segunda-feira, novembro 30, 2009

APOIO À LUIZA ERUNDINA

Comentários Moisés Basílio: Estou solidário à causa da nossa Luiza Erundina. Como diz aquela palavra de ordem: Luiza é minha amiga, mexeu com ela, mexeu comingo. Vamos reparar essa injustiça da "justiça". Axé!

Luiza, apoio você


Publicado em 25/11/2009

Em nome da CONTEE, a Coordenadora Geral, Madalena Guasco Peixoto, juntamente com a Secretária de Formação e Políticas Sociais da entidade, Rita Fraga, assinam manifesto de apoio e solidariedade à deputada federal Luiza Erundina, convocando as entidades filiadas à Confederação e demais organizações de trabalhadores e da sociedade civil a colaborarem com a companheira Erundina – condenada, em última instância, a indenizar a Prefeitura de São Paulo, em 350 mil reais, por imprimir panfletos a respeito de uma greve de trabalhadores em 1989, época em que governava a cidade.

Luiza Erundina é professora, mestre em Ciências Sociais, ex-vereadora, ex-prefeita da maior cidade do Brasil, e atualmente deputada federal. Sua trajetória de vida sempre foi de luta. No auge da ditadura militar, em 1971, veio para São Paulo, onde retomou sua atividade como professora, prestou concurso público e foi nomeada assistente social da Prefeitura. Na periferia da cidade reencontrou, em situação de pobreza, o povo nordestino e se empenhou no trabalho de conscientização e organização dessa a comunidade tão necessitada.

Em 1979, assumiu a presidência da Associação Profissional das Assistentes Sociais de São Paulo e, junto com o metalúrgico Lula, fundou o Partido dos Trabalhadores. Três anos depois, foi eleita vereadora por São Paulo e, em 1986, deputada estadual. No mesmo ano, em 16 de novembro, superando todos os prognósticos, tornou-se a primeira mulher a ocupar o cargo de Prefeita da capital paulista. Tendo sido eleita com 1.534.547 votos. Em 1999, elegeu-se deputada federal, função que exerce até hoje pelo Partido Socialista Brasileiro.

Aos 74 anos de idade, Luiza Erundina dedicou 51 anos a uma vida política limpa e íntegra, sempre em defesa da democracia e de uma administração pública que garantisse direitos e melhorasse as condições de vida dos trabalhadores. Não enriqueceu. Nunca foi acusada por fraude, desvio de verbas, superfaturamentos ou outras questões que, infelizmente, por vezes rondam a carreira de alguns políticos no Brasil e no mundo.

Porém, após anos de dedicação à vida pública, enfrenta hoje difícil situação. Em 2009, Erundina foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a repor, pessoalmente, o elevado valor de R$ 350 mil reais aos cofres da Prefeitura de São Paulo, em função de uma ação popular movida contra ela, há mais de 20 anos, por publicar na mídia impressa, em 17 de março de 1989, durante sua gestão como Prefeita da cidade, uma avaliação sobre uma Greve Geral, ocorrida nos dias 14 e 15 de março daquele ano. (Leia AQUI o conteúdo do panfleto que originou a ação)

Tal greve havia sido convocada em protesto contra o chamado “Plano Verão”, uma das últimas tentativas do então presidente José Sarney de salvar o Plano Cruzado. Com a condenação (Nº do processo nº 053.89.707367-9 controle 159/89 – 1ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo), a ação foi encerrada e não cabe mais recurso.

Em função disso, Luiza já teve seus bens penhorados, como o apartamento onde mora (seu único imóvel), seu carro e ainda 10% da remuneração mensal que recebe como deputada. Entretanto, o pequeno patrimônio da ex-prefeita é inferior ao total da dívida.

Por isso, a CONTEE soma-se a outras entidades e organizações numa Campanha de apoio, solidariedade e justiça à companheira Luiza Erundina, em nome dos que acreditam, lutam e não abrem mão de seus ideais. Afinal, independentemente de inclinação ou convicção político-partidária, não podemos negar sua contribuição e exemplo de integridade e responsabilidade na vida pública. Portanto, a CONTEE e os Sindicatos de Professores e Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino do Setor Privado de todo o Brasil divulgam, junto as suas categorias, a adesão à Campanha:

LUIZA, APOIO VOCÊ!
Aos interessados em contribuir com doações para a quitação da dívida, há uma conta corrente disponível:

Nome da C/C: LUIZA, APOIO VOCÊ
Banco do Brasil
Agência: 4884-4
C/C: 2009-5
CPF: 004.805.844-00 (para depósito via internet)

É possível obter outras informações no Blog: http://www.amigosdaerundina.com.br/

Madalena Guasco Peixoto
Coordenadora Geral

Rita Fraga
Secretária de Formação e Políticas Sociais

Foto: Agência Câmara

terça-feira, novembro 24, 2009

OS NEGROS E OS DESAFIOS ATUAIS DA CARREIRA ACADÊMICA


Comentários Moisés Basílio: 
Esse depoimento da Professora Dra. Sonia Guimarães põe em relevo um novo desafio para os negros brasileiros neste início de século XXI. Se a luta do século XX foi a do acesso do negro ao ensino superior, agora o salto de qualidade é além da graduação, criar condições para que mais afrodescendentes façam carreira acadêmica como pesquisadores. 
Mas, o desafio é mais do que ter negros pesquisadores na academia. Precisamos também, que as temáticas  e questões relacionadas com a cultura afrodescendente adentrem a academia de maneira significativa, em todas as áreas do conhecimento, e amplie nossas percepções das ciências para além do padrão eurocêntrico. Axé! 




Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo - caderno Estadão.EDU - 24/11/2009

Inclusão acadêmica

Em artigo, Sonia Guimarães, professora do ITA e conselheira da Afrobras, diz que para negros, a graduação não basta, 'é preciso fazer carreira em pesquisa'
Sonia Guimarães -professora do ITA e conselheira da Afrobras


'Na faculdade éramos 5 negros num universo de 1.500 alunos.'

'Na faculdade éramos 5 negros num universo de 1.500 alunos. Este ano, no ITA, tive apenas uma estudante negra, e, mesmo assim, ela trancou a matrícula'
 "Quando entrei como professora no Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o ITA, era a única negra no Departamento de Ensino Fundamental. Ser a única negra foi uma situação que se repetiu em minha vida acadêmica. Essa estrada pode ser um pouco solitária, mas é muito importante que se tenha em mente que a razão dessa solidão jamais é falta de competência ou inteligência.

Existe, sim, uma política de exclusão das pessoas de pele negra, é uma política centenária – e muito efetiva. Brigamos com um século de injustiça. Em minha carreira acadêmica, as coisas não foram fáceis, e talvez para muitos negros jovens hoje também não sejam.

 O ensino superior, mesmo sendo uma realidade mais próxima, por conta de programas de cotas e do ProUni, ainda é o teto para muita gente. Não deveria ser mais assim. É possível ter uma carreira acadêmica bem-sucedida e ir além do grau superior. Posso contar um pouco a minha experiência. Quem sabe isso não anima outros jovens, negros e de famílias que não podem custear seus estudos?

 Tive alguma sorte. Durante o ensino médio, trabalhei meio período. O resto do tempo eu estudava. O que ganhava pagava o cursinho para a faculdade, portanto qualquer dinheiro a mais de que eu precisasse recorria à minha mãe, que tinha um bufê. Ela conseguiu também me manter estudando desde o dia em que coloquei os pés na universidade.

 Eu me formei em Física, na Universidade Federal de São Carlos, fiz mestrado em Física Aplicada em Células Solares na USP de São Carlos. Meu doutorado fiz em Bolonha, na Itália, em junções super-rasas, com aplicação em microeletrônica. Finalizei o meu doutorado em Manchester, Inglaterra, em materiais semicondutores. Hoje, sou professora de física na Divisão de Engenharia Eletrônica do Departamento de Micro-ondas, no ITA. Sou gerente do Projeto de Sensores de Radiação Infravermelha no Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE).

 Na minha carreira participei de 17 congressos nacionais, 5 internacionais, tenho 11 publicações em revistas científicas internacionais. Dois de meus artigos mereceram citações da Nasa.

 Todos esses anos venho me dedicando à pesquisa e ao ensino. Com tudo isso, vocês devem estar se perguntando: “E o fato de ser mulher e negra não atrapalhou em nada?”

 Durante o tempo em que fui estudante eu não reparei muito, não. O que é muito perceptível é a presença ínfima de negros no ambiente universitário. Desde a pré-escola até o dia que eu defendi minha tese de doutorado, não me lembro de nenhum professor negro.

 Na faculdade éramos 5 num universo de 1.500 alunos. Fora do Brasil também é assim. No último congresso ao qual compareci, em Utah, nos Estados Unidos, o outro negro era francês. Na Inglaterra, onde fiz meu doutorado, éramos 3 negros brasileiros. Em 1993, no primeiro ano em que dei aula no ITA, tinha 3 alunos negros. Este ano, tive apenas uma aluna negra e, mesmo assim, ela trancou a matrícula.

 Se você é negro, seguir uma carreira não vai ser fácil. Mas ficar posando de vítima não vai atrair a simpatia de ninguém. É importante pensar que, quanto mais difícil for a caminhada, maior vai ser o valor do sucesso. E, quando tudo parecer perdido, continue lutando. O sucesso pode estar mais perto

ENEM E A MEDIÇÃO DO DESEMPENHO DOS PARTICIPANTES - O USO DA TRI

Comentários Moisés Basílio: 
A edição do ENEM de 2009 introduz uma grande mudança que é a medição do desempenho dos alunos utilizando o modelo denominado Teoria da Resposta ao Item - TRI. Já comentei com meus alunos do Educafro essa mudança, que o bom e didático artigo a seguir nos ajudará a compreender melhor. Axé!



Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo - caderno Estadão.educ - 24/11/2009
Matemática pura: calcule usando TRI

O '181º teste do Enem talvez seja o mais difícil de todos: entender a forma de cálculo da nota

Elida Oliveira - Especial para o Estadão.edu


SÃO PAULO - Nos dias 5 e 6 de dezembro, 4,1 milhões de estudantes vão prestar o novo Enem. Vamos supor que entre eles estarão Joana e Maria, ambas de 17 anos. Joana acerta 100 das 180 questões do exame e ganha a pontuação x. Maria também acerta 100 questões, mas sua pontuação é x menos 1. Joana vai entrar na universidade. Maria, não. Pode parecer estranho, mas haverá milhares de casos assim.



A explicação para isso está na Teoria da Resposta ao Item, a TRI, conjunto de modelos matemáticos na qual o Enem se baseia. Com a TRI, a nota de cada aluno será diferente, mesmo com um número de acertos idêntico.



“Teremos uma quantidade enorme de combinações possíveis para 100 acertos em 180 questões. Cada aluno terá um traço latente diferente”, diz Dalton Francisco Andrade, doutor em Bioestatística pela Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos.

Traço latente?

Andrade explica: o traço representa o nível de conhecimento do aluno, a chamada proficiência adquirida. Tudo muito complicado, mas o tal traço fará diferença para Joana e Maria. O desempenho delas foi diferente porque Maria acertou questões incompatíveis com seu perfil de habilidades – na base do chute.

“Há um mito de que questões difíceis valem mais. Mas tudo depende da questão e do traço latente do aluno”, diz Mário Baldochi, diretor do cursinho COC Ribeirão Preto. “Fácil” e “difícil”, nesse caso, não são conceitos teóricos: todas as questões do Enem já foram testadas com grupos de alunos para se determinar seu grau de dificuldade.

Por isso, se o candidato acertar questões fáceis e difíceis no Enem, palmas para ele. Mas quem acertar só fáceis terá vantagem sobre quem acertar só difíceis. Faz sentido: como alguém domina temas complicados se erra os simples?

Na prática, os candidatos devem ter muita atenção em cada teste. Errar questões fáceis terá peso maior que numa prova convencional. “Quanto maior o número total de acertos, maior a nota em cada questão”, diz Tadeu Terra, diretor corporativo da Editora COC. Ou seja, pura matemática.

Enem em foco

Professores que coordenaram simulados dão dicas sobre como administrar o tempo e a melhor estratégia para fazer o exame

OLHO NO RELÓGIO

Prova 1 - 4h30
90 questões - 2,3 minutos/cada

A cada hora de prova, o aluno precisa manter o ritmo e resolver 22 ou 23 questões. Não deve esquecer o tempo de passar as respostas para o gabarito

Prova 2 - 5h30

Redação - 1 hora
A recomendação é dar uma lida na redação, esboçar o texto e partir para questões objetivas. Só depois disso o candidato deve passar a redação a limpo e as questões para o gabarito

domingo, novembro 22, 2009

EDUCAÇÃO NO GOVERNO LULA

Comentários Moisés Basílio: 
Nosso atual ministro da educação, nesse artigo, faz um balanço da gestão do governo Lula e seu legado para a área em oito pontos, que pelas emendas constitucionais 53 e 59, também foram incorporadas ao texto constitucional, caracterizando assim com mudanças estruturais.  
O primeiro ponto que o ministro destaca é o ensino obrigatório na faixa etária entre 4 e 17 anos, que na minha modesta opinião por significar uma perda para Educação Infantil e um ganho para o Ensino Médio. Perda para a Educação Infantil, pois só parte dela entre no processo de universalização, o que significa que as crianças abaixo de 4 anos não terão constituicionalmente seus direitos à educação garantidos. 
Há também aqui uma disputa de concepção entre os conceitos de Educação Infantil e Ensino Escolar/Pré-Escolar, que em outras palavras se traduz em que momento deve-se iniciar o processo de escolarização da criança pequena. Aos 7 anos, como foi até bem pouco tempo? Aos 6 anos, como vai acontecer nas escolas públicas a partir de 2010 e citado como avanço pelo ministro no ponto sete? Ou talvez, aos 4 anos, como deixa subentendido o ministro no ponto um, ao expliciar a obrigatoriedade do ensino a partir dos 4 anos de idade. 
O ministro destaca nos pontos 2, 3, 5 e 6 medidas relacionadas ao financiamento da Educação Pública no país. Eis aí o grande nó de nossa política educacional nacional, pois sem recursos não é possível realizar uma reforma ou revolução educacional. Confesso não ter os instrumentos necessários para abalizar se tais medidas são a mais adequadas as necessidade educacionais. 
O ponto 4 trata do piso salarial nacional para o magistério, que é excelente para as regiões mais pobres do país, mas que não resolve o problema salarial do conjunto do magistério, que hoje para obter um renda para sua sobrevivência é obrigado a ter dupla ou tripla jornada de trabalho, o que sem dúvida prejudica a qualidade do seu trabalho.  
São alguns parcos comentários para dialogar com o artigo do ministro da Educação, que tem sido um dos mais produtivos do governo LULA. 
Axé!


Fonte: Folha de S. Paulo,Tendências/Debates, domingo 22/11/2009.
Educação e Constituição

FERNANDO HADDAD, 46, advogado, mestre em economia e doutor em filosofia, é professor de ciência política da USP e ministro da Educação.

As novas gerações hão de notar o sentido progressista em que foi reescrito o capítulo consagrado à educação em nossa lei maior


UMA BOA maneira de julgar a atuação de um governante numa área específica é avaliar as mudanças constitucionais avalizadas por sua base de sustentação, sem a qual é impossível aprovar uma emenda constitucional, com ou sem o apoio da oposição.
O governo Lula aprovou, com o apoio da oposição, duas emendas constitucionais (nº 53 e nº 59) que alteraram significativamente oito dispositivos da maior relevância para a educação.
1) Obrigatoriedade do ensino dos quatro aos 17 anos. Nesse particular, nossa Constituição está entre as mais avançadas do mundo. Em editorial, esta Folha defendeu a seguinte tese: "Falta uma medida ousada, como estender a obrigatoriedade para todo o ensino básico, até a terceira série do nível médio". Cinco meses depois, a emenda constitucional promulgada vai além, ao garantir a universalização da pré-escola, sem o que a obrigatoriedade do ensino médio se tornaria pouco factível.
2) Fim da DRU da educação. A Desvinculação de Receitas da União retirava do orçamento do MEC, desde 1995, cerca de R$ 10 bilhões ao ano. Depois da tentativa frustrada de enterrá-la por ocasião da prorrogação da CPMF, em 2007, o Congresso finalmente pôs fim à DRU, valendo-se dos últimos três orçamentos de responsabilidade do governo Lula.
3) Investimento público em educação como proporção do PIB. O atual Plano Nacional de Educação (PNE 2001-2010) previra a "elevação, na década, por meio de esforço conjunto da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, do percentual de gastos públicos em relação ao PIB, aplicados em educação, para atingir o mínimo de 7%".
O dispositivo foi vetado, em 2001, com o seguinte argumento: "Estabelecer, nos termos propostos, uma vinculação entre despesas públicas e PIB, a vigorar durante exercícios subsequentes, contraria o disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal".
A saída para o próximo PNE foi aprovar norma de hierarquia superior. Com a emenda constitucional nº 59, torna-se obrigatório o "estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do PIB".
4) Piso salarial nacional do magistério. O Pacto pela Educação, firmado em 1994 no Palácio do Planalto, previa a fixação de um piso salarial para todos os professores do país. Renegado, o compromisso, enfim, tornou-se realidade. Em 1º de janeiro de 2010, o piso deverá ser totalmente integralizado e observado por todos os Estados e municípios.
5) Fundeb. O Fundo da Educação Básica, que substituiu o Fundef, multiplicou por dez a complementação da União que visa equalizar o investimento por aluno no país, além de incluir as matrículas da educação infantil, do ensino médio e da educação de jovens e adultos, desconsideradas pelo fundo anterior, restrito ao ensino fundamental regular.
6) Repartição e abrangência do salário-educação. Os recursos do salário-educação, mais do que duplicados, antes destinados apenas ao ensino fundamental, podem, agora, financiar toda a educação básica, da creche ao ensino médio, e sua repartição passou a ser feita entre Estados e municípios pela matrícula, diretamente aos entes federados.
7) Ensino fundamental de nove anos. As crianças das camadas pobres iniciam agora o ciclo de alfabetização na mesma idade que os filhos da classe média, aos seis anos, garantindo-se o direito de aprender a ler e escrever a todos.
8) Extensão dos programas complementares de livro didático, alimentação, transporte e saúde escolar, antes restritos ao ensino fundamental, para toda a educação básica, da creche ao ensino médio. Pode soar inacreditável, mas, até 2005, os alunos do ensino médio público não faziam jus a nada disso.
Mesmo que fosse possível deixar de lado as reformas infraconstitucionais no nível da educação básica, profissional e superior enfeixadas no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), a profundidade dessas mudanças estruturais já justificaria um governo.
No tempo certo, as novas gerações se debruçarão, com o distanciamento devido, sobre um evento tão cheio de significado histórico quanto a presidência de Lula, suas semelhanças e colossais diferenças, e hão de notar o sentido progressista em que foi reescrito o capítulo consagrado à educação na nossa lei maior.


domingo, novembro 15, 2009

ARTE AFRICANA: RACISMO E IGNORÂNCIA BRASILEIRA

Comentários Moisés Basílio:
O professor Cerqueira Leite vai direto ao centro da questão: Se a arte africana é referência na Europa e nos EUA, por que é relegada no Brasil? Ele mesmo se aventura em respoder a sua própria questão: "Será que ainda somos estigmatizados pelos obsoletos conceitos desenvolvidos durante o colonialismo eurocêntrico? Ou, talvez, seja por mera ignorância desse legado fabuloso que constitui a arte negra." 
Em minha opinião, as duas respostas do professor Cerqueira Leite são corretas e complementares, pois os preconceitos, a discriminção, o racismo andam de mãos dada com a ignorância.
Uma coisa que eu não entendi nesse artigo, foi a crítica velada que o professor Cerqueira Leite faz ao Museu de Cultura Afro-brasileira de São Paulo. Já fui várias vezes nesse museu que fica no Parque do Ibirapuera em São Paulo e admito que gostei muito do que vi, mas por não ser especialista, não tenho elementos para dimensionar a validade da critica. Axé!


Máscara das etnias Dogon do Mali













              Máscara etnia Fang do Gabão.
Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo, 15/11/2009 - Caderno Cultura, p.D6.

Arte africana, influente e relegada

Rogério Cezar de Cerqueira Leite é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Editorial da Folha de S. Paulo

Referência na Europa, herança cultural negra continua em segundo plano no País
Rogério Cezar de Cerqueira Leite


As primeiras obras, hoje denominadas por "arte africana", foram expostas ao mundo ocidental ainda em meados do século 19, mas o foram por motivo perverso. Os chamados "impérios coloniais europeus", tentando justificar o sanguinário uso de força durante suas invasões, trouxeram estatuetas e máscaras como provas do atraso cultural e intelectual dos povos africanos que se refletiriam nas proporções irrealistas desses exemplares. Nas máscaras não estariam representados os traços humanos por incapacidade de técnica ou inadequada percepção dos artistas africanos. As reproduções do corpo humano eram desajeitadas, grotescas mesmo, devido à incapacidade desses povos de medir, de avaliar.

Incapazes foram esses europeus do século 19, que não perceberam a profunda simbologia, a expressão mística e a abstração, expressas magistralmente nessas aparentes distorções da realidade e que só viriam a ser um recurso consciente da arte ocidental séculos depois de cotidianamente vivenciada por centenas de culturas negras da África.

Pois bem, a reversão de opiniões não tardou. Foi na França, onde se concentrava então imensa e criativa comunidade de artistas e intelectuais, que a arte africana explodiu de maneira avassaladora, no despontar do século 20. Fernande Olivier, companheira de Picasso, explica: "Eu creio que foi Matisse quem primeiro descobriu o futuro valor artístico dessas peças africanas, depois foi Derain. Subsequentemente, Picasso ficou fanatizado, coletando, acumulando estatuetas, máscaras e fetiches de todas as regiões da África." Outros afirmam que foram Gauguin e Cézanne que introduziram a Picasso a arte africana.

Uma outra versão, que até certo ponto dá suporte àquela de Fernande, diz que fora Vlamick o primeiro a receber três ou quatro máscaras, uma delas a "Fang", que fascinou Picasso até o fim de sua vida. Em seguida teria mostrado Vlamick o seu achado a Derain, Matisse e ao próprio Picasso.

Mas não foram esses três grandes os únicos a recorrer às artes africanas como fontes de inspiração. Gauguin, Braque e com eles os escritores Gertrude Stein, Apollinaire, Cocteau e Cendrars se tornaram verdadeiros propagandistas das artes africanas.

A influência africana na arte do século 19 é imensa. Sem as máscaras geométricas de Dogon não haveria cubismo, ouso dizer. E de onde teria Picasso extraído os traços revolucionários das Demoiselles d"Avignon? Todavia, a influência incontestável da arte africana sobre as inúmeras correntes que caracterizavam estas inquietas primeiras décadas do século 20 não se restringe a este período particular, mas se estende até nossos dias.

A exposição Algumas Expressões da África, na Galeria Beaubourg, em 1996, mostrou essa relação entre a arte contemporânea de Arman, Beselita, Basquiat, César, Di Rosa, Keith Hering, Penck, Spoerri e Tinguely e a africana, que se estende desde expressões abstratas até o mais imediato figurativismo. O primeiro dessa lista, Arman, possui uma coleção com mais de 300 peças, quatro vezes maior que aquela de Picasso. Diz ele: "Meu diálogo com a arte africana está em relação com a convicção de que a criação artística decorre de um fundo comum da humanidade."

Esta arte que já foi chamada de "primitiva", desafortunadamente, por Lévi-Strauss e corrigida por Malraux para "primordial", não encontra, entretanto, a mínima apreciação neste nosso Brasil, maior componente da diáspora africana do planeta. Enquanto nos EUA, o segundo maior contingente dessa herança, dezenas, senão centenas de espetaculares coleções dessa forma essencial de expressão artística da humanidade estão disponíveis em museus e coleções privadas, no Brasil não há uma única acessível ao público. E isto é lamentável não apenas porque é uma herança do brasileiro que, em pelo menos 50%, assim se reconhece, mas também porque é esta forma de arte um patrimônio essencial da humanidade.

Pois bem, está chegando a hora de, pelo bem da autoestima do negro brasileiro, de seus descendentes mestiços, e do brasileiro em geral, que não fiquemos apenas em efêmeros dias ou semanas de festejos da "consciência negra". Abundam no Brasil grupos universitários e centros de pesquisas sobre artes europeias, mas não há quase nenhuma pesquisa sobre artes e povos de nossa principal e maior herança cultural e genética. Por que seria? Será que ainda somos estigmatizados pelos obsoletos conceitos desenvolvidos durante o colonialismo eurocêntrico? Ou, talvez, seja por mera ignorância desse legado fabuloso que constitui a arte negra.

Comecemos por um autêntico museu de arte africana, um museu de verdade e não um circo, que abrigue e exponha obras fundamentais e patrocine grupos de pesquisas, e que, assim, mereça a denominação de Museu da Cultura Afro-Brasileira.

domingo, novembro 08, 2009

Onde eu estava quando o muro caiu?

Comentários Moisés Basílio: 
A provocativa pergunta da Folha de S. Paulo me vez fuçar nos resquícios de minha memória de 20 anos a trás. Na época era profissionalizado na política e exercia um mandato partidário na direção executiva do PT paulistano. Era o primeiro ano do governo Luiza Erundina e também ano da primeira eleição presidencial depois do golpe militar. Minha posição política no PT estava nos campos da esquerda heterodoxa e da Igreja Católica Popular, da Teologia da Libertação. 
Lembro que por volta do dia 9 de novembro, quando o muro caiu, estava empenhado na reta final da disputa eleitoral do primeiro turno da eleição presidencial que iria levar Lula para o segundo turno com o famigerado Collor. Estava na euforia do Lula ter ultrapassado o Brizola nas pesquisas e estávamos jogando o tudo ou nada. Alugamos uma perua e junto com um grupo de oito militantes, deixamos tudo para trás e fazíamos campanhas o tempo todo na zona leste. De madrugada - a partir das 5 horas da manhã - as portas das fábricas do Belém, Mooca, Vila Prudente etc. Entre oito e 10 horas da manhã íamos para centros comerciais dessas regiões fazer propagando e entregar material de campanha. Entre 10 e 13 horas íamos para as feiras dos bairros populares. Depois do almoço, a partir das 15 horas, voltávamos aos centros comerciais ou aos mutirões de casa em casa pelas ruas dos bairros. Final de tarde e início de noite, de novo a porta de fábricas, porta de escolas etc. 
Longe de representar o fim do socialismo, a queda do muro para mim era a esperança de que algo de novo principiava no mundo e justificava minhas apostas num partido como o PT. Lembro que dois anos antes, num encontro nacional do PT, meu grupo político causou polêmica ao criticar os acordos da secretaria de formação política do PT com o Partido Comunista da Alemanha Oriental, que foram feitos sem discussão ampla no partido. Quando o muro caiu, vários petistas estavam na Alemanha Oriental se formando ou se "deformando".
Queda do muro de Berlim e da esquerda stalinista, Lula lá, governo da Erundina, lutas sociais e populares por todo o país. Para mim foi um tempo de festas, alegrias e transformações libertárias. Axé!
 
Depoimentos publicados no Jornal Folha de S. Paulo - caderno Mais - 8/11/2009. 
por Silviano Santiago, crítico "Devia estar no Rio, onde moro. Nenhuma associação estranha me surge na memória. Acresce o fato de que pouco me assustei com as manchetes do dia. Era o esperado (pelo menos, para mim). Poucos sabem que, poucos meses antes, tendo ido à Alemanha Oriental visitar um colega da Universidade Humboldt, fui detido na fronteira pela Stasi [polícia política da Alemanha Oriental] e levado a um cubículo do tipo três por quatro metros quadrados, onde fui interrogado em espanhol por dois oficiais. Eu havia comprado fitas cassete com música clássica numa loja do bulevar Unter den Linden e acreditavam que trazia mensagens gravadas para o Ocidente. Meu pacote com as fitas, um dicionário e a nota de compras foram confiscados. Depois de analisados em outro local, devolveram-me os pertences e me liberaram. A brincadeira de mau gosto durou uma boa hora e ela, sim, me assustou. Tendo chegado a tal ponto a espionagem política e a paranoia, esperava a queda iminente do Muro de Berlim." por Ferreira Gullar, poeta "Não me lembro exatamente onde eu estava em novembro de 1989, devia estar no Rio de Janeiro. Recebi a notícia da queda do muro como algo muito importante. Era realmente o fim do sistema [socialista]. Sua queda foi o resultado de todo o processo de derrocada do socialismo real. A esquerda foi atingida e perdeu a perspectiva: ela não imagina mais que, após a derrocada do sistema socialista, vá fazer a revolução." por Cildo Meireles, artista "Cerca de um mês antes da queda do muro, eu almocei em São Paulo com Joachim Sartorius [então diretor do programa de artistas do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico]. Ele propôs que eu tentasse esse programa. Combinei de ligar para ele da Europa, pois iria para a França. Estava em Paris no dia da queda do muro, mas fui dormir sem saber da notícia. No dia seguinte, liguei para o Sartorius e ouvi a hesitação em sua voz. Senti que algo ocorrera. Depois fui saber que não só o muro havia sido derrubado, como o escritório da organização tinha vista para o muro. Claro, não era só para eles que muita coisa iria mudar..." por Eduardo Coutinho, cineasta
"Acho que eu estava no Rio de Janeiro. Não fiquei eufórico. Houve uma "implosão". O socialismo já estava caindo aos pedaços e a queda do muro foi a culminação. Em 1968, eu estava em Praga [capital da Tchecoslováquia] e presenciei a invasão soviética. Percebi que aquilo não poderia durar.
No entanto ninguém previa que o muro cairia. A esquerda teve que começar do zero.
Eu estive em Berlim antes do muro, em 1957. Fiquei numa pensão em Berlim Ocidental. Era uma outra época.
Depois disso, estive [novamente na cidade] no festival de cinema, em 1985, mas não tive nenhuma impressão do muro. Berlim [Ocidental] era então uma cidade muito liberal, muito aberta.
A queda foi a culminação de um processo. É símbolo de algo que já estava em decomposição."

sábado, novembro 07, 2009

Racismo no Walmart do Sapopemba

Comentários Moisés Basílio: Está chegando mais um dia 20 novembro, feriado municipal em Sampa e dia da Consciência Negra. Recebi e divulgo mais um caso de racismo acontecido aqui nas quebradas do Sapopemba. Como dizem os escoteiros: Sempre alerta. Axé gente do Fala Negão/Fala Mulher!

SOCIEDADE COMUNITÁRIA ECOLÓGICA CULTURAL E ESCOLA DE SAMBA "FALA 
Rua Giacomo Quirino – nº 96-C  Cj. José Bonifácio CEP. 08225-490 – CNPJ: 01082664/0001-00 - fone: 9464.9303


SUPERMERCADO WALMART É CONDENADO E PAGA MULTA POR RACISMO:
                        
ENTANDA O CASO:
Mãe Noêmia – Oya de Nirê, moradora em Sapopemba, como fazia normalmente, se dirigiu ao super mercado da rede Wal-Mart, na Av. Sapopemba, Jd. Grimaldi, Zona Leste – SP, na data do registro da ocorrência, para compra de algumas mercadorias, entre elas 1 litro de Whisky.
Após o pagamento, na saída, foi abordada grosseiramente pelos seguranças, acusando-a de ter roubado a mercadoria, conforme relato abaixo descrito na sentença. A mesma ainda contra argumentou com os seguranças pedindo respeito pela sua idade e idoneidade, mesmo assim, continuaram expondo-a ao vexame, e ameaçaram de chamar a “policia”, o que a mesma concordou, alegando que por ser “Mulher Negra e Pobre” sentia-se discriminada entendendo que aquilo era um ato de “Racismo”; Ao sentirem a firmeza da acusada, os seguranças recuaram, mas ai a “própria” acusada resolveu tomar a iniciativa de chamar a policia registrar a ocorrência.
Na delegacia do bairro, apesar da insistência da vitima em constatar o caso como “Discriminação racial” o delegado registrou a ocorrência como constrangimento.
Ao convocar uma reunião com os filhos de sua casa, para relatar os fatos, Mãe Noêmia, que também faz parte da Sociedade Comunitária “Fala Negão/Fala Mulher” da ZL/SP, muito abalada, expôs aos mesmos o vexame que passou.
Imediatamente, os diretores da entidade, Gilson Negão e Cenira Moraes se dirigiram ao Super Mercado, procurando o gerente, para ouvir a versão do caso e, informar-lhe que a partir daquele momento iriam tomar providencias jurídicas e abrir queixa crime de racismo contra o Super mercado.
O QUANTO VALE UMA BOA ORIENTAÇÃO JURIDICA:
Ao tomar conhecimento do fato, Dr. Sinvaldo Firmo, que também é filho de Santo da casa de Mãe Noêmia, dirigiu-se ao DP, para acompanhar a ocorrência, argumentando com o delegado, que aquele era um caso de “racismo”, mas sentindo uma aproximação entre o Super mercado e a Delegacia, que insistia em manter o caso como constrangimento, Dr. Sinvaldo resolveu procurar a Delegacia da Mulher, mais próxima do bairro (66), para encaminhar a denuncia.
A delegada atendeu prontamente o pedido e encaminhou a ação de denuncia contra o Super mercado, que resultou na sentença abaixo.
Esta é mais uma vitoria do “Povo Negro, e do povo do Santo, que é sempre suspeito pela cor da pele”
SENTENÇA PUBLICADA NO DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO NO DIA 25 DE JUNHO DE 2009.
2ª Vara Cível do Fórum Regional de Vila Prudente
Processo 009.07.117625-4 - Indenização (Ordinária)
Autora: Noêmia Maria Nogueira da Silva
Ré: Wal Mart Brasil LTDA
Vistos. Trata-se de ação de conhecimento proposta por Noêmia Maria Nogueira da Silva contra Wal Mart Brasil Ltda. objetivando a condenação da ré a pagar indenização por danos morais causados por ato ilícito praticado pela ré. Narra a autora que, no dia 05/12/2005, por volta das 11:30 horas, esteve no estabelecimento comercial da ré e comprou três itens. Foi ao caixa e realizou o pagamento. Após, quando se dirigia ao estacionamento interno da loja, foi abordada por um segurança da ré, de nome João da Silva, que lhe disse “você roubou um CD e um produto na farmácia” e tentou arrancar das mãos da autora as sacolas com as compras, solicitando que a autora apresentasse a nota fiscal da compra. A autora se recusou a mostrar a nota fiscal e foi a um posto da polícia militar e solicitou o comparecimento dos policiais na loja da ré. A autora então permitiu a revista em suas sacolas e mostrou a nota fiscal das compras. Em razão destes fatos, a autora apresentou queixa crime contra os funcionários da ré João da Silva e Marcelo da Cruz Pires, que aceitaram a proposta de transação penal e pagaram multa para não serem processados criminalmente. Também em razão destes fatos, a autora alega que passou a se submeter a tratamento psicológico e a tomar remédios sob prescrição médica contra insônia e depressão. A ré apresentou contestação (fls. 40/51) sustentando a improcedência da ação por ausência de ato ilícito. Esclareceu que o procedimento a que a autora se submeteu consiste apenas na solicitação da nota fiscal para conferência da mercadoria no carrinho, o que leva apenas alguns minutos e transcorre sem traumas ou excessos, ainda mais no caso da autora, que havia comprado apenas três itens. A conferência dos produtos teria sido rápida e discreta se tivesse sido permitida pela autora. Mas a autora se recusou a autorizar a conferência e iniciou e cau sou um verdadeiro tumulto. Sustentou que não houve qualquer abuso ou excesso dos funcionários da ré. Salientou que o boletim de ocorrência foi formulado pela autora em 28/12/2005, 23 dias após a abordagem narrada na inicial. Houve réplica. O processo foi saneado (fls. 98/99). Em audiência (fls. 114/138) foram colhidos os depoimentos pessoais das partes e ouvidas as testemunhas presentes. As partes apresentaram alegações finais na forma de memoriais. Relatados, DECIDO. A ação é procedente. Ficou bem demonstrado pelos depoimentos colhidos em juízo que a ré submeteu a autora a constrangimento desnecessário e indevido, acusando a autora de ter furtado mercadorias no interior do estabelecimento da ré, o que verificou-se não ser verdade. Neste sentido o esclarecedor depoimento da testemunha Maria Bagneti, especialmente a narrativa dos acontecimentos, tal como consta a fls. 128 dos autos.
Também esclarecedor e confirmando a versão da autora, o depoimento da testemunha Cenira Moraes, especialmente a narrativa de fls. 135. Note-se, ainda, que a ré, intimada pessoalmente para comparecer em juízo para prestar depoimento pessoal, fez-se representar na audiência por preposto que não soube esclarecer sobre os fatos ocorridos com relação à autora, o que configura confissão, nos termos do 343 §2º do CPC. Neste contexto, bem configurada a culpa da ré, eis que seu funcionário acusou a ré, injustamente, de ter cometido um furto no estabelecimento da ré. Esta conduta da ré, que na esfera penal se subsume no tipo penal da calúnia, configura evidente dano moral, desnecessária a demonstração do sofrimento da autora. Na fixação do valor da indenização, levo em consideração o grau de culpa da ré, as conseqüências do ato para a autora e a capacidade econômica das partes. Tudo isso sopesado, fixo a indenização pelos danos morais sofridos pela autora em cinco mil reais. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a ação para condenar a ré a pagar à autora indenização por danos morais que fixo em cinco mil reais. Sucumbente, arcará a ré com as custas do processo e pagará honorários advocatícios de 10% do valor da condenação. P.R.I. (Custas de preparo para eventual apelação R$ 2.508,20, mais uma taxa de porte rem/ret do Tribunal).

quarta-feira, novembro 04, 2009

LÉVI-STRAUSS - Adeus ao grande mestre!


Comentários Moisés Basílio: O grande mestre tem me acompanhado ao longo de toda a minha formação acadêmica. Entrei em contato com seu pensamento nos anos 80 quando cursei Ciências Sociais na PUC/SP. O professor Edgar de Assis Carvalho foi quem me deu preciosas chaves para entrar no universo do grande mestre. O obituário da Professora Manuela Carneiro da Cunha, que conviveu de perto com o mestre, traçam um bom roteiro para compreendermos a sua importância para a antropologia. Chorarei sua morte lendo sua obra. Axé! 




E assim se passaram 100 anos.
Edgard de Assis Carvalho, professor de titular de Antropologia, PUCSP.
Março de 2008.
Fonte: Sítio do Instituo de Estudos da Complexidade - clique

O ano de 1908 foi de convergências e sincronicidades. Nasceram Claude Lévi-Strauss e Maurice Merleau-Ponty. Simone de Beauvoir também veio ao mundo nessa data. Isso na França. Merleau-Ponty partiu em 1962, Simone, o Castor como era tratada na intimidade, em 1986, seis anos após a morte de Jean-Paul Sartre.  Aqui no Brasil, deixava a convivência dos vivos o nosso Machado de Assis. Aos 100 anos, Lévi-Strauss permanece na ativa, desafiando pesquisadores, comentadores, críticos.  Por coincidência ou não, estamos diante de quatro pensadores fulgurantes, cujas obras terão muito a dizer para a nossa e as gerações futuras desse século 21 globalizado,  tirânico, intolerante, líqüido e, simultaneamente, esperançoso e civilizatório.
Centenários sempre provocam comemorações, exposições, colóquios como esse Narradores do sensível voltado para Lévi-Strauss e Merleau-Ponty. O que há de comum entre os dois? Obstinadamente apaixonados pela liberdade, ambos ultrapassam fronteiras disciplinares, desfazem barreiras entre ciências e artes.  Universalistas, são autores de uma obra multidimensional que nos faz meditar sobre os percalços da condição humana em sua aventura na Terra.
Fazer Antropologia, diz Merleau-Ponty, exige um longo processo de transformação de si mesmo, para que o contato com o outro não seja cercado de exotismos e relativismos complacentes. Além disso,  o antropólogo deve entender que não é um objeto particular o que define sua especialidade, mas uma maneira de pensar que combina universal e particular, singular e plural.
Desde 1949, Lévi-Strauss passou a fustigar a fronteira entre natureza e a cultura, fato inédito para uma Antropologia que se gabava de harmonias funcionalistas e neo-evolucionismos classificatórios. Claro que a lingüística é fundamental em suas idéias,  claro também que, apesar de detestar viagens, sua vinda aos tristes trópicos, entre 1935 e 1937, como integrante da missão francesa, fornece pistas para o entendimento e decifração da relação vida e idéias.
Muitos anos mais tarde, em 1994 e 1996, com a discrição que lhe é peculiar, ao falar das saudades  que sente do Brasil e, em especial, da cidade de São Paulo, são as imagens fotográficas que se superpõem à narrativa escrita. O que elas transmitem, afirma Lévi-Strauss, é a impressão de um vazio, de uma falta. Ou seja, por mais técnicas que sejam, as fotografias não captam o fluxo da vida. Paralisam o tempo, congelam o acontecimento. Redescobri-las implica exercitar a sensibilidade, excitar a mente, perceber a instabilidade e a descontinuidade da história.
Os processos históricos, porém, só adquirem inteligibilidade por meio do conceito de estrutura. Resta saber como os homens percebem e vivem o mundo dos acontecimentos. Não se dão conta deles. Há algo recalcado, recalcitrante, inerte, inconsciente, situado nas profundezas da alma que impede que isso seja feito. A estrutura reorganiza a ordem vivida, é propriedade do real que passa a ser visto de maneira mais elegante e fina. Tem duas faces, como o deus Jano do panteão romano, representado por dois rostos que se opõem, um que olha para frente, outro para trás.
Como o pensamento sempre pensa bem, a sensibilidade entra em ação, às turras com os mandos e desmandos da razão. Razão e sensibilidade são faces da mesma moeda, como os dois rostos de Jano.  Por mais que se queira fragmentar a existência, ela resiste, e com muita tenacidade e perseverança. Dilacerada no deserto do real,  busca rejuntar seus pedaços, totalizar, religar, propor novos sentidos aos desatinos humanos.
As mitologias são exemplo disso. Linguagens da imaginação, apropriam-se das poeiras de estrelas deixadas pelo rastro do tempo, solucionam contradições, invertem a relação natureza-cultura e a seqüência presente-passado-futuro.  Por isso, devem ser percebidas como músicas que exigem atenção dedicada do ouvinte. Música e linguagem põem nossos sentidos constantemente à prova. Os mitos, afirma Lévi-Strauss, sempre querem dizer a mesma coisa. Não são específicos de nenhuma sociedade, dessa ou daquela população. São respostas irônicas ou desencantadas para problemas intemporais. Constituem, portanto, patrimônio universal da cultura.
Injustamente acusado de negligenciar a história, de não dar a mínima para a luta dos homens, de pregar uma nostalgia do absoluto, Claude Lévi-Strauss nos faz ver o mundo de outra forma. Sua paixão pelo entendimento é de tal ordem que nos leva a perceber que somos meros grãos de areia, infinitamente pequenos, filhos do cosmo e, como tal, impermanentes e provisórios. “Permitam, portanto, meus caros colegas, depois de haver prestado homenagem aos mestres da antropologia no início dessa aula, que minhas últimas palavras sejam voltadas para os selvagens, cuja obscura tenacidade nos propicia, ainda, a oportunidade de perceber os fatos humanos em suas verdadeiras dimensões”. Esse fragmento da aula inaugural do Collège de France, proferida em 5 de janeiro de 1960, é simultaneamente parte e todo de sua vastíssima obra. É dessa tenacidade que precisamos urgentemente!  

 Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 8/112/2009 - caderno Mais.

Grande homem, grande pensador
Manuela Carneiro da Cunha rebate o obituário publicado pelo "New York Times", que chamou o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, morto no dia 1º, de "pedante"

MANUELA CARNEIRO DA CUNHA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há pelo menos 20 anos me pedem para deixar escrito e preparado um obituário de Claude Lévi-Strauss e há 20 anos tenho recusado.
Hoje [quarta-feira, 4/11] li o obituário dele publicado no "New York Times" e fiquei indignada com sua lista de inanidades: quase todas as leituras equivocadas de sua obra estão lá, quase todas as distorções do seu pensamento e do seu estilo também, quase todos os preconceitos de quem não se deu ao prazer de o ler.
Achei que pelo menos no Brasil, se não nos EUA, tínhamos o dever de assinalar a grandeza desse homem.
Lévi-Strauss não foi só um antropólogo -o maior dos antropólogos, como bem disse Steve Hugh Jones, professor na Universidade de Cambridge, no ano passado-, ele foi um pensador originalíssimo e um escritor admirável.
Um homem sintonizado com a ciência e a arte, cujos interesses iam da matemática à cosmologia, às ciências da vida, à filosofia, à música.
Descrito como cerebral por quem não vê mais longe do que o próprio nariz, ao contrário Lévi-Strauss tinha uma sensibilidade rara para o mundo material.
As descrições que faz em "Tristes Trópicos" [Cia. das Letras], a minúcia com que conhece bichos, plantas e constelações e os faz figurar nas suas análises de mitologia, sua recuperação da lógica do sensível no livro "O Pensamento Selvagem" [Papirus], tudo isso atesta, para quem o sabe ler, a convergência rara da inteligência e da sensibilidade.

Respeito imediato
Lévi-Strauss, contrariamente ao que estupidamente se publicou no "New York Times", era tudo menos pedante.
Tinha um pensamento límpido, sintético, e plena consciência das implicações do que estava afirmando.
Tinha também o dom extraordinário de falar exatamente como escrevia. Era como se sua prosa elegante fosse o fruto espontâneo de seu pensamento. Impunha um respeito imediato.
Por mais que ele sempre tivesse sido amigável comigo, por mais que me tivesse apoiado, escrito e encorajado, nunca deixei de ficar intimidada na sua presença.
Ainda no "New York Times", se faz referência à famosa frase que abre "Tristes Trópicos" -"Odeio viagens e exploradores"- para apoiar as críticas absurdas de que Lévi-Strauss não tinha apreço pela etnografia e pelo trabalho de campo.
Difícil ter maior apreço do que ele, que, contrariamente a Edmund Leach, que o difundiu na Inglaterra (sem jamais o ter bem compreendido), nunca autorizou a análise de mitos sem o conhecimento profundo da etnografia e do ambiente.
Era, sem dúvida, e confessadamente, um cientista que gostava de seu gabinete -gabinete [em Paris] que aliás conservou e frequentou quase até o fim e que, após a mudança de endereço do Laboratório de Antropologia Social para a antiga Escola Politécnica, tinha-se tornado um ninho de águia dominando o Laboratório.
Mas as viagens que fez no Brasil dos anos 1930 foram excepcionais não somente pela sua dificuldade e extensão mas também pelas análises que geraram. Recolocando a frase de "Tristes Trópicos" em seu contexto, e vendo o uso que ele faz dos cronistas do Brasil do século 16, entende-se do que ele está falando. Basta ler.
A voga do estruturalismo nos anos 1960 foi um desserviço para Lévi-Strauss.
Se por um lado o tornou mundialmente famoso, também o assimilou de modo espúrio a outros autores como Althusser e Lacan- com quem não tinha, na realidade, afinidade intelectual.
De Lacan, seu amigo pessoal, ele dizia que nunca o tinha entendido. E não há nada mais diferente de Lévi-Strauss do que Althusser. E, sobretudo, exatamente porque foi moda, foi substituída por outras modas que lhe sucederam.

Ambientalismo
Talvez por isso, Lévi-Strauss dizia que tinha vivido demais, que tinha presenciado seu próprio esquecimento. Mas viveu afinal o bastante para perceber que seu pensamento estava sendo redescoberto, dessa vez por filósofos ainda mais do que por antropólogos.
Reparem que escrever, no auge de sua glória, os quatro volumes das (grandes) "Mitológicas" [Cosac Naify] foi uma empresa espantosa.
Ele já tinha dado o programa e os alicerces da obra em artigos e um livro. Mas resolveu empreender sozinho e com meios artesanais a análise detalhada de centenas de mitos das Américas, reconstituir -usando a própria prodigiosa intuição- as lógicas que presidem esse conjunto e usar declaradamente seu próprio pensamento como revelador do pensamento ameríndio e do pensamento mítico em geral.
Um grande homem.
Um homem também à frente de seu tempo, precursor do ambientalismo e da defesa dos direitos dos animais.

Defesa dos animais
Lévi-Strauss não proclamou só a unidade dos mecanismos do pensamento na espécie humana, ele também denunciou a crueldade absurda de um mundo ordenado para servir a humanidade e destruído a seu bel-prazer.
Dito claramente: Lévi-Strauss foi um grande homem e um grande pensador, e as futuras gerações terão ainda o prazer de o descobrir.

MANUELA CARNEIRO DA CUNHA é antropóloga, professora aposentada da Universidade de Chicago (EUA) e autora de "Cultura com Aspas" (ed. Cosac Naify), entre outros livros.

Leia a tradução do obituário do jornal "New York Times"
www.folha.com.br/093092


Fonte: Folha Online - 08/11/2009 - 02h31

Leia obituário do "New York Times" sobre Claude Lévi-Strauss

EDWARD ROTHSTEIN
do New York Times
Claude Lévi-Strauss, o antropólogo francês cujos estudos revolucionários sobre aquele que até então era visto como "homem primitivo" transformaram a compreensão ocidental da natureza da cultura, dos costumes e da civilização, morreu aos cem anos de idade.
Seu filho Laurent disse que Lévi-Strauss morreu de parada cardíaca no fim de semana em sua casa em Paris. Sua morte foi anunciada na terça-feira, no mesmo dia em que ele foi sepultado no vilarejo de Lignerolles, na região da Côte-d'Or, a sudeste de Paris, onde ele tinha uma casa de campo.
"Ele tinha expressado o desejo de ter um funeral discreto e sóbrio, com seus familiares, em sua casa de campo", disse seu filho. "Ele era apegado a este lugar; gostava de fazer caminhadas na floresta, e o cemitério onde foi enterrado fica ao lado dessa floresta."
Pensador marcante e de enorme influência, Lévi-Strauss, com seus estudos das mitologias de tribos primitivas, transformou a maneira como o século 20 passou a compreender a própria civilização. Ele argumentou que as mitologias tribais revelam sistemas lógicos de sutileza notável, exibindo qualidades mentais racionais tão sofisticadas quanto as das sociedades ocidentais.
Lévi-Strauss rejeitava a ideia de que as diferenças entre sociedades não fossem importantes, mas se concentrava nos aspectos comuns das tentativas da humanidade de entender o mundo. Ele se tornou o maior expoente do chamado estruturalismo, uma escola de pensamento segundo a qual "estruturas" universais seriam subjacentes a toda a atividade humana, dando forma a culturas e criações aparentemente díspares.
Seu trabalho exerceu influência profunda até mesmo sobre seus críticos, dos quais houve muitos. Não houve sucessor comparável a ele na França. E seus escritos --que misturam pedantismo e poesia e são repletos de justaposições ousadas, argumentos complexos e metáforas elaboradas-- se assemelham a muito pouco do que veio antes na antropologia.
"As pessoas se dão conta de que ele é um dos grandes heróis intelectuais do século 20", disse em novembro passado Philippe Descola, presidente do departamento de antropologia do Collège de France, em entrevista ao "New York Times" no centenário do nascimento de Lévi-Strauss. Lévi-Strauss era tão reverenciado que a ocasião foi comemorada em pelo menos 25 países.
Descendente de uma família judaica francesa artística e distinta, Lévi-Strauss era um intelectual francês emblemático, tão à vontade na esfera pública quanto no mundo acadêmico. Ele lecionou em universidades de Paris, Nova York e São Paulo e também trabalhou para as Nações Unidas e para o governo francês.
Seu legado é imponente. "Mitológicas", sua obra em quatro volumes sobre a estrutura da mitologia indígena nas Américas, procura fazer nada menos que uma interpretação do mundo da cultura e dos costumes, moldada pela análise de várias centenas de mitos de tribos e tradições pouco conhecidas. Os volumes --"O Cru e o Cozido", "Do Mel às Cinzas", "A Origem dos Modos à Mesa" e "O Homem Nu", publicados entre 1964 e 1971-- desafiam o leitor com seu entremear complexo de temas e detalhes.
Na análise que fazia dos mitos e da cultura, Lévi-Strauss podia contrastar imagens de macacos e onças; analisar as diferenças de significado entre alimentos assados e fervidos em água (os canibais, ele sugeriu, tendiam a ferver seus amigos e assar seus inimigos) e traçar ligações entre histórias mitológicas esdrúxulas e complexas leis de casamento e parentesco.
Muitos de seus livros incluem diagramas que se assemelham a mapas de geometria interestelar, fórmulas que evocam técnicas matemáticas e fotos em preto e branco de rostos escarificados e rituais exóticos, feitas por ele durante seus trabalhos de campo.
"O Pensamento Selvagem"
Suas interpretações de mitos norte e sul-americanos foram fundamentais para transformar a visão ocidental das chamadas sociedades primitivas. Lévi-Strauss começou a desafiar o pensamento convencional a respeito destas pouco depois de iniciar suas pesquisas antropológicas, na década de 1930 --uma experiência que se tornou a base de um livro aclamado lançado em 1955, "Tristes Trópicos", uma espécie de meditação antropológica baseada em suas viagens no Brasil e em outras regiões.
A visão comumente aceita era de que as sociedades primitivas eram intelectualmente pouco imaginativas e temperamentalmente irracionais, baseando suas abordagens à vida e à religião na busca pela satisfação de necessidades urgentes de alimento, roupa e abrigo.
Lévi-Strauss resgatou os objetos de seus estudos dessa visão limitada. Começando com as tribos cadiuéu e bororo de Mato Grosso, onde ele fez seus primeiros e fundamentais trabalhos de campo, Lévi-Strauss identificou entre eles uma busca obstinada não apenas por satisfazer suas necessidades materiais, mas também por compreender origens; uma lógica sofisticada que regia até mesmo os mitos mais bizarros, e um senso implícito de ordem e desígnio, mesmo entre tribos que praticavam a guerra de maneira implacável.
Seu trabalho elevou o status da "mente selvagem", expressão que se tornaria o título inglês ("The Savage Mind") de uma de suas obras mais contundentes, "O Pensamento Selvagem" (1962).
"A sede de conhecimento objetivo", escreveu, "é um dos aspectos mais comumente ignorados do pensamento das pessoas que chamamos de 'primitivas'."
O mundo das tribos primitivas estava desaparecendo rapidamente. Entre 1900 e 1950, mais de 90 tribos e 15 línguas tinham deixado de existir, apenas no Brasil. Esse era outro dos temas recorrentes de Lévi-Strauss. Ele receava o crescimento de uma "civilização massificada", de uma "monocultura" moderna. Às vezes expressava uma repulsa irritada pelo Ocidente e "sua própria imundície, atirada no rosto da humanidade".
Nessa aparente exaltação da mente selvagem e denigrescimento da modernidade ocidental, Lévi-Strauss escrevia dentro da tradição do romantismo francês, inspirado pelo filósofo setecentista Jean-Jacques Rousseau, a quem reverenciava. Foi uma visão que ajudou a moldar sua reputação pública na era do romantismo contracultural dos anos 1960 e 1970.
Mas esse romantismo simplificado, além do relativismo cultural que ganhou forma nas décadas seguintes, também era uma distorção de suas ideias. Para Lévi-Strauss, o selvagem não é intrisecamente nobre ou de qualquer maneira "mais próximo da natureza". Lévi-Strauss se mostrou devastador, por exemplo, em suas descrições dos cadiuéus, que retratou como uma tribo que se rebelava contra a natureza --e, portanto, estava condenada-- a tal ponto que evitava a procriação, optando por "reproduzir-se" por meio do sequestro de crianças de tribos inimigas.
Suas descrições de tribos indígenas das Américas do Norte e do Sul guardam pouca relação com os clichês sentimentais e bucólicos que se tornaram comuns. Lévi-Strauss também traçava distinções nítidas entre o primitivo e o moderno, focando no desenvolvimento da escrita e da consciência histórica.
Foi uma consciência da história, a seu ver, que teria permitido o desenvolvimento da ciência e a evolução e expansão do Ocidente. Mas ele temia pelo destino do Ocidente, que, segundo escreveu no "New York Review of Books", estava "se permitindo esquecer ou destruir seu próprio legado". Ele também sugeriu que, com a perda da potência do mito no Ocidente moderno, a música teria assumido a função do mito. A música, argumentou, com seu poder narrativo primal, possui a capacidade de sugerir as forças e ideias conflitantes que estão nos fundamentos da sociedade.
Mas Lévi-Strauss rejeitou a ideia de Rousseau de que os problemas da humanidade decorrem das distorções humanas da natureza. Na visão dele, não existe alternativa a essas distorções. Cada sociedade precisa se criar a partir da matéria-prima da natureza, ele pensava, tendo a lei e a razão como suas ferramentas essenciais. Essa aplicação da razão, ele argumentava, cria estruturas universais que são encontradas em todas as culturas e todos os tempos.
Lévi-Strauss se tornou conhecido como estruturalista devido a sua convicção de que existe uma unidade estrutural subjacente a toda a criação humana de mitos, e ele demonstrou como esses motivos universais se expressam nas sociedades, até mesmo no desenho espacial de uma aldeia.
Para Lévi-Strauss, a mitologia de todas as culturas é erguida em torno de oposições: quente e frio, cru e cozido, animal e humano. E é por meio desses conceitos opostos, "binários", disse ele, que a humanidade interpreta o mundo.
Era tudo muito diferente das questões que até então preocupavam a maioria dos antropólogos. A antropologia até então havia tradicionalmente buscado trazer à tona as diferenças entre culturas, e não descobrir suas estruturas universais. Ela se preocupara não com ideias abstratas, mas com as particularidades de rituais e costumes, com sua coleta e catalogação.
A abordagem "estrutural" de Lévi-Strauss, buscando elementos universais da mente humana, chocou-se com aquela visão da antropologia. Lévi-Strauss não procurou determinar as diversas finalidades das práticas e dos rituais de uma sociedade. Jamais se interessou pelo tipo de trabalho de campo empreendido por antropólogos de uma geração posterior, como Clifford Geertz, que observaram e analisaram sociedades como que de seu interior. (Ele iniciou "Tristes Trópicos" com a declaração "odeio viajar e odeio exploradores".)
Ideias que agitaram seu campo
Como ele escreveu em "O Cru e o Cozido" (1964), Lévi-Strauss considerou que tinha levado "a pesquisa etnográfica na direção da psicologia, da lógica e da filosofia".
Em palestras dadas pela rádio à Canadian Broadcasting Corporation em 1977 (publicadas como "Myth and Meaning", Mito e Significado), Lévi-Strauss demonstrou como poderia ser feita uma análise estrutural de um mito. Ele citou um relato segundo o qual no século 17, no Peru, quando fazia fria intenso, um sacerdote convocava todos os que tinham nascido pelos pés primeiro, que tivessem lábio leporino ou fossem gêmeos. Essas pessoas então eram acusadas de serem responsáveis pelo tempo frio e eram ordenadas a fazer penitência. Mas por que esses grupos? Por que gêmeos e pessoas com lábio leporino?
Lévi-Strauss citou uma série de mitos norte-americanos que associam gêmeos a forças naturais opostas: ameaça e esperança para o futuro, perigo e expectativa. Um mito, por exemplo, inclui uma lebre mágica, um coelho, cujo focinho é rachado em uma briga, resultando literalmente em um lábio leporino, o que sugere uma condição gêmea incipiente. Com suas injunções, o sacerdote peruano parecia ter consciência de associações entre desordem cósmica e o poder latente dos gêmeos.
As ideias de Lévi-Strauss abalaram o campo da antropologia. Mas seus críticos foram muitos. Eles o atacaram por ignorar a história e a geografia, empregando mitos de um lugar e tempo para ajudar a lançar luz sobre mitos de outro, sem demonstrar qualquer conexão ou influência direta.
Em uma influente análise crítica da obra de Lévi-Strauss escrita em 1970, o antropólogo da Universidade Cambridge Edmund Leach escreveu: "Mesmo hoje, apesar de seu prestígio imenso, os críticos entre seus colegas de profissão superam muito em número os discípulos".
O próprio Leach duvidava de que Lévi-Strauss, durante seus trabalhos de campo no Brasil, pudesse ter conversado com "qualquer um de seus informantes indígenas em sua língua nativa" ou permanecido por tempo suficiente para confirmar suas primeiras impressões. Alguns dos argumentos teóricos de Lévi-Strauss, incluindo suas explicações sobre os canibais e seus gostos, foram contestados por pesquisas empíricas.
Lévi-Strauss reconheceu que sua força estava nas interpretações que fez do que descobriu. Ele pensava que seus críticos não tinham dado crédito suficiente ao impacto cumulativo dessas especulações. "Por que não admiti-lo?", disse certa vez a um entrevistador, Didier Eribon, em "De Perto e de Longe". "Não levei muito tempo a descobrir que eu era um homem feito mais para os estudos que para o trabalho em campo."
Claude Lévi-Strauss nasceu em 28 de novembro de 1908, em Bruxelas, filho de Raymond Lévi-Strauss e de Emma Levy, que estavam vivendo na Bélgica na época. Ele cresceu na França, perto de Versalhes, onde seu avô era rabino e seu pai, pintor retratista. Seu bisavô Isaac Strauss foi um violonista em Estrasburgo que foi mencionado por Berlioz em suas memórias. Quando criança, Lévi-Strauss gostava de colecionar objetos de toda espécie e os justapor. "Eu tinha paixão por curiosidades exóticas", disse em "De Perto e de Longe". "Minhas pequenas economias iam todas parar em lojas de artigos de segunda mão." Um conjunto de antiguidades da coleção de sua família, ele contou, foi exposto no Museu de Cluny, em Paris; outros objetos da coleção foram roubados depois de a França ser dominada pelos nazistas, em 1940. Entre 1927 e 1932, Lévi-Strauss se graduou em direito e filosofia na Universidade de Paris, depois lecionou em um colégio de segundo grau local, o Liceu Janson de Sailly, onde seus colegas professores incluíram Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Mais tarde ele se tornou professor de sociologia na Universidade de São Paulo, de influência francesa.
Gosto pela aventura
Decidido a tornar-se antropólogo, ele começou a fazer viagens pelo interior do Brasil, acompanhado por Diana Dreyfus, com que se casou em 1932. "Eu procurava uma maneira de conciliar minha formação profissional com meu gosto pela aventura", disse ele em "De Perto e de Longe", acrescentando: "Senti que estava revivendo as aventuras dos primeiros exploradores do século 16".
Seu casamento com Dreyfus terminou em divórcio, assim como um casamento subsequente, em 1946, com Rose-Marie Ullmo, com quem teve seu filho Laurent. Em 1954 Lévi-Strauss se casou com Monique Roman, e também eles tiveram um filho, Matthieu. Além de Laurent, Lévi-Strauss deixa sua esposa, Matthieu e os dois filhos de Matthieu.
Lévi-Strauss deixou de lecionar em 1937 para dedicar-se a trabalhos de campo, retornando à França em 1939 para levar seus estudos adiante. Mas, na véspera da Segunda Guerra Mundial, foi convocado pelo Exército francês para atuar como contato com as tropas britânicas. Em "Tristes Trópicos", ele descreve sua "retirada desordenada" da Linha Maginot depois da invasão da França por Hitler, fugindo em caminhões de gado e dormindo em "currais de ovelhas".
Em 1941 Lévi-Strauss foi convidado para ser professor visitante na Nova Escola de Pesquisas Sociais, em Nova York, com ajuda da Fundação Rockefeller. Ele descreveu esse período como "o mais frutífero de minha vida". Passava tempo na sala de leitura da Biblioteca Pública de Nova York e tornou-se amigo do respeitado antropólogo americano, mas nascido na Alemanha, Franz Boas e do linguista (e estruturalista) nascido na Rússia Roman Jakobson.
Ele também passou a integrar um círculo de artistas e surrealistas que incluía Max Ernst, André Breton e Dolorès Vanetti, futura amante de Jean-Paul Sartre. Vanetti, disse Lévi-Strauss em "Conversations", compartilhava sua "paixão por objetos", e os dois faziam visitas regulares a uma loja de antiguidades de Manhattan que vendia artefatos do Noroeste Pacífico. Essas excursões deixaram Lévi-Strauss com "a impressão de que tudo o que há de essencial nos tesouros artísticos da humanidade podia ser encontrado em Nova York".
Após a guerra, Lévi-Strauss estava tão determinado a levar adiante seus estudos em Nova York que recebeu do governo francês o cargo de adido cultural, que exerceu até 1947. Retornando à França, recebeu um doutorado em letras da Universidade de Paris em 1948 e foi curador associado do Museu do Homem, em Paris, em 1948 e 1949. Seu primeiro grande livro, "As Estruturas Elementares do Parentesco", foi publicado em 1949. (Alguns anos mais tarde, o júri do Prêmio Goncourt, o mais famoso prêmio literário da França, disse que teria dado o prêmio a "Tristes Trópicos", seu híbrido de livro de memórias e relato de viagens antropológico, se tivesse sido ficção.)
Depois de a Fundação Rockefeller ter feito uma doação à École Pratique des Hautes Études, em Paris, para a criação de um departamento de estudos sociais e econômicos, Lévi-Strauss tornou-se o diretor de estudos da escola, cargo no qual permaneceu de 1950 a 1974.
Seguiram-se outros cargos. Entre 1953 e 1960, Lévi-Strauss foi secretário-geral do Conselho Internacional de Ciência Social da Unesco. Em 1959 ele foi nomeado professor do Collège de France. Foi eleito para a Academia Francesa em 1973. Em 1960 Lévi-Strauss já tinha fundado o "L'Homme", periódico que seguiu o modelo da "The American Anthropologist".
Nos anos 1980 o estruturalismo, conforme visualizado por Lévi-Strauss, deu lugar aos pensadores franceses que se tornaram conhecidos como pós-estruturalistas: escritores como Michel Foucault, Roland Barthes e Jacques Derrida. Eles rejeitavam a ideia das estruturas universais atemporais e argumentavam que história e experiência eram muito mais importantes que leis universais na formação da consciência humana.
"A sociedade francesa, e a parisiense em especial, é voraz", respondeu Lévi-Strauss. "A cada cinco anos, mais ou menos, sente a necessidade de encher sua boca com algo novo. Assim, cinco anos atrás era o estruturalismo, e agora é outra coisa. Praticamente não ouso mais usar a palavra 'estruturalista', tão gravemente ela foi deformada. Eu certamente não sou o pai do estruturalismo."
Mas é possível que a versão de estruturalismo proposta por Lévi-Strauss acabe sobrevivendo ao pós-estruturalismo, assim como Lévi-Strauss sobreviveu à maioria de seus expoentes. Sua obra monumental "Mitológicas" pode até assegurar seu legado, se não como explicador das mitologias, como seu criador.
O volume final de "Mitológicas" termina com a sugestão de que a lógica da mitologia é tão poderosa que os mitos quase têm uma vida independente dos povos que os contam. Na visão de Lévi-Strauss, os mitos falam através da humanidade, e, por sua vez, se tornam as ferramentas com as quais a humanidade se concilia com o maior mistério do mundo: a possibilidade de não ser, o fardo da mortalidade.
Colaborou Nadim Audi, de Paris
Tradução de Clara Allain
Este texto foi publicado originalmente no jornal "The New York Times"