sábado, novembro 22, 2008

REDES SOCIAIS - Entrevista com David de Ugarte

Comentários Moisés Basílio: O eixo temático "redes sociais" tem sido uma das minhas prioridades de estudo no momento. Comecei a me interessar por essa temática no início da década de 90, por duas vias. De um lado pelos contatos com Francisco Whitaker, um amigo dos tempos da Pastoral da Juventude e que já trabalhava com o conceito de redes sociais desde os anos 70, e por outro lado acompanhando o trabalho de pesquisa sobre redes de jovens, da minha amiga Ann Mische. Mais recentemente tenho acompanhado essa discussão via meu amigo Augusto de Franco e as iniciativas da Escola de Rede. A seguir uma entrevista interessante que aponta de forma didática algumas questões atuais sobre as redes sociais. Axé.

Fonte: Sítio da RTS - Rede de Tecnologia Social - http://www.rts.org.br/entrevistas/david-de-ugarte-socio-da-sociedad-de-las-indias-electronicas-e-autor-do-livro-el-poder-de-las-redes

Entrevista: David de Ugarte, sócio da Sociedad de las Indias Electrónicas e autor do livro El poder de las redes.

Foto: Divulgação RTS
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David de Ugarte

30/04/2008 - Desde 1994, o especialista mundial em redes David de Ugarte desenvolve trabalhos, projetos e empreendimentos ligados à Internet. Atualmente, é sócio da Sociedad de las Indias Electrónicas, empresa fundada em 2002 com o objetivo de realizar análises de redes sociais. Nesta entrevista, que recupera parte do debate com representantes de instituições associadas à RTS durante o Encontro Redes – Nova Arquitetura Organizacional, realizado em São Paulo (SP), David fala sobre a evolução das redes centralizadas para redes distribuídas, da expansão da internet e do surgimento de novas esferas de relação social.

Quais as principais fragilidades de uma rede centralizada?
David de Ugarte - As redes centralizadas são redes geradoras de dependência. Se você perde o centro a partir do qual todos circulam, você perde toda a rede. É o limite da insustentabilidade do modelo organizacional. O que define uma rede distribuída é que se você elimina algum dos nós ela continua a pulsar. Podemos pensar isso em termos políticos, energéticos, culturais e muitos outros. O que temos de ter em mente é que a fórmula da rede social que liberta e se desenvolve de forma equilibrada é naturalmente distribuída.
De que modo as redes sociais influenciam na formação da identidade cultural nacional?

DU -
Eu acho que a identidade transmuta uma coisa que pertence ao indivíduo. Até agora pertencíamos à nossa religião, à nossa nação. Agora é a nacionalidade que pertence ao indivíduo. Então, temos um novo tipo de multiculturalidade, que não é de caixas ou separada e de onde você não pode sair. Passa a ser uma ação pessoal porque é você que passa a construir a rede. Então, quando falamos numa nação-rede, estamos falando de uma nação de identidade, não garantida pelo Estado, pelo nacionalismo, mas pelas próprias pessoas em seu interagir.

Como funciona essa nova rede que os blogs e Internet estão formando?

DU - Os blogs e a internet estão expandindo o campo do local. O local sempre foi distribuído, todos com todos. Vocês, no Brasil, têm uma instituição que gosto muito que se chama multidão. A blogosfera dá às pessoas a possibilidade de organizar multidões massivas num espaço social muito maior.
Qual a importância da internet na formação da opinião pública?
DU - Hoje, é a garantia de que a opinião pública não seja filtrada. É a promessa de uma opinião pública realmente pública, realmente de todos, onde você ou qualquer pessoa pode incorporar à agenda pública os temas que de fato nos interessam. Nesse processo, temos que entender que não é que a rede democratiza a informação. É que ela é a própria democracia.
Vivemos num país de base continental, onde a presencialidade que você considera fundamental para construir a confiança na rede é muito difícil. Como contornar esse desafio a partir da construção de redes não presenciais que só existem pela internet?
DU - Basicamente, com paciência, perseverança e uma boa infra-estrutura de conhecimento. A gente pensa que, para a rede, a infra-estrutura mais importante é de telecomunicações, os cursos de formação tecnológica. Não é. O que você tem que ensinar às pessoas é a perder o medo, se expressar, escrever, relatar sua realidade. A chave, quando falamos que a agenda pública democratiza porque a rede é a própria democracia, é que as pessoas comecem a fazer o relato de sua realidade. Não é um relato que vem de fora, na tradição messiânica, na tradição leninista. É o relato que sai do povo, da gente.

Muitas pessoas que tentam empreender localmente e se articular em rede não têm acesso à internet no Brasil. Como contornar esse gargalo?

DU - Quando falamos da exclusão digital, estamos defendendo o modelo de infra-estrutura pública. Hoje é cada vez mais barato garantir acesso à internet. Tomemos oexemplo de uma cidade de três milhões de pessoas, como Montevidéu. Você poderia doar uma conexão de internet para essas pessoas, para toda a vida, com um investimento básico de US$ 1,5 milhão. Então, isso é muito pouco para uma prefeitura como Montevidéu. Depois, pode, por exemplo, dar às empresas a oportunidade de vender a conexão global à internet. Fazer a rede local é um investimento muito pequeno. Na Espanha, temos experimentado a internet gratuita para uma cidade inteira.

O problema de inclusão é um problema de vontade política. A gente quer se incluir. Mas não podemos esquecer uma coisa. Em Montevidéu, os jovens, segundo um estudo apresentado este ano, dedicam um mínimo de duas horas por dia à internet e aos cibercafés. Hoje os cibercafés são espaços de liberdade, de coesão social. Em países como o Marrocos, homens, mulheres e jovens estão juntos, e estão juntos nos cibercafés. A sociedade é inclusiva. Se você deixa a mínima liberdade e as mínimas infra-estruturas, a sociedade inclui ela mesma.

É possível fazer uma distinção clara entre países ditos desenvolvidos e em desenvolvimento no que se refere à constituição de redes distribuídas?

DU - Não há diferenças por princípio. A diferença fundamental é cultural. A primeira grande mobilização em uma rede distribuída na internet, por exemplo, foi a queda do presidente das Filipinas. A segunda foi a queda do presidente Asnar na Espanha. A forma foi praticamente idêntica e a motivação muito similar, embora estes países sejam bastante diferentes.
Como podemos pensar na construção de redes que produzam conhecimento de forma colaborativa?

DU - A boa comunidade é uma comunidade de produção. A rede panal, na Argentina, é um bom exemplo. Formada por músicos amadores e profissionais, os integrantes da rede produzem música coletivamente e novas parcerias a partir da internet. É uma comunidade virtual, mas é sobretudo real por envolve pessoas que se dedicam a esta interação e à produção de conhecimentos que só podem passar a existir pela troca.

Como vê o futuro destas redes?
DU - Nosso esforço é a criação do tecido da rede e o futuro para nós é no hardware livre distribuído. Pode ser que parte da sociedade mantenha-se no Google, mas precisamos entender que entramos numa era em que precisamos fazer demandas que até agora só fazíamos ao Estado. O Google, por exemplo, é um monstro ao qual temos que reclamar direitos civis. Para diminuir os riscos precisamos distribuir também a rede de servidores.

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