domingo, abril 06, 2014

COLEÇÃO HISTÓRIA DO BRASIL NAÇÃO: 1808-2010

Por Moisés Basílio Leal

Sonho de consumo historiográfico essa instigante coleção organizada pela produtiva pesquisadora Lilia Moritz Schwarcz com nomes de peso de nossa historiografia e patrocinada pela Fundação espanhola Mapfre. Tudo que essa mulher faz é sempre de boa qualidade. Porém, tenho que tomar cuidado para comprar mais do que posso ler.

Já comprei o primeiro volume, mas ainda não li. Agora que sairam o quinto e sexto volumes confesso que minha mão coçou para adquirir. Fica aqui registrada a resenha da coleção para me fazer lembrar o compromisso e lê-la em breve. 

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Fonte: Montagem feita a partir de informações do sítio da Editora Objetiva: http://www.objetiva.com.br/site2011/livro_ficha.php?id=1058 

Sobre a coleção HISTÓRIA DO BRASIL NAÇÃO: 1808-2010

A coleção História do Brasil Nação não apenas propõe uma nova leitura sobre a história do Brasil, mas proporciona as chaves para o estudo de suas conexões com a América Latina. Contando com o primoroso trabalho de renomados especialistas e a seleção de farto material iconográfico, cada volume apresenta diferentes aspectos da realidade brasileira em seus últimos duzentos anos a partir de perspectivas econômicas, políticas, sociais e culturais.

Parte de um projeto maior — intitulado América Latina na História Contemporânea — que se estende por todo o continente americano e vários países europeus, a coleção é uma iniciativa pioneira no campo historiográfico e documental e referência obrigatória para todos que estudam ou se interessam pela nossa história.

A coleção História do Brasil Nação: 1808-2010 será composta de seis volumes. Dirigida pela antropóloga, historiadora, escritora e editora Lilia Moritz Schwarcz, a obra faz parte de um projeto de amplitude ibero-americana chamado América Latina na História Contemporânea. Idealizado em parceria com a FUNDACIÓN MAPFRE e o Grupo Santillana (presente no Brasil através da Editora Objetiva), o projeto já conta até o momento com a publicação de coleções em dez países. Todas apresentam uma reflexão, por meio de textos e imagens, sobre a trajetória dos países da América Latina nos últimos duzentos anos em diversos aspectos, que abrangem população e sociedade, política, economia, cultura e relações internacionais.
História do Brasil Nação: 1808-2010 propõe não só uma leitura sintética e reflexiva sobre a história do Brasil, como também proporciona as chaves para o estudo da história comparada da América Latina, na qual o papel do único país de língua portuguesa nas Américas é fundamental. A história do Brasil - cujo nascimento como nação independente se enquadra nos complexos processos de transformação política, conhecidos pela historiografia atual como "revoluções atlânticas" - percorreu uma trajetória paralela a de seus vizinhos na América do Sul, o que, entretanto, não se refletiu em uma interação profunda entre o Brasil e os demais países latino-americanos de língua espanhola.
Embora elaborada por especialistas qualificados, a coleção pretende transcender os círculos acadêmicos especializados, para alcançar um público mais amplo. Para tal, se prestou especial atenção tanto na estrutura, como na natureza do texto e no próprio conteúdo da obra.
Sobre a coleção brasileira
Uma das características mais distintivas do projeto internacional é o fato de cada país ter elaborado e conduzido de maneira autônoma a produção de sua coleção. Apesar de todos os envolvidos seguirem uma estrutura básica que privilegia a visão de conjunto e comparativa, no Brasil a coleção se distingue por oferecer uma visão sintética, mas ao mesmo tempo rigorosa, dos grandes acontecimentos e processos históricos que marcaram a trajetória do país a partir do início do século XIX.
Alberto da Costa e Silva, José Murilo de Carvalho, Lilia Moritz Schwarcz, Angela de Castro Gomes e Daniel Aarão Reis assinam a coordenação dos cinco volumes históricos. Boris Kossoy, Lilia Schwarcz e Vladimir Sachetta são responsáveis pelo volume de fotografia e pela exposição que será apresentada em São Paulo e no Rio de Janeiro. Lúcia Garcia está à frente da pesquisa iconográfica e secretaria do projeto.
Tal como nos demais países, a coleção conta com a supervisão de conselho editorial reunido sob a direção de Pablo Jiménez Burillo e coordenação de Javier J. Bravo García. Os livros brasileiros dispõem de projeto gráfico original, de autoria de Victor Burton, além de incluírem farta iconografia no miolo dos livros e caderno de imagens colorido, ao final.
O primeiro volume da coleção, lançado agora em setembro de 2011, tem coordenação de Alberto da Costa e Silva. O volume 2, sob coordenação de José Murilo de Carvalho, chega às livrarias em fevereiro de 2012; o volume 3, sob coordenação de Lilia Moritz Schwarcz, em julho de 2012, juntamente com o volume A História do Brasil através da fotografia (que contará com 350 documentos que recobrirão desde os anos 1850 até a primeira eleição de Lula) e conta com a coordenação de Boris Kossoy. Finalmente, os volumes 4 e 5, sob coordenação de Angela de Castro Gomes e Daniel Aarão Reis, respectivamente, sairão em outubro de 2012 e março de 2013. A coleção estará, assim, completa e à disposição do público brasileiro até o primeiro trimestre de 2013. Em seguida, será toda vertida para o espanhol, de maneira a facilitar sua circulação pela América Latina.


Um olhar sobre o Brasil - A fotografia na construção da imagem da nação: 1833-2003

História
ISBN: 9788539004232
Lançamento: 01/11/2012
Formato: 23,5 X 27,5
Peso: 2350 gramas
464 páginas
Preço: R$ 159,90

O novo volume da coleção História do Brasil Nação, uma coedição da editora Objetiva com a FUNDACIÓN MAPFRE e direção geral de Lilia Moritz Schwarcz, é inteiramente dedicado à fotografia e repassa em 459 imagens os últimos 170 anos da trajetória histórica do Brasil, cobrindo o período de 1833 a 2003. Com a coordenação de Boris Kossoy, Um olhar sobre o Brasil - A fotografia na construção da imagem da nação: 1833-2003 inclui imagens emblemáticas, selecionadas a partir de um extenso garimpo em arquivos públicos e coleções privadas, que demarcam o aparecimento da fotografia no país e sua crescente importância para a historiografia nacional. 



Parte da série de seis títulos sobre a História do Brasil entre 1808 e 2010, concebida para o projeto América Latina na História Contemporânea, realizada pela FUNDACIÓN MAPFRE, o livro integra ainda a exposição homônima de fotos no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, com inauguração no dia 12 de novembro, reproduzindo em grande escala as imagens selecionadas para este volume. A mostra segue a cronologia apresentada no livro, de acordo com os principais fatos históricos do país. 
O ano de 1833 é o ponto de partida do livro com as experiências precursoras de Antoine Hercule Romuald Florence (1804–1879) em Campinas. Antoine foi o primeiro a concretizar experiências fotográficas nas Américas, simultâneas às que se realizavam na Europa. É, no entanto, no Segundo Reinado que a técnica ganha impulso com o apoio do imperador D. Pedro II, ele próprio um aficionado pelas possibilidades da tecnologia.
O século XX foi marcado pela primazia da imagem. A fotografia ganhou as ruas e os meios de comunicação, flagrando de perto os momentos marcantes do Brasil e do mundo. O advento do Estado Novo, a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, a construção de Brasília, o clamor das massas pela redemocratização; em todos esses momentos a fotografia teve papel crucial para documentar e repercutir a história. Líderes populares como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, Leonel Brizola e Luiz Inácio Lula da Silva também posaram para as lentes, gerando imagens que se tornaram ícones de diferentes fases da história recente.
Em seu texto de apresentação do volume, Kossoy destaca o aparecimento da fotografia no século XIX e sua relevância na vida cotidiana da sociedade, tornando-se um fenômeno não só artístico, mas comercial. Além de fixar tipos humanos, o advento tecnológico passou a imortalizar espaços urbanos, rurais e a natureza local.
“Trata-se de um conjunto que documenta aspectos expressivos de fatos sociais, políticos, culturais, religiosos, científicos, artísticos, entre tantos outros, fios que tecem a trama histórica de uma nação. Nosso objetivo é a reflexão acerca das conexões mais profundas desses fatos, apenas sugeridos pelas imagens; a fotografia é uma fonte preciosa de informação; trata-se, não obstante, de um conhecimento de aparência (...) Um conhecimento que parte da superfície iconográfica e tanto mais nos revela quanto mais buscamos sua realidade interior”, reflete Kossoy.
Na América Latina, o Brasil é um dos países com maior acervo fotográfico ao longo do século XIX e XX. A fotografia substituiu as aquarelas e quadros pintados pelos viajantes da primeira metade do século XIX. Segundo Kossoy, a principal contribuição desses fotógrafos foi permitir registro iconográfico de diferentes aspectos do passado, que possibilitaram a preservação para a posteridade das feições do brasileiro comum, do campo e da cidade, assim como a aparência de logradouros, moradias e ruas. 
Entre eles, Kossoy destaca nomes como Augusto Riedel, A. Frisch, Benjamin Mullock, Victor Frond, Augusto Stahl, J. Otto Niemeyer, Marc Ferrez, Militão Augusto de Azevedo, Guilherme Gaensly, entre muitos outros, que produziram uma extensa documentação visual do país.
Em seu texto de introdução para o livro, a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz chama a atenção para a ampliação das possibilidades documentais, expandindo a própria noção de arquivo e de acervo para além das bases escritas. “Hoje nos arriscamos a produzir conhecimento a partir da análise de objetos de cultura material como moedas, lápides, telas, esculturas, além das fontes literárias, obras teatrais e, tomando um lugar cada vez mais importante, as fotografias.”, explica.
Lilia ressalta a presença de imagens de momentos históricos marcantes, como o registro da multidão concentrada no Paço Imperial para a assinatura da Lei Áurea, em 1888. Há também imagens corriqueiras, que apresentam o dia a dia da população brasileira, como, por exemplo, a foto de um homem sendo carregado numa liteira por escravos.

Modernização, ditadura e democracia: 1964-2010 – HISTÓRIA DO BRASIL NAÇÃO – 1808-2010 – VOL. 5


História
ISBN: 9788539005536
Lançamento: 01/04/2014
Formato: 16 x 23
320 páginas
Preço: R$ 49,90

Os seis volumes da coleção HISTÓRIA DO BRASIL NAÇÃO reúnem 27 renomados autores brasileiros que, pela primeira vez, atuam juntos em um mesmo projeto. Ilustrada com rico material iconográfico, alia linguagem acessível e rigor na pesquisa documental, apresentando textos que expõem singularidades e novas abordagens da história do Brasil. Integrada ao projeto América Latina na História Contemporânea, idealizado pela FUNDACIÓN MAPFRE, esta coleção vem sendo realizada em mais de dez países e discute, de forma abrangente, os grandes acontecimentos e processos históricos que marcaram as repúblicas latino-americanas desde a sua independência.

O início dos anos 1960 foi um divisor de águas na história do Brasil. A sociedade brasileira se viu dividida entre dois modelos opostos. De um lado, um projeto reformista revolucionário. De outro, o medo da revolução social e do caos. Prevaleceu a opção conservadora e instaurou-se no país uma ditadura civil-militar. De lá para cá, muita coisa mudou, mas o legado de sucessivos governos autoritários ainda permanece em variados aspectos de nossa sociedade. A redemocratização, iniciada nos anos 1980, ampliou a cidadania sem que o Estado perdesse o protagonismo. Os anos 2000, embora não tenham resolvido nossas tantas desigualdades sociais, promoveram o encontro das classes populares com o país e seus símbolos.
Questionando algumas interpretações consagradas desses anos tão conturbados, cinco renomados pesquisadores — Herbert S. Klein, Francisco Vidal Luna, Francisco Carlos Teixeira da Silva, Paul Singer e Marcelo Ridenti —, sob a coordenação de Daniel Aarão Reis, analisaram, em Modernização, ditadura e democracia: 1964-2010 – HISTÓRIA DO BRASIL NAÇÃO – VOL. 5, as profundas transformações que ocorreram de 1964 até o fim dos anos 2000, detendo-se no caráter transicional (e paradoxal) dos eventos mais marcantes desses quase cinquenta anos de história.


sábado, abril 05, 2014

ADEUS AO GRANDE MEDIEVALISTA LE GOFF

Por Moisés Basílio

Li alguns livros e também muitos capítulos em cópia - vício de nossas faculdades - do Le Goff durante minha formação acadêmica, fiz trabalhos escolares, discussões em salas de aula, mas foram nos incontáveis diálogos com os amigos e professores, muitos deles regados com cervejas, vinhos etc. nos bares da vida, sobre as coisas das História e da Historiografias que me fizeram entrar n'alma as ideias do mestre Le Goff sobre as coisas da Idade Média. 

Depois Le Goff continuou a me acompanhar com sua farta bibliografia durante os anos 17 anos em que exerci continuamente o magistério de professor de História na escola de educação básica, nos cursinhos preparatórios para os vestibulares e também em várias palestras gerais que ministrei nesse mundo afora. 

E agora, nesse momento da vida quando a História já não é mais meu instrumento de trabalho cotidiano, mas sim meu deleite diário, volta e meia me vejo diante de algum livro seu que ainda não li, ou frente um novo lançamento. Por isso, nesse primeiro de abril um sentimento de tristeza bateu em mim ao saber de sua morte. Axé Le Goff!
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Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo - 01 de abril de 2014 | 10h 47  http://www.estadao.com.br/noticias/arte-e-lazer,historiador-jacques-le-goff-morre-aos-90-anos,1147726,0.htm  

Historiador Jacques Le Goff morre aos 90 anos

Ele era uma das principais referências da antropologia medieval


O historiador francês especializado na Idade Média Jacques Le Goff, um dos idealizadores da corrente conhecida como "Nova História", morreu nesta segunda-feira, 31, de acordo com a família. Le Goff dedicou boa parte de sua carreira à antropologia medieval, disciplina que enriqueceu ao abordar todos os aspectos da vida em sociedade. 
Dentro da tradição dos grandes historiadores franceses, não hesitava em sair de sua especialidade para opinar sobre temas atuais. Nascido em 1º de janeiro de 1924, o historiador sucedeu Fernand Braudel na direção da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em 1972. A partir dos anos 70 foi um dos pais do movimento "Nova História", com uma reflexão sobre a profissão do historiador em ensaios como "Faire de l'histoire" (1986, Fazer História, com Pierre Nora) ou "Histoire et mémoire" (História e memória, 1988).
Dois de seus livros foram lançados recentemente no Brasil, A Idade Média e o Dinheiro (Ed. Civilização Brasileira) e Homens e Mulheres da Idade Média (Ed. Estação Liberdade), tema de reportagem do Caderno 2 no último sábado, 29. No primeiro, ele retrata o nascimento do capitalismo através da religião cristã, enquanto no segundo Le Goff disseca o imaginário do homem medieval, tendo como fio condutor santos, heróis e figuras mitológicas. (Com informações da AFP)
Veja uma resenha dos dois mais recentes livros do Le Goff lançados no Brasil:

quinta-feira, abril 03, 2014

PÉROLA IMPERFEITA: A HISTÓRIA E AS HISTÓRIAS NA OBRA DE ADRIANA VAREJÃO

Por Moisés Basílio,

Um bela dica de leitura que aqui vai resenhada por Antonio Gonçalves Filho do Estadão. E é com muito prazer que compartilho aqui nesse espaço com vocês, meus caros leitores. 

Ainda não adquiri o livro, mas com certeza ele já está na minha lista de desejos para 2014.

Axé!
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Pintura de Adriana Varejão é analisada em livro

Artista lança obra em e revê a miscigenação em mostra que abre em São Paulo

Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo - 02 de abril de 2014 | 20h 00

Antonio Gonçalves Filho - O Estado de S. Paulo
Leitora dos livros da antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz, a pintora Adriana Varejão, que a conheceu numa ponte aérea entre Rio e São Paulo, pediu a ela que escrevesse um texto para seu livro Entre Carnes e Mares, publicado há cinco anos pela editora Cobogó. Nele, Lilia analisava a presença do barroco e a desconstrução da história do Brasil nas telas da artista, que começou sua carreira há quase 30 anos. A parceria deu tão certo que, cinco anos depois, surge um novo livro da dupla, Pérola Imperfeita: A História e as Histórias na Obra de Adriana Varejão. O livro, publicado em conjunto pela Cobogó e Companhia das Letras. Simultaneamente, será aberta, no sábado, sua exposição Polvo, no Galpão Fortes Vilaça.

Há cinco anos sem expor no Brasil, a pintora apresenta na mostra telas da série Polvo Portraits, pinturas faciais geométricas de inspiração indígena que redefinem um mesmo rosto de mulher com traços de diferentes cores. Um conjunto de tintas idealizado pela artista com base na cor da pele do brasileiro complementa a exposição, para a qual foi criada a marca fantasia Polvo. O marco zero da mostra foi uma pesquisa realizada pelo IBGE em 1976, em que o instituto introduziu a questão "qual é a sua cor?", ouvindo dos pesquisados as mais extravagantes respostas, todas desafiando o bom senso etnográfico.

Com base na pesquisa, Adriana selecionou 33 dessas exóticas cores dos brasileiros ("café com leite", " queimada de sol" e "enxofrada", entre elas) e mandou confeccionar uma caixa com 33 tubos de tinta, usados nos 45 retratos expostos na mostra. Múltiplo com tiragem de 200 exemplares, esse estojo de pintura contribui para o lado conceitual de uma exposição de retratos – do rosto da artista – encomendados a outros artistas. São suas intervenções que marcam a autoria desse trabalho.

Reinterpretação, aliás, caracteriza toda a obra de Adriana Varejão, uma "devoradora de imagens de livros", na definição de Lilia Schwarcz, que recontou a história do Brasil em pinturas paródicas cujas vítimas preferenciais foram os pintores viajantes. De Eckhout a Taunay, passando por Debret, todos eles foram usados na ficção visual da artista carioca, lembrada por seu canibalismo amoroso e anticolonialista.

Qual é a cor da pintora carioca Adriana Varejão? Branquinha? Nem sempre. Na série de retratos Polvo, ela deveria pintar um autorretrato para se auto conhecer – meta, aliás, do tradicional gênero de pintura. Mas preferiu encomendar a pintura de seu rosto a outros retratistas e interferir nele com pinturas geométricas indígenas, que usam 33 cores de tinta da marca fantasia Polvo, criada por ela. Assim, a "branquinha" se transforma na "moreninha", na "fogoió" e na "queimada de sol", cores levantadas pelo censo do IBGE de 1976 e ponto de partida da exposição Polvo, aberta a partir de sábado no Galpão Fortes Vilaça.

O conjunto de retratos mantém vínculo estreito com trabalhos anteriores de Adriana Varejão, de assumido caráter expressivo, paródico e ancorado na estética barroca. Com tantos nomes de cores e todos os 136 matizes de peles mencionados na pesquisa do instituto oficial, a questão racial é diluída, observa a pintora, que se interessou pelo trabalho da historiadora Lilia Schwarcz justamente após ler seu livro O Espetáculo das Raças (1993). Nele, a historiadora mostra como a imagem do Brasil – a de um grande laboratório racial no século 19 – mais estigmatizou do que ajudou a construir uma democracia mestiça.

Canibalismo. Há provas artísticas de como a noção de superioridade racial foi disseminada por perversos darwinistas no país da cobra grande. Num trabalho anterior, Testemunhas Oculares (1997), Adriana se fez retratar por uma pintora acadêmica como uma índia, uma chinesa e uma moura. Faltou a branca, justamente a que iria classificar e ordenar as demais, segundo conta Lilia no livro Pérola Imperfeita.

A índia, observa a historiadora, veio de Eckhout, que costumava retratar canibais levando pernas e mãos decepadas para piqueniques na floresta. A moura veio de Delacroix, um ótimo pintor e péssimo orientalista. Complementando o trabalho, três pares de olhos em porcelana e prata camuflavam cenas do belga Theodor de Bry, todas registrando atos de canibalismo praticados pelos nativos. Detalhe: nas três Adrianas que representam três diferentes raças, foram arrancados um dos olhos, "como faziam as senhoras dos escravos, invejosas das mucamas, amantes de seus maridos", lembra Lilia Schwarcz.

Subversão. A pintura de Adriana é feita de imagens de violência e canibalismo. É uma réplica da história sangrenta registrada pelos pintores viajantes e por artistas que jamais pisaram no Brasil, como Theodore de Bry (1528-1598), um ourives e gravador fascinado pelo Novo Mundo, que retratou cenas de canibalismo relatadas por Hans Staden. De Bry teve de fugir para a Alemanha, perseguido por católicos espanhóis. "Uso essa iconografia para subverter", nota a artista. E subverte mesmo, acentua a historiadora Lilia Schwarcz, citando o exemplo de sua intervenção na paisagem brasileira idealizada por Taunay, destruída pela inserção de blocos de tinta vermelha assemelhados a nacos de carne.

Há no livro outros exemplos de subversão, como duas pinturas que fazem uma releitura erótica de Debret. Em duas telas denominadas Filho Bastardo (uma de 1992 e outra de 1995), é possível identificar um senhor de escravos de um aquarela de Debret, Um Jantar Brasileiro (1827), seviciando a escrava. Numa outra releitura, é um padre católico que assume o estupro. Nada disso passou pela cabeça de Debret, um neoclássico. "A gente aprendeu a ver o Brasil a partir do olhar estrangeiro", observa Lilia Schwarcz, destacando o papel de Adriana como "detonadora de dúvidas", uma pintora que vem "problematizar", mais do que explicar.

Barroca. É essa tensão entre o neobarroquismo de Adriana e o ideal neoclássico debretiano que transforma a visão do sistema escravocrata brasileiro na época colonial. Em Debret, os escravos são atletas, segundo a historiadora. Na reinterpretação de Adriana, eles são vítimas de sevícias. O "não dito" em Debret vira um grito estridente nas pinturas da carioca. A historiadora conta que se interessou por sua obra pela irreverente interpretação dos azulejos portugueses – que, aliás, são belos exemplos de caninalismo artístico, roubando o azul da porcelana chinesa. "Até inventei o verbo azulejar para definir a obra de Adriana, porque ela pavimenta um caminho em que dialoga diretamente com o barroco, alterando o contexto original dessas obras, ou seja, sem saudosismo ou sentimento nostálgico".

Adriana diz que o barroco é "sensacional" e que grandes gênios da arte latina – Aleijadinho, por exemplo – provam como a miscigenação deu certo abaixo do Equador. "Sou produto disso e me sinto constantemente inspirada pela teatralidade, pela paixão do barroco". Esse canibalismo estético é ditado pelas leis de antropofagia oswaldiana, ou seja, pela constatação modernista de que nunca fomos civilizados e vivemos canibalizando outras culturas, o que nos transforma em seres mais fortes, alimentados pelo espírito do inimigo. A erotização tropical entra como um elemento a mais (como na livre releitura de Debret, em que o padre estupra a negra).

Após o desmonte da iconografia construída pelos pintores viajantes, Adriana agora leva para o estrangeiro sua nova produção. Ela abre duas mostras nos EUA: uma em Nova York, na Lehmann Maupin Gallery (dia 24) e outra em Boston, no ICA Boston, dia 18 de novembro.
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Lilia Moritz Schwarcz e Adriana Varejão
Número de páginas:
360
ISBN:
978-85-60965-53-3
Encadernação:
Capa dura
Formato:
21 x 26 cm
Ano de edição:
2014

R$ 90,00

Pérola imperfeita: A história e as histórias na obra de Adriana Varejão

Em Pérola imperfeita: A história e as histórias na obra de Adriana Varejão, a antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz percorre os caminhos de pesquisa e construção da obra de Adriana Varejão, tecendo um diálogo entre a releitura da história por parte da artista e as várias possibilidades narrativas enredadas nesse processo criativo. Este livro feito a quatro mãos pela artista e pela antropóloga, perpassa a colonização europeia na América, a reconfiguração da tradicional azulejaria portuguesa, a miscigenação e o contato direto com a cultura Yanomami, entre muitos outros caminhos. Aqui, texto e imagem disputam o mesmo espaço, aprofundando a reflexão sobre as relações entre a história e a arte.