domingo, abril 01, 2007

Mulheres da saúde

Comentário Moisés Basílio: Há uma história da cidade de São Paulo que fica oculta da dita opinião pública. É a história feita pelo povo da periferia. Poucos são os movimentos sociais que conseguem colocar em cena suas lutas. Iniciativas como estas são importantes para democratizarmos a história dessa cidade.

O Movimento de Saúde da Zona Leste e o Centro de Direitos Humanos de Sapopemba Pablo Gonzáles Olalla se unem em torno de um projeto que visa repensar e reavivar o próprio movimento, historicamente o mais importante movimento social da cidade de São Paulo.

por Marcelo Hailer - Fonte: Site Caros Amigos - acesso em 01/04/2007, no link - só no site- reportagem - http://carosamigos.terra.com.br/

O Centro de Direitos Humanos de Sapopemba – Pablo Gonzáles Olalla e o Movimento de Saúde da Zona leste se uniram em torno de um projeto, viabilizado com o apoio da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), que visa resgatar e repensar este que é o movimento social mais importante da cidade de São Paulo. Graças a este movimento é que hoje todos os bairros da cidade são obrigados por lei a ter conselhos populares e gestores de saúde, num canal direto entre povo e executivo. Porém, segundo Maria Trindade, militante desde 1981, os movimentos se encontram enfraquecido na cidade inteira: “a partir das conquistas dos postos, dos conselhos, o movimento enfraqueceu”. Ou seja, como muitos integrantes dos movimentos sociais foram nomeados para cargos públicos, os movimentos em si perderam quadros atuantes e ficaram mais fracos.

Ainda segundo Maria Trindade, com a conquista de cargos públicos, os antigos militantes se dividiram em grupos políticos adversários entre si. Ela acha que agora a situação vai mudar: “esse novo projeto tem uma importância muito grande, porque está conseguindo unir as pessoas que fundaram o movimento nas décadas de 70 e 80, está conseguindo retomar a história, e isso não é pouca coisa, é um patrimônio”.

O Movimento de Saúde para a Zona Leste viveu o seu ápice de reconhecimento e luta no governo municipal de Luiza Erundina, de 89 a 92. Foi nesse período que lideranças do Movimento assumiram cargos executivos, como é o caso de Carlos Neder, que foi assessor de gabinete da prefeita Erundina e posteriormente secretário de saúde. Carlos Neder, Eduardo Jorge e Roberto Gouveia faziam parte de um grupo de médicos sanitaristas que desde a década de 70 vinha colaborando com o Movimento. Ao longo do processo de crescimento do Movimento, estes médicos assumiram cargos legislativos e se tornaram deputados pelo Partido dos Trabalhadores.

O Movimento se iniciou lá nos confins da zona leste, em Itaquera (Jardim Nordeste), Artur Alvim, São Mateus, enfim, regiões que, se ainda hoje são muito carentes, imagine-se no fim da década de 70. Eram ruas de terra, saneamento básico inexistente, sem telefones públicos, denotando uma ausência do Estado por completo. É nesse contexto que mulheres donas de casa, a maioria vinda do norte e nordeste do Brasil, se uniram para dar início a um movimento que nem elas imaginavam aonde iria chegar.

A realidade vivida por estas mulheres era arrasadora. Vivam na periferia da cidade de São Paulo, sofriam com a falta de posto de saúde, de escolas, de linhas de ônibus, de vacinas, etc. Tal situação gerava uma altíssima taxa de mortalidade infantil, devido a doenças como diarréia, sarampo e outras. Isso por volta de 1976. Então começou a primeira luta delas, que era pela conquista das vacinas e posteriormente de um posto de saúde na região de São Mateus. Na época, o governador de São Paulo era Paulo Maluf e o secretário de saúde Adib Jatene. Oito mulheres da liderança fizeram seis viagens até a Secretaria da Saúde, a fim de conversar com o secretário.

Na última viagem, depois de maus-tratos por parte da Policia Militar, foram finalmente recebidas. Em conversa com o secretário souberam que o governador tinha fechado os ambulatórios populares, onde se produziam as tais vacinas, porém, Adib Jatene prometeu falar com o governador e as mandou voltarem após quinze dias. Passado o tempo combinado, estas mulheres obtêrm a primeira vitória do movimento. O governador iria mandar as vacinas e reativar os ambulatórios populares.

Daí pra frente as conquistas continuaram, e uma que orgulha as militantes do movimento de saúde é a conquista do primeiro posto de saúde no bairro Jardim Nordeste, no ano de 1979, localizado na Avenida Águia de Haia. Justelita, que participou desta conquista, enfatiza: “quem quiser ver a prova tá lá, tem a placa do governo e em baixo tem a nossa, escrito assim, ‘Este posto de saúde foi conquistado pelos moradores’, isso nós colocamos, tá lá a prova”. O próximo passo seria a conquista dos Conselhos Populares e Gestores de Saúde, hoje obrigatórios por lei em todos os bairros da cidade.

Estes conselhos são formados por moradores, apesar de atualmente estarem em grande parte cooptados por forças e interesses políticos. De todo modo representam uma conquista popular. Justelita salienta a conquista, “tem muita gente que pensa que foi o governo que fez, mas fomos nós, o povo, que conquistamos os postos de saúde e os conselhos populares”.

Essa importante conquista resultou da aprovação oficial do Estatuto do Movimento de Saúde; na época o secretário de saúde já era outro, João Yunes. Como contou Justelita, a zona leste toda se envolveu: foram reunidos cerca de sessenta ônibus, que desembarcaram quase três mil pessoas no estacionamento da Secretaria de Saúde.

Com tanta pressão, não tinha como negar a reivindicação: o Estatuto do Movimento foi publicado no Diário Oficial.


Revitalizar um movimento de vanguarda
A revitalização do movimento já começou. O local do seminário e celebração a respeito da finalização da primeira parte do projeto que visa revitalizar o movimento é a Universidade Cidade São Paulo – campus Belém - (UNICID).

O relógio marca 15 horas; o calendário, 20 de dezembro de 2006. O público dominante é composto por mulheres, na maioria com faixa etária acima dos 40 anos, grande parte delas não se via há anos, pois, como vimos, o Movimento de Saúde da Zona Leste atualmente se encontra dividido e em refluxo. Este seminário teve como objetivo a comemoração de duas conquistas: o resultado preliminar da pesquisa elaborada para o projeto em questão e o lançamento do filme documentário dirigido por Renato Tapajós, “Políticas públicas de saúde no Brasil”.

O projeto de resgate do Movimento se dividiu em duas partes, sendo a segunda o seminário. A primeira parte se deu da seguinte maneira: dividiu-se a zona leste em três áreas, formaram-se três grupos de entrevistadores que percorreram, cada grupo, uma área da zona leste na busca de militantes e ex-militantes para responderem uma série de perguntas, entre elas: os motivos que o levaram a abandonar o movimento, se tem internet etc. Pois, além de se buscar entender as causas do declínio do movimento, a intenção é também montar um banco de dados referentes ao movimento, e a partir destas informações repensar o movimento. Como disse João Palma, da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, “mais uma vez este movimento inova; há uma pesquisa em curso, o movimento de saúde da zona leste está fazendo uma coisa muito corajosa que é produzir conhecimento sobre si próprio: quem é esse movimento? Quem são essas donas de casa hoje? Quem são esses jovens estudantes hoje? É um movimento negro, branco, de pessoas jovens, idosas? Isto é uma coisa muito interessante, mais uma vez este movimento dá exemplo para outros movimentos populares que estão precisando passar pelo mesmo processo. Mas, infelizmente mais uma vez acontece um movimento de vanguarda invisível, pois a mídia não está cobrindo, exatamente como ocorreu nos anos 80”.

Neste seminário um fato ficou evidente: não há jovens militantes de fato no Movimento de Saúde, o que se viu foram alguns poucos estudantes de comunicação da UNICID, militantes do PCB, estudantes da USP Leste e um solitário do PSTU.

Na ocasião do seminário pude perguntar a Ivoneide, idealizadora do projeto e militante do Movimento, se com os resultados das pesquisas daria pra se pensar em meios de atrair esta geração atual e dessa forma reoxigenar o movimento; ela respondeu: “Isso é um desafio pra nós, às vezes a gente fica focado num público da nossa idade, é um tema legal de se trabalhar, mas a gente ainda não conseguiu chegar nele, o jovem. Se a gente conseguir entrar via universidade e que esse jovem venha nos procurar não apenas pra tema acadêmico, mas pra nos ajudar também e que saiba que todos nós temos uma luta, seja na faculdade, no seu bairro e na sua família, isso é com todos os movimentos que, hoje enfrentam dificuldades pra atrair o jovem”. Para o cineasta Renato Tapajós, “é com a história, com o resgate das conquistas, com o fato de mostrar a importância destes movimentos para a história do Brasil, que conseguiremos sensibilizar estes jovens a participarem mais. Reconstruir a memória do movimento social é extremamente importante pra que os movimentos sociais recuperem a sua identidade. E acredito que é uma forma de fazer com que os jovens se aproximem”. Eu pergunto: não há um esvaziamento de jovens nos movimentos sociais? “Sem dúvida, e isso faz parte do processo neoliberal que vivemos, o impulso de preocupação coletiva que o jovem sempre teve em outras épocas, vem sendo erodido pela propaganda e pela televisão, há um trabalho do sistema para individualizar o jovem, e uma das formas de trazer o jovem de volta pra prática coletiva é trabalhar a memória dos movimentos sociais, pois a liberdade hoje é um dado e não uma conquista, eles não têm a menor idéia do que foi a ditadura”.


Neste momento, os idealizadores, organizadores e colaboradores do projeto estão aguardando uma resposta, pois a continuação do projeto depende de a OPAS (Organização Pan Americana de Saúde) aprovar a sua segunda parte.

Para tal, os gerenciadores do projeto acabam de encaminhar a prestação de contas. A segunda fase do projeto consiste em montar um banco de dados, estabelecer metas para o movimento e promover seminários em diversos bairros da zona leste. Lucirene, uma das organizadoras do projeto e militante do Movimento, nos elucida esta segunda parte, “na verdade o projeto era pra ser um só, de uma vez, mas quando começamos a fazer vimos que não daria, ele ficaria muito extenso, não conseguiríamos terminar tudo no prazo estipulado. A idéia não era só fazer a pesquisa, mas coletar um banco de dados, para isso entrevistamos 900 pessoas, militantes e ex-militantes do Movimento de Saúde. O objetivo pra nós, acima das pesquisas e do banco de dados, é recuperar o Movimento de Saúde, fazer com que ele se movimente novamente, então nós já mandamos o novo projeto, que seria a sistematização mais organizada dos dados obtidos e análise dos mesmos para que a partir deles façamos uma série de seminários. Por exemplo, uma pergunta, por que o movimento de saúde tem problema hoje? Só com esta pergunta dá pra fazer uns dez seminários. Então é isso, esta segunda parte é analisar os dados e devolvê-los ao Movimento de Saúde, não como uma coisa pronta, mas discutindo cada resposta com o próprio movimento, através de seminários temáticos, dentro de uma metodologia participante”. Lucirene disse que a resposta da aprovação da verba para esta segunda fase do projeto deve sair até o fim de março deste ano.

Torcemos então pra que consigam, para continuar este excelente projeto que visa resgatar e reunir o movimento social mais importante da cidade e, por quê não, do Estado de São Paulo.

Marcelo Hailer é jornalista

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