Estado com as mesmas premissas do século passado.
Neste século, cuja sociedade eleva sua expectativa média de vida para além dos 80 anos, a parcela dos idosos deve superar o segmento infantil e as ocupações geradas passam a depender fundamentalmente do setor terciário, que já responde por três quartos do total dos postos de trabalho.
Sem a garantia do pleno e equivalente direito de oportunidades a todos, o princípio da liberdade de iniciativa individual e coletiva permanece no plano da retórica. Em síntese: a prevalência do reino da desigualdade e da exclusão sediada no Brasil.
O Estado necessário do século 21 precisa incorporar novas premissas fundamentais.
A primeira passa pela reinvenção do mercado, capaz de fazer valer a isonomia nas condições de competição.
Em qualquer atividade econômica, predomina hoje um conjunto de práticas oligopolistas de formação de preços e domínio do mercado, o que exclui parcela significativa dos empreendimentos empresariais da livre competição.
A mudança na relação do Estado com o mercado é urgente e inadiável, com a adoção de políticas que apoiem a igualdade de oportunidades por meio de condições de competição e cooperação só oferecidas ao circuito superior da economia, como o acesso ao crédito, tecnologia e assistência técnica, entre outras.
Uma segunda premissa compreende a mudança na relação do Estado com a sociedade, especialmente quando as políticas universais de saúde, educação, trabalho e transporte não apresentam a eficácia global esperada. Isso porque a complexidade dos problemas atuais requer ação totalizante, por isso matricial e transdisciplinar no plano territorial.
Uma política de assentamento urbano, por exemplo, dificilmente terá êxito sem superar a lógica das caixinhas contida no compartilhamento do Estado brasileiro. Além da especificidade do assentamento, é necessária para a eficácia global a adoção de políticas complementares e articuladas, como educação, saúde, transporte e saneamento, entre outras.
Por fim, uma terceira premissa deve convergir para a mudança na relação do Estado para com o fundo público. De um lado, o avanço na tributação progressiva, capaz de deslocar a base tradicional de incidência (produção e consumo) para o patrimônio e novas formas de riqueza. De outro, a renovação do sistema de financiamento da agenda socioeconômica do século 21 (postergação no ingresso no mercado de trabalho, trajetória ocupacional diversificada, educação para a vida toda). O uso do fundo público comprometido com os novos desafios não precisa ser estatal, podendo ser comunitário.
Tudo isso, contudo, dificilmente poderá ser desenvolvido sem a renovação do Estado para o século 21.


MARCIO POCHMANN , 47, economista, é presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp. Foi secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo (gestão Marta Suplicy).

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