terça-feira, dezembro 27, 2011

HISTORIADOR HOBSBAWM ANALISA A CONJUNTURA POLÍTICA DE 2011

Comentários Moisés Basílio:   É sempre bom contar com as análises do historiador Eric Hobsbawm para pensar o nosso tempo. Nele a história é sempre viva, pois a sua leitura dos tempos e espaços tem esse dom de amalgamar o passado, o presente e o futuro, nem sempre nessa mesmo sequência linear. Nessa entrevista ele faz um paralelo entre o famoso ano de 1848 e o ano de 2011. Tempos de insurreições, revoltas e revoluções. Tempos onde as certezas se esvaem e o novo ainda está prenhe. Tempos de novas esperanças. 

          Ainda sobre 1848, Marx produziu um trabalho clássico para o pensamento crítico. O famoso "18 Brumários de Luis Bonaparte" - http://www.dorl.pcp.pt/images/classicos/18brumario.pdf - que faz uma análise do período revolucionário da França entre 1848 e 1851. E tem aquele famoso primeiro parágrafo do capítulo I que se tornou antológico e vale a pena ser relembrado aqui: 

          "Hegel observa algures que todos os grandes fatos e personagens da história universal aparecem como que duas vezes. Mas esqueceu-se de acrescentar: uma vez como tragédia e a outra como farsa. Caussidiére por Danton, Louis Blanc por Robespierre, a Montagne de 1848 a 1851 pela Montagne de 1793 a 1795, o sobrinho pelo tio. E a mesma caricatura nas circunstâncias em que apareceu a segunda edição do 18 de Brumário!" (in Editoria Avante, Obras Escolhidas de Marx e Engels)


Para Hobsbawm, protagonismo da classe média marca revoltas de 2011

Atualizado em  23 de dezembro, 2011 - 15:40 (Brasília) 17:40 GMT
O historiador britânico Eric J Hobsbawm (Rex Features)
Para historiador, classe operária perdeu seu papel histórico
A classe média foi a grande protagonista e força motriz das revoltas populares e ocupações que marcaram o ano de 2011. Esta é a opinião de Eric Hobsbawm, um dos mais importantes historiadores em atividade.
Em entrevista à BBC, o historiador marxista nascido no Egito, mas radicado na Grã-Bretanha, afirma ainda que a classe operária e a esquerda tradicional - da qual ele ainda é um dos principais expoentes - estiveram à margem das grandes mobilizações populares que ocorreram ao longo deste ano.
''As mais eficazes mobilizações populares são aquelas que começam a partir da nova classe média modernizada e, particularmente, a partir de um enorme corpo estudantil. Elas são mais eficazes em países em que, demograficamente, jovens homens e mulheres constituem uma parcela da população maior do que a que constituem na Europa'', diz, em referência especial à Primavera Árabe, um movimento que despertou seu fascínio.
''Foi uma alegria imensa descobrir que, mais uma vez, é possível que pessoas possam ir às ruas e protestar, derrubar governos'', afirma Hobsbawm, cujo título do mais recente livro, Como Mudar o Mundo, reflete sua contínua paixão pela política e pelos ideais de transformação social que defendeu ao longo de toda a vida e que segue abraçando aos 94 anos de idade.
As ausências da esquerda tradicional e da classe operária nesses movimentos, segundo ele, se devem a fatores históricos inevitáveis.
''A esquerda tradicional foi moldada para uma sociedade que não existe mais ou que está saindo do mercado. Ela acreditava fortemente no trabalho operário em massa como o sendo o veículo do futuro. Mas nós fomos desindustrializados, portanto, isso não é mais possível'', diz Hobsbawm.
Hobsbawm comenta que as diversas ocupações realizadas em diferentes cidades do mundo ao longo de 2011 não são movimentos de massa no sentido clássico.
''As ocupações na maior parte dos casos não foram protestos de massa, não foram os 99% (como os líderes dos movimentos de ocupação se autodenominam), mas foram os famosos 'exércitos postiços', formados por estudantes e integrantes da contracultura. Por vezes, eles encontraram ecos na opinião pública. Em se tratando das ocupações anti-Wall Street e anticapitalistas foi claramente esse o caso.''

À sombra das revoluções

Hobsbawm passou sua vida à sombra - ou ao brilho - das revoluções.
Ele nasceu apenas meses após a revolução de 1917 e foi comunista por quase toda a sua vida adulta, bem como um autor e pensador influente e inovador.
Ele tem sido um historiador de revoluções e, por vezes, um entusiasta de mudanças revolucionárias.
O historiador enxerga semelhanças entre 2011 e 1848, o chamado ''ano das revoluções'', na Europa, quando ocorreram uma série de insurreições na França, Alemanha, Itália e Áustria e quando foi publicado um livro crucial na formação de Hobsbawm, O Manifesto Comunista, de Marx e Engels.
Hobsbawm afirma que as insurreições que sacudiram o mundo árabe e que promoveram a derrubada dos regimes da Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen, ''me lembram 1848, uma outra revolução que foi tida como sendo auto-impulsionada, que começou em um país (a França) e depois se espalhou pelo continente em um curto espaço de tempo''.
Manifestante egípcio exibe cartaz retratando o líder egípcio deposto, Hosni Mubarak, seu filho, Gamal, o líder deposto da Tunísia, Ali Abudalah Saleh, o líder deposto da Líbia, Muamar Khadafi e o presidente da Síria, Bashar al Assad, na Praça Tahrir (AP)
Historiador diz que revoluções no mundo árabe tomaram rumo inesperado
Para aqueles que um dia saudaram a insurreição egípcia, mas que se preocupam com os rumos tomados pela revolução no país, Hobsbawm oferece algumas palavras de consolo.
''Dois anos depois de 1848, pareceu que alguma coisa havia falhado. No longo prazo, não falhou. Foi feito um número considerável de avanços progressistas. Por isso, foi um fracasso momentâneo, mas sucesso parcial de longo prazo - mas não mais em forma de revolução''.
Mas, com a possível exceção da Tunísia, o historiador não vê perspectivas de que os países árabes adotem democracias liberais ao estilo das europeias.
''Estamos em meio a uma revolução, mas não se trata da mesma revolução. O que as une é um sentimento comum de descontentamento e a existência de forças comuns mobilizáveis - uma classe média modernizadora, particularmente, uma classe média jovem e estudantil e, é claro, a tecnologia, que hoje em dia torna muito mais fácil organizar protestos.''

domingo, dezembro 11, 2011

São Paulo: novos percursos e atores - Comentários e resumos

Comentários Moisés Basílio: Em 1975, tinha 15 anos e estava entrando em contato com os problemas da cidade. No grupo de jovens da Igreja Católica em que participava tomei contato pela primeira vez com a questão social. O livro São Paulo – Crescimento e Pobreza fez parte da minha formação, juntamente com São Paulo – O Povo em Movimento. Em muito por causa dessa literatura me instigou o desejo de optar pelas Ciências Sociais no vestibular de 1980.
                No meu caso já são mais de 30 anos pensando sistematicamente a cidade. Primeiro no espaço da Igreja Católica, desde os anos 70, com diferentes intensidades até hoje. Num primeiro momento junto com a Pastoral da Juventude, depois junto à Pastoral Operária, Comunidades Eclesiais de Base e Direitos Humanos. É um pensar a cidade de uma perspectiva ético-religiosa cristã, tendo um olhar preferencial nas populações empobrecidas.
No final dos anos 70 e anos 80 pensei muito a cidade a partir de minha experiência de militância na Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo e na Central Única dos Trabalhadores – CUT. Foi o movimento de pensar a cidade a partir do local de trabalho e da produção e distribuição das riquezas.
 Ainda em meados dos anos 80, quando mudei para a região do Sapopemba passei a atuar e pensar a cidade a partir das lutas populares por melhorias de condições de vida no bairro em que vivia. Lutas por moradia, saúde, transporte, educação, saneamento básico, cultura, esporte, etc. Foi, e ainda é, o de olhar a cidade pelos olhos da cidadania. O olhar da cobrança dos direitos espoliados e negados.
Também na década dos anos 80 iniciei a atuação político partidária. O olhar a cidade na perspectiva dos poderes: De classes, institucional, social, racial, cultural etc.
Em todas essas dimensões a produção acadêmica sempre foi de grande valia para balizar a reflexão. Ainda não li, mas já encomendei esse lançamento, pela qualidade dos autores. E a discussão continua, pois a cidade pulsa, vive. 

São Paulo: novos percursos e atores
(sociedade, cultura e política)


Organização de Lúcio Kowarick e Eduardo Marques

Coedição: Editora 34/Centro de Estudos da Metrópole

400 p. - 16 x 23 cm
ISBN 978-85-7326-484-5
2011 - 1ª edição (Acordo Ortográfico) R$ 52,00
Cidade multifacetada, plena de contrastes, conjugando dinamismo e exclusão, coração econômico do país marcado por vastas extensões de pobreza, São Paulo tem sido objeto de muitos olhares. Este livro realiza um balanço das principais contribuições recentes sobre a metrópole, discutindo os processos sociais, culturais, políticos e econômicos que a marcaram de forma mais eloquente na primeira década do século XXI, tendo em vista as análises existentes sobre os legados de períodos anteriores.
         As últimas décadas têm sido marcadas por intensos processos de mudança, que transformaram características sociais e espaciais amplamente conhecidas da metrópole, ao mesmo tempo deslocando e recolocando desigualdades sociais em um ambiente de crescente heterogeneidade. Traçar um panorama dessas transformações é o objetivo deste livro. Dele participam alguns dos mais importantes pesquisadores da área, trazendo contribuições específicas sobre as várias dimensões da cidade.
         São quinze ensaios que, na esteira de livros clássicos como São Paulo, 1975: crescimento e pobreza (1976) e Quando novos personagens entraram em cena (1988), procuram atualizar as visões sobre a cidade, agora em uma colaboração multidisciplinar que inclui as áreas de sociologia, história, antropologia, demografia, política, cinema e música.
         Os textos têm autoria de Maria Encarnación Moya; Rosana Baeninger; Lúcio Kowarick; Camila Saraiva e Eduardo Marques; Maria Cristina da Silva Leme e Sarah Feldman; Alvaro Comin; Nadya Guimarães, Murillo de Brito e Paulo Henrique da Silva; Fernando Limongi e Lara Mesquita; Luciana Tatagiba; Adrian Gurza Lavalle, Graziela Castello e Renata Bichir; Esther Hamburger, Ananda Stücker, Laura Carvalho e Miguel Ramos; Teresa Pires do Rio Caldeira; Paula Miraglia; Gabriel Feltran; Vera da Silva Telles e Daniel Hirata. 

Sobre os organizadores
Lúcio Kowarick é professor titular do Departamento de Ciência Política da USP, onde defendeu seu doutorado e livre-docência, e do qual foi chefe de departamento por três gestões. É autor de cinco livros e mais de oitenta artigos publicados em periódicos no Brasil e no exterior. Foi professor e pesquisador-visitante nas universidades de Paris, Oxford, Sussex, Londres e no Japan Center for Area Studies. Com o livro Viver em risco (Editora 34, 2009), venceu o Prêmio Jabuti na categoria Ciências Humanas.

Eduardo Marques é professor livre-docente do Departamento de Ciência Política da USP e pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) do Cebrap. É autor de artigos sobre políticas públicas, pobreza urbana e segregação socioespacial, e dos livros: Redes sociais, pobreza e segregação (Unesp, 2010); Políticas públicas no Brasil (Fiocruz, 2007, com Gilberto Hochman e Marta Arretche); São Paulo: segregação, pobreza urbana e desigualdade social (Senac, 2005, com Haroldo Torres) e Redes sociais, instituições e atores políticos no governo da cidade de São Paulo (Annablume, 2003), entre outros.

 Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo, 11 dezembro de 2011. Caderno Metropoles.
40 ANOS E 2 GERAÇÕES ESTUDANDO A CIDADE
BRUNO PAES MANSO - O Estado de S.Paulo
Quando tinha 37 anos, em 1975, o sociólogo e cientista político paulistano Lúcio Kowarick coordenou o lançamento do livro São Paulo - Crescimento e Pobreza, marco para pensar a trajetória que a cidade seguiria nas décadas seguintes. Ainda eram tempos sombrios, apesar da abertura iniciada pela ditadura militar. O livro tinha sido uma encomenda de d. Paulo Evaristo Arns, então cardeal arcebispo de São Paulo, ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Depois do lançamento, o Cebrap sofreu um atentado a bomba.
Explosiva, entretanto, foi a repercussão das ideias do livro, que vendeu mais de 100 mil exemplares com fotos e textos que chamavam a atenção para a situação das periferias que nasciam e cresciam desassistidas pelo Estado. A coletânea de artigos serviria de base para as ações das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), da Igreja Católica, que passariam a atuar politicamente nas periferias de São Paulo.
Nessa época, o cientista político Eduardo Marques ainda era um menino de 10 anos, aluno do ensino fundamental em uma escola do Flamengo, no Rio de Janeiro.
Em 1979, quatro anos depois do primeiro livro, Kowarick publicava A Espoliação Urbana, relacionando problemas urbanos, como baixos investimentos em transporte, moradias, escolas e saúde, à dinâmica de acumulação do capital produzida pela cidade. Naqueles tempos de luta, a discussão serviu de base para a efervescência dos movimentos sociais das periferias, desde os religiosos até os sindicais, passando pelas associações de bairro e grupos de mães, que marcariam a primeira metade dos anos 1980 na capital.
"Eu era muito chamado em diferentes bairros da periferia da cidade para conversar com os integrantes dos movimentos sociais que queriam saber mais a respeito do conceito de espoliação urbana", recorda-se Kowarick.
São personagens-chave dessa história setentista de São Paulo os dois principais líderes políticos nacionais, que se tornariam presidentes do Brasil. O então sociólogo Fernando Henrique Cardoso foi um dos fundadores do Cebrap. O metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva surgiria das greves sindicais no ABC em 1978. Os movimentos sociais ainda serviriam de base para o nascimento do Partido dos Trabalhadores.
As três décadas que se seguiram foram de transformação intensa e permanente, detectadas e retratadas nos 40 anos de debates acadêmicos sobre São Paulo. A década de 1980, marcada pela crise no emprego e recessão econômica, registraria uma nova etapa de mudanças. Os movimentos sociais que cobravam o Estado mudam de postura. Com a democratização, parte de seus integrantes ingressam nos governos.
Novas pautas passam a dominar o debate, ligadas aos direitos das mulheres, dos negros e homossexuais. No fim dessa década, com o lançamento do disco dos Racionais MC's, é a vez de o hip-hop chacoalhar as periferias, iniciando uma série de demandas ligadas à valorização da cultura local.
É nesse contexto que o professor Eduardo Marques chega a São Paulo. Formado em Engenharia Hidráulica e História no Rio de Janeiro, com especialização em planejamento urbano, trabalhava com política de saneamento na Baixada Fluminense quando foi chamado, em 1989, para trabalhar na Secretaria de Habitação da recém-eleita Luiza Erundina (PT). Quando deixou a Prefeitura, fez mestrado e doutorado em Ciências Sociais na Universidade de Campinas (Unicamp) até ingressar, em 2002, no Centro de Estudos da Metrópole, criado no Cebrap para manter a tradição da casa de pensar São Paulo.
Marques acompanha a mudança do perfil das moradias na cidade. Os loteamentos clandestinos, que foram a forma como os bairros das periferias cresceram, perderam espaço para invasões e crescimento das favelas.
"São Paulo mudou bastante e hoje o Estado de fato se faz mais presente nas periferias. Mesmo assim, a desigualdade persistiu ou até mesmo piorou dada a baixa qualidade dos serviços prestados", diz Marques.
O aumento da violência também é um elemento-chave para a compreensão de toda a metrópole. Dominam a pauta dos debates desde os assassinatos cometidos pelos policiais, que permanecem em grande número nas três décadas seguintes, até o aumento dos roubos, a expansão do crack, o fortalecimento do Primeiro Comando da Capital (PCC) e a disseminação dos homicídios, cujas taxas aumentam mais de 900% entre 1960 e 2000.
Longe de afetar somente os bairros de periferia, a violência se reflete em toda a estrutura urbana da cidade. Para garantir a sensação de segurança, a cidade se expande pela construção dos shoppings e condomínios fechados, uma espécie de arquitetura do medo que ajuda a segregar, processo que será discutido pela antropóloga Tereza Caldeira no ano 2000 com o livro Cidade de Muros.
Fronteiras. Na quinta-feira, Kowarick e Marques se encontraram no prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, na Rua Maranhão, para tentar amarrar o debate dessa longa caminhada histórica vivida pela cidade e por seus milhões de personagens. Lançaram o livro São Paulo - Novos Percursos e Atores (Editora 34). A coletânea traz artigos de professores com vasta produção, como a socióloga Vera da Silva Telles, que escreve em coautoria com Daniel Veloso Hirata sobre o crescimento do mercado informal nos últimos 15 anos e a condição do trabalhador urbano, obrigado a transitar entre a fronteira dos mercados legal e ilegal. Já a antropóloga Tereza Caldeira discute os Racionais MC's e o hip-hop.
Há também espaço para a nova geração de pesquisadores. A antropóloga Paula Miraglia analisa o crescimento e a queda dos homicídios e a presença do PCC. Depois do crescimento acelerado da violência, a partir dos anos 2000, a cidade testemunha a queda em mais de 80% nas taxas de assassinatos, uma nova transformação que ainda hoje surpreende os cientistas sociais.
Outro da nova geração, o antropólogo Gabriel Feltran analisa justamente as mudanças ocorridas ao longo dos 40 anos na cidade e ajuda a pensar a respeito da visão de mundo da nova geração que vive nas periferias, diferente da dos pais migrantes. "A reflexão provocada pelos autores coloca junto diferentes gerações de pesquisadores, que qualificam o debate sobre essa São Paulo cada vez mais central no País e no globo, na qual nada é como antes. Mas é bonito notar que essa nova cidade, que requer também um novo pensar, se recria sobre as fundações sólidas erguidas pelo trabalho das gerações que a precedem e, nesse movimento, também se renovam", diz Feltran.

segunda-feira, outubro 24, 2011

O QUE A ÁFRICA TEM A VER CONOSCO: DOCUMENTÁRIO BLOOD IN THE MOBILE (SANGUE NO CELULAR)

Comentário Moisés Basílio: 
     O caderno Link do jornal O Estado de S. Paulo do dia 24/10/2011 traz uma reportagem reveladora sobre a exploração de minérios nobre, utilizados como componentes dos aparelhos celulares, no continente africano. O mote para a reportagem é o documentário Blood In The Mobile do diretor Frank Poulsen - http://www.youtube.com/watch?v=EIPEvN8xTZc&feature=mfu_in_order&list=UL.
     Nós brasileiro sempre temos um percepção equivocada sobre o continente africano em relação ao tempo e espaço. Nossa temporalidade sobre a África sempre nos remete ao nosso passado colonial, algo já ultrapassado historicamente, com o fim do escravagismo. E dada à distância espacial, ampliada pela distância imposta pela falta de informação dos meios de comunicação, para nós a África é sentida como algo distante. 
     Mas, numa coisa tão simples do nosso cotidiano, como no manuseio de um aparelho celular, estamos de corpo e alma nos relacionando com a África. A reportagem e o documentário nos revelam essas conexões e nos estimula a interagir com essa realidade.  

Fonte: Sítio do Jornal O Estado de S. Paulo: http://blogs.estadao.com.br/link/%e2%80%98deixei-uma-camera-na-mao-dos-meninos%e2%80%99/

‘Deixei uma câmera na mão dos meninos’

  • 23 de outubro de 2011| 18h45|
Por Camilo Rocha
Entrevista com o diretor de ‘Blood In The Mobile’, Frank Poulsen
O diretor de ‘Blood In The Mobile’, Frank Poulsen. FOTO: REPRODUÇÃO

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Por que escolheu esse tema para filmar?
A maior parte das pessoas no Ocidente desenvolvido dizem que o que acontece na África não tem nada a ver com elas. Veem filmes na África e pensam: ‘O que isso tem a ver comigo?’
Quando meu produtor me falou dos minérios de conflito, topei na hora. Vi aí uma grande chance de mostrar como estamos todos conectados. Como nosso modo de vida depende do sofrimento de outras pessoas.
Qual a contribuição que o filme traz para essa questão?
A chave para fazer o filme acontecer era acessar uma dessas minas. Mesmo há quatro anos, os fatos eram conhecidos, muitas matérias já haviam saído, mas não havia quase imagens dos locais. Então eu queria algo novo e exclusivo, até para conseguir financiamento. Por isso, sabia que tinha que filmar no Congo. Fui quatro vezes e na quinta levei um diretor de fotografia dinamarquês comigo. Também tinha um produtor local com quem trabalhei em cada viagem. Demorou muito conseguir a papelada para que fosse o mais seguro possível ir lá.
Sua vida chegou a correr risco?
Claro, esse tipo de lugar é sempre perigoso. Muitos ali participaram de diversas atrocidades. Em muitas situações, era preciso ser muito cauteloso na hora de falar ou agir. Mas eu sou bom em negociar, em conquistar a confiança das pessoas. O que realmente dava medo era entrar nas minas. Ali não havia controle e eu ficava pensando, ‘se isso desabar, bom acabou tudo’. Foi bem estressante.
É verdade que uma criança te ajudou na filmagem?
Eu só tinha uma câmera e alguns dos túneis eram pequenos demais pra mim. Também era difícil filmar a atividade do dia a dia. Toda vez que entrava num buraco, todo mundo parava de trabalhar para olhar o homem branco. Então, acabei trazendo uma câmera pequena e deixei na mão de um dos meninos.

Fonte:  Sítio do Jornal O Estado de S. Paulo: http://blogs.estadao.com.br/link/tecnologia-consumo-e-dor/

Tecnologia, consumo e dor

  • 23 de outubro de 2011|18h45|
Por Camilo Rocha
Documentário dá cara aos conflitos na extração de metais para celulares
“Esse lugar é o inferno na Terra. Pessoas trabalhando sob a mira de homens armados por toda parte. Meninos de 14, 15, 16 anos cavando nos buracos. Crianças com até quatro anos vendendo coisas e fazendo serviços para os soldados. Não há água potável.”
O cineasta dinamarquês Frank Poulsen sempre se considerou uma pessoa forte para cenários de pobreza e sofrimento, tendo ido a África várias vezes. Mas a visão da enorme mina de cassiterita de Bisie, num ponto remoto do Congo oriental, foi “muito além de tudo que eu já tinha visto”. “O sentimento de desespero está no ar”, descreveu ao Link pelo telefone. (Leia entrevista aqui.)
Exploração. No Congo, minas controladas por milícias armadas empregam mão de obra infantil. FOTO: DIVULGAÇÃO
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Em Bisie, milhares de pessoas se dedicam a procurar um dos minérios que, muitos estágios depois, se transformam em componentes dos celulares que todos usam. Foi lá que o diretor conseguiu as imagens mais impactantes de seu documentário, Blood In The Mobile (Sangue no Celular, em tradução livre).
Concluído no fim de 2010, o filme teve exibições esporádicas desde então (incluindo sessões no festival brasileiro É Tudo Verdade deste ano). Entre este mês e o fim do ano, o alcance deve aumentar, com sua inclusão em diversas mostras e festivais nos EUA e Inglaterra.
Blood In The Mobile é um ruído desagradável em um mundo dominado por máquinas e pelo consumo destas. O filme alerta que as matérias-primas que fazem este século 21 ser tão bem informado e conectado muitas vezes vêm de lugares que remetem aos tempos da escravidão. As cenas de Bisie podiam muito bem ser do Congo Belga do fim do século 19, descrito em tons sinistros pelo escritor Joseph Conrad no clássico Coração das Trevas.
O diretor viveu uma saga para chegar ao seu apocalíptico destino final, como o protagonista do livro de Conrad. “Primeiro tomei o avião de Kinshasa (capital do Congo) até a cidade de Goma. Daí fui de helicóptero até a vila de Walikale. Depois, foram mais 200 quilômetros de moto. E, finalmente, dois dias de caminhada pelas montanhas.”
País que tem o tamanho da Europa Ocidental, a República Democrática do Congo (o antigo Zaire) repousa esplendidamente sobre imensas reservas de diamantes, ouro, cobre, cobalto, cassiterita, volframita e coltan (abreviação para columbita-tantalita). Fora as pedras preciosas, o resto da lista são materiais usados no processo de fabricação de qualquer aparelho de celular (leia mais aqui).
Os recursos minerais do Congo são motivo de disputas sangrentas. No fim dos anos 90, as tensões descambaram no conflito mais sangrento do planeta desde o fim da Segunda Guerra Mundial, envolvendo o exército congolês, milícias locais, forças de Ruanda, Burundi e mais seis países.
Chamada de Segunda Guerra do Congo ou Guerra do Coltan, ela terminou oficialmente em 2003. Mas a paz nunca chegou de fato à região, que segue castigada por violência, exploração, ausência de direitos humanos básicos, fome e doenças. De 1998 a 2008, 5,4 milhões de pessoas morreram em consequência dos conflitos. Os produtos das minas locais ganharam o nome neutro de “minérios do conflito”.
Não surpreende que as condições de trabalho num cenário assim sejam as piores possíveis. “A situação nas minas é análoga à escravidão. As pessoas ganham para trabalhar, mas estão aprisionadas, amarradas em dívidas com os grupos armados”, relata.
Fabricantes. Segundo o diretor, tão difícil quanto acessar a distante mina congolesa foi conseguir a participação da Nokia no documentário. Poulsen escolheu a empresa por ser a fabricante do celular que usa. Depois de dois meses de tentativas por e-mail e telefone, tudo que obteve foi uma resposta de duas linhas dizendo que a “empresa não tinha recursos para ajudá-lo”. O cineasta resolveu, à la Michael Moore, ir pessoalmente à sede da empresa na Finlândia.
“No filme, eu vou várias vezes à sede da Nokia. Eles me disseram, finalmente, que sabem do problema e que estão fazendo tudo que podem, mas não especificam bem o quê”, conta.
Poulsen não tenta provar que os celulares da Nokia usam materiais de Bisie ou de outra mina do Congo. Dada a quantidade de etapas atravessada pelos minérios até chegar na manufatura do aparelho, o rastreamento é trabalhoso. “Sei da dificuldade de conhecer a cadeia de fornecimento desses recursos. Mas só as indústrias podem descobrir isso e elas não o fazem. Se recusam a divulgar sua lista de fornecedores.”
A questão dos “minérios de conflito” esteve na pauta do Congresso americano no final da década passada. O resultado foi a inclusão de uma cláusula referente ao Congo num pacotão legislativo conhecido como Lei Dodd-Frank. De acordo com ela, empresas passam a ser obrigadas a provar que seus materiais não vinham da região conflituosa no Congo.
Mesmo sem entrar em vigor, a lei Dodd-Frank já teve um impacto muito além do previsto. Apavoradas com possíveis consequências, empresas americanas pararam de comprar qualquer coisa do Congo. Foi um duro golpe na frágil economia local, onde os minérios representam quase 12% das exportações.





















Fonte: Sítio Jornal O Estado S. Paulo: http://blogs.estadao.com.br/link/mudanca-em-andamento/

Mudança em andamento

  • 23 de outubro de 2011| 18h45|
Por Camilo Rocha
ONGs e indústria criam iniciativas para tornar a exploração de minérios mais transparente
Fazer a tecnologia da informação ser mais justa para todos. Este é, em português, o mote da campanha Make IT Fair (For People Everywhere), que envolve diversas ONGs europeias. A campanha busca conscientizar o consumidor, trazendo informação sobre a procedência e caminhos dos materiais usados em celulares, computadores e games.
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No site da Make IT Fair (http://makeitfair.org/) há tópicos como as más condições de trabalhadores de telefônicas na Índia e dos operários da Foxconn, empresa chinesa que produz os iPhones da Apple. A Make IT Fair é apoiadora do filme Blood In the Mobile.
Sediada em Amsterdã, na Holanda, a ONG Somo é uma das principais agentes por trás da campanha. Tim Steinweg, especialista em mineração da Somo, conversou com o Link por telefone sobre o trabalho da entidade e alguns avanços recentes conseguidos.
Steinweg conta que, desde as filmagens de Blood In The Mobile, a situação das minas congolesas pouco mudou. “As grandes minas, como a que aparece no filme, continuam em atividade. Informes dão conta de que a presença de grupos armados diminuiu, mas pode ser que estejam apenas operando de maneira mais discreta.”
Com a atenção que a situação do Congo ganhou nos últimos anos, a retração dos grupos armados faz sentido. A aprovação da lei norte-americana Dodd-Frank, que inclui uma cláusula exigindo que empresas não usem os chamados “minérios de conflito”, fez empresas do setor nos EUA e Europa riscarem o Congo da sua lista de compras.
Segundo Steinweg, apesar da boa intenção, o resultado foi desastroso para a economia da nação africana. “Com medo, as empresas passaram a boicotar todos os minerais do Congo, de todas as áreas do país. Este não é o melhor caminho, pois prejudica toda a sociedade congolesa.”
(Clique na imagem para ampliá-la)
Mesmo assim, o especialista comemora o fato de que esse tipo de legislação introduziu na pauta das empresas o monitoramento dos materiais que usam. “Isso em si foi uma vitória”, diz.
Rastreamento. Um dos resultados da nova postura é que duas entidades que reúnem empresas do setor – a Coalizão de Cidadania da Indústria Eletrônica (Eicc, na sigla em inglês) e a Iniciativa de E-sustentabilidade global (Gesi) – lançaram no fim de 2010 um programa para barrar, após a extração do metal, o fornecimento de matéria-prima de áreas de conflito.
Na fase inicial da cadeia produtiva, o mineral é encaminhado a fábricas produtoras de metal chamadas “smelters”.
Steinweg conta que no mundo há poucos “smelters” (e quase todos ficam na Ásia) processando matérias-primas que vão para a indústria eletrônica. “Isso torna o monitoramento muito fácil de fazer”, explica.
Para se ter uma ideia do alcance do programa, basta olhar a lista de membros da Eicc e da Gesi em seus respectivos sites: nomes como Nokia, Motorola, Verizon, Sony, Telefonica, Ericsson, Microsoft, Dell, Acer, Foxconn, Philips, entre muitas outras.
Mas, como observa Steinweg, isso resolve apenas uma questão bem específica, a dos minérios de regiões de conflito (em outras palavras, da República Democrática do Congo) e que há quatro anos vem sendo divulgada por campanhas como a Make IT Fair. Há ainda que se ressalvar que está se falando aqui praticamente só de empresas com sede no Ocidente desenvolvido. Ou seja, nada de China, Índia e Brasil, entre vários outros grandes mercados consumidores.
O especialista três outras regiões com outros tipos de problema: “A mineração de platina na África do Sul tem entrado em conflito com comunidades locais. Na Indonésia, a extração do estanho tem causado sérios problemas ambientais. E as minas de cobalto na Zâmbia e em outra região do Congo, no sul do país, tem ocorrências de trabalho infantil.”
Depois de saber de tudo isso, o consumidor final tira o celular do bolso e olha com culpa para ele. Como fazer para não compactuar? “É muito difícil, todas essas empresas são iguais no fundo. Mas o que nos costumamos recomendar é: primeiro, não troque de celular todo ano. Se cada vez menos gente fizer isso, haverá menos demanda pelos minérios. Segundo, se certifique de que um produto descartado é reciclado de maneira correta, uma vez que esses minerais podem ser facilmente reutilizados”, explica o especialista.
“E terceiro, use seu poder de consumidor, sua voz! Aja com cidadania. Participe de campanhas, e abaixo-assinados que peçam transparência das empresas. Descubra o Twitter do CEO dessas empresas e vá lá cobrar diretamente”, acrescenta.

Fonte: Sítio do Jornal O Estado de S. Paulo

Fabricantes dizem pressionar fornecedores

  • 23 de outubro de 2011| 18h45|
Por Redação Link
Nokia e Motorola afirmaram que têm trabalhado para se certificar que materiais não têm origem em regiões de conflito
Entre as principais fabricantes que montam celulares no Brasil, Nokia e Motorola afirmaram que têm trabalhado com outras empresas do setor para pressionar fornecedores a se certificar que os metais usados nos componentes não têm origem em regiões de conflito como a do Congo.
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A Nokia afirmou que tomou conhecimento das minas ilegais no país em 2001 e baniu o uso dos metais. “Todos os nossos fornecedores são auditados, assim como os fornecedores deles também”, disse a fabricante. Mas a empresa afirma que não é possível ter uma lista exata dos países de onde vêm tais metais.
A Motorola Mobility disse estar “engajada” para incentivar uma maior regulamentação. “É fundamental que um sistema de rastreamento seja implantado para que a indústria possa continuar a adquirir metais da região (Congo)”, disse a empresa em comunicado.
Procuradas, as sul-coreanas LG e Samsung não responderam se têm políticas para rastrear o fornecimento de metais.