Comentários Moisés Basílio:
O Beto Brant é um diretor de cinema que
precisa ser visto e revisto sempre. Nesse novo trabalho ele conta uma história
de amor no contexto de nossos tempos atuais.
Dois amores vivos e vibrantes da
linda Lavínia. Um amor que nasce nas ruas degradadas de Copacabana, banhado por
sexo, droga e a bíblia. E o Outro amor, sob os signos das imagens, que toma
vida no interior do Pará nos encontros lúdicos e sensuais.
Os
conflitos políticos da grande Amazônia perpassa essa história de amor. Assim
como na poesia épica da Grécia Antiga, onde a história de amor de Helena e
Páris mobiliza a luta política das polís contra Tróia, a história de amor de
Lavínia narrada por Brant faz emergir a exploração capitalista do território
amazônico e seus desdobramentos em violência.
Beto
Brant em entrevista exclusiva para a Revista de CINEMA
Por Gabriel Carneiro - 26 abril 2012 – Fonte:
Revista de Cinema - http://revistadecinema.uol.com.br/index.php/2012/04/beto-brant-em-entrevista-exclusiva-para-a-revista-de-cinema/
Com sete longas em 15 anos e uma carreira
consolidada, com prêmios e reconhecimento de seu cinema no Brasil e no
exterior, Beto Brant agora está com todos os seus sentidos focados no
lançamento de “Eu Receberia as Piores Notícias de seus Lindos Lábios”, que
estreou em abril, após levar vários prêmios, entre eles o de melhor filme no
festival de Huelva e na Mostra São Paulo e de melhor atriz para Camila Pitanga
nos festivais do Rio e do Amazonas. Desta vez, Beto Brant espera que seu filme
alcance um público maior, especialmente em função do desempenho da atriz Camila
Pitanga.
Rodado durante sete semanas nas cidades paraenses
de Santarém e Itaituba, próximo a garimpos, e no Rio de Janeiro, Brant mantêm
suas tradicionais parcerias: com Marçal Aquino, autor do livro homônimo como
corroteirista, e Renato Ciasca como coprodutor, codiretor e corroteirista.
Diretor de filmes politizados, Brant sonha brincando com esse filme bamburrar –
termo muito usado no garimpo e que significa enriquecer inesperadamente.
“Torcemos muito para esse filme bamburrar. Claro que o nosso bamburrar – sem
aliança de grandes televisões, com um lançamento relativamente pequeno, já
devendo dinheiro para o Fundo Setorial do Audiovisual e a pagar a cota de
gastos do distribuidor – é ganhar um troco para aguentar um ano na produtora.
Mas, acima de tudo, queremos ir para o público”, comenta.
Beto Brant despontou no cinema desde seu primeiro
curta, feito como trabalho de conclusão do curso de cinema da FAAP, “Aurora”
(1987). Seguiram-se “Dov’e Meneghetti?” (1989) e “Jó” (1993) antes de estrear
em longas com o policial “Os Matadores”, em 1997. No ano seguinte, voltou com
“Ação entre Amigos”, filme que será exibido e debatido, via projeto Cinema pela
Verdade, do Instituto Cultura em Movimento (Icem), para discussão da Comissão
da Verdade, em 81 universidades dos 27 estados brasileiros. Com “O Invasor”
(2001), Brant alcançou grande sucesso de crítica e de público. Nos últimos
anos, ainda dirigiu “Crime Delicado” (2005), “Cão sem Dono” (2007) e “O Amor Segundo
B. Schianberg” (2010). Em entrevista para a Revista de CINEMA, realizada no
escritório da Drama Filmes, sua produtora, na Vila Madalena, Beto Brant fala do
seu novo longa, de suas parcerias, de seu processo de adaptação literária e de
como é fazer cinema independente no Brasil.
Revista de CINEMA – “Eu Receberia as Piores
Notícias de seus Lindos Lábios” é mais uma adaptação literária que você faz.
Por que esse gosto?
Beto Brant – Tenho uma história com o Marçal [Aquino] muito
grande – já são vinte anos trabalhando juntos. E também já é meu o sétimo filme
adaptado. É um jeito de ver coisas, de encontrar caminhos. Com a literatura,
estabeleço diálogos, faço uma leitura cinematográfica do livro, não tento
recriá-lo. Isso tudo é um ponto de partida para uma viagem que eu e o Renato
[Ciasca] empreendemos. Saímos andando, procurando esses lugares e personagens.
Acabo incorporando muito do que vemos no caminho. E por mais que façamos
adaptações em relação à dramaturgia original, o espírito da história principal
não muda, que é o relacionamento humano. Tanto que uma coisa rotineira era ver
os atores lendo o livro, por mais que tivessem plena liberdade em recriar a
cena.
Revista de CINEMA – Como é esse processo coletivo
de criação e o que o levou a filmar esta história?
Beto Brant – O Marçal, desde que ficamos amigos, me mostra o
que escreveu ou que está escrevendo. É uma forma de cultivarmos nossa amizade.
Quando fomos fazer “O Invasor”, ele me mostrou os 30% que tinha escrito.
Naquela energia juvenil, existia uma urgência de fazermos as coisas andarem e
já quis começar a roteirizar o filme. E o Marçal, ao contar a história no
roteiro, perdeu a vontade de contá-la no livro. Ele mesmo diz que é o primeiro
leitor do livro, que precisa contar a história para ele mesmo. Dessa vez, eu
até lia um episódio, um capítulo do “Eu Receberia as Piores Notícias de seus
Lindos Lábios”, mas disse a ele que só começaria a mexer no roteiro do filme
quando o livro estivesse na editora. Demorou muito tempo para isso acontecer.
Isso foi em 2005. Nesse momento, estávamos buscando financiamento de dois
filmes, para fazer um dos dois, e emplacamos ambos, que eram o “Crime Delicado”
e o “Cão sem Dono”. Isso adiou o projeto, ainda mais por ele ter uma
necessidade orçamentária maior.
Revista de CINEMA – Como é a parceria do escritor
Marçal na adaptação, como roteirista?
Beto Brant – A minha relação com o Marçal não tem capricho, é
promíscua mesma, não temos essa coisa de vaidade, o que é de um e o que é de
outro. Claro, ele tem toda uma autoria literária, mas não reclama de mudanças
no roteiro. Escrevemos juntos. Aliás, ele não escreve uma linha do roteiro –
quem digita é ele – sem eu e o Renato estarmos ali juntos. Sentamos durante
longas e demoradas tardes e noites criando cada cena juntos. E o bacana de três
é que você tem que convencer dois. É um jogo muito legal. A cada novo roteiro,
conseguimos parar para fazê-lo mesmo. Depois de um ano, voltamos para um novo
tratamento, porque o projeto já está andando.
Revista de CINEMA – O livro tem um narrador muito
forte e presente, que é o protagonista da história, o Cauby. Como foi o processo
de extirpá-lo como narrador no filme?
Beto Brant – Não acho que tenha extirpado o narrador. O filme
tem quatro capítulos. O primeiro é narrado pelo Cauby: a sintaxe do filme é
toda acompanhando a trajetória do personagem. O segundo episódio, o do Rio, é
narrado pelo pastor, como no livro, e volta para o Cauby. É narrado pelo
personagem porque acompanha a trajetória do personagem; você não precisa, para
ter a narrativa a favor dela, ter um narrador em off. O personagem do livro do
Marçal é muito mais intelectualizado, cheio de referências literárias, tem
muito a ver com o Marçal. O Cauby do livro já passou por toda a luta,
destroçado pelos acontecimentos ele relata o percurso. O nosso Cauby é jovem,
psicodélico, vai recebendo os acontecimentos e amadurecendo. Nosso Cauby é mais
lúdico e mágico, oferece à Lavínia a brincadeira e isso a fascina. Em nenhum
momento pergunta de onde ela veio – e esse passado traumático não fazer parte
dela é o que ela quer. Ao mesmo tempo, está vinculada a esse outro cara, esse
pastor, que é uma coisa meio teologia da libertação e meio daime – esse
sincretismo religioso encoraja as pessoas ideologicamente. O Cauby tem que se
explicar pela imagem; minha linguagem é o cinema. Então, tirei essa coisa meio
intelectualizada e fui tentar mostrar o olhar do Cauby, o estímulo visual e
auditivo.
Revista de CINEMA – Seu novo longa bebe na mesma
fonte de seu filme anterior, “O Amor Segundo B. Schianberg”, que é o livro do
Marçal. Como foram pensados os diferentes procedimentos de adaptação, não só de
roteiro, mas também de estética?
Beto Brant – Nessa minha relação com o Marçal, de ele me abrir
o processo de criação do livro, acabei lendo parciais de escritura do “Eu
Receberia as Piores Notícias de seus Lindos Lábios”, em que havia a trama do
Professor Schianberg. À medida que o livro caminhou, o Marçal resolveu cortá-la
bastante, pois era uma digressão e precisava se focar na história principal.
Mas eu li aquela trama. Quando a TV Cultura me chamou para fazer o projeto
Direções III, não quis fazer um filme para TV, quis fazer algo mais específico,
brincar com a linguagem televisiva. Propus à TV Cultura fazer um reality show,
um anti-Big Brother. Ao invés de uma caça de recompensa, o convívio entre dois
artistas, durante três semanas, numa casa na Aclimação, onde ficamos com oito
câmeras de vigilância. Os atores estavam livres para ir e vir, mas só
capturávamos imagens ali. Eu não tinha convívio com eles, tudo era dirigido por
mensagem de celular, email, telefonema. Captado com material de baixa
resolução, que foi tratado depois, bancado pela TV Cultura, e com a
possibilidade de fazer um corte para cinema. Lancei o longa pequeno. Se não
tivesse ido beber naquela fonte quando ele estava escrevendo, talvez o filme
não existisse, porque aquilo ficou na minha cabeça.
Revista de CINEMA – Há outras conexões entre ambos
os trabalhos?
Beto Brant – O personagem do Gustavo Machado em “O Amor Segundo
B. Schianberg” é o mesmo do fotógrafo de “Eu Receberia as Piores Notícias de
seus Lindos Lábios”. Naquela trama que o Marçal desenvolveu e que não ficou no
livro, o Cauby é aquele cara de “B. Schianberg” antes de ir para a Amazônia,
vítima de uma emboscada que um psicólogo experimental e sua filha atriz
enredam, numa relação de observação do comportamento amoroso. Ao adaptar, tirei
esse contexto e fiz uma videoartista e um ator. Nesse período, fiquei muito
amigo do Gustavo Machado, porque ele se entregou muito ao projeto, àquele
embate, àquela proposta, que tinha muita exposição. Quando fui fazer o “Eu Receberia…”,
ele veio junto – por admiração ao trabalho dele e pelo nosso entrosamento.
Revista de CINEMA – A atuação de Camila Pitanga tem
chamado muito a atenção pela total entrega ao papel. O que levou a escolhê-la
para o papel de Lavínia e como foi o trabalho que fez com ela?
Beto Brant – Essa personagem, depois de cinco reimpressões do
livro, já era um mito. Como dar conta disso? Que atriz escolher? Primeiro, fui
andar pelo Pará. Andamos mais de 2 mil quilômetros procurando essa locação e o
pessoal que mora ali. Convidei a Camila porque está no auge da carreira, da
beleza e do talento. Senti que ela, não só pela filiação com o Antonio Pitanga,
um importante ator do Cinema Novo, crescendo assim engajada, é muito
comprometida ideologicamente, e sempre muito consequente e crítica de suas
ações. Apesar de o filme ser essa paixão arrebatadora em primeiro plano, há
questões ideológicas em volta do filme muito importantes. Tive a Camila como
uma grande aliada nesse projeto. Quando conversei com ela pessoalmente – havia
pedido que ela lesse primeiro o livro – e pelo caminho que ela entrou no livro,
percebi que tinha jogo e que traria coisas que eu não sabia sobre Lavínia.
Camila ficou no Pará durante o tempo da produção. Acho muito importante para a
concentração do ator o convívio da equipe e no set. Ensaiamos as cenas, por
exemplo, no horário em que acontecem. Se a cena acontece às 3h da manhã,
ensaiamos nesse horário. Tem uma fisiologia do ator, o organismo dele funciona
e percebe o mundo diferente. A percepção do ator vai trazer coisas importantes.
E Camila se entregou a isso.
Revista de CINEMA – Você disse que sempre acaba
incorporando coisas que vê no caminho. No caso do último filme, seria a questão
do desmatamento da floresta no Pará?
Beto Brant – Por mais que sempre façamos adaptações ao livro,
quando estávamos pesquisando, descobrimos um conflito forte de terra, em que as
populações ribeirinhas estavam reivindicando duas questões: primeiro, com o
IBAMA, contra o remanejo ilegal de madeiras que deveriam pertencer a eles;
segundo, a demarcação de terras, pois querem ser admitidos como índios. Mais de
setenta comunidades se reuniram e sequestraram duas balsas de madeira e
tentaram negociar com o IBAMA, com a FUNAI, com o governo. Não tendo a
negociação, uma dissidência botou fogo na madeira. Hoje as lideranças estão
respondendo processo por conta desse ato ilegal. Estava no calor do momento
quando fomos pesquisar. Começamos a filmar em junho de 2010, em março tinha
acontecido isso. Por que vou então recriar o garimpo, que está no livro, mas
está frio no lugar? Vamos nos envolver com isso, vamos mudar o pano de fundo
para algo mais atual. Tentamos recriar um pouco disso. Logo que conhecemos
aquela gente e conhecemos a causa, nos identificamos a ela e quisemos
trabalhá-la. Só tivemos que conversar com o produtor, por uma série de questões
que seriam adaptadas.
Revista de CINEMA – Mas você acaba se engajando
nessas questões?
Beto Brant – Meu engajamento são os filmes de fato, mas sou
solidário às comunidades. O filme acaba sendo uma aliança ao movimento deles. É
o que o cinema que estamos fazendo oferece à sociedade – mas não é sua
finalidade, a finalidade é provocar, encantar, fazer pensar, colocar o filme pro
mundo pra quem quiser pegar.
Revista de CINEMA – Outra questão que parece muito
presente em seus trabalhos é a identificação com o espaço, seja urbano, seja
rural, seja confinado num espaço fechado. Por que trabalhar essa questão?
Beto Brant – Para mim, o cinema é um pretexto para sair
passeando. Para fazer cinema, você precisa ter vontade de andar, precisa ter
curiosidade. Esse caminhar é um reconhecimento de lugares, de códigos, de
luzes; para mim é muito importante a recriação desses espaços dentro dessa
dramaturgia.
Revista de CINEMA – Além do Marçal, você tem outro
grande parceiro, o Renato Ciasca. Ele foi produtor de muitos filmes seus e
agora é também codiretor incluindo “Eu Receberia as Piores Notícias de seus
Lindos Lábios”. Como surgiu a parceria e como funciona? Há divisão de trabalho?
Beto Brant – Ele está comigo desde a faculdade, codirigimos
juntos meu primeiro curta, “Aurora” (1987), fez assistência de direção de “Os
Matadores”, e, depois com o “Ação entre Amigos”, passou a participar dos
roteiros. Em “O Invasor”, montamos nossa própria produtora, a Drama Filmes, e
nesse e em “Crime Delicado”, ele foi efetivamente coprodutor. Como fizemos uma
viagem para fazer “Cão sem Dono”, nos deslocamos, e agora no “Eu Receberia as
Piores Notícias de seus Lindos Lábios” fomos ao Pará e reconhecemos aqueles
lugares juntos, quis chamá-lo pro set, não só para resolver questões de
produção, mas para que estivéssemos trocando ideias, na amizade e na cumplicidade
que nós temos, construindo os planos e as cenas. Claro, pelo meu histórico,
tenho um trabalho maior com os atores. Às vezes, nós dois conversamos com os
atores, mas na hora de rodar, centro a comunicação. Ele, experiente na
produção, barra problemas eventuais. Faço questão de estarmos juntos discutindo
o movimento de câmera e ver o que podemos melhorar. Eu, ele e o Marçal somos
muito amigos, é promíscuo mesmo. Não tem briga por vaidades e veleidades.
Revista de CINEMA – O Marçal vai ao set?
Beto Brant – Gostaria que fosse mais. Ele sempre está envolvido
em muitos projetos. É uma alegria quando vai. Em “Cão sem Dono”, por exemplo,
quando fazia a pesquisa no Rio Grande do Sul, estava meio descontente com o
final da história e trouxe o Marçal pra conversar, que me estimulou a buscar
caminhos. Agora no Pará não pode ir, mas de vez em quando ligava pra ele pra
discutir algo. Antes de rodar o filme, levei o Gero Camilo, que faz um
personagem muito literário que é o Vitor Laurence, para a casa do Marçal e conhecer
a biblioteca dele.
Revista de CINEMA – Nota-se em seu trabalho um
gosto muito forte no retrato do marginalizado. Por que isso?
Beto Brant – Uma pessoa que está nesse grau de instabilidade
tem conflitos; essa tensão desse movimento de se transformar é conflituoso e
dramático. A pessoa que tem estabilidade, um status quo, tem uma dramaturgia do
gesto delicado que não é muito minha praia. Gosto mesmo de quem está em
processo de transformação, que tem essa instabilidade. Esses personagens marginalizados
estão buscando caminhos e/ou reagindo a agressões muito fortes. Quando vou a
festivais internacionais, sempre estou ligado aos filmes latinos, são os que
quero ver, porque neles as pessoas suam, sangram, são intensos, se jogam, são
passionais. Tenho um interesse por filmes que não se complicam demais
intelectualmente, que se entregam à experiência de corpo.
Revista de CINEMA – É por conta disso que você vem
tratando de paixões alucinadas? E por isso acabam, inclusive, ganhando um
contorno meio violento?
Beto Brant – Essa é uma leitura que você faz e não me resta
muito a não ser concordar. É. “Crime Delicado” tem uma delicadeza muito forte
ali, mas é intenso. Uma mulher com uma perna amputada que não se sente inteira.
Uma das coisas que mais tocou a Lilian [Taublib, atriz] quando fez o filme foi
a carta de Antonio Martins que diz “aquele que te quer inteira”. Inteira é se
sentir, sem uma perna, completa. Ela sai do filme se sentindo inteira. Ela não
usa mais a prótese que usava. Hoje ela se sente bela. É delicado e não é, é um
crime delicado. Meu filme é intelectualizado, mas é passional também.
Revista de CINEMA – Como filmar sexo e nudez no
cinema brasileiro atual? Você acha que o Brasil desaprendeu a filmar tais
cenas?
Beto Brant – Não posso falar pelos outros. Na minha cabeça, me
sinto meio alienado, porque não sinto essa pressão. É lógico que depois pago o
preço, porque tem festival que não chama, distribuidor que não se interessa.
Dessa vez, não, vamos lançar, pela primeira vez, com mais de 50 cópias. É nossa
maior estreia, a anterior tinha sido de “O Invasor”, com 14. Logicamente, muito
por conta da Camila – que está muito bem, super engajada no filme, se entregou
completamente. Não vejo como isso pode ser moralmente recriminado, se é uma
experiência tão transformadora para a equipe, que passa a ser tão importante na
carreira de todo mundo. Não me passa pela cabeça. Há uma tendência, um medo, de
quando você pensa que a comunicação está na mão de grandes corporações, que
estão compromissadas com questões políticas e com setores da sociedade muito
moralistas. Hoje em dia, o governo até pode ser mais liberal, mas negociam com
a ala mais careta e moralizante. Tudo vira um jogo muito esquisito e muito
medroso, medo de ser rejeitado pelo mercado. Minha mentalidade é: vou fazer
esse filme com uma liberdade total, é um acordo que tenho com toda a equipe que
chamo. Vou fazer isso com integridade. Se for o último, paciência, mudo de
profissão.
Revista de CINEMA – Fazer cinema independente é isso?
Beto Brant – É, independente porque é livre de pressões de
mercado. Podíamos fazer um filme mais caretão e quem sabe abrir com mais
cópias, vender para a Globo Filmes. Mas não quero isso. O filme da gente vive
com a gente. Somos reconhecidos como as pessoas que fizeram o filme. Quero
estar com a consciência limpa de que fiz o melhor, com total liberdade. Que
seja transformador, que estejamos compreendendo algum assunto melhor. Claro,
isso tem seu lado negativo. A cada filme, você começa de novo do zero, não
consegue captar todo o orçamento, é mais difícil encontrar distribuidor. Depois
de sete filmes, você tem algo a seu favor, mas é complicado. Ainda bem que
temos o filme do Lírio [Ferreira, “Sangue Azul”, como produtores] pra fazer, o
Renato [Ciasca] está em Recife agora pesquisando com ele.