quinta-feira, novembro 01, 2018

Como se sente com Bolsonaro presidente? (Roteiro para uma aula de História do Brasil contemporâneo)


Por Moisés Basilio


Minha filha me fez a pergunta que é título desse artigo e como professor de história de ensino fundamental respondi como um breve roteiro de aula, onde cada parágrafo merece uma parada para reflexão e discussão. 

Nasci em 1960 e sobrevivi aos vários presidentes do Brasil e descobri que a vida não se resume a um presidente, mas à luta da Nação por um país melhor.

E o que é melhor para a Nação é fruto de uma disputa que envolve cada brasileiro e os campos sociais, econômicos e políticos organizados da sociedade (partidos, igrejas, sindicatos de trabalhadores e patronais, organizações e movimentos sociais, mídias, forças armadas, organizações criminosas etc.

Quando nasci o presidente era o Juscelino (1960), inaugurando Brasília e com o epiteto de presidente bossa nova, representante do campo nacional desenvolvimentista;

Depois foi eleito Jânio Quadros (1961-1962), um similar civil do Bolsonaro, populista de direita conservador e autoritário;

Depois, por um curto período conturbado, com o presidente populista nacional-desenvolvimentista, Jango (1962-1964), das reformas de base, sem bases políticas consistentes;

Depois vieram os presidentes militares representantes do golpe civil/militar: Castelo, Costa e Silva; Junta Militar; Médici, Geisel e Figueiredo (1964-1985), representantes de um Brasil aliado do lado Capital num mundo eivado pela Guerra Fria;

Depois a transição democrática conservadora com o vice Sarney (1986-1990), representando as contradições da nova ordem econômica do movimento do capital globalizado;

Depois o bad boy, caçador de marajás, Collor (1991-1993), representante do campo da implantação do campo neoliberal do mundo capitalismo globalizado;

Depois o governo do vice Itamar Franco (1993-1994), rearranjando a transição conservadora dentro do mundo do Capital Globalizado;

Depois dois mandatos do FHC (1995-2001), consolidando a transição política conservadora dentro da nova ordem global, sob a égide do Capital globalizado;

Depois o ciclo petista com Lula e Dilma, tentando resgatar um projeto popular e democrático num mundo globalizado, com avanços e contradições;

Depois o governo golpista do vice Michel Temer, freando o projeto democrático e popular;

E agora o Bolsonaro, consolidando o golpe ao projeto democrático e popular e iniciando um novo ciclo dentro da nova ordem de globalização capitalista conservadora e liberal.

Resumo da ópera: Cada presidente é um representante do momento político da época.

Infelizmente vivemos um tempo do ressurgimento:

- Das ideias e práticas conservadoras na moral e nos costumes;

- Das nuanças liberais na economia;

- Das práticas antidemocráticas/autoritárias no plano geral (Estado e Sociedade).

O que fazer nos próximos anos? Vamos à luta:

- Pelas ideias e práticas progressistas na moral e nos costumes;

- Pelos princípios socialistas na economia;

- Pela prática democrática no geral (Estado e Sociedade).

Axé!


domingo, setembro 09, 2018

A memória da família e o encontro com a prima Cida de Patos de Minas

Por Moisés Basílio Leal


Prima Cida Rosa Ventura de Patos de Minas comentando nossa árvore genealógica com os primos Tuca e Zezinho.



Em meados dos anos de 1920 o casal Maria Cândida de Jesus e Isoldino Basílio Leal, depois do falecimento da mãe da Vó Maria, a bisavó Cândida Maria de Jesus, deixaram o seu quilombo da Vargem do Arroz, no núcleo rural de Campo Bonito, que fazia parte do então distrito de Lagoa Formosa pertencente ao município de Patos de Minas. Venderam todos os seus poucos pertences e com o dinheiro apurado foram se aventurar, em busca de melhor sorte, trabalhando como meeiros nas fazendas de plantação de arroz da região dos municípios de Conquista e Uberaba.

Vó Maria, com 12 anos, se casou com o Vô Isoldino no dia 27/07/1914 na Paroquia de Nossa Senhora da Piedade, Lagoa Formosa, conforme certidão de casamento do religioso, e tiveram os seguintes filhos: José, que morreu aos 9 meses; Arminda (Tia Fia), Geraldo, que morreu com 1 mês de vida; e Adelino, que morreu com 3 anos. Depois que migraram para as fazenda de Conquista e Uberaba tiveram mais os seguintes filhos: Maria Natalina (Tia Dinha); Gasparim, que morreu com 11 anos; Luzia, Terezinha (Tia Eza); Aparício Divino (Tio Fiinho); Pedro, que morreu aos 9 meses de vida; Conceição (Tia São) e a caçula Iraci, que faleceu aos 9 meses de vida. No total foram 12 filhos entre 1914 e provavelmente 1945 quando o Vô Isoldino faleceu.

A distância entre Conquista/Uberaba de Lagoa Formosa é de cerca de 300 quilômetros e levando-se em conta as dificuldades de transportes daquela época o contato com os familiares que deixaram na Vargem do Arroz só se realizava por carta. Foi assim que a Vó Maria soube do falecimento de seu pai, o bisavô Pedro Mariano Leal e do falecimento do pai do Vô Isoldino, o bisavô José Basílio Leal.  

A Vó Maria contava que quando o bisavô José Basílio Leal faleceu a bisavó Maria José de Jesus (Bisavó Cotó) escreveu para o Vô Isoldino e pediu a presença dele na Vargem do Arroz, mas ele não foi. Tempos depois ele escreve para a mãe pedindo uma ajuda financeira, mas a mãe lhe manda uma carta dizendo que não iria dar nada pois ele não tinha atendido a sua solicitação quando da morte do pai. Diz a Vó Maria e que o Vô Isoldino nervoso rasgou a carta e o envelope e desde então ela não mais se correspondeu com os parentes da terra natal.

Por volta de 1945 o Vô Isoldino acometido de maleita, contraída durante o trabalho na plantação do arroz e sem tratamento médico adequado pelo fazendeiro veio a falecer. O fazendeiro de pronto já avisou que não renovaria o contrato de trabalho de meeiro com mulher viúva e que ao final da colheita a Vô Maria estava convidada a se retirar da fazenda.

Com o pouco que apurou ao final da colheita a Vô Maria com os filhos e agregados migrou para a cidade de Uberaba e deu fim ao seu ciclo de trabalho na roça. Com muita dificuldade conseguiu autorização para montar sua casa de pau a pique num terreno na beira da estrada de ferro da Companhia Mogiana, que ligava Uberaba à cidade de Campinas e começou a luta pela sobrevivência da família no mundo urbano.

No final dos anos de 1940 a Tia Dinha com 21 anos e a Tia Eza com 16 anos migraram para São Paulo e começaram a árdua luta para sobreviver na cidade grande trabalhando como empregada doméstica. O núcleo da família da Tia Fia e do Tio Chico voltaram para roça e foram parar na cidade de Guará.

A Tia Dinha se estabeleceu na Vila Prudente (Santa Clara) e iniciou o processo de trazer os parentes para São Paulo. Na década dos anos 1960 todos já estavam morando em São Paulo. A Vó Maria, a Tia Dinha e a Tia Eza formavam o núcleo que moravam na Vila Santa Clara. A Tia Fia, o Tio Fiinho e a Tia São formavam o núcleo que foram morar em Jandira. E assim a família criou raízes em São Paulo e devido as dificuldades financeiras e a distância, Minas Gerais foi ficando num cantinho escondido do passado.

A Vó Maria, Vô Isoldino e seus 12 filhos formaram a primeira e segunda gerações deste núcleo familiar que se desgarrou do território de Vargem do Arroz/Campo Bonito em Lagoa Formosa, percorreu as zonas rurais de Conquista, Uberaba e Guará e vieram se estabelecer em São Paulo.

A terceira geração é formada por 28 primos, netos da Vó Maria e do Vô Isoldino: A Tia Fia teve 7 filhos: Cida, Irene, Geni, Matilde, Tião, Zezinho e Maria; A Tia Dinha uma filha que morreu logo após o nascimento: Dejanira e criou o Newton (filho da Tia Luzia); A Tia Luzia 1 filho: Newton; A Tia Eza teve 3 filhos: Moisés, Ana Rita e Maria Izabel; O Tio Fiinho 6 filhos: Luiz, João, Carlos, Sonia Regina, Célia e Maurício; e a Tia São teve 11 filhos:  Marta, Matilde, Marcia, Lourdes, Marisa, Marli, Margarida, Margarete, Marilene, Marcio e Marcelo.

Em 2013, os primos Zezinho, Newton, Moises e seu filho Pedro resolveram se aventurar e pesquisar esse cantinho da história das origens do nosso núcleo familiar em Minas Gerais e rumaram para a cidade de Lagoa Formosa. As informações básicas de que dispúnhamos era uma entrevista que o Moisés havia gravado em 1978 com a Vô Maria Cândida de Jesus falando de sua terra natal. Nesta viagem conversamos com muitas pessoas que nos deram várias pistas dos familiares e pisamos nas terras da Vargem do Arroz, onde a Vó Maria e o Vô Isoldino nasceram. Mas, o tempo era curto para uma pesquisa mais aprofundada.

A descoberta mais importante foi encontrar a prima Aparecida Rosa Ventura, a Cida, em Patos de Minas. Pela árvore genealógica montada a partir dos depoimentos da Vô Maria, a Cida é descendente direta de um dos irmãos dela, o José Pedro Leal, casado com a Celestrina. A Vó Maria teve quatro irmãos por parte de mãe e de pai: Livino Mariano Leal, José Pedro Leal, Antonio Leal e Deolinda Cândida de Jesus.

No dia 7 de setembro de 2018, finalmente conseguimos organizar um encontro dos primos de São Paulo com a Prima Cida de Patos de Minas, em Jandira, na casa da Prima Cida com a presença de 13 dos 20 primos vivos da terceira geração da Vó Maria e do Vô Isoldino (Cida, Irene, Geni, Matilde, Zezinho, Maria, Newton, Moisés, Celia, Regina, Mauricio, Matilde e Margarete) e mais uma quantidade enorme de primos das 4ª, 5ª, 6ª e etc. gerações, que não vou citar os nomes pois posso cometer a injustiça de esquecer algum.

Entre os comes e bebes a conversa correu solta entre os primos ao som da boa música comandada pelos primos mais novos. A prima Cida de Patos de Minas nos contou da organização dos parentes lá de Minas Gerais, remanescentes de quilombos, pela terra de nossos antepassados e pela preservação da memória e da cultura e nos convidou-nos para participar do Seminário, dia 22 de setembro de 2018, em Patos de Minas, onde será realizada uma mesa de debate com a presença de autoridades, líderes quilombolas, congadeiros, apresentação de propostas finais e assinatura de uma carta compromisso dos representantes institucionais a respeito da valorização, reconhecimento e políticas públicas práticas destinadas a essas comunidades. Para que a nossa participação seja efetiva a Prima Cida de Patos também propôs que constituíssemos uma associação dos remanentes de quilombolas da Vargem do Arroz, Campo Bonito, Lagoa Formosa.

Ao final decidimos formar uma caravana para participar do seminário e nos informamos melhor dessa nossa história. Marcamos de sair dia 21 de setembro de 2018, às 08h00 da casa da Cida rumo a Patos de Minas. A Prima Cida ficou de ver com seus amigos de Patos de Minas o preço das estadias nos hotéis. Os primos Maria, Newton e Moisés vão com seus carros. Pela internet vamos combinar os detalhes. A Prima Cida de Patos também ficou de organizar a documentação para formalizar a Associação.


Árvore Genealógica da Família. 


domingo, janeiro 28, 2018

LITERATURA JUVENIL E FUTEBOL

Moraes, Carlos. Um time para sempre. São Paulo: ÔZé Editora, 2011. Publicado em 1981 com o título: A vingança do timão. Foi totalmente revisto para esta edição.


Por Moisés Basílio Leal

É na juventude que realizamos nossos grandes feitos heroicos. Nesse livro do Carlos Moraes, que tem como personagem principal o time de futebol que leva nome do rio de uma cidade da fronteira gaúcha, o Pedra Moura Futebol Clube, ele descreve a trajetória de jovens tornando-se adultos e de alguns adultos que se permitem voltar à juventude através do futebol.

A narrativa se passa no bairro Popular lá pelos idos dos anos de 1970 e por 18 capítulos a saga se desenrola em várias pequenas histórias encadeadas em torno da organização de um time de futebol, ideia do filósofo e pedreiro Amaro e que contou com a participação ativa de toda a comunidade.

Amaro veio de outra cidade para trabalhar na região e acabou assentando moradia no Popular. Nas horas vagas perambulava pelo bairro e como apreciador de futebol acabou se encantando com os talentos dos jovens esportistas da localidade. Só que os rapazes estavam divididos em dois grupos rivais e coube ao Amaro à perspicácia de propor a união para a formação de um time forte.
      
Em meio às dificuldades para organizar o time, jovens e adultos também enfrentam as adversidades materiais e afetivas da vida social. Este é o fio condutor da narrativa que o autor com esmero desenvolve nos 18 capítulos do livro. Em cada capítulo um novo mistério a ser desvendado numa escrita leve e fluente. Confesso que li o livro numa sentada só, numa noite de domingo.

Esse livro foi publicado originalmente em 1981 com outro titulo: “A vingança do timão”, pela editora Brasiliense e nesse mesmo ano foi o vencedor do prêmio Jabuti na categoria de melhor livro juvenil.


A leitura me levou ao tempo de juventude com seus sonhos, desafios, medos e esperanças. Também houve um time de futebol no meu bairro, que não prosperou, e jovens que adoravam correr atrás da bola como o meu primo Newton, Robé, Nelson Mancha, Tampinha, Luiz Afonso, Cidinho, Claudio, Marinheiro, Waldemar, Waltinho etc. Ao terminar de ler o livro fiquei com uma dúvida: Nosso time não foi para frente por conta da falta de um Amaro, descobridor de talentos, para encontrar nossa outra metade, ou porque não éramos talentosos na nobre arte do esporte bretão. 

Capa da 1ª edição em 1981.

terça-feira, novembro 15, 2016

SALA DE AULA SUPERLOTADA NA CIDADE DE SÃO PAULO: QUAL A MEDIDA?

Por Moisés Basílio

          Na matéria sobre sala de aula superlotada nas escolas públicas da cidade S. Paulo, publicada pelo jornal Estadão (1), neste dia em que se comemora o 127º aniversário da proclamação da República brasileira, os números de alunos por sala de aula em 2016 são explicitados e comentados por diferentes atores e tem por base o inquérito instalado desde 2011 pelo Ministério Publico Estadual, através do GEDUC, tendo à frente o promotor João Paulo Fastinoni e Silva. A origem deste inquérito foi uma representação ao MPE do então deputado estadual Rui Falcão, hoje presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (2). 
          Aproveitando o ensejo da magna data, que tem na educação pública um dos bastiões do seu sentido de ser, pois é no processo educativo que se constitui o cidadão que dá sustentação à nação e às instituições públicas, discutir os caminhos da escola pública em nossa cidade é de fundamental importância para nossa vida social.  
          A questão do número de alunos por sala de aula é um problema antigo na gestão da política pública de educação paulistana e brasileira, da pauta de reivindicações dos sindicados dos trabalhadores em educação e mesmo no âmbito da produção acadêmica da pedagogia, porém se tornou mais candente com o processo de universalização da educação pública básica no país a partir da Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação em 1996.
          Cumprir os preceitos constitucionais e da LDB exigiria um esforço monumental de investimentos na construção de equipamentos públicos adequados, na formação e contratação de equipes de apoio, docentes e gestoras, na disponibilização de recursos complementares como: alimentação, transporte, uniforme, materiais didáticos etc. 
          Acontece que a prioridade em educação no Brasil ficou a meio caminho se comparamos com países como Japão e Coreia do Sul que enfrentaram problema semelhante ao Brasil no século XX e com pesado investimento em educação, mais de 10% do PIB ao ano, conseguiram dar consistência a uma sólida e efetiva politica pública de educação básica para toda a população. No Brasil em que pese todo falatório em torno da educação a média história é de investimentos abaixo de 5% do PIB desde a promulgação da Constituição de 1988 até 2006 e foi crescendo lentamente até chegar em 6,6% em 2013 (3), sendo que o Plano Nacional de Educação (PNE) tem por meta atingir os 10% do PIB em 2024. Contudo dada a atual crise político/econômica e com os encaminhamentos do programa de ajuste fiscal do governo federal a tendência é que novamente a redução de recursos para a educação nos próximos anos. Com isso não estou querendo dizer que o financiamento econômico é o único fator para se efetivar uma política pública de educação num país, mas sim que sem ele a política não se efetiva. 
          O título da matéria demonstra que para o jornal existe sim a superlotação, com o que eu concordo, e para isso usa como argumento principal o fato de que uma para cada 7 escolas  do município tem ao menos uma sala superlotada. 
          A matéria detalha os números gigantescos de equipamentos das redes de ensino público na cidade de S. Paulo, são eles:
  • 4.200 é o número de escolas de educação básica na cidade de S. Paulo (creche/centro de educação infantil-CEI- (0 a 3 anos); escola municipal de educação infantil-EMEI (4 a 5 anos); escola municipal de educação fundamental - EMEF - e escola estadual de ensino fundamental - EE - (6 a 14 anos); e escola estadual de ensino médio (EE) - (15 a 17 anos).
  • 3.200 é o número de escolas da Prefeitura de S.P.
  • 1.057 é o número de escolas do Estado de S. P. na cidade.
  • 579 (18%) escolas da Prefeitura tem sala superlotada.
  • 90 (8,5%) escolas do Estado tem sala superlotada.
  • 16% é a média de escolas superlotadas juntando as redes do Estado e do Município.
          Ao final da matéria há também a comparação entre as medidas em que as esferas de governos municipal, estadual e federal balizam o que seria superlotação: 
  • Educação Infantil: Ministério da Educação, 20 aluno/classe; Prefeitura de SP, CEI de 7 a 25 criança/classe e na EMEI até 29 criança/classe. Plano Municipal de Educação, até 25 criança/classe.
  • Ensino Fundamental do 1º ao 5º ano: Conselho Nacional de Educação, 24 alunos/classe; Prefeitura de SP, até 35 alunos; Plano Municipal de Educação, 30 alunos/classe; Governo Estadual, 30 alunos/classe.
  • Ensino Fundamental do 6º ao 9º ano: Conselho Nacional de Educação, 30 alunos/classe; Prefeitura de SP, até 35 alunos/classe; Plano Municipal de Educação (4), 30 alunos/classe; Governo Estadual, 35 alunos/classe.
  • Educação de Jovens e Adutos (EJA): Prefeitura de SP, até 35 alunos; Plano Municipal de Educação, 30 alunos/classe.
  • Ensino Médio: Governo do Estado, 40 alunos/classe. Conselho Nacional de Educação, 30 alunos/classe.
          As medidas flutuam entre o que poderia ser o ideal e o que efetivamente é possível com os recursos materiais e financeiros das redes de ensino. Para os governos municipal e estadual não há superlotação e sim problemas pontuais ocasionados pela dinâmica de desenvolvimento da cidade. 
          O governo do estado justifica que no caso das escolas estaduais o problema está localizado em áreas de mananciais e de regularização fundiária onde não é possível construir equipamentos num curto espaço de tempo e também por conta das medidas judiciais que obrigam a matricula em determinadas escolas que já estão lotadas. 
          Já o governo municipal para além dos motivos elencados pelo governo estadual no ensino fundamental e médio, enfrenta também a questão da demanda histórica represada por conta da falta de financiamento para a educação infantil e que gera tanto a superlotação, quanto as filas de espera por vagas. 
          Por mais que os responsáveis pela gestão das redes municipal e estadual da cidade de SP não admitam explicitamente há sim um superlotação na relação aluno/criança/classes nas escolas públicas. Até porque para se avançar nos objetivos da qualidade do ensino a meta é a implantação da escola integral (em tempo e em práticas de aprendizagens e conhecimentos). Ora, para que isso possa acontecer com certeza haverá que ter a diminuição do número de turnos nas escolas. Embora a cidade venha diminuindo o ritmo de crescimento demográfico não há equipamentos escolares suficientes para atender essa demanda crescente por educação de qualidade. É preciso estruturar um plano de financiamento estratégico, de maneira inovadora e criativa, levando em conta as metas previstas nos Planos Municipal, Estadual e Nacional de Educação, com o pensamento no futuro do país, e não se deixar levar somente pelo flutuar de uma conjuntura que impõe a velha e surrada cantilena do ajuste fiscal. 
          
          

Notas: 

1. Uma em cada 7 escolas da cidade de SP registra ao menos uma sala superlotada. Internet, jornal O Estado de S. Paulo, 15/11/2016, acessado em 15/05/2016, http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,uma-em-cada-7-escolas-da-cidade-de-sp-registra-ao-menos-uma-sala-superlotada,10000088426

2. Ministério Público instaura inquérito para apurar eventual superlotação em escolas estaduais. Internet, sítio Internet, sítio Nota Dez, há 5 anos, acessado em 15/11/2016, http://nota-dez.jusbrasil.com.br/noticias/2904394/mpsp-ministerio-publico-instaura-inquerito-para-apurar-eventual-superlotacao-em-escolas-estaduais

3. Gasto público em ensino atinge 6,6% do PIB, mas crise ameaça expansão. Internet, jornal Folha de S. Paulo, 04/04/2015, acessado em 15/11/2016. http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/04/1612236-gasto-publico-em-ensino-atinge-66-do-pib-mas-crise-ameaca-expansao.shtml 

4. Plano Municipal de Educação, veja meta 2 que estabelece relação entre número de educando por docente. Internet, Sítio Prefeitura de S. Paulo, 14/09/2015, acessado em 15/11/2016. http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Main/Noticia/Visualizar/PortalSMESP/Conheca-o-Plano-Municipal-de-Educacao-de-Sao-Paulo

sábado, outubro 15, 2016

PAULINHO DA VIOLA AFINADÍSSIMO: SAMBA EM CONCERTO

Por Moisés Basílio

          O samba que nasceu nos terreiros, nos momentos de festa e lazer do povo preto em terras brasileiras, oficialmente completa 100 anos em 2016, em lembrança da primeira gravação do gênero em disco, com o famoso samba maxixe Pelo Telefone de autoria oficial de Donga e Mauro de Almeida. Digo autoria oficial por que há uma celeuma imensa em torno de quem seriam os verdadeiros autores. Mas, como o próprio Donga sentenciou, autoria de samba é igual a  caça de passarinho, quem pega primeiro é o dono.

           Dos terreiros para o disco, do disco para o rádio, para o teatro de revista, para o cinema, para os desfiles de rua das escolas de samba e salões de bailes, para a televisão e também para concerto em teatro devidamente preparado para esse fim. E o Paulinho da Viola é músico virtuoso para o concerto de samba, nesta sexta-feira, dia 07/10/2016, no teatro Net em São Paulo.

          Os músicos foram posicionados em um semi-círculo com a seguinte escalação da esquerda para a direita: Adriano Souza (teclado); Mario Sergio (flauta), Dino (violão 7 cordas), Beatriz Rabello (voz), Celsinho (percussão), Hércules (ritmo), Ricardo Costa (bateria e João Rabello (violão). Ao centro do semi-círculo, Paulinho da Viola (voz, cavaquinho e violão).

          No comando do rigorosíssimo Paulinho da Viola o concerto teve o seguinte roteiro musical:

1. O samba Dama de Espadas abriu a apresentação somente com a voz e o violão de Paulinho:


Ela vem com as cartas marcadas e diz:
Você é um espada no amor
Mas o seu jogo é pesado
E eu não desejo ser mais um fiel perdedor
Quem traçava o baralho era ela
Ficando com a sorte e me dando azar
Quase sempre n fim da parada
Eu não tinha mais nada
D meu pra jogar

No amor não se brinca com fogo
Parei com esse jogo sem forra e perdão
Hoje faço meu lance e não corro
Mas quero saber
Quais as chances do meu coração
Procurando mudar meu destino
Fugi do cassino onde quase quebrei
E dispensei essa dama
Que finge que ama
Chamando de rei


2. Um samba, que eu não soube identificar, com a voz e o violão de Paulinho;

3. O clássico Sinal Fechado executado já com o grupo musical no acompanhamento;


Olá, como vai?
Eu vou indo e você, tudo bem?
Tudo bem, eu vou indo, correndo
Pegar meu lugar no futuro, e você?
Tudo bem, eu vou indo em busca
De um sono tranqüilo, quem sabe?
Quanto tempo...
Pois é, quanto tempo...
(pausa)
Me perdoe a pressa
É a alma dos nossos negócios...
Oh, não tem de que
Eu também só ando a cem
Quando é que você telefona?
Precisamos nos ver por aí
Pra semana, prometo,
Talvez nos vejamos, quem sabe?
Quanto tempo...
Pois é, quanto tempo...

Tanta coisa que eu tinha a dizer
Mas eu sumi na poeira das ruas
Eu também tenho algo a dizer
Mas me foge a lembrança
Por favor, telefone, eu preciso beber
Alguma coisa rapidamente
Pra semana...
O sinal...
Eu procuro você...
Vai abrir! Vai abrir!
Prometo, não esqueço
Por favor, não esqueça
Não esqueço, não esqueço
Adeus...


4. Um samba novo, que segundo Paulinho tem uma levada meio de bossa nova;

5. Começa um samba, que alguém da fileira de trás identifica como sendo do Gudin. O som não está bom e o rigoroso Paulinho pede para parar e acertar. Entra a Beatriz Rebello, sua filha, para acompanhá-lo.

6. Paulinho canta um samba de sua autoria que não estava no roteiro: "Ruas que sonhei".

O sol que bate na calçada nesta tarde
Não trouxe o dia que anseia meu olhar
E leva embora o consolo dos olhares
Das morenas
Bem no tempo de sorrir e namorar
Toda beleza que havia nesta rua
Há pouco tempo deu um vento e carregou
E muita gente se vestindo de alegria
Vai fingindo todo dia
Que a tristeza já passou

Amor, repare o tempo
Enquanto eu faço um samba triste pra cantar
Te mostro a vida pra mudar o teu sorriso
Te dou meu samba com vontade de chorar
Amor, felicidade
É o segredo que outro dia te contei
O sol que morre nos cabelos das morenas
Um dia nasce sobre as ruas que sonhei

7. Paulinho dá uma pausa e fala sobre a importância de ter os instrumentos afinados na execução da música e afirma: "Melhor perder um tempo afinando, do que tocar desafinado". Em seguida ele apresenta o samba Dança da Solidão:

Solidão é lava
Que cobre tudo
Amargura em minha boca
Sorri seus dentes de chumbo
Solidão palavra
Cavada no coração
Resignado e mudo
No compasso da desilusão

Desilusão, desilusão
Danço eu dança você
Na dança da solidão

Camélia ficou viúva
Joana se apaixonou
Maria tentou a morte
Por causa do seu amor
Meu pai sempre me dizia
Meu filho tome cuidado
Quando eu penso no futuro
Não esqueço meu passado

Desilusão, desilusão
Danço eu dança você
Na dança da solidão

Quando chega a madrugada
Meu pensamento vagueia
Corro os dedos na viola
Contemplando a lua cheia
Apesar de tudo existe
Uma fonte de água pura
Quem beber daquela água
Não terá mais amargura

8. Segue o concerto com Vela no Breu, samba de Paulinho e Sergio Natureza.

Ama e lança chamas
Assovia quando bebe
Canta quando espanta
Mal olhado, azar e febre

Sonha colorido
Adivinha em preto e branco
Anda bem vestido
De cartola e de tamanco

Dorme com cachorro
Com um gato e um cavaquinho
Dizem lá no morro
Que fala com passarinho

Depois de pequenino
Chora rindo
Olha pra nada
Diz que o céu é lindo
Na boca da madrugada

Sabe medicina
Aprendeu com sua avó
Analfabetina
Que domina como só

Plantas e outros ramos
Da flora medicinal
Com 108 anos
Nunca entrou num hospital

Joga capoeira
Nunca brigou com ninguém
Xepa lá na feira
Divide com quem não tem

Faz tudo o que sente
Nada do que tem é seu
Vive do presente
Acende a vela no breu


9. Paulinho dá a ordem aos músicos: Agora é só batucada e ataca com o samba Quando Bate uma Saudade.


Vem
Quando bate uma saudade
Triste
Carregado de emoção
Ou aflito quando um beijo já não arde
No reverso inevitável da paixão
Quase sempre um coração amargurado
Pelo desprezo de alguém
É tocando pelas cordas de uma viola
É assim que um samba vem

Quando o poeta se encontra
Sozinho num canto qualquer do seu mundo
Vibram acordes, surgem imagens
Soam palavras, formam-se frases
Mágoas
Tudo passa com o tempo
Lágrimas
São as pedras preciosas da ilusão
Quando surge a luz da criação no pensamento
Ele trata com ternura o sofrimento
E afasta a solidão


10. O belo samba Coração Leviano e tocada inicialmente com voz, cavaquinho e timba. Depois, num crescente, entram todos os instrumentos

Trama em segredo teus planos
Parte sem dizer adeus
Nem lembra dos meus desenganos
Fere quem tudo perdeu
Ah! Coração leviano
Não sabe o que fez do meu

Este pobre navegante
Meu coração amante
Enfrentou a tempestade
No mar da paixão e da loucura
Fruto da minha aventura
Em busca da felicidade

Ah! Coração teu engano
Foi esperar por um bem
De um coração leviano
Que nunca será de ninguém


11. Chorinho: Coração Imprudente de Paulinho e Capinan.

O que pode fazer

Um coração machucado
Senão cair no chorinho
Bater devagarinho pra não ser notado
E depois de ter chorado
Retirar de mansinho
De todo amor o espinho
Profundamente deixado

O que pode fazer
Um coração imprudente
Se não fugir um pouquinho
De seu bater descuidado
E depois de cair no chorinho
Sofrer de novo o espinho
Deixar doer novamente


12. Paulinho faz uma digressão sobre a importância do choro na sua formação musical e se considera como um músico de choro. Acompanhava seu pai, que era músico do conjunto do Jacob do Bandolin, quando era adolescente. Em 1969, ano de falecimento do Jacob, compôs  um belo choro, "Inesquecível", que é interpretado por seu filho João Rabello ao violão.

13. Outro choro instrumental executado por Paulinho no cavaquinho.

14. Paulinho apresenta um samba em primeira audição e diz que a ideia deste samba é toda da compositora Maria Bastos e que só deu alguns retoques finais. Sua filha Beatriz Rabello interpreta. 

15. Paulinho homenageia Candeia cantando Filosofia do Samba:

Mora na filosofia
Morou, Maria!
Morou, Maria?
Morou, Maria!

Pra cantar samba
Não preciso de razão
Pois a razão
Está sempre com os dois lados

Amor é tema tão falado
Mas ninguém seguiu
Nem cumpriu a grande lei
Cada qual ama a si próprio
Liberdade e Igualdade
Aonde estão não sei

Mora na filosofia
Morou, Maria!
Morou, Maria?
Morou, Maria!

Pra cantar samba
Veja o tema na lembrança
Cego é quem vê só aonde a vista alcança
Mandei meu dicionário às favas
Mudo é quem só se comunica com palavras
Se o dia nasce, renasce o samba
Se o dia morre, revive o samba

16. Paulinho canta Amor Ingrato de Jorge Mexeu;

Oh! que amor ingrato eu arranjei
Me abandonou, a razão não sei
Embora eu não tenha sorte
Meu coração é forte
E por isso eu não chorei
Até me conformei
Ela foi ingrata
Desprezou-me sem pensar
Não usou a consciência
Sua intenção era me abandonar
Mas se existe revertério na vida da gente
Espero um dia, paciente.


17. Paulinho conta a história de um samba que havia composto e deixado guardado numa fita cassete e que por brincadeira mostrou para a Marisa Montes e ela entregou  também de brincadeira para o Arnaldo Antunes fazer a letra no samba, que não é sua praia. Quando menos esperavam os brincalhões o samba já estava pronto para espanto de todos. O samba chama-se Talismã:

Eu não preciso de um talismã
Nem penso em meu amanhã
Vou remando com a maré
Eu não preciso de patuá
Nem peço ao meu orixá
Não vou na igreja, não sei rezar
Mas tenho fé
Pois agora quem eu quis
Também me quer

Por muito tempo
Eu batalhei o seu amor
Porém, você me desarmava
E só me dava o seu desdém

Quando me olhava parecia nem me ver
Eu era ninguém
Mas hoje em dia eu posso dizer
"Meu amuleto é meu bem"


18. O clássico Timoneiro, parceria de Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho  é apresentada: 

Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
É ele quem me navega
Como nem fosse levar
É ele quem me navega
Como nem fosse levar

E quanto mais remo mais rezo
Pra nunca mais se acabar
Essa viagem que faz
O mar em torno do mar
Meu velho um dia falou
Com seu jeito de avisar:
- Olha, o mar não tem cabelos
Que a gente possa agarrar

Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
É ele quem me navega
Como nem fosse levar
É ele quem me navega
Como nem fosse levar

Timoneiro nunca fui
Que eu não sou de velejar
O leme da minha vida
Deus é quem faz governar
E quando alguém me pergunta
Como se faz pra nadar
Explico que eu não navego
Quem me navega é o mar

Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
É ele quem me navega
Como nem fosse levar
É ele quem me navega
Como nem fosse levar

A rede do meu destino
Parece a de um pescador
Quando retorna vazia
Vem carregada de dor
Vivo num redemoinho
Deus bem sabe o que ele faz
A onda que me carrega
Ela mesma é quem me traz


19. Paulinho apresenta os músicos que o acompanha e finaliza seu concerto com outra composição clássica de seu repertório, Onde a Dor Não Tem Razão, dele e Elton Medeiros:

Canto
Pra dizer que no meu coração
Já não mais se agitam as ondas de uma paixão
Ele não é mais abrigo de amores perdidos
É um lago mais tranqüilo
Onde a dor não tem razão
Nele a semente de um novo amor nasceu
Livre de todo rancor, em flor se abriu
Venho reabrir as janelas da vida
E cantar como jamais cantei
Esta felicidade ainda

Quem esperou, como eu, por um novo carinho
E viveu tão sozinho
Tem que agradecer
Quando consegue do peito tirar um espinho
É que a velha esperança
Já não pode morrer


20. A plateia se levanta, aplaude e pede bis. E é atendida prontamente por Paulinho e seus músicos. Faz então um citação ao grande Moreira da Silva e ao tipo de malandro que ele ostentou durante boa parte de sua carreira e canta um samba onde o malandro desta vez se dá mal no jogo, mas se salva ao final com uma tirada hilariante ("Falei em Deus, mas sem má intenção"). O samba é o Jogando com o Capeta, autoria de Moreira da Silva e Ribeiro Cunha:

Jogando baralho, no terreiro grande
No meio de homens fortes - eu estava jogando com a sorte
Um desconhecido chegou, bem vestido
E me pediu o corte - eu disse-lhe "jogo até com a morte.
Mas se acaso ganhar, não vá sorrir e nem zombar,
Que hoje é meu companheiro - não vá levar o meu dinheiro
Não sou brigador, mas se perder e não pagar,
Eu vou bater no senhor" - ele me disse ‘és um terror'

Fiz um macete de valete e dama - o vargo perde e não reclama
E diz ‘que lama'
Puxou de uma bolada e me desacatou, - depois a sorte me deixou.
Ele tomou do lesco, e desfolhou
Fiquei sozinho, sem um companheiro - porque perderam o seu dinheiro
Depois ele sorrindo me disse: ‘desista porque eu sou trigueiro.
Eu sou o Chico Tintureiro, o Zé Carneiro'.
Fiz umas paradas mais eu tinha um peso - eu já estava quase pronto,
Acabei teso. puxei minha solinge e fiz o "pelo-sinal"

Ele me disse: ‘isto é que é mal'
"Deus me defenda do senhor", falei em Deus mas sem má intenção.
Mas para mim foi muito bom, porque deu um estouro e sumiu,
Era o capeta, mete cabelão - mas que cheirinho de alcatrão.


21. Mais uma canja do Paulinho e seus músicos: Argumento.

Tá legal
Eu aceito o argumento
Mas não me altere o samba tanto assim
Olha que a rapaziada está sentindo a falta
De um cavaco, de um pandeiro
Ou de um tamborim

Sem preconceito
Ou mania de passado
Sem querer ficar do lado
De quem não quer navegar
Faça como um velho marinheiro
Que durante o nevoeiro
Leva o barco devagar


22. O fecho de ouro do concerto: Foi um Rio que Passou em Minha Vida. Iniciou o samba de uma forma estranha aos ouvidos. Parou e explicou que foi assim que a melodia nasceu. Voltou e tocou a melodia como conhecemos. Grand finale, bravo!

Se um dia
Meu coração for consultado
Para saber se andou errado
Será difícil negar
Meu coração tem mania de amor
Amor não é fácil de achar
A marca dos meus desenganos ficou, ficou
Só um amor pode apagar

Porém
Há um caso diferente
Que marcou um breve tempo
Meu coração para sempre
Era dia de carnaval
Eu carregava uma tristeza
Não pensava em novo amor
Quando alguém que não me lembro anunciou
Portela, Portela
O samba trazendo alvorada
Meu coração conquistou

Ah, minha Portela
Quando vi você passar
Senti meu coração apressado
Todo o meu corpo tomado
Minha alegria a voltar
Não posso definir aquele azul
Não era do céu
Nem era do mar
Foi um rio que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar

Fontes de pesquisa:

- Internet, sítio do Paulinho da Vila, letras das músicas, http://www.paulinhodaviola.com.br/ 

domingo, agosto 07, 2016

MULHERES DE CINZA - ENTREVISTA COM MIA COUTO

Caros e caras,

          Sem muito tempo para postar, vou deixando neste espaço as coisas de que gosto e leio. Ávido leitor do moçambicano assim que puder mergulharei com afinco neste novo livro.
               Axé!

               Moisés Basílio.


Fonte: Internet, Jornal O Estado de S. Paulo, 18/11/2015
Mia Couto inicia trilogia em que reflete sobre a memória
Moçambicano lança o livro 'Mulheres de Cinza'

O escritor moçambicano Mia Couto é notável por sua prosa poética, cuja força, especialmente em um país tão marcado por problemas como o seu, permite que o povo não abandone sua capacidade de sonhar. Mia agora se volta para um projeto mais audacioso: a trilogia As Areias do Imperador, que narra os derradeiros dias do chamado Estado de Gaza, o segundo maior império da África dirigido por um africano. E o primeiro volume, Mulheres de Cinza, chega agora, com lançamentos no Rio e em São Paulo, com a presença do autor.
A trama gira em torno de Ngungunyane (ou Gunguhane, como preferiam os portugueses), último dos imperadores que governou a metade sul de Moçambique, no século 19. Derrotado pelas forças portuguesas em 1895, ele foi deportado para os Açores. Dois narradores se alternam na condução da história: Imani, uma adolescente da tribo VaChopi que foi educada por jesuítas, e Germano de Melo, sargento português que foi degredado depois de apoiar revoltas contra a monarquia. Duas visões que permitem ao autor exercitar escritas distintas, entre o poético e o burocrático. Também a reavaliar o passado. Sobre isso, Mia conversou com o Estado, por e-mail.
A história habitualmente é contada pelos vencedores. E o passado serve, muitas vezes, para justificar o presente. Quais inverdades ou falsificações históricas você confronta com a trilogia?
 O passado é sempre uma narrativa construída seja a nível individual, seja a nível coletivo. A intenção nesse livro não é denunciar algo em particular. Quero sobretudo mostrar como é grave estarmos a fundar um presente na base de uma única versão do passado. Sem uma narrativa do passado que não seja diversa e diversificada, seremos mais pobres. Não temos que proclamar que a História oficial de uma nação é uma “mentira”. Mas é preciso dizer que aquilo que sabemos não é o que foi provado por alguma caução científica, mas aquilo que se elegeu entre luzes e sombras. Existe, por exemplo, a tendência de reduzir diversidades e anular a complexidade dos tempos passados. Subsiste a ideia romântica de que o passado africano, antes da chegada dos europeus, consistia em um convívio harmonioso e sem conflito. Isso é felizmente falso porque as sociedades africanas, como todas as outras no mundo, têm o direito ao seu conflito interno, sendo esse o motor da sua evolução histórica. Curiosamente, a ideia da ausência de conflitos é uma herança que parece querer promover o que foi o nosso continente. Mas essa ingenuidade condescendente resulta da teoria europeia do bom selvagem, que infantiliza as sociedades e a gente africana.
Como será a trilogia?
 A trilogia fala de uma figura africana que foi mistificada pelos dois lados, Portugal e Moçambique. Os portugueses reinventaram nesse imperador um homem mais poderoso do que era realmente. Era preciso mostrar às potências colonizadoras rivais que Portugal tinha poderes militares para aniquilar esse império africano que, tendo sido grandioso, era já vazio e morto quando os portugueses decidiram pelo assalto final. Por outro lado, os moçambicanos precisavam de heróis nacionais e nacionalistas. E investiram na mistificação de um personagem que nunca foi realmente aquilo que hoje é proclamado.
A figura de Gungunhana, que se esfarela à medida em que se acredita na versão de seu caixão carregado de areia, seria uma representação de fragilidade de um povo?
 Não creio. A metáfora das “areias” usada para o título da trilogia refere à condição frágil não de um povo, mas do próprio imperador e do império mantido de 1884 a 1895 no sul de Moçambique. Esse império foi erguido por via de uma migração da etnia VaNguni, vinda da África do Sul para escapar da prepotência de Shaka Zulu. Esse império a que os portugueses chamaram de “Estado de Gaza” foi, como todos impérios, construído a ferro e fogo. Muitos dos povos que viviam na região ocupada rebelaram-se e foram incorporados à força. Outros foram absorvidos e colonizados pelos invasores. Não se pode, em suma, falar da fragilidade de um povo. Havia um Estado que congregava vários povos com várias línguas e várias culturas. 
Essa não foi a primeira vez que um fenômeno real inspirou tão fortemente sua escrita. 
 Já no romance O Outro Pé da Sereia, eu tinha ensaiado um registro histórico. Mas não se pode dizer que proponho ali um “romance histórico”. É antes um livro construído em diálogo com a História. Acho que o tema, no fundo, não é a História, mas a identidade e as suas construções através do tempo. Essa identidade questionada é aquela que buscamos hoje. Mas nós somos muito aquilo que já fomos. Dentro de nós, subsiste vivo um passado que ainda não passou. 
As diferenças no estilo da escrita também determinam a alternância de narradores. Como foi o processo da escrita polifônica?
É recorrente na minha escrita a existência de vozes plurais, de narradores diversos que espelham diferentes olhares sobre o mundo. Essa é a minha condição de uma pessoa distribuída entre universos. O nosso poeta José Craveirinha dizia: “não sou um homem dividido - sou uma pessoa repartida”. Partilho dessa percepção múltipla, desse mosaico de identidades. Tive de consultar fontes que eram radicalmente diferentes: do lado português, os documentos históricos que são muito ricos e produtivos. E tive que, do lado Moçambique, recorrer às fontes da oralidade. E percebi que, numa e noutra fonte, havia o registro de variadíssimas e contraditórias versões. Isso é ótimo porque encoraja o autor a escolher sua própria verdade. 
A História se mostra cada vez mais interessada em detalhes. A literatura toma o seu lugar? 
 A relação entre as pequenas histórias e a grande História já foi questionada por Guimarães Rosa, que sugeriu renomear a pequena narrativa como sendo a “estória”. A História e a estória parecem excluir-se reciprocamente. Infelizmente, o passado, que é cristalizado numa única versão oficial, aquela que aprendemos nas escolas e nas famílias, está fortemente contaminada por uma visão simplificadora e maniqueísta. Só cabem no passado os grandes heróis e os grandes traidores, num cenário que não permite nenhum espaço entre Inferno e Paraíso. Mas o grande tecido do passado foi feito por gente comum, que não teve direito à memória coletiva. Por gente que nasceu e morreu no anonimato do Purgatório. A literatura pode devolver humanidade a esses infinitos tecedores do tempo.
Você e o angolano José Eduardo Agualusa (com A Rainha Ginga) buscam mostrar como os africanos foram parte ativa em ações no passado, ao contrário do que habitualmente é mostrado, e de uma forma mais vigorosa.
Em Angola e em Moçambique, decorreram percursos históricos diferentes, mas com um grande paralelismo. São nações recentes, que precisaram de, ao mesmo tempo, atualizar e reescrever numa única temporalidade os seus passados que eram muitos e permaneceram vivos e misturados no presente. Como construir heróis, como inventar para eles uma história depurada de impurezas se os nossos avós foram seus contemporâneos? Para se criar uma nação única, é preciso ter um passado único. É isso que legitima a existência de uma voz única no presente. Mas esta recriação implica não apenas uma reelaboração da memória (e muito da obra de Agualusa trata exatamente neste tema), mas implica sobretudo um trabalho comum de esquecimento. O que devemos esquecer? Quem escolhe o que é deitado nesse abismo escuro? A verdade é a seguinte: esquecer não é um lapso, não é uma passiva ausência que tomba naturalmente como uma folha seca e morta. O esquecimento é, como a memória, uma fabricação, uma narrativa construída e partilhada. O que nos faz ser nação não é apenas o que juntos lembramos. Mas é sobretudo o que esquecemos e como esquecemos juntos. A literatura pode colocar a nu esse processo sem que intente exatamente denunciar ou proclamar verdades. O ficcionista sugere o seguinte: eis a minha obra, é uma ficção, uma mentira que diz que mente. Vale a pena perguntar quanto de ficção e falsidade se fez a história solene e oficial das nossas nações. O importante, afinal, é que essas duas construções sejam sedutoras e instigadoras de um futuro em que nos podemos recriar.
MULHERES DE CINZAS
Autor: Mia Couto
Editora: Companhia das Letras (344 págs.,R$ 39,90)
Lançamento. Sesc Pompeia. Teatro. 

R. Clélia, 93. Tel. 3871-7700. Leitura de trechos por Milton Hatoum, Mariana Lima e Maria Fernanda Cândido. Dia 25/11, 20 h. Grátis.