quarta-feira, setembro 27, 2006

Qualidade é desafio para escola pública

Comentário da entrevista - Profº Moisés Basilio
Na pequena entrevista do Profº Mário Sérgio Cortella - reproduzida a seguir - a temática da qualidade da escola pública é posta em questão. A reporter, busca fazer perguntas que induza o entrevistador a colocar o professor como personangem principal - causa principal - geradora do problema, mas brilhante o Professor repõe a causa do problema em outros termos.
A escola pública, como espaço do ensino público não é responsável sozinha pela Educação no sentido amplo do termo. Acredito cada vez mais, que só é possível avançarmos na qualidade do ensino público se a sociedade e os governos assumirem as responsabilidades das diversas variáveis ligadas à Educação. Antes, durante e depois do processo de ensino/aprendizagem, função da Escola Pública, há que existir o processo educacional social, baseado fundamentamente em valores e princípios. Valores e princípios são de responsabilidades da sociedade em geral,na esfera do macro, e de responsabilidades dos pais - famílias - na esfera do micro. O Estado, através das políticas públicas na área de ensino tem função complementar e não principal no processo educativo do cidadão.
Um exemplo desta dissociação entre Educação e Ensino/Aprendizagem vivo com minhas turmas da quinta série. Posso dizer a grosso modo, que mais de 50% de meus alunos não fazem lição de casa e nem têm o hábito de estudar em casa. Procurando investigar as causas deste comportamento,levantei algumas variáveis: Moram em habitações precárias, sem espaços físicos para o ato de estudar; Alta densidade demografica na habitação e falta espaços até para o aluno guardar o seu material didático, tanto que um aluno me disse que não queria levar o livro para casa pois seu irmão mais novo poderia danificá-lo; Conflitos famíliares sistemáticos, gerados principalmente pelo alcoolismo por parte de muitos pais e outras situações de violências no âmbito familiar; Situação financeira familiar que leva muitas vezes ao trabalho infantil, dentro do próprio lar - cuidando de afazeres domésticos e de irmãos mais novos - ou fora de casa para complementar a renda familiar; Falta de estímulos e combranças familiar para o estudo em casa; Pais que trabalham e deixam os filhos soltos, decidindos a bel prazer seus ritmos e horários de vida, sendo que alguns tem a rua como espaço e outros acabam gastando horas diante da TV ou vídeos games.
Essas variáveis do não estudo em casa, também dificultam o estudo em sala de aula, pois os valores vivídos cotidianamente são trazidos para o estudo presencial, a saber: dificuldade em se concentrar;indisciplina sistemática em relação ao colegas - pequenas provocações que geram grandes conflitos - e também aos professores; dificuldade em aceitar responsabilidades e cobranças; individualismo exacerbado etc.
Essa situação faz com que o professor, por mais que prepare seu plano de ensino, tenha antes que gastar grande parte do tempo em cuidar destas relações conflituosas no cotidiano da sala de aula, e deixar para segundo plano o ensino propriamente dito. E como seu tempo e seus recursos são exíguos, ele acaba não resolvendo os problemas de relações interpessoais e pessoais dos alunos e nem os problemas de aprendizagem, e entra no eterno círculo vicioso: não consegue ensinar porque tem que cuidar e não consegue cuidar porque este não é seu papel.
Mas, deixemos por hora esta digressão para apreciar a entrevista do emérito Professor.
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Qualidade é desafio para escola pública - Fonte: JORNAL DA TARDE – 27/09/2006

MARIA REHDER

Não é novidade que o Brasil tem ficado “na lanterna” das avaliações internacionais de Educação. É neste contexto que a sociedade começa a se mobilizar para mudar esta realidade. Mas, enquanto isso não ocorre, como deve atuar o professor de escola pública? Este é o questionamento que a reportagem do JT levou para Mário Sérgio Cortella, filósofo, professor titular da PUC-SP há 30 anos, e secretário Municipal de Educação na década de 90.

JT - O que o professor pode fazer para que o aluno de escola pública tenha acesso à educação de qualidade?
CORTELLA - Antes de pensar no professor, é preciso olhar para todo o contexto do ensino público do Brasil, pois atualmente há muitos professores que atuam nas duas redes - pública e privada -, então o problema da educação pública não pode ser atribuído ao seu professor. A única diferença que vejo entre estes dois contextos é a própria escola, pois o docente é o mesmo, mas a gestão e os alunos são diferentes.

E o que essas diferenças - gestão e aluno - representam na prática?
Em relação ao aluno, a diferença é de “repertório”, gerada por pais com diferentes níveis de escolarização. Não se pode generalizar, mas cito um exemplo. Um aluno de uma escola de periferia, membro de família de baixa renda, tem um repertório diferente dos alunos de classe média, que recebem o auxílio de seus familiares em casa. Esta é apenas uma das razões que fazem o investimento em Educação de Jovens e Adultos (EJA) ser fundamental para que o Brasil ofereça educação de qualidade.

Como o investimento em EJA geraria impacto direto na qualidade de educação das crianças brasileiras?
Muitos professores enfrentam diariamente o desafio de lidar com a falta de “repertório” de seus alunos. Educação não é tarefa apenas do professor e a falta de repertório - do contato com o mundo letrado e com a cultura em casa - gera ao aluno dificuldades de aprendizagem. A gravidez precoce é um bom exemplo. O acesso à educação básica hoje é universalizado, então o filho destes adolescentes hoje estão matriculados na Educação Infantil. Essas crianças acabam sendo filhos de pais sem escolarização, mas chegam à escola. Então, é preciso investir em EJA para que os pais dessas crianças voltem à escola, pois só assim seus filhos terão educação integral, garantida pela atuação da família e com o acesso à escola.

E como o sr. definiria uma boa gestão escolar?
Uma boa gestão escolar é aquela que permite que a escola seja apropriada pela comunidade escolar. O passo inicial é que a comunidade tenha uma participação deliberativa e não apenas seja consultada para a tomada de decisões. O Waldir Romero, diretor da Emef Comandante Garcia D’Ávila, Zona Norte, dá um bom exemplo de gestão, pois ele, ao abrir a escola para a comunidade, mudou a realidade daquela escola, que antes tinha espaço físico degradado, entre outros graves problemas.

E qual é o papel do professor neste contexto? Um aumento de remuneração faria alguma diferença?
Cito um caminho levando em conta a minha experiência como secretário de Educação (1991-1992). Tentarei explicar de maneira simplificada: pegue um lápis e desenhe no papel 3 círculos concêntricos. Leve em conta que o círculo central corresponde à zona central da cidade, e os demais círculos, quanto mais distantes do centro, representam as regiões periféricas de São Paulo. Quanto mais distante a escola estiver do centro, maior deveria ser a remuneração do professor que nela atua. A explicação para a adoção desse sistema de remuneração é simples: atualmente, os profissionais que atuam da rede pública são concursados e recebem gratificações de acordo com uma pontuação, que leva em conta sua capacitação e experiência. Na prática, o que ocorre é que aquele professor que possui maior pontuação acaba escolhendo atuar nas escolas mais próximas à sua residência, em suma, escolas mais próximas ao centro. No entanto, os alunos mais carentes de escolas da periferia, que precisariam de professores mais experientes, acabam recebendo aqueles profissionais com menor pontuação.

Mas o que o professor, que ainda não conta com este tipo de política pública, deve fazer?
O professor nunca pode perder a sua vitalidade. Não se pode desistir nem romantizar a profissão. É preciso ter firmeza. Digo isso por experiência própria, tenho 31 anos de docência, há 30 anos estou na PUC. Aproveito para dar uma dica básica aos colegas de profissão. Todo fim de ano eu pego uma folha de sulfite e a dobro no meio. Em um dos lados escrevo “apesar de” e no outro “por causa de” e vou listando os prós e os contras de ter atuado como professor naquele ano. Se o que for listado contra for maior do que os prós, sugiro ao professor que abandone a profissão, pois, lamento, mas para dar aulas é preciso ter prazer. Entretanto, não excluo a importância da luta sindical, da reivindicação por melhores salários.

Qual é o papel do cidadão na conquista de uma educação pública de qualidade?
Os cidadãos podem contribuir para a educação pública de qualidade de forma simples: pedir nota fiscal em todas as suas compras. Quando empresários me perguntam como podem ajudar, lhes sugiro o combate à evasão fiscal. Isso porque a Constituição Federal impõe porcentuais de vinculação da receita de impostos a serem investidos em Educação (18% para governo federal e 25% para Estados e municípios).

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